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Limites das alterações unilaterais qualitativas dos contratos administrativos

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Agenda 10/04/2012 às 17:45

3 ALTERAÇÕES QUALITATIVAS E QUANTITATIVAS DO OBJETO CONTRATUAL

3.1 NOÇÕES GERAIS

Estudou-se anteriormente que a Administração possui a prerrogativa de alterar unilateralmente o contrato administrativo com o intuito de adequá-lo às novas demandas de um interesse público. Tal prerrogativa está expressa no art. 58, I da Lei Federal de Licitações.

A essa altura, sabe-se também que as alterações podem ser quantitativas ou qualitativas, nos moldes do art. 65, I, alíneas “a” e “b”.

Resta agora, abordar sobre os fundamentos que permitem ou que concedem à Administração Pública contratante o poder de modificar os contratos administrativos.

Mas antes, é importante esclarecer que, como bem aponta Joel Niebuhr, a alteração do contrato é exceção, pois a regra é de que “o contrato deverá ser executado fielmente pelas partes de acordo com as cláusulas avençadas”, conforme está explícito no art. 66 da Lei de Licitações.[86]

Fernando Vernalha Guimarães ensina o seguinte:

O poder de modificação dos contratos administrativos diz respeito à competência deferida à Administração Pública para que essa, no âmbito da relação jurídico-contratual administrativa, exerça a tutela do objeto do contrato, cuidando de adequar a prestação decorrente às necessidades públicas envolvidas. Desde que o interesse público imponha novas condições de prestação, deverá a Administração alterar os termos do contrato com vistas a estabelecer a adequação relativa.[87]

Trata-se o poder de modificação da Administração (conhecido como ius variandi) como uma competência irrenunciável, a qual será efetivada sempre em que a realidade fática assim demandar, tendo como finalidade a satisfação de um interesse público, ou como prefere Antônio Carlos Cintra do Amaral, a satisfação de um interesse coletivo primário, o qual, por se sobrelevar aos interesses secundários, enseja nos contratos administrativos o surgimento do princípio da mutabilidade.[88] Importante salientar que constatado objetivamente a nova realidade fática ensejadora do ius variandi não pode a Administração deixar de assim proceder, existe a imposição de se utilizar de tal “prerrogativa”, tanto isso é verdade, que o seu exercício independe de previsão contratual.[89]

Para Vernalha Guimarães, o que justifica o poder de modificação dos contratos pela Administração é a existência de pressupostos materiais, os quais são definidos da seguinte forma:

É possível, assim, definir os pressupostos materiais (ou substanciais) como as situações ocorridas no mundo dos fatos, classificáveis como de fato ou de direito, que, mantenedoras de uma relação de pertinência direta com o objeto do contrato, provocam a necessidade de a Administração Pública, segundo um critério de atendimento ao interesse geral envolvido na contratação, promover a adequação das prestações decorrentes, nos termos e na dimensão em que esses pressupostos a habilitem.[90]

Portanto, a alteração contratual só se justifica quando é necessária em razão da alteração de determinado interesse público, devendo ser motivada por uma mudança fática posterior à época em que se instaurou a licitação. Nas palavras de Joel de Menezes:

A alteração contratual somente se justifica em face de fatos novos e imprevisíveis à época da instauração da licitação ou do processo seletivo que precede o contrato, que tenham força bastante para alterar a demanda do interesse público. Se não há fatos novos e imprevisíveis, a alteração contratual é ilegítima e ilegal.[91]

Impende ressaltar que o poder de modificação conferido à Administração não é mera competência discricionária, existe um pressuposto fático que motiva tal atuação pela Administração.

No entanto, como bem aponta Fernando Vernalha, em sua obra, existe o entendimento por parte da doutrina que o poder de modificação seria o exercício de uma competência discricionária no que se refere ao juízo de oportunidade e conveniência feito pela Administração diante do caso concreto. Nesse sentido, quando a Administração estivesse diante da ocorrência de um fato superveniente, esse exerceria o juízo discricionário acerca do implemento do poder de alteração ou não.

Fernando Vernalha explica que não concorda com tal posicionamento, tendo em vista que a utilização do ius variandi se justifica em fundamentos objetivos. Também, os contratos da Administração são regidos pelos princípios da Lex inter partes e pacta sunt servanda, logo o contrato deve ser mantido, sempre que possível, da forma como inicialmente ajustado, só podendo ser alterado quando presentes os pressupostos já mencionados.[92]

Antônio Carlos Cintra do Amaral também entende que quando a alteração do contrato for indispensável para a realização do interesse coletivo primário, o agente público está vinculado pela decisão de modificar do contrato. No entanto, a despeito de que defende Fernando Vernalha, ele entende possível casos de uso da discricionariedade pelo agente público.

Exemplificando melhor: se a modificação (alteração, adaptação ou complementação) do projeto é considerada, tecnicamente, a melhor para atingir-se o “interesse coletivo primário”, há discricionariedade administrativa, ou seja, o agente público tem o poder de efetuar ou não a modificação. Se, no entanto, por motivo de técnica de engenharia, a modificação é considerada indispensável à realização desse interesse, há vinculação administrativa, ou seja, o agente público tem o dever de efetuar a modificação.[93]

Marçal Justen Filho entende que a discricionariedade se exaure na contratação, e que o contrato administrativo possui força vinculante, no entanto, a ocorrência de fatos supervenientes motiva a faculdade de a Administração alterar unilateralmente o contrato. Como se percebe, esses fatos são motivadores da alteração unilateral, logo, em sentido oposto entende-se que à Administração é ilícito motivar as alterações tão somente na alegação genérica da satisfação de um interesse público. Em suma, “há uma força vinculante do contrato administrativo mesmo para a Administração Pública. Porém, essa força vinculante põe-se rebus sic standibus”.[94]

É interessante mencionar a crítica feita por Joel de Menezes Niebuhr relatando que muitas vezes a prerrogativa de alterar os contratos é utilizada para fins contrários ao interesse público e à moralidade administrativa, ou seja, passou a ser mais uma das ferramentas de corrupção ao alcance dos agentes administrativos. Esses fazem alterações contratuais sem as devidas justificativas, para aumentar o encargo do contratado e conseqüentemente a sua remuneração (lembra-se do direito a intangibilidade da equação econômico-financeira), parte da qual, será revertida ilicitamente em benefício do agente administrativo que realizou a alteração.

