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Desnecessidade de eficácia da arma de fogo para a tipificação do roubo majorado

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Agenda 25/05/2012 às 19:01

3. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA

Primeiramente, cumpre salientar que as hipóteses trazidas pelo § 2º do artigo 157 do Código Penal, com relação ao aumento de pena do crime de roubo, tratam-se de majorantes da presente infração penal, e não de circunstâncias agravantes, pois estas estão previstas nos artigos 61 e 62 do Diploma Penal, constituindo rol taxativo, enquanto as majorantes são disciplinadas pelas próprias normas que tipificam os crimes.

As circunstâncias capazes de agravar a pena do crime de roubo, conforme já explicitado no capítulo 2.6.2 do presente trabalho, estão enumeradas no § 2º e incisos do artigo 157 do Código Penal.

Restringiremo-nos a estudar a primeira hipótese de agravamento que ocorre com o emprego de arma, mais especificamente a arma de fogo, objeto de nosso trabalho.

3.1. Conceito de Arma

Segundo Mirabete, “arma, no sentido jurídico, é todo instrumento que serve para o ataque ou defesa, hábil a vulnerar a integridade física de alguém”.[27]

Por sua vez, segundo o Aurélio, arma é o “instrumento ou engenho de ataque ou de defesa” ou “qualquer coisa que sirva para um desses fins”.[28]

Entendemos que o conceito dado pelo dicionário, o qual inclui qualquer coisa que possa ser dirigida com o fim de ataque ou defesa, seja o mais adequado, pois é o mais completo, até mesmo porque existem indeterminados objetos ao nosso redor que podem ser empregados como arma. Desta forma, arma, para fins jurídicos, deve ser entendida como qualquer objeto usado com o fim de atacar ou ameaçar outrem.

O simples porte ostensivo da arma não configura a agravante, uma vez que o próprio tipo prevê que esta deve ser empregada e utilizada na violência ou grave ameaça.

Outrossim, como bem observa Hungria, “é indiferente que o agente tenha, de caso pensado, trazido a arma consigo ou a tenha encontrado no próprio local do crime”.[29]

Tendo em vista que o emprego de arma é circunstância objetiva do crime, comunica-se ao coautor ou partícipe.

3.2. Classificação das Armas

As armas podem ser classificadas de inúmeras formas, levando-se em conta os resultados que produzem, formas de utilização etc. Restringiremo-nos as principais.

Entende-se por armas próprias os instrumentos especificamente criados com o fim de ataque ou defesa, hábeis a agredir a integridade física das pessoas (como, p. ex., bombas, espingardas), e por armas impróprias aquelas que, não criadas com este intuito, podem ser usadas com a mesma finalidade (como, p. ex., facas, barras de ferro).

Por sua vez, armas brancas são aquelas incapazes de disparar projéteis, como bastões, facas, espadas, arcos entre outros, mas que podem atingir a integridade física da pessoa.

Em contra partida, armas de fogo são aquelas capazes de disparar projéteis, como os revólveres, pistolas, espingardas, metralhadoras etc.

Armas não letais são as que ferem uma pessoa, porém não possuem eficácia para ocasionar a morte, como as arma de eletrochoque ou pistolas e revolveres com projeteis de borracha.

Armas de efeito moral são aquelas que, uma vez utilizadas, causam grande incomodo na pessoa, dificultando sua reação, como ocorre na utilização de altos barulhos ou luzes fortes.

Por sua vez, armas químicas são os gases ou outros elementos de origem química capazes de danificar o aparelho respiratório, tais como o gás de pimenta e o gás lacrimogêneo.

Armas biológicas são aquelas que manipulam doenças capazes de impor danos graves a um ser, como os vírus e o antrax.

Por fim, as arma de confronto corpo-a-corpo são aquelas que não produzem efeito se não utilizadas a uma distância próxima do alvo, como a faca, enquanto as de confronto a distância são aquelas que admitem sua utilização a grandes distâncias.

