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Fixação do salário-mínimo por decreto: repercussão da decisão do STF

Agenda 01/06/2012 às 10:49

Apesar dos argumentos suscitados no sentido de que o Decreto Presidencial nada mais faz que regulamentar o disposto pela Lei nº 12.382/11, entende-se que, de qualquer modo, o salário mínimo deve ser fixado por Lei e não por Decreto.

A promulgação da Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011 que tratou da fixação do salário-mínimo para os anos 2012 a 2015, permitindo que o Poder Executivo fixasse os valores por decreto, trouxe grandes questionamentos sobre o tema, levando a discussão ao Supremo Tribunal Federal.

A aludida Lei, estabelecendo a “política de valorização do salário mínimo” para o período de 2012 a 2015, possibilitou ao Executivo, por meio de decreto, determinar nos próximos anos, o valor mensal, diário e horário do salário mínimo, com base em parâmetros fixados pela própria lei.

Assim versa o artigo 3º, da Lei 12.382/11:

“Art. 3º  Os reajustes e aumentos fixados na forma do art. 2º serão estabelecidos pelo Poder Executivo, por meio de decreto, nos termos desta Lei. 

Parágrafo único.  O decreto do Poder Executivo a que se refere o caput divulgará a cada ano os valores mensal, diário e horário do salário mínimo decorrentes do disposto neste artigo, correspondendo o valor diário a um trinta avos e o valor horário a um duzentos e vinte avos do valor mensal.” (g.n.)

Constata-se, de plano, a patente incompatibilidade da medida adotada pelo Governo como o sistema constitucional vigente, indo de encontro do texto do inciso IV, do art. 7º, da CF, como será demonstrado.

A Constituição Federal de 1988 consagrou, além dos direitos e liberdades individuais (artigo 5º), um rol de direitos sociais (art. 6º) como educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.

Dentre os direitos sociais, destaca-se nesse artigo uma das facetas do direito ao trabalho, ou seja, o direito de receber um salário.

Salário na definição de Ives Gandra da Silva Martins é  “salário é a contraprestação devida ao empregado, pela prestação de serviços, em decorrência do contrato de trabalho (pago diretamente pelo empregador).” (2002, p. 43).

Mais que receber um salário, nossa Constituição foi além, porquanto estabeleceu um salário-mínimo, conforme preceitua o artigo 7º, IV, da Carta Política.

Por salário-mínimo, entende-se aquele valor capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

Nota-se que o texto constitucional deixou claro o direito de todo trabalhador receber um determinado valor, decorrente do emprego de sua mão de obra, que seja condizente, para fins de satisfazer suas necessidades vitais.

Oportuno destacar ser nítida a estrita relação do inciso mencionado com um dos princípios fundamentais da República – a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF). A dignidade será atendida se houver uma remuneração que garanta ao trabalhador condições de se alimentar, se entreter, obter educação, segurança e saúde de qualidade, isto é, assegurando-lhe o mínimo existencial.

Ademais, o Texto Supremo prescreveu ainda que o salário-mínimo seja fixado por lei. Imperioso ressaltar que se trata de lei no sentido estrito, a saber, norma oriunda de processo legislativo, prevista no artigo 61, da Constituição Federal.

A exigência de lei faz-se necessária, por ser proveniente do órgão de representação popular – Congresso Nacional (artigo 1º, parágrafo único, CF).

Salienta-se que a Constituição da República não estabeleceu qualquer outra forma de se fixar o salário mínimo. Assim, por exemplo, não se admite como ocorre em matéria tributária de tributos que podem ter alíquotas modificadas por decreto, desde que tenha como parâmetro a Lei (art. 153, §1º, CF). Essa conclusão é decorrência lógica de interpretação que se faz do dispositivo, sendo pautada no princípio da segurança jurídica.

A alteração do salário-mínimo pelo Congresso mediante “Lei” deve ser fruto da discussão entre parlamentares e, por fim, após aprovação pela maioria simples (art. 47, CF) deve ser encaminhado ao Presidente da República para sancionar ou vetá-lo.

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Nesse sentido, sendo a lei a norma introdutora do valor do salário-mínimo, cabe dizer que há a incidência do princípio da reserva legal que segundo José Afonso da Silva “[...] consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matéria há de se fazer-se necessariamente por lei formal.” (2005, p. 209)

Sobre o aludido princípio, o STF já se manifestou no seguinte julgado:

"O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva de lei – analisada sob tal perspectiva – constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe à administração e à jurisdição a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe ao Poder Executivo em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitucional) condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes." (ADI 2.075-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-2-2001, Plenário, DJ de 27-6-2003.)

Cabe ao Congresso apurar qual o valor será o mais harmônico com a realidade brasileira, nos limites do orçamento público, e, então, aprovar o projeto de lei.