Outra forma de corrupção por meio da alteração dos contratos é o direcionamento da licitação. Em ajuste com o agente administrativo, o licitante pode cotar preços muito abaixo do mercado, os quais são irrealizáveis para os demais concorrentes, dessa forma tornando sua vitória mais fácil. Em se sagrando vencedor, serão feitas sucessivas alterações contratuais para que essa empresa não opere em prejuízo.[95]

3.1.1 Regime Principiológico Aplicável ao Poder de Modificação Unilateral

Este capítulo é baseado nos ensinamentos de Fernando Vernalha Guimarães que discorre sobre os princípios aplicáveis ao poder de modificação contratual atribuído à Administração.

A importância do exame do regime principiológico, segundo o autor, reside na função que os princípios possuem para a indicação dos caminhos a serem tomados pelos hermeneutas, servindo como um guia para a melhor aplicação das regras jurídicas em cada caso concreto.

Ainda, cabe dizer que os princípios que serão abordados devem ser entendidos como integrantes de um sistema. Com isso, apesar do tratamento individualizado despendido a cada princípio – no intuito de conferir maior didática ao estudo – não se deve ter a falsa impressão que eles não se relacionam entre si, ao hermeneuta cabe interpretá-los de forma conjunta, inclusive fazendo a aplicação de mais de um princípio simultaneamente, utilizando-se da ponderação, segundo critérios de importância maior ou menor de cada princípio em face de uma situação concreta.[96]

3.1.1.1 Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade exige que as modificações dos contratos levem em conta a realidade fática que as ensejará, bem como a adequação dos meios a serem utilizados para atingir a finalidade que se busca com a modificação.[97] Ou nas palavras de Mateus Bertoncini:

O princípio da proporcionalidade importa a necessidade de a Administração Pública, no manejo de suas competências, empregá-las de forma adequada e proporcional, diante da necessidade de interesse público que concretamente se apresenta.[98]

Fernando Vernalha divide esse princípio em três elementos: adequação, necessidade e razoabilidade.

A adequação refere-se aos meios utilizados, os quais devem ser os mais indicados para atingir a finalidade da modificação imposta pela Administração. “O ato de instabilização deve apresentar-se como via adequada e pertinente a finalidade que a Administração pretende atingir com a edição da medida”.[99] (grifo no original)

Em relação à necessidade o referido autor explica o seguinte:

A alteração pretendida deverá constituir-se no meio indispensável a que a Administração alcance os fins que almeja. A Administração deverá demonstrar que a medida adotada afigura-se concretamente (e não apenas em tese) a menos gravosa à consecução do objetivo que se quer alcançar.[100]

Com isso, a necessidade deve indicar ao agente público a melhor decisão para o caso concreto, ou seja, aquela decisão apta a resguardar o direito protegido e que seja a menos gravosa em relação a outras providências que também seriam eficazes na situação.

O último elemento tratado é o da razoabilidade que é a proporcionalidade em sentido estrito. A razoabilidade analisa se a modificação imposta pela Administração é proporcional ao fato que lhe deu origem. Nas palavras de Lúcia Valle Figueiredo, “a razoabilidade vai se atrelar à congruência lógica entre as situações postas e as decisões administrativas.[101]

Fernando Vernalha também atenta para a necessidade do exame do motivo relevante, o qual sem sua existência a Administração não pode emanar o ius variandi (o poder de modificação).

Ainda, comenta-se que o princípio da proporcionalidade é importante, pois colabora com o hermeneuta na atividade de interpretação das normas. Colabora, inclusive, quando do conflito de princípios, sopesando a importância da aplicação de cada um em um determinado caso concreto.[102]

3.1.1.2 Princípio da economicidade

O princípio da economicidade obriga ao agente público tomar decisões que representem o melhor custo-benefício para a Administração, a solução mais eficiente. Ou, ainda, de acordo com o art. 3º da Lei nº 8.666/93 deve-se buscar a proposta mais vantajosa para Administração.

Esse princípio aplicado especificamente no campo das modificações unilaterais adquire relevância na situação clássica em que o agente público se depara com o exame de duas hipóteses, alterar efetivamente o contrato, ou rescindi-lo tendo que realizar, nesse caso, outra licitação. O agente deverá decidir, por meio de uma análise econômica, qual a hipótese que representa maior economicidade para a Administração Pública.[103]

Para elucidar, Antônio Carlos Cintra do Amaral, levantando a hipótese do agente público rescindir o contrato, e depois alterar o projeto e fazer nova licitação, entende que tal ato fere o princípio da economicidade, “quer por acarretar custos extraordinários decorrentes da paralisação da obra, que por conduzir a uma contratação mais cara.”[104]

3.1.1.3 Princípio da eficiência

O princípio da eficiência foi acrescentado à Constituição da República pela Emenda Constitucional 19/98, e consta no caput do art. 37.

Para Odete Medauar, “o princípio da eficiência determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população”.[105]

O princípio aplicado no campo das alterações contratuais deve levar em conta não só a eficiência representada pela implantação de uma nova técnica ou tecnologia, como também o efeito delas no grupo beneficiado, ou seja, nos usuários da prestação pública. Como exemplo, a implantação de uma nova tecnologia pode representar em uma prestação de serviço mais célere, no entanto, em outra via, a implantação de tal tecnologia pode importar em um aumento de tarifas, as quais podem ter ou não grande impacto nos administrados, se os usuários desse serviço público pertencerem a uma classe mais carente torna-se evidente o prejuízo, e logo o não cumprimento do princípio da eficiência.[106]

3.1.1.4 Princípio da dignidade da pessoa humana

Segundo Fernando Vernalha “o princípio da dignidade da pessoa humana traduz o raciocínio de que nenhum valor contemplado pelo ordenamento jurídico, por mais privilegiado que o seja, poderá sobrepor-se à pessoa humana.”[107]

A Administração só terá legitimidade para promover alterações contratuais quando tiver por finalidade a satisfação de um interesse público verdadeiro. Em respeito a esse princípio não se admite que particulares utilizem a máquina estatal sob o manto da satisfação do interesse público, genericamente alegado, para, em verdade, ocultar interesses egoísticos.