3.3. Arma de Fogo

Na lição de Guilherme de Souza Nucci, arma de fogo “é a arma que funciona por intermédio da deflagração de carga explosiva, lançando ao ar um projétil”.[30]

Segundo o dicionário Aurélio, “é toda aquela que funciona mediante a deflagração de uma carga explosiva que dá lugar à formação de gases, sob cuja ação é lançado no ar um projétil”.[31]

Para a caracterização da causa especial de aumento de pena, pouco importa se a pessoa que utiliza a arma tem autorização para portá-la, bem como se a arma é de uso permitido ou restrito e se esta se encontra devidamente registrada no órgão competente. Basta que a arma de fogo seja empregada na prática do crime.

Por sua vez, o Decreto n. 5.123/04, que regulamenta a Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento), define, em seu artigo 10, arma de fogo de uso permitido como “aquela cuja utilização é autorizada a pessoas físicas, bem como a pessoas jurídicas, de acordo com as normas do Comando do Exército e nas condições previstas na Lei n. 10.826/03”, e, em seu artigo 11, arma de fogo de uso restrito como

“aquela de uso exclusivo das Forças Armadas, de instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Comando do Exército e de acordo com legislação específica”.


4. DESNECESSIDADE DE EFICÁCIA DA ARMA DE FOGO PARA A TIPIFICAÇÃO DO ROUBO MAJORADO

Após analisarmos os aspectos históricos e as peculiaridades que envolvem o crime de roubo, bem como a sua forma majorada, que constitui o objeto do presente trabalho, passaremos a expor as correntes e os fundamentos que envolvem a eficácia da arma de fogo quanto à majoração do crime nas iras do artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal.

Exporemos, em um primeiro momento, os fundamentos contrários à desnecessidade de eficácia da arma de fogo para a tipificação do roubo circunstanciado, com seus respectivos argumentos, para, posteriormente, demonstrarmos que referido pensamento não deve prosperar no cenário jurídico penal brasileiro.

4.1. Fundamentos Quanto à Necessidade de Eficácia da Arma de Fogo

No universo acadêmico jurídico, o entendimento majoritário trazido pela doutrina é no sentido de que, uma vez ineficaz a arma de fogo para efetuar disparos, a majorante prevista no artigo 157, § 2º, inciso I, não deve ser aplicada.

Diz Mirabete que “o emprego de arma denota não só a maior periculosidade do agente, como também um ameaça mais intensa à incolumidade física da vítima”.[32] Continua mencionado autor aduzindo que embora o simulacro de arma “seja idôneo para intimidar, quando a vítima se julga diante de arma verdadeira, não é apto para causar risco à vida ou danos à integridade física da vítima, razão da existência da qualificadora”.[33] Por fim, termina expondo que

“a mesma conclusão, quanto à existência da qualificadora, deve prevalecer quanto ao roubo com emprego de arma descarregada, ou defeituosa, embora se deva considerar que a inidoneidade para vulnerar é apenas acidental”[34].

Por sua vez, na mesma linha de raciocínio, Cezar Roberto Bitencourt expõe que

“a inidoneidade lesiva da arma (de brinquedo, descarregada ou simplesmente à mostra), que pode ser suficiente para caracterizar a ameaça tipificadora do roubo (caput), não tem o mesmo efeito para qualificá-lo, a despeito do que pretendia a equivocada Súmula 174 do STJ, em boa hora revogada, atendendo a súplica unânime da doutrina nacional”.[35]

Prossegue mencionado autor aduzindo que

“o fundamento dessa majorante reside exatamente na maior probabilidade de dano que o emprego de arma (revólver, faca, punhal etc.) representa e não no temor maior sentido pela vítima”.[36]

Alega, também, que “por isso, é necessário que a arma apresente idoneidade ofensiva, qualidade inexistente em arma descarregada, defeituosa ou mesmo de brinquedo”.[37] Por fim, concluiu seu ensinamento dizendo que,

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“pelas mesmas razões, não admitimos a caracterização dessa majorante com o uso de arma inapta a produzir disparos, isto é, inidônea para o fim a que se destina”.[38]

Na mesma esteira de pensamento, temos Celso Delmanto, o qual afirma que “embora a jurisprudência esteja dividida, estamos de acordo com aqueles que não reconhecem a qualificadora no emprego de arma de brinquedo ou descarregada”[39]. Referido autor desenvolve seu pensamento pronunciando que

