Desde a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, do dia 28/03, acerca da chamada Lei Seca, esse tribunal tem sido alvo de duras críticas. Nesse julgado específico, o STJ entendeu que tão somente os exames do bafômetro (leia-se, etilômetro) ou o de sangue (alcoolemia) são aptos para se provar o crime de embriaguez ao volante. Contudo, como será visto adiante, muito mais que isso, decidiu-se que, em um Estado Democrático de Direito, a lei deve servir de limite à atuação estatal, no sentido de se coibirem abusos.
Ora, a referida Lei Seca passou a exigir um determinado nível de álcool no sangue, especificamente seis decigramas ou mais, para caracterização do crime de embriaguez ao volante. Logo, evidentemente o exame clínico ou qualquer outro teste que não seja um daqueles dois supramencionados (bafômetro e de sangue) não são capazes de determinar uma quantidade específica de álcool na corrente sanguínea. Além disso, os efeitos do álcool no organismo variam em cada indivíduo, não sendo possível, portanto, que o médico perito (ou nenhum outro profissional) possa visualmente estabelecer um nível exato da substância no sangue. Foi exatamente nesse sentido que o STJ decidiu.
Agora, se a Lei Seca foi mal elaborada e sua redação atual implica na sua ineficácia, já que os motoristas não são obrigados a realizar os dois únicos exames admissíveis como prova no crime de embriaguez ao volante, cabe aos diversos setores sociais mobilizarem-se para que ela seja alterada, e não descumprida. Defender que a lei seja posta de lado porque é ineficaz, desrespeitando direitos e garantias fundamentais, é atentar contra o próprio regime democrático. Guardadas as devidas proporções, seria o mesmo que se sustentar a utilização da tortura com a justificativa de que os métodos legais previstos para investigação criminal são ineficientes, conduta esta que, sem dúvida, é absurda e repugnante.
É fato que, a cada ano, milhares de pessoas são vítimas em acidentes fatais de trânsito, grande parte desses números resultante da infeliz combinação de álcool e direção. Também é certo que essa grave situação exige medidas urgentes por parte das autoridades e da sociedade como um todo. No entanto, essas questões não legitimam o descumprimento das leis, ainda mais quando isso significa desrespeito aos direitos e garantias individuais.
Em suma, na decisão analisada, o STJ reafirmou que, em um regime democrático, os fins não podem justificar os meios, especialmente quando estes violarem direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Nesse contexto, a utilização da lei serve justamente para conferir segurança contra abusos por parte dos entes estatais. Decidir o contrário disso seria atentar contra todas as conquistas democráticas já consolidadas, ainda que existam muitas outras a alcançar.