O princípio da dignidade humana também se verifica na proteção da propriedade privada, de forma a impedir a ingerência ilegal do Estado sobre um administrado, como se observa no confisco.

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Na esfera das alterações unilaterais o princípio hora adquire a natureza de um comando negativo, hora de um comando positivo.

Trata-se de um comando negativo, impedindo-se que a Administração aja danosamente sobre a dignidade da pessoa humana, exige-se da Administração a manutenção das condições propícias a garantia da dignidade.

No segundo caso, o comando positivo exige da Administração que as alterações por ela provocadas têm por objetivo a melhoria de serviços, obras ou outras prestações que efetivamente sejam benéficas aos seus usuários/administrados. [108]

3.1.1.5 Princípio da boa-fé

Por este princípio, insculpido também na Lei de Licitações[109], pode-se dizer que o contrato administrativo deve ser fielmente executado pelas partes. Vale dizer, que as partes do contrato devem prezar por uma relação baseada na oferta das informações necessárias a boa execução do contrato, bem como se repudia atos de uma das partes, cuja finalidade é de prejudicar o outro contratante ou ainda dificultar-lhe a execução do contrato.

Por isso, quando a Administração alterar o contrato o contratado não poderá furtar-se de bem executar-lo por entender que as alterações não lhe são convenientes. Da mesma forma, a Administração, quando da utilização do ius variandi, não pode fazê-lo de maneira a causar, ao contratado, empecilhos na execução do contrato ou, ainda, a impossibilidade de executá-lo.[110]

3.1.1.6 Princípio da legalidade

Diógenes Gasparini, sobre o princípio da legalidade, faz o seguinte apontamento:

O princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação.[111]

Sobre esse princípio Fernando Vernalha inicia a explicação da seguinte forma:

Exige-se, para fins de exercício do ius variandi, que esse esteja positivamente estatuído pelo ordenamento jurídico, de modo que se torna inviável seu exercício para alem dos termos conformadores prescritos pelas normas específicas.[112]

Esse autor cita duas modalidades que estruturam a legalidade administrativa, quais sejam, a conformação e a não-contradição ou precedência de lei.

Quanto ao princípio da precedência da lei, cabe dizer que, segundo esse princípio, basta que os atos da Administração sejam emanados de forma a não haver contradição com a lei. Nessa modalidade não se exige a subsunção do ato à norma legal.

Enquanto o princípio da conformação exige a correspondência do ato à norma legal. Nesse caso não se admite unicamente a não-contradição da norma, é preciso que o ato da administração esteja vinculado e fundamentado à lei. E lei “não deve ser compreendida apenas no sentido de lei formal, mas no sentido de Direito”.[113] Isso quer dizer que, nesse caso, a Administração não está vinculada apenas à lei em sentido estrito, mas sim ao conjunto de normas que compõem o sistema jurídico brasileiro.

E é justamente essa modalidade do princípio da legalidade que fundamenta o ius variandi. Isso porque as alterações unilaterais exercidas pela Administração só podem decorrer de uma prescrição legal. Não se admite, por exemplo, que a competência para tais alterações esteja fundamentada simplesmente nas cláusulas do contrato administrativo, pois o contrato não tem tal poder.

Com isso, Fernando Vernalha conclui no sentido de que, nesse caso, também não se admite a livre possibilidade de escolha ao agente público em optar ou não pela efetivação das alterações unilaterais, sendo que as alterações unilaterais emanam de uma competência administrativa que tem como única fonte regulamentadora a lei, em especial a Lei nº 8.666/93.[114]

3.1.1.7 Princípio da inalterabilidade do objeto contratual

Esse princípio impede que as alterações unilaterais da Administração sejam de tal monta que ocasionem a transfiguração do objeto do contrato, vale dizer, é vedado que as alterações causem a contratação de um novo objeto em relação àquele inicialmente licitado.

Sendo assim, esse princípio não resguarda apenas o direito do contrato de não lhe ser imposta a execução de um objeto diferente do que foi licitado, ainda que fosse assegurada a recomposição econômica. Resguarda também o princípio da licitação. Pois, no caso da alteração representar a execução de um novo objeto contratual, a contratação de tal objeto não foi precedida de licitação, – pois o objeto antigo é que foi licitado – o que torna sua contratação ilegal.

Caso as alterações desnaturarem o objeto contratual, elas causarão ao ius variandi a perda de seu fundamento, tendo em vista que ele se presta a adequar o objeto às novas necessidades da Administração e não se presta a realizar a contratação de um novo objeto.[115]

Em suma, “não pode o Estado exigir do contratado a realização de prestação de índole diversa daquela a que se obrigou”.[116]

3.1.1.8 Princípio da preservação das condições de exeqüibilidade do objeto originalmente contraídas pelo co-contratante

Preliminarmente, cabe dizer que esse princípio decorre do princípio da boa-fé. “A norma visa a assegurar que as modificações contratuais não impliquem o extravasamento agressivo das condições de habilitação técnica e econômico-financeira assumidas pelo co-contratante na fase pré-contratual”.[117]

Fernando Vernalha analisa o princípio sob o aspecto da ótica subjetiva e objetiva. Sobre a ótica subjetiva ele comenta que o contratado pode recusar a medida correspondente à alteração contratual feita pela Administração quando esta impossibilitar a sua execução contratual.