“estas, bem como a arma imprópria ao disparo, podem, sem dúvida, servir à caracterização da grave ameaça do roubo simples, próprio ou impróprio (caput e § 1º), mas não para configurar a qualificadora, que é objetiva e tem sua razão de ser no perigo real que representa a arma verdadeira, municiada e apta a disparar”.[40]

Também alega que

“se à qualificadora bastasse a intimidação subjetiva da vítima com a arma de brinquedo, coerentemente não se deveria reconhecê-la quando o agente usa arma real, mas o ofendido acredita ser ela de brinquedo”.[41]

E conclui que, “além do mais, não se pode equiparar o dolo e a culpabilidade do agente que emprega arma de brinquedo, descarregada ou imprópria ao disparo, com o de quem utiliza arma verdadeira, carregada e apta”.[42]

Na mesma esteira segue o ensinamento de Heleno Fragoso, o qual explica que

“o fundamento da agravante reside no maior perigo que o emprego da arma envolve, motivo pelo qual é indispensável que o instrumento usado pelo agente (arma própria ou imprópria), tenha idoneidade para ofender a incolumidade física”.[43]

Condizente com as doutrinas acima expostas, porém condicionando a presença da qualificadora à confecção de exame pericial, Guilherme de Souza Nucci prescreve que,

“caso a arma seja considerada pela perícia absolutamente ineficaz por causa do seu defeito, não se pode considerar ter havido maior potencialidade lesiva para a vítima (teoria objetiva do emprego de arma); logo, não se configura a causa de aumento”.[44]

Assim, para mencionado autor, a circunstância agravante do emprego de arma de fogo só restará tipificada se a arma utilizada pelo agente for relativa ou absolutamente eficaz para efetuar disparos. Logo, haverá necessidade de exame pericial em referido artefato, único meio possível de atestar sua eficácia.

Outrossim, Luiz Regis Prado, compartilhando do mesmo entendimento, exara que “a inidoneidade lesiva da arma (de brinquedo, descarregada ou simplesmente à mostra), que é suficiente para caracterizar a ameaça tipificadora do roubo (‘caput’), não tem o mesmo efeito para qualificá-lo”.[45]

Seguindo idêntico pensamento, temos Paulo José da Costa Júnior, o qual explana que “arma fictícia (revólver de brinquedo), que poderá ser idônea à ameaça, não basta para qualificar o roubo”,[46] e prossegue dizendo que “o mesmo não se poderá dizer de arma momentaneamente defeituosa ou descarregada, por ser a inidoneidade acidental”.[47]

Compactuando da corrente majoritária, mas de forma mitigada, também temos a lição de Rogério Greco, o qual aduz que

“o emprego da arma agrava especialmente a pena em virtude de sua potencialidade ofensiva, conjugada com o maior poder de intimidação sobre a vítima. Os dois fatores, na verdade, devem estar reunidos para efeitos de aplicação da majorante. Dessa forma, não se pode permitir o momento da sua ação, qualquer potencialidade ofensiva por estar sem munição ou mesmo com um defeito mecânico que impossibilitava o disparo. Embora tivesse a possibilidade de amedrontar a vítima, facilitando a subtração, não poderá ser considerada para efeitos de aumento de pena, tendo em vista a completa impossibilidade de potencialidade lesiva, ou seja, a de produzir dano superior ao que normalmente praticaria sem o seu uso”.[48]

Por fim, no mesmo sentido, temos o entendimento de Damásio E. de Jesus.[49]

Evidencia-se que, diante do exposto, a doutrina majoritária compactua do critério objetivo para a aplicação da majorante do crime de roubo.

4.2. Fundamentos Quanto à Desnecessidade de Eficácia da Arma de Fogo

Como acima demonstrado, a maior parte da doutrina defende a tese de que a causa de aumento de pena do emprego de arma de fogo no crime de roubo depende da potencialidade lesiva do armamento e fundamenta-se no maior risco que a integridade física da vítima fica exposta.

Por maior que seja o brilhantismo exarado por esses jurisconsultos e do altíssimo respeito que seus pensamentos merecerem, discordamos profundamente de todo o acervo utilizado como sustentação à corrente por eles defendida.

A partir de agora passaremos a debater ponto a ponto os fundamentos escampados pela corrente majoritária e, ao final, demonstraremos o real intuito do legislador e a razão da aplicação da majorante da arma de fogo no crime de roubo.

