PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – EDITAIS DE CONCURSO PÚBLICO – REQUISTOS – JURISPRUDÊNCIAS – EDITAIS ABUSIVOS – USO DO MANDADO DE SEGURANÇA – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCOSNTITUCIONALIDADE – DEFERIMENTO
Relatório
Trata-se este documento de uma situação-problema, onde uma empresa pública determinou em seu edital que "os candidatos que ostentarem barba serão reprovados", vindo a explicação "isso efetivamente pode trazer prejuízo à atividade econômica desenvolvida pelo empregador". Neste concurso, houve um aprovado de 40 anos de idade, na primeira fase para uma das vagas disponibilizadas, no entanto, ao se deparar com a banca examinadora, em uma das fases seguintes, foi reprovado devido a sua barba que ostentava há mais de 12 anos. A banca examinadora apoia-se em uma pesquisa, segundo a qual 81% dos entrevistados declaram que a barba "piora a aparência e/ou charme." Dentro deste estudo procurei solucionar o caso como se fosse seu advogado, referindo às questões pertinentes ao mesmo, tais como: Há a possibilidade de, neste caso, pedir a inconstitucionalidade do artigo deste edital? Como desencadear? Qual o procedimento adota para tal? Seria possível falar em discriminação do meu cliente neste exame de admissão somente por possuir barba?
Estudado o caso, passo a opinar.
Fundamentação
1 - Introdução
A Constituição Federal consagra o princípio da igualdade na redemocratização do Estado Democrático de Direito trazendo uma nova realidade social, jurídica e política.
A República Federativa do Brasil tem como um dos principais objetivos promover o bem de todos, sem distinção de raça, cor, sexo, idade e qualquer outra forma de discriminação, sendo estes quesitos traçados no artigo 3°, inc. IV, da CF/88, combinado com o art. 5°, inc. I e XLI, CF/88. Referindo a dignidade da pessoa humana como um mandato imperativo contra qualquer discriminação.
No entanto, o que observamos nos editais de Concurso Público, é a existência de tipos de limitações quanto à idade, altura, e agora até mesmo, quanto ao uso de barba.
A igualdade que diz a nossa legislação tem que ser como a que o CANOTILHO faz referência:
Esta igualdade conexiona-se, por um lado, com uma política de ‘justiça social’ e com a concretização das imposições constitucionais tendentes à efectivação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Por outro, ela é inerente à própria idéia de igual dignidade social e de igual dignidade de pessoa humana consagrada no artigo 13°/2 que, deste modo, funciona não apenas com fundamento antropológico-axiológico contra discriminações, objectivas ou subjectivas, mas também como princípio jurídico-constitucional impositivo de compensação de desigualdade de oportunidades e como princípio sancionador da violação da igualdade por comportamentos omissivos (inconstitucionalidade por omissão)
( CANOTILHO, 1998, P.392).
Nossa carta Magna de 1988, também diz sobre a magnitude da Isonomia em muitos artigos, especialmente nos arts. 3°, IV; 5°, caput, I, VIII, XLII, e 7°, XXX, XXXI e XXXIV, baseando-se na mesma igualdade de todos diante da lei. Porém, este princípio não afirma que todos devem ser iguais na inteligência, na aparência, nas condições econômicas ou na capacidade de trabalhar, mas sim, que todos devem ser iguais diante da Lei, onde os méritos iguais devem ser tratados igualmente, e situações desiguais, desigualmente.
Percebemos então, que a igualdade é garantida pela lei máxima, uma norma erga omnes, sendo um comando dirigido a todos, proporcionando o Direito a todos de forma igual, garantindo assim, o cumprimento do dever através da existência deste Direito.
2 - Alguns requisitos para editais de concursos públicos, e sua harmonia com a Constituição Federal.
Poderíamos afirmar que todo edital de concurso público é uma peça escrita, a mais importante do certame, onde se fixará as regras que se submeterão os candidatos.
Como requisitos podem ser exemplificados como relativas à competição, critérios de desempate, conhecimentos exigidos, programas das disciplinas para cada tipo de função, critérios de avaliação das provas. Tipo do concurso se será de provas e/ou títulos, especificando de acordo com a complexidade e a natureza da função a ser preenchida, conforme o art. 37, II, da CF/88. Pontuação mínima para classificação ou limite de candidatos habilitados para a etapa seguinte.