Enquanto na ótica objetiva a Administração tem de garantir a boa execução do contrato não podendo, portanto, fazer alterações unilaterais que dificultem ou impossibilitem tal execução por demandarem o aumento exacerbado das exigências de capacitação técnica e/ou financeira.

Ainda, sobre esse aspecto, se as alterações causarem mudança radical nas exigências de habilitação, isso pode indicar a quebra do princípio da intangibilidade do objeto do contrato.[118]

3.1.1.9 Princípio da intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato

O art. 37, inciso XXI[119] da Constituição Federal e o §2º do art. 58 da Lei de Licitações[120] prestigiam o dever da Administração de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Segundo Renato Geraldo Mendes, a equação econômico-financeira é a representação do Encargo do contrato pelo qual o particular se obriga a executar, e sua consequente Remuneração devida pela Administração contratante. A equação econômico-financeira, então, é a equivalência entre o “E” e o “R” do contrato.

Nas palavras do autor, “a relação entre ‘E’ e ‘R’ é estabelecida no momento da apresentação das propostas, conforme definido no edital”.[121]

A modificação unilateral dos contratos é causa de quebra da equação econômico-financeira, tendo em vista que as alterações podem refletir no aumento ou diminuição das prestações devidas pelo contratado, então, poderá ocorrer o aumento ou diminuição do seu encargo, e com isso o desequilíbrio em relação à remuneração inicial.

É dever da Administração nesses casos reequilibrar o equilíbrio do contrato, dever este insculpido no art. 65, inciso II, alínea “d” da Lei nº 8.666/93.[122]

Por fim, resta dizer que o princípio aqui tratado, e de autoria de Fernando Vernalha Guimarães, não visa proteger tão somente os interesses do particular em receber a remuneração devida, e também, de forma oposta, o interesse da Administração contratante em não pagar remuneração maior do que o contratado merece[123], visa também resguardar o interesse público contido na continuidade da prestação pública. Com isso, caso não houvesse a preocupação com o desequilíbrio da equação econômico-financeira, a Administração poderia impor ao contratado um ônus insuportável por contra desse desequilíbrio, o que acarretaria na impossibilidade de se executar o contrato.[124]

3.1.2 Alterações Unilaterais Quantitativas

As alterações unilaterais quantitativas são aquelas em que a Administração, sem a necessidade da concordância do contratado, pode alterar a dimensão (acréscimos ou supressões) do objeto do contrato para adequá-lo às novas demandas decorrentes do interesse público.

Nas palavras de Fernando Vernalha Guimarães:

Admite-se que no curso da execução contratual poderá a Administração deparar-se com a necessidade de ampliar ou restringir o objeto do contrato, conforme assim determine o interesse público primário. Envolvem simples variação de quantidade do objeto, atingindo sua dimensão. Não visam a acréscimos e supressões que, ainda que havidos no seio do contrato, sejam produzidos em decorrência de alterações qualitativas; perseguem imediatamente a variação da dimensão do objeto contratual.[125]

Visto isso, pode-se passar à análise dos limites das alterações quantitativas.

3.1.2.1 Limites às alterações quantitativas

Aqui se trata, em verdade, de mais um limite ao poder de modificação de contratos conferido ao Estado, segundo Carlos Ari Sundfeld, o particular não pode ser obrigado a continuar a execução de um contrato que teve excessiva modificação nos quantitativos inicialmente contratados. Ainda que a Administração proceda ao ajuste da remuneração do contratado, a imposição dessas alterações quantitativas desmedidas podem acarretar na impossibilidade do particular executar o contrato. Segundo esse autor:

É que, de um lado, ele pode não ter capacidade operacional para atender ao aumento de suas obrigações; de outro, a realização das prestações em pequena quantidade, pelo mesmo preço unitário previsto no contrato, pode resultar onerosa. Por isso, a lei estipula limites para a variação de modo que, ao contratar com a Administração, o particular já sabe que, até certo tanto, pode ser constrangido a realizar mais ou menos.[126]

Portanto, os acréscimos e supressões decorrentes da alteração quantitativa dos contratos estão limitados, pela lei, em 25% sobre o valor inicial atualizado do contrato. No caso particular de reformas de edifícios e equipamentos o limite é de 50%, contudo, esses limites são apenas para os acréscimos. Quanto às supressões, os limites permanecem 25%.

Joel de Menezes Niebuhr ressalta que as modificações quantitativas não incidem exatamente sobre as dimensões do objeto, e sim em quanto dessas alterações se refletiram no valor inicial do contrato.

Com o intuito de esclarecer a distinção proposta transcreve-se o exemplo formulado por Joel de Menezes Niebuhr:

Por exemplo, a Administração contratou a pavimentação de 10 (dez) quilômetros de uma rodovia. Ela pretende formalizar aditivo para que sejam pavimentados outros 2 (dois) quilômetros. Muitos, apressadamente, concluem que tal aditivo é permitido, porque importa acréscimo não superior a 25% (vinte e cinco por cento) sobre a dimensão do objeto inicial. Como dito, tal conclusão é apressada, porque o limite de 25% (vinte e cinco por cento) deve ser aferido sobre o quanto a alteração repercute no valor do contrato. Ou seja, se os 2 (dois) quilômetros a mais não gerarem despesa superior a 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, então o aditivo é permitido.[127]

Ainda, é importante explicar que o “valor inicial atualizado do contrato” é o equivalente ao valor inicialmente contratado, com as devidas correções monetárias decorrentes de reajustes e/ou revisões até o momento em que se decide pela alteração do contrato. Salienta-se que outras modificações de valores, decorrentes da modificação do objeto, tal como, uma alteração quantitativa feita anteriormente, não são computadas para efeitos de cálculos do valor inicial atualizado do contrato. Como afirma Joel de Menezes Niebuhr, “deve-se levar em conta os acréscimos ao valor do contrato que não tenham relação com o objeto, mas que tenham decorrido apenas do direito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato”.[128]

3.1.2.1.1 Limites às alterações consensuais quantitativas

Apesar de não se tratarem de uma modificação unilateral feita pela Administração, vale comentar brevemente sobre os limites das alterações consensuais na tentativa de tornar o trabalho mais elucidativo, pois com a omissão desse tópico poder-se-ia entender que as modificações relacionadas à dimensão do objeto contratual se restringiriam àquelas impostas pela Administração Pública.

