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Habeas corpus e excesso de prazo... no julgamento de habeas corpus!

Agenda 27/01/2012 às 17:03

Não bastasse ser perfeitamente possível o reconhecimento de excesso de prazo em sede de habeas corpus, pode o Supremo Tribunal Federal determinar que o mesmo seja julgado com a máxima celeridade.

A Constituição Federal, ao assegurar o devido processo legal, estipulando no artigo 5º, LIV que "ninguém será privado da liberdade, ou de seus bens, sem o devido processo legal", teve como objetivo principal proteger o binômio liberdade-propriedade garantindo, desta forma, o direito a toda pessoa de não sofrer qualquer coação "sem a garantia de um processo judicial desenvolvido na forma que estabelece a lei" (STF, RE 154.159, rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE 158.215, rel. Min. MARCO AURÉLIO e AgRgAG 211.511, rel. Min. CARLOS VELLOSO).

Esta imposição constitucional configura uma dupla proteção ao indivíduo: no âmbito material, onde se protege o direito de liberdade de locomoção, e no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado no processo criminal.

Com promulgação da EC 45/2004, o ordenamento jurídico brasileiro passou a garantir o direito a uma prestação jurisdicional célere ao explicitar que a todos são garantidos, "no âmbito judicial (...) a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (CF, art. 5º, LXXVIII); a partir de então, a Lei Fundamental impôs ao Estado o dever de cumprir, adequadamente, os prazos estabelecidos em Lei sob pena de ocorrer uma indevida restrição ao direito constitucional à liberdade de locomoção, do acusado.

No processo penal, levando em consideração que está em jogo a liberdade de locomoção do réu, fixou-se o entendimento – muito antes da promulgação da EC 45/2004 – de que o Estado deveria oferecer a prestação jurisdicional no prazo de 81 dias: este resultado era obtido através da soma dos antigos prazos existentes no Código de Processo Penal, hoje não mais existentes, diante das recentes reformas processuais ocorridas, em especial as ocorridas no ano de 2008.

Não obstante, é importante esclarecer que esse prazo nunca foi seguido com rigor pela jurisprudência: quando os processos apresentassem peculiaridades em relação aos demais (por exemplo, elevado número de réus, prova de difícil elaboração requerida pela defesa) situações em que é admitido, em face do princípio da razoabilidade, que o prazo seja ultrapassado para o término da instrução.

É certo, também, que tal prazo não tem aplicação no caso ora em debate - excesso de prazo em sede de julgamento de habeas corpus -, haja vista que não estamos tratando de um processo criminal, mas, sim, de uma ação de índole constitucional; contudo, a essência – necessidade de celeridade nos julgamentos pelo Poder Judiciário – tem plena incidência.

Entretanto, na prática, não se percebe isto, haja vista que, cada vez mais, a imprensa especializada em notícias jurídicas vem demonstrando a excessiva demora de julgamento de habeas corpus, pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo que, na esmagadora maioria dos casos, envolvendo pacientes presos.

É bem verdade que muitos poderão dizer: mas o Tribunal está com elevada carga de trabalho, muitos processos ingressando diariamente, poucos Ministros e servidores para "dar conta" do trabalho, etc., o que justificaria uma certa razoabilidade na tramitação dos referidos processos...

Com todo o respeito, ousamos discordar.

Como é possível ao Colendo Superior Tribunal de Justiça, composto de 33 ministros – lembrando que em matéria criminal (3ª Seção - 5ª e 6ª Turmas) são somente 10 – dar prestação jurisdicional em prazo razoável, apreciando causas, muitas vezes dede pacientes presos, vindo de todos os Tribunais de Justiça e Regionais Federais do Brasil?

A resposta é uma só: absolutamente impossível, e é um verdadeiro absurdo qualquer interpretação / pensamento de modo contrário, pois, neste caso, com todo o respeito é querer "tapar o sol com a peneira".