Prazo de validade do certame e a possibilidade ou não de sua prorrogação. No caso do prazo de validade do concurso público, o art. 37, III, da CF/88, diz que este prazo será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período. Sobre a suposta competência discricionária para fixação deste prazo de validade, é bom destacar a posição do Professor Luciano Ferraz (2005, p. 250), para quem o concurso deve ter validade de prazo suficiente para justificar a realização do certame, devendo haver congruência entre o prazo necessário à realização de novo concurso e seu antecedente.
Devem trazer a nomenclatura, o quantitativo das funções oferecidas, descrição da atividade, o regime jurídico, jornada de trabalho e sua remuneração salarial. Local, data, horário, documentação necessária para a realização das inscrições, se é ou não exclusiva via internet.
As provas podem ser escritas, orais (como língua estrangeira), prática, de títulos, de capacidade física, exames de saúde, avaliação psicológica, exame de psicotécnico, entrevista, sindicância de vida pregressa, buscando assim o objetivo que seria aferir a capacidade intelectual, psíquica ou física dos candidatos.
Nestes casos acima citados, quando existentes, devem tomar o cuidado, de não utilizá-las como meios indiretos de reprovação dos candidatos, estes critérios devem ser previamente estabelecidos no edital, tendo, portanto previsão legal para tal, conforme entendimento sumulado pelo STF, no Enunciado 686.
O Supremo Tribunal Federal – STF entendeu pela violação ao princípio da isonomia, a norma de um edital que previa pontuação diferenciada, na prova de títulos, para os servidores não estáveis, no concurso do Tribunal de Justiça do Maranhão, na ADI 3.443 (08/09/05). Segundo o relato do Ministro Carlos Velloso, esta norma fere também os princípios da impessoalidade e da moralidade. Por expressa disposição no art. 19, § 1°, do ADCT, admite-se a contagem do tempo de serviço público como títulos apenas aos servidores estáveis pelo caput do dispositivo, quando se submeterem a concurso para fim de efetivação.
O servidor não pode conseguir vantagens somente pelo fato de já ter ocupado função pública sem concurso público, não se valendo atribuir pontos em sua classificação. Observa-se que há uma situação anormal prevista pelo art. 19, § 1°, do ADCT.
É regra necessária a forma facilitada de pagamento do valor da inscrição, sendo um valor compatível com o serviço que será prestado.
Para evitar que o edital viole o princípio da transparência e, consequentemente, o da ampla acessibilidade às funções públicas, ele deve trazer claras as regras do concurso, sua abrangência e forma.
O edital de um concurso público que atenda plenamente a estes requisitos, e de modo integrado à impessoalidade, eficiência, isonomia, publicidade, razoabilidade e moralidade, estará dando cumprimento ao objetivo final, que é a melhor e justa seleção de seus candidatos, evitando assim, as milhares de ações que abusam da instituição e a banalizam.
Embora muitos o considerem como a lei do concurso, deve-se sempre observar os ditames constitucionais.
3 - Os editais abusivos nos concursos públicos segundo algumas Jurisprudências
A criação dos editais dos chamados concursos públicos, poderíamos afirmar que no mínimo se dividiria em duas partes. A primeira delas seria a formação destes internamente, antes mesmo de sua divulgação, e para tanto seria necessário o cumprimento do sigilo necessário, para que assim não privilegiassem alguns e prejudicassem outros, ferindo mais uma vez, a isonomia necessária nos concursos.
Na segunda parte, diz respeito a conter exigências abusivas limitando assim o tão sonhado acesso à vaga daquele que estuda para isto. Consequentemente, com estas exigências abusivas, estarão mais uma vez violando princípios constitucionais.
As normas relativas a estes editais, onde se buscam habilitar os candidatos, não podem exceder em exigências para o provimento das funções, como exemplo, a escolaridade, limite de altura e de idade, sexo, estado civil e cor, salvo, é claro, quando a natureza do cargo exigir, conforme art. 39, § 3°, da CF/88, com expressa remissão ao art. 7°, XXX, CF/88.
O TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na AC 15.842, afastou o ato que concluiu pela inaptidão de uma candidata que anteriormente foi aprovada na prova escrita ao cargo de detetive, por ser onze milímetros mais baixa que a altura mínima exigida. O juiz prolatou a sentença dizendo que a candidata, obviamente não iria trabalhar descalça, o que faria com que sua altura ultrapassasse o mínimo exigido (SOUSA, 2000, p. 111).
Portanto, este tipo de exigência estipulando uma altura mínima e máxima em concursos público, só será considerado constitucional se estiver em consonância com a razoabilidade, frente à complexidade da função a ser exercida, e não com tanta abusividade que vemos por aí.