Retira-se a possibilidade das alterações quantitativas consensuais da análise conjunta do §2º e seu inciso II do art. 65 que prescrevem respectivamente que “nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior”, exceto quanto às “supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes”.

Niebuhr explica que a Lei distinguiu as hipóteses de acréscimos e supressões consensuais, mantendo o limite de 25% disposto no §1º do art. 65 para os acréscimos consensuais. Já para as supressões resultantes do acordo das partes (consensual), o legislador preferiu não limitá-las expressamente, como se percebe da leitura do inciso II do §2º.

Para explicar a opção legislativa em limitar tão somente os acréscimos consensuais, isentando desses limites as supressões consensuais, segue a justificativa de Joel de Menezes Niebuhr:

Os acréscimos consensuais estão sujeitos aos mesmos limites dos acréscimos unilaterais, porque em ambos a remuneração do contratado é majorada. Em virtude disso, frequentemente os contratados não se opõem aos acréscimos. A idéia de estabelecer limite visa a conter a corrupção e a imoralidade administrativa, impedindo que os contratos sejam aditados desproporcionalmente, importando em ganho excessivo para o contratado.[129]

Visto isso, cabe dizer que as supressões quantitativas que não importarem em alteração equivalente a 25% do valor inicial do contrato poderão ser feitas unilateralmente pela Administração (art. 65, §1), ou seja, o contratado está obrigado a suportar tal ingerência, no entanto quando necessária uma supressão que extrapole esses limites, a Lei de Licitações prevê que nesse caso a supressão só se admite com a aceitação por parte do contratado (supressão consensual). Isso se deve ao fato que as supressões que extrapolam os limites do §1º podem representar um ônus por demais elevado ao contratado, tendo em vista as regras da economia de escala.[130]

Contudo, vale ressaltar que para Celso Antônio Bandeira de Mello o referido dispositivo não pode ser entendido de forma irrestrita, pois, para ele existe a possibilidade, em casos expecionalíssimos, de se extrapolarem os limites do §1º do art. 65 para acréscimos consensuais quando da ocorrência de “sujeições imprevistas”.[131]

3.1.3 Alterações qualitativas

A hipótese de alteração qualitativa esta disposta no art. 65, inciso I, “a” da Lei de Licitações. Segundo Marçal Justen Filho a alteração qualitativa se caracteriza quando “a melhor adequação técnica supõe a descoberta ou a revelação de circunstâncias desconhecidas acerca da execução da prestação ou a constatação de que a solução técnica anteriormente adotada não era a mais adequada.”[132]

Segundo Fernando Vernalha Guimarães com as alterações qualitativas consagrou-se a possibilidade de se executarem ajustes no contrato para sua melhor execução, e acrescenta:

Esses ajustes podem ter como causa a otimização técnica da execução do objeto, quando se concebem alterações de tecnologia e de metodologia, ou a necessidade de promover adequações havidas por situações que podem obstaculizar os trabalhos-objeto, prejudicando o satisfatório desempenho contratual. Em um caso tem-se a melhora do atendimento ao interesse público, pelo aprimoramento técnico da execução; em outro tem-se a salvaguarda do resultado originalmente perseguido, ante a possibilidade de prejuízos ao interesse público. [133](itálico no original)

Visto isso, cabe ressaltar que as alterações unilaterais qualitativas sempre serão precedidas da ocorrência de um fato novo ou não conhecido no momento da contratação e que ensejará a adequação técnica do contrato.

3.1.3.1 Aumento ou redução do “escopo do contrato” como alteração qualitativa

Preliminarmente, vale diferenciar os contratos de escopo dos contratos que se extinguem pela expiração do prazo de vigência. Eros Roberto Grau, com base nos ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, explica que no segundo tipo o contrato tem sua extinção no momento do esgotamento de seu prazo de vigência, independentemente da fase em que se encontra a execução do contrato, sendo o caso, por exemplo, da concessão de serviços públicos.

Já nos contratos de escopo, Eros Roberto Grau entende o seguinte:

[...] o que se pretende é a obtenção do seu objeto concluído, operando o prazo como limite de tempo para a entrega da obra, do serviço ou da compra sem sanções contratuais, que incidirão desde que a mora tenha sido causada pelo contratado. Enquanto não cumprido seu objeto, o contrato guarda eficácia.[134] (itálico no original)

É interessante a análise feita por Fernando Vernalha Guimarães sobre acréscimos e supressões de quantitativos durante o contrato que resultam em uma alteração qualitativa.[135] É o caso de acréscimos e supressões sobre o escopo do contrato, em que se mantém a dimensão do objeto.

 Isso é possível porque o escopo do contrato, segundo o autor, são obrigações acessórias que são necessárias para a execução do objeto do contrato. Podem se tratar, por exemplo, de serviços preliminares que são úteis a execução do objeto principal, como a limpeza de uma obra que permite a efetivação desta. Nesse caso, então, “bem nítida a distinção entre escopo e objeto do contrato: o primeiro compreende as atividades necessárias à realização do segundo”.[136]

Logo, por se tratarem de obrigações complementares, os acréscimos ou supressões sobre elas não representam em alteração quantitativa, tendo em vista que não alteram a dimensão do objeto do contrato. Trata-se, portanto, de uma alteração qualitativa, pois a Administração com o acréscimo ou supressão, nesse caso, não está aumentando a dimensão do objeto e sim o adequando às novas demandas do interesse público.

Ressalta-se, ainda, que tais alterações podem refletir no valor do contrato, e em geral refletem, mas nem por isso há o desvirtuamento da alteração qualitativa.

3.1.3.2 Erro na formulação do projeto

Os erros de projeto podem justificar as alterações unilaterais da Administração como se pode entender do art. 65, I, “a” da Lei de Licitações.