4.2.1. Doutrina

Apesar de minoritária, alguns doutrinadores, com grande acerto, defendem a existência da causa de aumento de pena prevista no artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, não pela maior gravidade que reapresenta a integridade física da vítima (critério objetivo), mas sim pelo maior poder de intimidação por ela trazida.

Nélson Hungria explana que

“a ameaça com uma arma ineficiente (ex.: revólver descarregado) ou fingida (ex.: um isqueiro com feitio de revólver), mas ignorando o agente tais circunstâncias, não deixa de constituir a majorante, pois a ratio desta é a intimidação da vítima, de modo a anular-lhe a capacidade de resistir”.[50]

Por sua vez, Fernando Capez diz que o fundamento da causa de aumento de pena, ora objeto de nosso debate, “é o poder intimidatório que a arma exerce sobre a vítima, anulando-lhe a sua capacidade de resistência”.[51] Expõe, também, que, “por essa razão, não importa o poder vulnerante da arma, ou seja, a sua potencialidade lesiva, bastando que ela seja idônea a infundir maior temor na vítima e assim diminuir a sua possibilidade de reação”.[52] Conclui, dizendo que, “trata-se, portanto, de circunstância subjetiva”.[53]

Edgar Magalhães Noronha diz que, quanto à arma,

“é necessário que ela sirva para efetivação da violência ou realização da ameaça, isto é, seja idônea à consecução desses meios. Muita vez, uma arma pode não ser idônea para realização da violência, de acordo com seu destino próprio; assim, p. ex., um revólver descarregado. Mas será idôneo para a ameaça se a vítima desconhecer essa circunstância. A lei exige apenas que a ameaça ou a violência sejam exercidas com emprego de arma. Não há que questionar se o agente preparou-se de antemão com ela, para pôr em ação aqueles meios. É suficiente empregá-la, ofendendo a integridade corporal da vítima ou ameaçando-a”.[54]

Dentre os doutrinadores, podemos citar, ainda, Vicente de Sabino Junior, o qual ensina que “o uso de arma ineficiente poderá ser incriminado se o agredido desconhecia essa circunstância e foi realmente intimidado por ele”.[55]

Deste modo, defendem mencionados autores, o critério subjetivo da causa de aumento de pena.

4.2.2. A Estrutura do Tipo

Como estudado no capitulo 3 deste trabalho, o roubo é crime complexo, uma vez que, além do patrimônio, tutela-se a integridade física e psíquica da vítima.

O tipo, em seu caput, prevê: “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência” (grifo nosso).

Desta feita, a menor possibilidade de resistência da vítima integra o tipo penal, até mesmo porque a própria violência ou grave ameaça empregada possui esse fito. Agredir alguém para subtrair algo sob sua posse ou lhe incutir medo nada mais são do que atitudes que diminuem a repressão que o proprietário ou detentor da coisa irá despender em defesa de seu patrimônio, logrando com isso o escopo criminoso da subtração.

Atento a essa questão, o legislador, no § 2º do artigo 157 do Diploma Penal, elencou um rol de circunstâncias que majoram a pena do roubo, tendo em vista a sua maior reprovabilidade se cometido em coadunação com tais circunstâncias. Nesse rol está incutido o emprego de arma, do qual destacamos a arma de fogo.

Assim, alegar que a existência da majorante tem por fim aumentar a pena do criminoso que, utilizando-se de arma de fogo apta para disparos, comete a subtração, colocando em risco a incolumidade física da vítima, não condiz com a finalidade do tipo.

O crime de roubo é crime material, que exige a produção de resultado naturalístico para sua consumação. Dizer que a majorante em questão existe em virtude do perigo que a arma traz para a incolumidade física da vítima é instituir ao roubo a forma de crime de perigo, uma vez que, nestes crimes, “para a consumação, basta a possibilidade do dano, ou seja, a exposição do bem a perigo de dano”.[56]

O roubo é, em todas as suas hipóteses, crime material que, para sua consumação, exige a execução de todas as elementares do tipo. Mesmo entendimento se estende as causas de aumento de pena nele contidas e, claro, ao emprego de arma. Ou seja, a partir do momento que se reconhece que o crime é majorado, tendo em vista a maior intimidação que arma empregada incute na vítima, afirma-se o que já se é sabido: que o crime de roubo é crime material e não abstrato.

