DAS CONSEQUÊNCIAS DA NÃO APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO 4º DO ARTIGO 394 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL AO RITO DA LEI 11.343/2006
Entendemos que a não aplicação do disposto no parágrafo 4º do artigo 394 do Código de Processo Penal, ocasionará nulidade absoluta do processo, pois haverá a violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, consoante incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal.
Nesse sentido, temos a posição da desembargadora Sandra de Santis [25], do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
HABEAS CORPUS - TRÁFICO DE DROGAS - RESPOSTA À ACUSAÇÃO - PEÇA INDISPENSÁVEL - ILEGALIDADE NO INDEFERIMENTO DA PROVA - OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA.
I. A RECENTE REFORMA DO PROCESSO PENAL TORNOU A REPOSTA À ACUSAÇÃO PEÇA INDISPENSÁVEL À VALIDADE DO PROCESSO, AO CONTRÁRIO DA ANTIGA DEFESA PRÉVIA, QUE ERA FACULTATIVA. É VEDADA, SOB PENA DE NULIDADE ABSOLUTA, A CONCLUSÃO DOS AUTOS PARA DECISÃO PREVISTA NO ART. 397 DO CPP SEM A RESPOSTA À ACUSAÇÃO.
II. EVENTUAL INTEMPESTIVIDADE DO OFERECIMENTO DA DEFESA NÃO OBSTA A ANÁLISE QUE PODERÁ LEVAR INCLUSIVE À ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. CASO NÃO SEJA APRESENTADA RESPOSTA NO PRAZO LEGAL, O JUIZ NOMEARÁ DEFENSOR PARA OFERECÊ-LA. INTELIGÊNCIA DO ART. 396-A DO CPP.
III. ORDEM CONCEDIDA.
Em sentido contrário, entendendo que, no caso em tela há nulidade relativa, sendo indispensável a demonstração do efetivo prejuízo sofrido pela defesa, temosa posição do desembargador Marco Antônio Ribeiro de Oliveira [26], do Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul:
TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO. APELO DEFENSIVO. PRELIMINARES. NULIDADE DO PROCESSO. INOBSERVÂNCIA DOS ARTS. 396 E 394, § 4º, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INOCORRÊNCIA. A aplicação apenas do procedimento especial previsto na Lei de Drogas, sem observância dos arts. 396 e 394, § 4º, ambos do Código de Processo Penal, em princípio, não acarreta qualquer nulidade, a não ser que o defensor comprove eventual prejuízo suportado pelo réu, o que não é o caso (...)
APELAÇÃO-CRIME. TRÁFICO DE DROGAS. PRELIMINARES. NULIDADE DO PROCESSO. INOBSERVÂNCIA DOS ARTS. 396 E 394, § 4º, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INOCORRÊNCIA. Trata-se da controvertida questão sobre o qual o procedimento adequado a ser aplicado nos processos envolvendo crimes previstos na Lei de Drogas. Acontece que até o advento da Lei 11.719/2008, este relator entendia como adequada a aplicação na íntegra do procedimento especial, antevisto na Lei 11.343/2006, basicamente nos artigos 54 a 58 da referida lei. No entanto, com o advento da Lei 11.719/2008, sobretudo diante do conteúdo de seu artigo 394, passei a entender como possível, também, a aplicação do procedimento misto, nos casos em que adotados pelo Juízo de 1º Grau. A dúvida reside na forma em que se mesclam os procedimentos, pois o art. 55, § 1º, da Lei de Drogas determina a apresentação de uma defesa preliminar em momento anterior ao do recebimento da denúncia, ao passo que os arts. 396 e 396-A da Lei Processual Penal prevêem o oferecimento de resposta à acusação pelo denunciado, posteriormente ao recebimento da inicial. Nesse panorama, surgem dois posicionamentos, quais sejam: 1) se coexistem tais momentos defensivos; e 2) se não se aplica ao procedimento especial da Lei de Drogas a resposta à acusação prevista na Lei Penal Adjetiva. A meu juízo, as duas posições são admissíveis, desde que não causem prejuízo concreto ao acusado, que deve demonstrar sua ocorrência ao pleitear eventual nulidade do processo. E in casu, o juiz singular aplicou apenas o procedimento especial da Lei de Drogas, determinando a notificação do denunciado para responder à acusação no prazo de 10 dias (defesa preliminar), nos termos do art. 55 da referida lei, e na seqüência, recebeu a exordial, designando data para a audiência de instrução e julgamento, consoante o art. 56 da lei em questão. Ou seja, houve inobservância apenas dos arts. 396 e 394, § 4º, ambos do Código de Processo Penal. Já o aguerrido defensor limitou-se a alegar a obrigatoriedade de apresentação de ambas as peças defensivas, bem como de abertura de ambos os prazos ao imputado, porém, sem demonstrar minimamente qualquer prejuízo suportado pelo réu. Assim, não há que se falar em declaração de qualquer nulidade. (...)