Segundo Marçal Justen Filho essa hipótese “dispõe sobre situações em que a execução de certo projeto evidencia-se como inviável. É impossível manter a concepção original do empreendimento eis que conduziria a resultado desastroso”.[137]

Esses erros de projeto, segundo Fernando Vernalha, podem ser justificados como pressuposto do ius variandi, pois, ainda que seja decorrente do defeito no desempenho da atividade pública por um agente administrativo, deve-se ter em mente o resguardo do interesse público.

Poder-se-ia alegar que a hipótese mais correta no caso de um erro de projeto que ocasionasse problemas na execução contratual seria a de rescindir tal ajuste. Contudo, a interrupção de um serviço público não se compatibiliza com o princípio da continuidade do serviço público, pois, tal interrupção acarreta no prejuízo dos usuários dos préstimos públicos. E é justamente, tendo em vista a importância da continuidade dos serviços públicos, que se pode admitir o erro de projeto como pressuposto da alteração unilateral do contrato.[138]

Segundo o autor a Lei nº 8.666/93 conforma a possibilidade de sanar os erros de projeto quando prescreve no art. 7, §1º que o projeto executivo poderá ser feito concomitantemente com a execução da obra ou serviço. Portanto, é razoável admitir que o projeto executivo seja ferramenta hábil a corrigir os erros encontrados no projeto básico.

Apesar de a lei possibilitar a correção dos erros de projeto durante a execução do contrato, ela não exime de responsabilidade os agentes públicos que desempenharam tal atividade de forma incorreta. Tais agentes deverão ser punidos de acordo com os prejuízos por eles causados.

Ainda, Fernando Vernalha Guimarães comenta que além da solução retributiva despendida aos agentes públicos que produziram os erros, a Administração poderia adotar medidas de prevenção aos erros de projeto. Seria o caso de uma análise pormenorizada do projeto básico antes do começo da elaboração do projeto executivo, o que evitaria a ocorrência de vários erros durante a execução do contrato que poderiam ter sido sanados com o refinamento dos elementos do projeto básico.

É importante frisar que a constatação dos erros não envolve um juízo discricionário por parte da Administração, tais erros devem ser objetivamente aferíveis, de acordo com o autor. [139]

As alterações qualitativas são destinadas à adequação do objeto do contrato ao interesse público, por meio de modificações no projetoou de especificações técnicas.

3.1.3.3 Limites das alterações qualitativas

As alterações qualitativas, diferentemente das quantitativas, não são destinadas a modificar a dimensão do objeto do contrato, e sim adequá-lo a novas características e especificações necessárias.

Talvez por isso, a Lei de Licitações não estipulou, de forma expressa, limites para essas alterações. E é importante, segundo Joel de Menezes, que existam limites, pois, ocorrerão desvirtuamentos se à Administração for possível alterar livremente as características do objeto do contrato.

Sabe-se que é possível proceder a alterações qualitativas que reflitam em 25% do valor inicial atualizado do contrato, porque assim é permitido para as alterações quantitativas. Pois, “o que é permitido para as alterações quantitativas, também deve sê-lo para as alterações qualitativas.”[140]

A discussão, então, reside na possibilidade ou não de que as alterações qualitativas possam extrapolar os limites impostos às alterações quantitativas, ou seja, de 25%.

Joel de Menezes Niebuhr conclui pela possibilidade de que as alterações qualitativas possam extrapolar os limites impostos pelos §§1º e 2º do art. 65 da Lei de Licitações. Segundo ele, os citados dispositivos são explícitos em limitar as alterações quantitativas, se o objetivo fosse o de limitar também as primeiras, o legislador teria o feito de maneira explícita. Não se admitiria, nesse caso, a interpretação extensiva dos dispositivos com o objetivo de limitar as alterações qualitativas.[141]

No mesmo sentido, Fernando Vernalha comenta que a lei despendeu tratamento jurídico diferenciado para alterações quantitativas e qualitativas, e, portanto os limites estabelecidos nos §1º e 2º§ são referentes às alterações quantitativas, já que no §2º fala-se em acréscimo e supressão, em conformidade com a alínea “b” do inciso I do art. 65. Com isso, percebe-se que o §2º se reporta tão somente às alterações quantitativas.

O autor também aponta a expressão contida na alínea “b” e que foi excluída da alínea “a” do art. 65, inciso I, qual seja, “nos limites permitidos por esta Lei”. Logo, os limites dispostos na Lei, mais precisamente nos §§1º e 2º do art. 65 se aplicam às alterações quantitativas referidas na alínea “b”.[142]

Eros Roberto Grau entende no mesmo sentido, pois ao comentar sobre alteração do projeto de uma obra, ele entendeu que nesse caso há uma alteração qualitativa, e que tal alteração não obedece aos limites das alterações quantitativas. Citando o autor:

Exemplificando com a hipótese da compra, [...] a Administração poderá, com esteio no que dispõe o art. 65, I, “a”, da Lei 8.666/93, exigir a modificação das especificações dos equipamentos, desde que “para a melhor adequação técnica aos seus objetivos”, ainda que dessa modificação de especificações decorra aumento, do valor inicial atualizado do contrato, superior a 25% dele.

A única limitação que no caso incide é enunciada pelo texto desse art. 65, I, “a”: “melhor adequação técnica (do contrato) aos seus objetivos. (itálico no original)[143]

Para a solução desse caso, vale também lembrar a redação dos §§1º e 4º do art. 55, do Decreto-lei nº 2.300/86 que regulamentava a matéria de licitações e contratos administrativos antes do advento da Lei nº 8.666/93:

Art. 55 [...]

§1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% do valor inicial do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% para os seus acréscimos.

[...]

§4º no caso de acréscimos de obras, serviços ou compras, os aditamentos contratuais poderão ultrapassar os limites previstos no §1º deste artigo, desde que não haja alteração do objeto do contrato.