A razão de ser da causa prevista no inciso I é a efetiva intimidação causada na vítima que diminui, ainda mais, seu poder de resistência. O próprio tipo, no seu caput, deixa claro que a intimidação integra o tipo. Outrossim, a grave ameaça é nada mais que uma forma efetiva de violência que agride o psíquico do sujeito passivo da infração penal.

Cumpre evidenciar que, conforme a Resolução 40/34 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 29 de novembro de 1985, considera-se vítima de condutas criminosas as

“pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido danos, inclusive lesões físicas ou mentais, sofrimento emocional, perda financeira ou diminuição substancial de seus direitos fundamentais, através de ações ou omissões que violem a legislação penal operante no interior dos Estados-Membros, incluídas aquelas leis que prescrevem crimes de abuso de poder[57] (grifo nosso)”.

Por derradeiro, a firmar ainda mais o entendimento de que não é o maior perigo a incolumidade física gerado pela arma que aumenta a pena do roubo, temos o fato de que a lesão à integridade física da vítima que extrapola as lesões de natureza leve previstas no caput do artigo 157 é tutela especialmente no § 3º de mencionado tipo, que prevê penas diferenciadas e elevadas se da violência resulta lesões corporais de natureza grave, ou gravíssima, ou morte. Por esta razão, as causas de aumento de pena previstas no § 2º referem-se à integridade psíquica da vítima (circunstâncias subjetivas – incisos I, II e V) ou ao patrimônio lesionado (circunstâncias objetivas – incisos III e IV) e não a sua incolumidade física.

A causa de aumento de pena do concurso de pessoas e a da restrição da liberdade da vítima, previstas nos incisos II e IV do artigo 157 do Código Penal, também estão relacionadas ao menor poder de resistência que elas proporcionam à vítima.

A corroborar a linha de raciocínio acima exposta, temos os seguintes julgados:

“A ratio essendi da qualificadora do porte de arma no roubo não reside no perigo efetivo representado para a vítima na arma portadora pelo agente, mas na utilidade que dela retira o meliante, conseguindo com maior facilidade reduzir sua vítima a incapacidade de resistir. O roubo considerar-se-á qualificado com a presença de qualquer tipo de arma, próprio ou imprópria, falsa, de brinquedo, quebrada, etc., desde que tenha alcançado sua finalidade precípua, isto é, influir no ânimo da vítima, fazendo com que esta acredite estar efetivamente ameaçada, assim impedida de reagir ao assaltante (TACRIM-SP – El – Rel. Marrey Neto – RDJ 14/157)”.[58]

“O § 2.º do art. 157 do CP tem como agravante “se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma”. Assim, o que se tem de levar em conta não é a efetiva potencialidade da “arma”, mas o que ela pode apresentar aos olhos do homo medius para efeito de violência e intimidação. Sibilina seria a distinção entre “arma de verdade” mas sem condições de utilização efetiva (revólver sem cão, sem tambor, sem bala etc.) e um revólver de brinquedo, imitativo do verdadeiro” (STJ – Resp. – Rel. Adhemar Maciel – RSTJ 65/384)”.[59]

“A majorante traduz mensuração de culpabilidade. Quando se refere ao emprego de arma para a execução do crime pune mais severamente porque o agente vence a resistência, intimida a vítima, produz medo, gera pavor, tolhe ou imobiliza o sujeito passivo. A arma (sentido próprio ou impróprio), em si mesma, revela-se secundária. Fundamental é a conseqüência no ânimo do sujeito passivo. O revólver, em contexto de ameaça, ensinam as máximas da experiência, por sua natureza, é idôneo a abalar a defesa da vítima. A conclusão decorre da natureza das coisas. Assim, tal idoneidade existe ainda que as cápsulas estivessem, anteriormente, deflagradas. Em tal circunstância, para afastar o recrudescimento da sanção, cumpre ser comprovado não haver influído no ânimo da vítima (STJ – Resp 81.423 – Rel. Vicente Cernicchiaro – DJU de 07.04.1997, p. 11.117)”.[60]

4.2.3. Aspectos Processuais

Outra questão a envolver a desnecessidade de eficácia da arma de fogo para a tipificação do roubo circunstanciado são os aspectos processuais inerentes a esta questão.