O que é algo imprescindível - e com a maior celeridade possível, pois o a situação está próxima de atingir o colapso - é o aumento (considerável) do número de julgadores (e servidores, para auxiliá-los) no referido Tribunal, em especial na parte criminal, pois, como é de conhecimento notório, os processos criminais envolvendo presos têm absoluta preferência sobre todos os demais.

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Não é possível, portanto que uma ação de índole constitucional como o habeas corpus leve 1, 2, 3 anos para julgamento, e tal situaçaõ seja interpretada como algo "comum", ou "razoável", portanto.

Tal situação demonstra clara violação não só a norma que impõe ao Estado a celeridade nos processos judiciais (CF, art. 5º, LXXVIII), mas, também, ao devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) e – em especial – ao postulado constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).

A demora da prestação jurisdicional não pode prejudicar a liberdade de locomoção do paciente que nada fez para prolongar o término do processo; ao contrário, é ele quem sofre com a demora estatal que, ao não cumprir de maneira adequada as determinações legais fez com que o direito constitucional à celeridade processual fique prejudicado.

A prerrogativa da liberdade – que como todos sabemos é regra em nosso ordenamento jurídico, e que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode sofrer ilegal constrangimento que derive da inobservância, pelo Poder Público, dos prazos processuais a que este se acha necessariamente sujeito, em especial nos procedimentos criminais, e ainda mais especialmente, nos casos envolvendo interessados / pacientes presos.

O excesso de prazo na instrução criminal culmina por afetar a liberdade individual e por comprometer o direito à solução jurisdicional dos conflitos dentro de prazos adequados e razoáveis, vez que, como acentua o eminente JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI ("Tempo e Processo – uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual – civil e penal", 1ª ed., p. 87/88, RT, 1998), "O direito ao processo sem dilações indevidas (...) representa expressiva conseqüência de ordem jurídica que decorre da cláusula constitucional que a todos assegura a garantia do devido processo legal".

O excesso de prazo no julgamento de habeas corpus no âmbito do Colendo Superior Tribunal de Justiça evidencia a incapacidade do Poder Público cumprir o seu dever de conferir celeridade aos processos judiciais e representa, ainda, ofensa inequívoca ao status libertatis de quem sofre a persecução penal.

O Ínclito Supremo Tribunal Federal já se deparou com questionamentos acerca da matéria discutida neste texto e vem reconhecendo o excesso de prazo no trâmite de habeas corpus, deferido a ordem para que se determinasse seu pronto julgamento (HC 93.424, rel. Min. EROS GRAU – HC 103.152, rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 104.636, rel. Min. CARLOS BRITTO – HC 106.470, rel. Min. CÁRMEN LÚCIA):

"Habeas-corpus: demora injustificada no julgamento de apelação de réu preso: ordem deferida para determinar a pronta decisão do recurso".

(HC 71.759, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE).

"(...) DEMORA NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Deferimento do pedido para recomendar (...) adoção de providências necessárias a que o recurso especial seja levado a julgamento, com a máxima urgência".

(HC 74.138, rel. Min. ILMAR GALVÃO).

"HABEAS CORPUS. WRIT IMPETRADO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DEMORA NO JULGAMENTO. DIREITO À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. NATUREZA MESMA DO HABEAS CORPUS. PRIMAZIA SOBRE QUALQUER OUTRA AÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.

(...).

O direito à razoável duração do processo, do ângulo do indivíduo, transmuta-se em tradicional garantia de acesso eficaz ao Poder Judiciário. Direito, esse, a que corresponde o dever estatal de julgar. No habeas corpus, o dever de decidir se marca por um tônus de presteza máxima.

Assiste ao Supremo Tribunal Federal determinar aos Tribunais Superiores o julgamento de mérito de habeas corpus, se entender irrazoável a demora no julgamento. (...).

Ordem concedida para que a autoridade impetrada apresente em mesa, na primeira sessão da Turma em que oficia, o writ ali ajuizado".

(HC 91.041, rel. p / acórdão Min. CARLOS BRITTO).