Comentando sobre esse dispositivo, Antônio Carlos Cintra do Amaral entende que o tratamento dado aos limites das alterações contratuais é o mesmo na Lei nº 8.666/93 ao que era dado no Decreto-lei 2.300/86. Para esse autor, o §4º do Decreto-lei 2.300/86 possibilitava a atividade discricionária ao agente administrativo, permitindo a esse a faculdade de ultrapassar os limites previstos no §1º para alterações contratuais. Segue a lição:

O exame da ratio iuris do §4º do art. 55 do Decreto-lei 2.300/86 e do §2º do art. 65 da Lei 8.666/93 conduz à conclusão de que ambos dizem a mesma coisa, embora com palavras diferentes. Considerando-se, como acima foi dito, que não há limite quando o agente público se depara com situações supervenientes, imprevisíveis e excepcionais [...].[144]

Com isso, conclui-se que o referido autor entende que os limites de 25% só se aplicam para as alterações quantitativas, para as alterações qualitativas é possível extrapolar esses limites, como já permitia o §4º do art. 55 do Decreto-lei 2.300/86.

Fernando Vernalha traz em sua obra importante ensinamento do doutrinador Caio Tácito com o objetivo de justificar a tese até aqui proposta. Para esse autor, em síntese, as alterações qualitativas servem para adequar o objeto por meio da modificação de especificações contratuais, logo não podem ser limitadas da mesma forma que as alterações quantitativas, pois a modificação deve ser suficiente para garantir que o contrato cumpra sua finalidade para isso podendo e devendo, se necessário for, extrapolar os limites do §1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93.[145]

Contudo, apesar dessas alterações não estarem limitadas pelos §§ 1º e 2º da Lei nº 8.666/93, é preciso que exista algum parâmetro que sirva de fundamento a limitá-las. Joel de Menezes sugere que os limites devem ser delineados com base nos princípios que regem a atividade administrativa, como os da proporcionalidade, razoabilidade, eficiência, economicidade e etc.[146]

No entanto, como se sabe, os princípios admitem uma diversidade de interpretações, e devido à subjetividade na aplicação desses abre-se espaço para deturpações.

Ainda assim, na falta de limites legais expressos, os princípios devem ser aplicados e ponderados de acordo com o caso concreto.

Joel de Menezes Niebuhr segue a lição dizendo que as alterações qualitativas devem ser feitas quando o caso concreto indique sua efetiva necessidade, devendo restar demonstrado que se essas alterações ficarem adstritas aos limites legais dos §§ 1º e 2º da Lei de Licitações ocorrerá prejuízo à concreção do interesse público. Então, as alterações qualitativas têm como pressuposto o atendimento de um interesse público. Seguindo nas palavras do autor:

Mais do que isso, é necessário demonstrar que o interesse público seria desatendido se a Administração fosse impedida de realizar o aditivo. Nessa linha, os agentes administrativos devem motivar o ato que promove aditivo qualitativo, indicando os prejuízos que seriam suportados pela Administração caso esse aditivo não pudesse ser realizado. Esses prejuízos devem ser fortes o bastante para justificar o aditamento do contrato.[147]

Então, conclui-se que do surgimento de uma nova necessidade, a Administração poderá alterar o contrato com o intuito de adequá-lo á nova realidade, tendo como limite a satisfação do interesse coletivo primário. Nas palavras de Antônio C. Cintra do Amaral “somente são admissíveis modificações do projeto que visem melhor atendimento do interesse da parcela da sociedade afetada pela obra a ser construída”.[148]

Interessante mencionar o entendimento de Toshio Mukai, o qual concorda que as alterações qualitativas não podem ser limitadas diretamente com base nos §§1º e 2º do art. 65. Ele entende também que as alterações deverão ser motivadas na necessidade imprescindível da alteração. Contudo, esse autor adota um limite incomum aos demais autores citados. Ele entende, por exemplo, que as alterações não poderiam resultar em uma alteração de projeto próxima de 100% em relação ao anterior, pois isso indicaria a total desnaturação do objeto, tratar-se-ia de um novo objeto e, portanto, nesse caso, a Administração deveria fazer nova licitação.

Com isso, esse autor difere no entendimento de que as alterações qualitativas devem ser limitadas em 50% de acréscimo do valor inicial, limite esse encontrado pela analogia com o limite máximo permitido pela Lei de Licitações, em seu art. 65, §1º.[149]

Outro limite às alterações qualitativas, só que tratado de forma mais uniforme na doutrina e jurisprudência, é quanto à impossibilidade de se desnaturar o objeto do contrato. Segundo ensina Vera Lúcia Machado D’Avila, a Administração poderá alterar unilateralmente o contrato quando for necessária uma adequação da especificação técnica do objeto do contrato, “limitando esse poder à própria natureza do objeto, sem desnaturá-lo, transfigurá-lo ou aditá-lo a outro de natureza distinta.”[150]

No mesmo sentido, Joel de Menezes:

Outrossim, a alteração qualitativa não deve afetar a funcionalidade básica do contrato. Explicando melhor, a alteração qualitativa deve prestar-se a adaptar o objeto do contrato à nova realidade, preservando a identidade do objeto, sem transformá-lo noutro com funcionalidade básica diferente.[151]

É de se ressaltar que o entendimento de que as alterações qualitativas não estão limitadas de acordo com os §§1º e 2º do art. 65 não é pacífica, podendo-se citar como adepto dessa limitação Marcos Juruena Villela Souto.