Para a corrente contrária, a qual defende que a causa de aumento de pena é circunstância objetiva, é imprescindível que a arma de fogo seja apreendida e periciada, a fim de comprovar sua aptidão para efetuar disparos.

Ocorre que, seguindo nosso entendimento, a desnecessidade de eficácia da arma de fogo acarreta uma consequência processual relativa ao campo probatório, qual seja, a prescindibilidade da confecção de exame de corpo de delito da arma utilizada no crime, até mesmo porque o agente do crime poderá descartar referido instrumento após a prática do ato criminoso.

Neste caso, a prova pericial não só pode, como deve, ser substituída pela prova testemunhal obtida através do depoimento da vítima, bem como através de outras testemunhas oculares do fato. É o que autoriza o artigo 167 do Código de Processo Penal, o qual diz que “não sendo possível o exame de corpo de crime, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”.

Deste modo, se o criminoso desaparece com a arma do crime de roubo, com a finalidade de minimizar a reprovabilidade de sua conduta, não ficará impune do ato agravado pelo emprego da arma.

Outrossim, ressalte-se que, no campo probatório, a palavra da vítima de um roubo é sumamente valiosa, uma vez que seu único interesse é apontar os verdadeiros culpados e narrar-lhes a atuação, e não acusar inocentes. Neste sentido, encontram-se os seguintes julgados:

“Em sede de crime de roubo, a declaração da vítima é prova suficiente ao reconhecimento da qualificadora de emprego de arma, ainda que o instrumento não seja apreendido (TACRIM-SP – Ver. – Rel. Fernando Matallo – j. 04.02.1999 – RJTACrim 43/402)”.[61]

“Para a caracterização do roubo qualificado pelo emprego de arma e em concurso de agentes, é irrelevante não ter sido aquela encontrada ou não ter sido o comparsa identificado, podendo a prova, nesses casos, ser substituída pelas declarações de testemunhas e da própria vítima (TJSP – AC – Rel. Barbosa Pereira – j. 19.98.1999 – RT 770/565)”.[62]

4.2.4. Dolo e Reprovabilidade Jurídica

Dolo, segundo conceituação trazida pelo artigo 18 do Diploma Penal, ocorre “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Em outras palavras, é a vontade livre e consciente de se praticar a conduta com a finalidade de se alcançar um resultado. Como estudado no capítulo 2 deste trabalho, o dolo, no crime de roubo, consubstancia-se no desejo de subtrair, para si ou para outrem, mediante violência ou grave ameaça, coisa alheia móvel. Outrossim, como já explanado, é crime que admite várias formas de execução.

A partir do momento que o sujeito ativo do roubo escolhe valer-se de uma arma de fogo, pouco importando se apta a efetuar disparos, não há como negar que ele pretende, com isso, garantir, de uma forma mais eficaz, a consumação da empreitada criminosa. Não há como cogitar outro entendimento senão aquele de que o agente, valendo-se de arma de fogo, mesmo que desmuniciada ou inapta a efetuar disparos, emprega-a com a intenção de aumentar o potencial da grave ameaça por ela representada, intimidando a vítima e reduzindo seu poder de resistência.

Não há outra razão para o agente portar arma de fogo senão a coercibilidade que esta representada aos olhos da vítima. A arma é meio utilizado para garantir a consumação do crime.

Por sua vez, a culpabilidade é o juízo de reprovabilidade que recai sobre o agente, pressuposto para aplicação da lei penal, a fim de aferir sua responsabilidade penal.