"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE DEMORA NA REALIZAÇÃO DO JULGAMENTO DE MÉRITO DE HABEAS CORPUS NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM DEFERIDA.

1. A comprovação de excessiva demora na realização do julgamento de mérito do habeas corpus impetrado no Superior Tribunal de Justiça configura constrangimento ilegal, por descumprimento da norma constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição da República), viabilizando, excepcionalmente, a concessão de habeas corpus.

2. Deferimento da ordem, para determinar à autoridade impetrada que apresente o habeas corpus em Mesa, na primeira sessão da Turma em que oficia, subseqüente à comunicação da presente ordem (art. 664 do Código de Processo Penal c/c art. 202 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça)."

(HC 91.986, rel. Min. CÁRMEN LÚCIA).

"HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. JULGAMENTO DO PROCESSO EM PRAZO RAZOÁVEL. HC DEFERIDO, EM PARTE, PARA DETERMINAR AO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE PROCEDA AO JULGAMENTO DE HC IMPETRADO (...).

1. A Constituição do Brasil estabelece, em seu art. 5º, inc. LXXVIII que ‘a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação’.

2. Habeas corpus impetrado no Superior Tribunal de Justiça (...). Constrangimento ilegal consubstanciado na incerteza da ocorrência de provimento judicial eventualmente ainda útil à pretensão defensiva, especialmente porque se trata de paciente preso.

Ordem concedida (...) para determinar ao Superior Tribunal de Justiça que proceda ao julgamento imediato do habeas corpus (...)"

(HC 95.067, rel. Min. EROS GRAU).

"Habeas Corpus. Processual Penal. (...). 2. A comprovação de excessiva demora na apreciação do pedido de habeas corpus impetrado no Superior Tribunal de Justiça configura constrangimento ilegal, por descumprimento da norma constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República). 3. Ordem (...) concedida para determinar ao Superior Tribunal de Justiça que julgue, na primeira oportunidade, o writ impetrado àquela Corte, tão logo seja notificado do teor da presente decisão".

(HC 101.970, rel. Min. DIAS TOFFOLI).

"HABEAS CORPUS – ALEGADO CONSTRANGIMENTO AO ‘STATUS LIBERTATIS’ DO PACIENTE MOTIVADO POR SUPOSTA DEMORA NO JULGAMENTO, PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE PEDIDO DE ‘HABEAS CORPUS’ IMPETRADO PERANTE AQUELA ALTA CORTE JUDICIÁRIA – EXCESSO DE PRAZO CONFIGURADO – PEDIDO DEFERIDO.

- O réu – especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de privação de sua liberdade – tem o direito público subjetivo de ser julgado em prazo razoável, sem dilações indevidas, sob pena de caracterizar-se situação de injusto constrangimento ao seu ‘status libertatis’. Precedentes".

(HC 103.793, rel. Min. CELSO DE MELLO).

"(...). 3. Excessiva demora na realização do julgamento de mérito de habeas corpus impetrado no Superior Tribunal de Justiça. Ausência de prestação jurisdicional. Violação (...) da duração razoável do processo. 4. Ordem (...) concedida para que a autoridade coatora apresente o habeas corpus em mesa, para julgamento, até a 10ª sessão subsequente à comunicação da ordem".

(HC 106.832, rel. Min. GILMAR MENDES).

Em conclusão, verificamos que não bastasse ser perfeitamente possível o reconhecimento de excesso de prazo em sede de habeas corpus, pode - e isso tem sido feito - o Ínclito Supremo Tribunal Federal determinar que o mesmo seja julgado com a máxima celeridade, tudo em atendimento ao postulado constitucional à razoável duração do processo.

Sobre o autor
João Carlos Pereira Filho

Advogado criminal em Santos (SP). Especializado em Direito Penal e Processual Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA FILHO, João Carlos. Habeas corpus e excesso de prazo... no julgamento de habeas corpus!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3131, 27 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20957. Acesso em: 22 dez. 2024.

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