Esse autor comenta que o já citado §4º do Decreto-lei 2.300/86 não limitava as alterações qualitativas, contudo com o advento da Lei nº 8.666/93 mudou-se tal realidade. Segundo ele:

[...], em faces de inúmeras imoralidades surgidas, a Lei inclui todas as alterações nos limites da alteração quantitativa (embora haja teses no sentido de que o limite refere-se apenas à alteração quantitativa, desconsiderando a interpretação histórica, além da literalidade da norma) [152]

Nesse sentido também já decidiu o Tribunal de Contas da União, como se verá a seguir, na Decisão 215/99, sobre a qual Carlos Pinto Coelho Motta tece a seguinte conclusão:

A constatação básica é que tanto as alterações contratuais quantitativas – que modificam a dimensão do objeto – quanto as unilaterais qualitativas – que mantém intangível o objeto – estão sujeitas às limitações legais, em face do respeito aos direitos do contratado, prescritos no art. 58, I.[153]

Nesse momento, é válido citar trecho da referida Decisão 215/1999 do Tribunal de Contas da União, a qual inovou o entendimento existente naquele momento:

a) Tanto as alterações contratuais quantitativas – que modificam a dimensão do objeto – quanto as unilaterais qualitativas – que mantém intangível o objeto, em natureza e em dimensão, estão sujeitas aos limites preestabelecidos nos §§1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, em face do respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 58, I, da mesma Lei, do princípio da proporcionalidade e da necessidade de esses limites serem obrigatoriamente fixados em lei;

b) nas hipóteses de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas de contratos de obras e serviços, é facultado à Administração ultrapassar os limites aludidos no item anterior, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos patrimoniais do contratante privado, desde que satisfeitos cumulativamente os seguintes pressupostos:

I - não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;

II - não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;

III - decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial;

IV - não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos;

V - ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes;

VI - demonstrar-se - na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea "a", supra - que as conseqüências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à sua urgência e emergência;[154]

Acerca dessa decisão, Fernando Vernalha comenta:

Com respeito [...] ao alto nível das conclusões produzidas pelo Tribunal de Contas, tem-se que não será necessária a concordância do co-contratante para as hipóteses de alterações qualitativas em que se verificar excepcionalmente extravasamento dos limites quantitativos. Por tudo o que se expôs acima, conclui-se que o §2º do art. 65 da Lei nº 8.666/1993 não se aplica às modificações unilaterais fundadas em aspectos qualitativos do contrato. Desta forma, para esta espécie de alteração não vigem os limites prescritos. Daí que a vontade do co-contratante, quanto a isso, é indiferente. A questão se põe no âmbito do poder administrativo de alteração unilateral do contrato determinado pela alínea “a” do inciso I do art. 65.[155]

Para Joel de Menezes Niebuhr, o TCU estaria dando uma interpretação própria da lei, o que não é de sua competência, a qual se limita a fiscalizar a sua aplicação. Ainda, comenta que a argumentação contida na decisão do TCU acerca do direito do contratado não seria suficiente para obstar o entendimento pela possibilidade das alterações qualitativas extrapolarem os limites prescritos nos §§1º e 2º da Lei de Licitações. Isso, porque os direitos do contratado estariam resguardados a partir do momento que a Administração mantivesse o valor da remuneração equivalente ao novo encargo imposto ao contratado (manutenção da equação econômico-financeira). [156]

Por último, nesse ponto, é interessante a abordagem dada por esse autor para justificar que o princípio da proporcionalidade justifica justamente o contrário do que pretende o TCU, vale dizer, justifica a possibilidade de extrapolar os limites dos dispositivos citados, ao invés de limitá-los a esses.

O princípio da proporcionalidade também não justifica a adoção de limites pré-estabelecidos para as alterações qualitativas. Sucede, como se depreende da Teoria dos Princípios, que eles devem ser ponderados em vista das peculiaridades de cada caso concreto. Logo, o princípio da proporcionalidade, por si, precisa ser aplicado caso a caso, sem que com base nele seja possível determinar de antemão patamar absoluto.[157]

Então, os limites às alterações qualitativas devem ser traçados em parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, vale dizer que não se admitem limites fixos, como no caso das alterações quantitativas. Os limites das alterações qualitativas devem ser aferidos de acordo com cada caso concreto, dentro dos limites impostos, como já dito, pelos princípios de proporcionalidade e razoabilidade.

A lei não fixou limites fixos para as alterações qualitativas porque “seria extremamente difícil estabelecer parâmetros de quantidade pressupondo alterações de qualidade”.[158]

Joel de Menezes, ainda tratando da Decisão 215/99 do TCU, conclui afirmando que nela se entende que as alterações qualitativas estão limitadas ao §1º do art. 65, assim como as alterações quantitativas. E que apenas as alterações consensuais qualitativas podem ultrapassar esses limites, desde que atendidos os pressupostos enumerados na decisão. Esse autor discorda, como já visto, do entendimento de que as alterações qualitativas estão limitadas ao §1º do art. 65. No entanto, aplaude a decisão no que se refere aos critérios ali enumerados para a superação dos limites legais das alterações qualitativas consensuais.[159]

Por fim, percebe-se que a maior parte da doutrina entende que os limites dos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei de Licitações é aplicável tão-somente às alterações unilaterais quantitativas. No caso das alterações qualitativas não existe tal limite. Esse tipo de alteração encontra limitação no dever de satisfação do interesse público proporcionado pela adequação do contrato a uma nova realidade, bem como na aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sem perder de vista o resguardo dos direitos dos contratados, a exemplo da intangibilidade da equação econômico-financeira.

A despeito desse posicionamento, autores como Marcos Juruena e reiteradas decisões do TCU têm o entendimento de que as alterações qualitativas estão limitadas da mesma forma que as alterações quantitativas. Havendo a possibilidade, segundo a decisão paradigmática do Tribunal de Contas da União, da superação dos limites impostos nos §§1º e 2º do art. 65, nos casos das alterações consensuais qualitativas excepcionalíssimas, desde que respeitados os critérios fixados nessa decisão.

Sobre o autor
Adriano Biancolini

Advogado em Curitiba (PR) no escritório Biancolini D'Ambrosio e Menzel Vieira Advogados, com experiência em atuação consultiva em licitações e contratos administrativos e funcionalismo público. Graduado pela Faculdade de Direito de Curitiba. Administrador do site Convir - A sua consultoria jurídica virtual (http://convir-adv.blogspot.com.br/)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIANCOLINI, Adriano. Limites das alterações unilaterais qualitativas dos contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3205, 10 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21479. Acesso em: 25 nov. 2024.

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