Como exemplo apenas de enriquecimento deste trabalho, devo dizer que a jurisprudência tem aceitado experiências de atividade profissional com o intuito de comprovação da maturidade profissional e pessoal. A liminar proferida no MS 26.690 (j. junho de 2007), deferiu a participação de candidato na fase de provas orais, afastando a decisão administrativa, onde excluiu promotora sem três anos de atividade jurídica do concurso para o Ministério Público Federal. Embora, é um requisito objetivo, o Ministro Eros Grau decidiu que a candidata já exercia atribuições inerentes a este Ministério Público, e até mesmo algumas delegadas do Ministério Público Federal, o que não poderia de forma alguma, acarretar no indeferimento de sua inscrição definitiva.
E por falar no Ministro Eros Graus, 70 anos, dono de uma espessa barba cultivada há 43 anos, este ex-ministro do Supremo Tribunal Federal segundo o site da Folha, afirmou que a decisão da Justiça da Bahia lhe "parece discriminação". Para o tribunal, empresa pode vetar funcionário com barba.
"Se for só por essa razão, fico muito preocupado. Se fosse assim, eu poderia ter sido impedido de ser ministro do Supremo", disse.
O Ministro Eros tem razão na discriminação pelo uso da barba. Será que o verdadeiro motivo pelo qual perseguiram o filósofo Sócrates foi devido à sua barba? Condenando-o assim a beber cicuta?
Para quem não conhece a história do Ministro Eros Grau, ele resolveu após um acidente automobilístico na via Dutra em 1968, adotar a barba com o intuito de esconder uma cicatriz no queixo. "Fico pensando então, por causa do acidente e da barba, eu ficaria impedido de trabalhar? Parece estranho."
Sua opinião referente ao uso de barba foi devido a um caso acontecido no estado da Bahia, onde os Juízes do TRT da 5ª Região derrubaram no dia 06/07/2011 uma decisão de 2010, em primeira instância, que condenava o Banco Bradesco a pagar uma indenização de R$ 100 mil por proibir seus funcionários de usar barba.
A nova decisão, agora em segunda instância, é o mais recente capítulo que se arrasta desde 2008. A relatora do processo, Maria das Graças Boness disse que não houve discriminação nem uma clara determinação para que funcionários tirassem a barba. Ela afirmou que mesmo uma eventual norma que proibisse o uso de barba não seria abusiva, pois não estaria fora do "poder diretivo do empregador".
Para o procurador Manoel Jorge e Silva Neto, que cuida do caso, a barba deve ser proibida só em casos que podem prejudicar a segurança do empregado, como exemplo, a necessidade do uso de máscara, cuja vedação ficaria comprometida. "É preciso considerar no momento de promover exigências de caráter estético se isso efetivamente traz prejuízo à atividade econômica desenvolvida pelo empregador. O que não é o caso", disse.
No que diz respeito ao limite de idade, a Corte Constitucional entendeu ausente a razoabilidade deste limite em concurso público, desde é claro, que seu ocupante tenha idade compatível com a aptidão física necessária ao exercício desta função, conforme RE 216.929-3/RS (DJ 07/08/98), onde o relator Ministro Moreira Alves (MORAES, 2004ª, p. 835). Este entendimento foi sumulado no Enunciado 683, no sentido de que o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7°, XXX, da CF/88, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido, revelando para tanto a sua maturidade pessoal.
Em 2009, devido aos protestos realizados pelos funcionários do Metrô de Brasília, a direção deste cancelou o lançamento do seu Código de Conduta por haver também proibições quanto ao uso de barba, cabelos soltos, joias. Nós ainda precisamos desenvolver muito a sabedoria para cuidar deste tipo de assunto, levando em consideração o traço informal da cultura brasileira, as diferenças que existem dentro da cultura moderna, conforme o Professor Roque de Barros Laraia diz:
Cada sistema cultural está sempre em mudança. Entender esta dinâmica é importante para atenuar o choque entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma que é fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças entre povos de culturas diferentes, é necessário saber entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo sistema. Este é o único procedimento que prepara o homem para enfrentar serenamente este constante e admirável mundo novo do porvir. (LARAIA, 2004, p. 101).
4 – Ação Declaratória de Inconstitucionalidade – ADI e o caso do meu cliente
Nossa Constituição de 1988 não prevê claramente um princípio do concurso público, mas há sim, princípios explícitos e implícitos, relativos aos procedimentos destes concursos, bem como a princípio da ampla acessibilidade às funções públicas, inseridos no art. 37, inc. I, CF/88.