Ocorre que, tal entendimento não deve ser acolhido, pois a nulidade, nesse caso específico, será absoluta, já que o prejuízo da defesa é presumido e latente, uma vez que estará sendo suprimida uma etapa processual legal que garante o exercício da ampla defesa e a efetivação de um devido processo legal.
Portanto, ao trâmite processual previsto na Lei 11.343/2006 deve ser assegurada a oportunidade de o acusado apresentar defesa preliminar (após a sua notificação), em seguida, não sendo o caso de rejeição da denúncia, resposta à acusação (após a sua citação), chegando-se à etapa processual em que juiz verificará se é o caso de absolvição sumária do acusado, nos moldes dos artigos 55, da Lei 11.343/2006, e 396, 396-A e 397, do Código de Processo Penal.
CONCLUSÃO
Conforme restou demonstrado, entendemos que, com a reforma introduzida pela Lei 11.719/2008 no Código de Processo Penal, ao procedimento especial previsto na Lei 11.343/2006 deve ser aplicado o disposto nos artigos 396, 396-A e 397 do Código de Processo Penal, ou seja, deve ser concedida ao acusado a oportunidade de apresentar resposta à acusação após a sua citação, bem como a possibilidade de ser absolvido sumariamente, consoante expressa determinação legal dos parágrafos 2º e 4º do artigo 394 do Código de Processo Penal, bem como por ser esta a interpretação que se extrai do ordenamento jurídico após uma análise sistemática do tema.
Ademais, ficou constatado que a defesa preliminar e a resposta à acusação são compatíveis entre si, já que a resposta à acusação volta-se, primordialmente, à absolvição sumária do acusado, logo, ao mérito da demanda, ao contrário da defesa preliminar prevista no artigo 55 da Lei 11.343/2006, que tem como objetivo principal convencer o magistrado de que a denúncia não deve ser recebida, ou seja, visa atacar eventuais vícios de ordem formal do feito.
Ato contínuo, entendemos que a supressão da resposta à acusação e da etapa processual do juízo de absolvição sumária do acusado, no procedimento especial da Lei 11.343/2006, configura nulidade absoluta do feito, por ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Dessarte, diante de uma visão constitucional do Direito Processual Penal, ficou demonstrado que o aplicador do direito deve interpretar a legislação processual penal à luz dos mandamentos constitucionais, ou seja, é necessário verificar a solução que mais se adeque às diretrizes constitucionais, a fim de que ocorra a concretização de seu texto.
Assim, temos que a celeridade não é o único princípio processual a ser buscado e respeitado.
Por derradeiro, não é crível acreditar que são esses dois atos processuais (resposta à acusação e a absolvição sumária) os responsáveis pela morosidade do Poder Judiciário. Acrescentando ainda que a busca pela celeridade processual não pode sobrepor aos princípios constitucionais consagrados pelo Poder Constituinte Originário, principalmente quando o objeto da demanda tiver por escopo direitos indisponíveis, como ocorre com o processo penal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3 ed. Salvador: JusPODIVM, 2009.
