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Plano diretor da reforma do aparelho do estado e organizações sociais.

Uma discussão dos pressupostos do "modelo" de reforma do Estado Brasileiro

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Agenda 01/10/2001 às 00:00

6. Conclusão: Reforma do Estado Como Caminho Para Uma Reformulação das Relações Estado-Sociedade: as Organizações Sociais como Instrumento e Risco desse Processo de Consolidação da Cidadania

A reforma do Estado tem sido um assunto extremamente discutido, bastante polemizado e pouco esclarecido no meio de tantas correntes ideológicas pelas quais está perpassado. Desde o início deste artigo, enfatizou-se a perspectiva de análise sob os prismas do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado e do instituto jurídico das organizações sociais, para que se pudesse levantar riscos, significantes e contextualizações das mudanças que, no âmbito do público não exclusivamente estatal, estão conformadas pelo e ajudam a conformar o movimento de reestruturação estatal no Brasil contemporâneo.

Fundamentalmente, foram deixadas mais perguntas que respostas, mas aqui já se poderia, ao menos, delinear uma via de entendimento para a questão introdutória de tudo o que já foi discutido, visto que só caberia dimensionar a transferência para sociedade organizada de esferas significativas de atuação estatal e o incremento de eficiência no aparelho do Estado como instrumentais efetivos de uma mudança positiva na forma de atuação do Estado, na medida exata em que fossem sendo concretizados no seio de uma maior participação social, ou seja, na medida em que o público não-estatal e a eficiência (segundo o modelo de Administração pública Gerencial) realmente fossem capazes, no contexto brasileiro, de agregar cidadania em termos amplos.

No limiar da possibilidade de serem mais uma precarização da prestação de serviços sociais (alguns deles são mesmo deveres do Estado), rumo a um processo de privatização e de exclusão de uma camada da população que não corresponde ao conceito de cliente, e, em via oposta, da perspectiva de chegarem a se tornar um espaço aberto e instrumentalizado para o incentivo do exercício de uma cidadania mais participativa, as organizações sociais hoje ensejam uma série de desafios, seja porque ainda não há praticamente quase nada posto em prática a respeito do foi proposto, seja porque o grau de mudança esperado é definitivamente muito elevado, quem sabe a própria "a reinstituição do Estado" pela sociedade (?).

Ou se reformula o nexo de relações agent x principal, de modo a induzir que a sociedade participe e exerça, acima de parâmetros estritos de eficiência e de gestão para o mercado, controle no nível de accountability, participação social e exercício de cidadania esses que não se restringem apenas à área dos serviços sociais; ou se estará, sob o discurso de reformar o Estado para a contenção de custos da Administração Pública, apenas aderindo à imposição, geradora de extremas desigualdades sociais, da panacéia do mercado.

Neste sentido, à implementação ainda por vir do instituto das organizações sociais colocam-se alguns complexos desafios, para o Estado e para a sociedade, na medida em que tais entidades deverão, antes de mais nada, ser uma construção de ambos os atores, em uma interação ampla e ainda incipiente na realidade sócio-política brasileira.

Ao Estado, cabe tentar resolver a problemática da desconfiança da sociedade em face da "novidade" do instrumento, cabe atentar para o risco do patrimonialismo, da privatização ou mesmo da "feudalização" das O.S., quando da absorção de autarquias e fundações públicas pelas entidades civis sem fins lucrativos e principalmente cabe ao Estado o dever de fornecer mecanismos compensatórios para que os excluídos participem também (donde não ser possível imaginar a completa substituição da prestação de serviços sociais feita pelo Estado pela prestação feita pelas O.S.), tendo em vista a noção de que o Estado não pode se eximir da sua responsabilidade junto a toda a sociedade de garantir, minimamente, os direitos conquistados constitucionalmente.

Por outro lado, os desafios colocados à sociedade são justamente crer na eficácia do instituto; controlar a atuação dos envolvidos, para garantir a condição de espaço público (ainda que não-estatal) e evitar a "promiscuidade" nos processos, donde caber à esfera social também, se necessário for, resistir à privatização dos serviços sociais camuflada sobre a noção de "publicização".

Tais desafios, em linhas gerais, conformam o meio como deverão ser tratados os muitos problemas e riscos do instituto das organizações sociais. Diante do arranjo jurídico ( em vários pontos da Lei 9.637/98, inadequado); do controle social mal instrumentalizado; do desmonte do setor público (praticamente o que se tem hoje com isso é o Estado deixando de ser até mesmo subsidiário no nível de garantia dos direitos sociais, como saúde e educação); do risco da substituição da prestação dos serviços sociais básicos por sua venda; do ceticismo do governo quanto à eficiente prestação estatal de serviços e das muitas soluções artificiais consideradas sob a ótica estrita dos interesses do mercado e não da sociedade como um todo, desponta como caminho basilar de aprimoramento do modelo proposto o necessário conhecimento da realidade brasileira e das políticas públicas na interlocução entre Estado e sociedade. E conhecer melhor para poder exercer um controle mais consciente, para avaliar ganhos e perdas com o processo, para responsabilizar a esfera política (da qual a sociedade é "principal") em termos de compromisso com os interesses dos cidadãos, para efetivamente reformar o Estado e não para comprimi-lo.

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Registrados alguns questionamentos quanto a todas essas arestas conflituosas e fundamentais, já se pode retornar à dimensão das organizações sociais no espaço de reformulação das relações Estado-sociedade. Em se visando realmente à construção, a partir da proposta de reforma do Estado que se tem hoje, do Estado Democrático de Direito no Brasil, para um público não-estatal que implique maior e mais efetiva cidadania, eis que aqui se colocam as organizações sociais: aqui e para toda a sociedade, elas estão dimensionadas como e na condição de desafio, por sua vez, à própria democracia brasileira.


Notas

1. Os principais pontos realmente inovadores são a mudança da forma de controle das atividades administrativas (de controle de processos para controle de resultados, com o devido cumprimento de metas e não mais o mero preenchimento de "n" vias e protocolos) e a perspectiva de maior participação popular, seja através de novos mecanismos de controle, seja através da transferência propriamente dita de atividades prestadas pelo Estado para a sociedade organizada (vide a questão das organizações sociais).


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Sobre a autora
Élida Graziane Pinto

Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo. Pós-Doutora em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). Doutora em Direito Administrativo pela UFMG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Élida Graziane. Plano diretor da reforma do aparelho do estado e organizações sociais.: Uma discussão dos pressupostos do "modelo" de reforma do Estado Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2168. Acesso em: 19 dez. 2024.

Mais informações

O artigo em questão foi reformulado a partir dos dois primeiros capítulos da monografia de nome "Organizações Sociais e Reforma do Estado: riscos e desafios nesta forma de institucionalizar a parceria Estado-sociedade organizada no Brasil" premiada em 2º lugar no XIV Concurso Internacional de Ensayos e Monografias del Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo, tendo sido apresentada no V Congreso Internacional sobre Reforma del Estado e de la Administración Pública del CLAD, realizado em Santo Domingo, República Dominicana, de 24 a 28/10/2000

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