Nas palavras de Nélson Hungria, a responsabilidade penal é “a existência dos pressupostos psíquicos pelos quais alguém é chamado a responder penalmente pelo crime que praticou”.[63] Quanto a este tema, prossegue ilustre doutrinador, afirmando que

“não é possível a imputatio juris de um evento criminoso sem que haja uma relação psíquica que ele vincule o agente. Somente com a averiguação in concreto desse nexo subjetivo se pode atribuir ao agente, para o efeito da punibilidade, uma conduta objetivamente desconforme com a ordem ético-jurídica, ou reconhecer sua incidência no juízo de reprovação que informa o preceito penal. Para que se considere um fato como punível, não basta a existência do vínculo causal objetivo entre a ação (ou omissão) e o resultado, nem o seu enquadramento formal num artigo da lei penal; é necessária a culpabilidade (culpa sensu lato) do agente, isto é, que tenha havido uma vontade a exercer-se, livre e conscientemente, para o resultado antijurídico”.[64]

Não há como negar que a função da causa de aumento de pena prevista no artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, é trazer à tona a maior reprovabilidade que merece a conduta do agente que pratica o roubo na circunstância ali posta. A clarear ainda mais tal raciocínio, tem-se o seguinte julgado:

“A majorante traduz mensuração de culpabilidade. Quando se refere ao emprego de arma para a execução do crime, pune mais severamente porque o agente vence a resistência da vítima, produz medo, gera pavor, tolhe ou imobiliza o sujeito passivo. A arma (sentido próprio ou impróprio), em si mesma, revela-se secundária. Fundamental é a conseqüência no ânimo do sujeito passivo. O revólver, em contexto de ameaça, ensinam as máximas experiências, por sua natureza é idôneo a abalar a defesa da vítima. A conclusão decorre da natureza das coisas (STJ – Resp. 81.423-SP – Rel. Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO – 6ª T. – J. 29.4.96 – Un.) (DJU n. 65, 7.4.97, p. 11.177)”.[65]

Como bem assevera Basileu Garcia,

“ao intérprete cumpre atribuir ao texto toda a força que dele resulta, sem excesso nem falha [...] na elaboração hermenêutica, não deve prevalecer a regra in dubio pro societate, nem a regra oposta: in dubio pro reo. Cabe ao exegeta fixar no texto legal o seu verdadeiro sentido, que satisfaça o seu real objetivo e promane da sua exata força – quer prejudique, quer favoreça o réu”.[66]

Desse modo, não há como negar que a causa de aumento de pena objeto deste trabalho tem sua razão de ser consubstanciada na maior reprovabilidade que a conduta do agente criminoso apresenta. O sujeito ativo do roubo pratica o crime valendo-se de arma de fogo, mesmo que desmuniciada, inapta a efetuar disparos, ou até mesmo de mentira, porque sabe do poder de coercibilidade que esta representa diante dos olhos da vítima, a qual terá seu potencial de defesa amplamente reduzido diante do temor de uma lesão mais grave. Não existe outro motivo. Por essa razão, diante da intenção do delinquente, é que há a circunstância agravante do artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal.

4.2.5. O Conceito de Arma

Por fim, como último argumento, levantamos o conceito de arma, já abordado anteriormente.

Como vimos no capítulo 3 deste trabalho, arma é o todo instrumento utilizado para o ataque e defesa ou qualquer coisa que sirva para um desses fins. Deste modo, mesmo que a arma defeituosa não encontre respaldo para a conceituação de arma de fogo, não há como negar que ela pode ser utilizada como arma em sentido amplo, até mesmo porque se o agente criminoso angaria referido objeto para a prática do crime, dentre outras hipóteses, é para se defender de eventuais reações que a vítima possa desferir no momento em que a infração penal é cometida.

Deste modo, afastada também estaria a hipótese de infração ao princípio da reserva legal.

A reserva legal, pilar do direito penal brasileiro, é o norte orientador da aplicação de todo o sistema jurídico criminal. Desta forma o termo “arma” empregado no artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, a luz do sistema da interpretação literal, deve ser entendido da forma acima exposta, até mesmo porque não há dispositivo legal restringindo seu alcance. Se o legislador quisesse diminuir o alcance da majorante do delito de roubo, conceituando diversamente o termo arma, o teria feito expressamente.

Sobre o autor
Willian Guedes Ferreira

Estagiário Prorrogado do Ministério Público do Estado de São Paulo. Aprovado no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Pós-Graduando em Direito Público pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL), Unidade de Ensino Lorena, e Graduado em Direito pela mesma Instituição.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Willian Guedes. Desnecessidade de eficácia da arma de fogo para a tipificação do roubo majorado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3250, 25 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21855. Acesso em: 23 nov. 2024.

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