Notas
§ 1º A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código.
§ 2º Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.
Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.
I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;
II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;
III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou
IV - extinta a punibilidade do agente.
§ 2º Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial.
§ 4º As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.
- Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
- Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.
- JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal Anotado. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 360.
- Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:
- NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 678.
- ANDREUCCI, Ricardo Antonio. O rito híbrido da Lei de Drogas. Disponível em: <http://www.apmp.com.br/juridico/artigos/docs/2008/rito_hibrido.doc>. Acesso em: 26 ago. 2011.
- SCHEER, Laila. Contraponto entre o procedimento da Lei 11.719/08 e a Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), notadamente quanto à defesa preliminar. Disponível em: <http://www.univates.br/files/files/univates/graduacao/direito/LEIDEDROGAS.pd>. Acesso em: 24 ago. 2011.
- Art. 394. O procedimento será comum ou especial.
- Art. 394. O procedimento será comum ou especial.
- Op. cit., p. 353.
- STF – AP 478, 1ª Turma, Ministro Rel. Marco Aurélio – D.J 16.02.2009 (Informativo 552).
- AGUIAR, Fernanda Maria Alves Gomes. Alterações no Código de Processo Penal. Análise dos pontos principais. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1874, 18 ago. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11608>. Acesso em: 26 ago. 2011.
- ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Processo Penal – Parte Especial. Coleção sinopses para concursos. V. 8. Tomo II. Salvador: JusPODIVM, 2011, p. 181.
- TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3 ed. Salvador: JusPODIVM, 2009, p. 652.
- CARDOZO, Teodomiro Noronha. Brevíssimas anotações à Lei 11.719, de 20 de junho de 2008. Revista do CEJ - Centro de Estudos Judiciários do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Recife: Tribunal de Justiça de Pernambuco, ano I, n. 2, dezembro, 2008, p. 137-155.
- TJSP – Apelação 0001938-71.2008.8.26.0609, 5ª Câmara de Direito Criminal, Rel. Desembargador Tristão Ribeiro – D.J 04.08.2011.
- GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patrícia. Lei nº. 11.343 /06 versus lei nº. 11.719 /08: qual procedimento deve prevalecer? Disponível em: <http://www.lfg.com.br>. Acesso em 24 ago. 2011.
- Op. cit.
- MASSON, CleberRogério. Alcance e Natureza Jurídica do Instituto Previsto pelo Artigo 396 do Código de Processo Penal. Revista Jurídica. São Paulo: Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, ano 1, vol.2, nº. 1, julho/dezembro 2008, p. 17-24.
- TJRS – Correição Parcial 70036709376, 3ª Câmara Criminal, Rel. Desembargador Ivan Leomar Bruxel – D.J 08.07.2010.
- TJRS – Apelação 70036366805, 2ª Câmara Criminal, Rel. Desembargador Marco Aurélio de Oliveira Canosa – D.J 19.05.2011.
- TJRS – Apelação 70037514122, 1ª Câmara Criminal, Rel. Desembargador Manuel José Martinez Lucas – D.J 06.10.2010.
- MARCÃO, Renato. O § 4º do art. 394 do CPP e o procedimento penal na Lei de Drogas (lei n. 11.343/2006). Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 13 out. 2008. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=64_&ver=67>. Acesso em: 24 ago. 2011.
- FULLER, Paulo Henrique Aranda; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Legislação Penal Especial. Vol. 1. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 354.
- TJDF – HC 0005555-17.2009.807.0000, 1ª Turma Criminal, Rel. Desembargadora Sandra de Santis – D.J 28.05.2009.
- TJRS – Apelação 70041603960, 1ª Câmara Criminal, Rel. Desembargador Marco Antônio Ribeiro de Oliveira – D.J 06.07.2011; TJRS - Apelação 70040370157, 1ª Câmara Criminal, Relator Desembargador Marco Antônio Ribeiro de Oliveira - D.J 20.04.2011.