Podemos afirmar que a ação direta de inconstitucionalidade possui duas finalidades, a primeira pretende politicamente, a decretação de intervenção federal no Estado-membro ou Distrito Federal exercendo assim um controle direto, para fins concretos. E a segunda, visa pretender juridicamente, a declaração de inconstitucionalidade formal e material de lei ou ato normativo estadual. Ou seja, pretende-se com a ADI informar que aquela lei, ou ato normativo distrital, estadual ou federal está em desconformidade com a nossa Carta Magna.
Como o meu cliente foi impedido de tomar posse devido ao uso de uma simples barba, impedido de exercer a sua função para o qual foi avaliado, obtendo resultado classificatório para a vaga existente. Devo impetrar um Mandado de Segurança, visando garantir assim um direito líquido e certo, pois a proibição em face do uso de barba, não encontra guarida na Constituição Federal, devido ao princípio da isonomia, previsto nos arts. 3° e 7°, XXX, da CF/88, ou então, buscarei representar perante o Ministério Público Estadual, em caso de atos normativos estaduais, ou então nas Procuradorias Federais, caso fosse sobre atos federais.
Do outro lado, se a lei possui conflito com a Carta Magna, vou questionar a sua constitucionalidade, através da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade - ADI.
E se meu cliente possuísse alergia em sua face, a chamada foliculite. Será que em um edital para concursos públicos iria alegar que "aquele candidato que possui foliculite em sua face após o barbear, será excluído automaticamente da vaga"? Ou será que teria que ser avaliado pela banca examinadora levando em mãos um atestado médico constatando tal alergia? Onde está o princípio da isonomia?
Não podemos sair por aí, buscando reviver a época da Ditadura. Se hoje já começaram a discrimar os barbudos, amanhã quem sabe... Os mancos, as loiras, os negros, os baixos, os altos, os gordinhos, os banguelos, os carecas, os cegos, surdos, mudos, os vesgos, as grávidas, e tantas outras "qualidades" que a cultura nos mostra todos os dias. A cultura é dinâmica, seria como uma preparação para o novo que está por vir, que tanto pode fazer parte da minha cultura como de outro. Mas o que estamos percebendo, é que quem manda na cultura moderna é o capitalismo, o discurso da globalização tem influência direta nos processos culturais.
Assim, ficaremos à disposição dos empregadores, na esperança de que um dia, quem sabe, possamos estar dentro dos "parâmetros ideais" que aquela empresa precisa, para que assim possamos trabalhar? E o princípio da isonomia? E nossa Carta Magna? Não vale mais nada?
Só falta agora, proibir que uma pessoa seja Presidente da República Federativa do Brasil, pelo simples fato de não ter todos os dedos da mão. Adeus Lula! Ou a proibição do uso da barba vire "moda". É Lula, pode ir procurando colocar suas barbas de molho.
5 - Conclusão
Pelo que me foi exposto neste caso, dou o meu deferimento à inconstitucionalidade, pois observamos a grande importância dos princípios constitucionais no que se refere à criação dos chamados "editais de concursos públicos". Um edital dentro dos parâmetros da nossa Constituição Federal será um instrumento de inclusão social, tornando a nossa Constituição mais justa e solidária.
O nosso Estado, antes de impor limitações como o uso de barba, dentre tantas outras limitações existentes, impedindo assim que tantos cidadãos (que parecem ser de culturas diferentes) possam ter a sua chance no mercado de trabalho, deve proporcionar a todos a igualdade de condições e também a oportunidade de ter o seu emprego.
É potencializando as aptidões de cada um, que o Estado aproveitará o máximo de cada pessoa em benefício de uma coletividade.
Qualquer forma de limitação, que venha a ferir os princípios constitucionais, não terá fundamentação legal, e consequentemente a sua inconstitucionalidade será vertente.
É o parecer.
17/09/2011, Uberaba. MG
William Alves de Oliveira
6 - Referências:
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional / Joaquim José Gomes Canotilho. 2 Ed. Coimbra: Almedina, 1998.
FERRAZ, Luciano. Concurso público e direito à nomeação. In: MOTTA, Fabrício (Coord.). Concurso público e Constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2005. P. 245-255.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico.14 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
SOUSA, Éder. Concurso público: doutrina & jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. 160p.
MAGENTA, Matheus. Para tribunal, empresa pode vetar funcionário com barba. Folha, São Paulo, 07 julho 2011. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/940188-para-tribunal-empresa-pode-vetar-funcionario-com-barba.shtml>. Acesso em: 14 setembro 2011.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional.4. ed. São Paulo: Atlas, 2004a. 3068 p.