Assim entende Amauri Mascaro:

Dois são os sistemas de relações de trabalho quanto ao salário mínimo. Primeiro, o salário mínimo fixado por lei, como nos Estados Unidos e no Brasil; segundo, os países que não têm lei de salário mínimo, como a Itália, que adota o sistema dos pisos salariais negociados por categoria.

[...]

j) o valor do salário mínimo é periodicamente reajustado; essa periodicidade já foi, no Brasil, anual, semestral e, até mesmo, mensal, variando de acordo com os critérios adotados pela legislação e com a Constituição Federal de 1988 (art. 7º, IV), o valor do salário mínimo passou a ser fixado não de acordo com as características estabelecidas pelo Executivo, mas pelo Congresso Nacional, por meio de lei, unificando-se em todo o País, consideradas, no seu cálculo, as necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família, além da alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte, antes previstas, mais o lazer, a educação, a saúde e os gastos com previdência social; [...] (g.n.) (2011, p. 831)

Proceder de outra forma acarreta a violação da separação dos Poderes (art. 2º, da Carta da República), pois o Executivo exerceria a função de legislador, o que não se admite.

Cabe também argumentar que a norma não trouxe um caso de delegação de poderes (lei delegada – art. 68, CF). O artigo citado traz hipóteses restritas para que ela ocorra e dependendo de requisição do Presidente da República e posterior resolução pelo Congresso, o que não se amolda ao caso discutido.

Contudo, verificou-se que não foi esse o raciocínio adotado pelo Supremo Tribunal Federal.

A decisão do Supremo Tribunal Federal

Diante da controvérsia foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.568 por partidos políticos que queriam a declaração de inconstitucionalidade da aludida Lei, por ferir a legalidade e impossibilitar que o Congresso manifestasse sobre o valor do salário-mínimo.

Após debate entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por maioria, seguindo o voto da Relatora Min. Carmem Lúcia, decidiu-se que a Lei é constitucional, pois o Decreto do Presidente da República apenas irá explicitar os valores adotados pela Lei. Ou seja, a lei teria fixado o valor e os reajustes anuais, cabendo ao Executivo expor o valor final.

Como votos divergentes, tivemos os Ministros Ayres Brito e Marco Aurélio, para os quais, a Constituição Federal em seu art. 7º, inciso IV, exige uma lei anual que defina o valor do salário-mínimo, sendo debatida no Congresso e, ao final, sancionada pelo Presidente da República.

Conclusão

Diante do caso apresentado, observa-se que em prol da “política de valorização do salário mínimo” para o período de 2012 a 2015, tivemos o afastamento da regra constitucional acerca da fixação do salário mínimo.

Apesar dos argumentos suscitados no sentido de que o Decreto Presidencial nada mais faz que regulamentar o disposto pela Lei nº 12.382/11, entende-se que, de qualquer modo, o salário mínimo deve ser fixado por Lei e não por Decreto.

Se haverá reajustes e aumentos, os quais serão acrescidos ao valor-base, consequentemente, haverá alteração, sendo fixado um novo valor. Logo, o procedimento exigido (correto) é o de Lei no sentido estrito.

A Lei, em tela, estipulou o valor para o ano de 2012. É mister que a cada ano, nova lei fosse promulgada para estabelecer os novos valores. Vislumbra-se ilógico o argumento de a lei ter traçado o valor, mas que até 2015 haverá somente reajuste e aumento com índices predeterminados.

Por essa razão, os argumentos ventilados pelos votos divergentes na ADI nº 4568 mostram sensatos e mais coerentes com o texto constitucional, de modo que a fixação não pode ser mediante Decreto Presidencial.

É óbvio que do ponto de vista econômico, prático o decreto seja mais viável, contudo, no Direito nem sempre o que é mais prático é mais seguro. Em nome da segurança jurídica e da titularidade do poder previstas em nosso ordenamento, o constituinte determinou a manifestação por meio de lei, procedimento que deveria ser observado.


Referências:

Livros:

BONAVIDES, Paulo, Teoria Constitucional da Democracia Participativa: Por um Direito Constitucional de luta e resistência, Por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade, São Paulo: Malheiros, 2001.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal, A Constituição e o Supremo, 3ª ed., Brasília: Secretaria de Documentação, 2010.

SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 25ª ed., São Paulo: Malheiros. 2005.

MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva, Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho, 10ª ed. rev e ampl., São Paulo: Saraiva, 2002.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho, 26ª ed., São Paulo: Saraiva. 2011.

Julgados:

STF, ADI 4568-DF, Rel. Min. Carmem Lúcia, d.j. 03/11/2011.

STF, ADI 2.075-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-2-2001, Plenário, DJ de 27-6-2003.

Tópicos:

Direitos sociais

Direito Trabalhistas

Legalidade

Argumentos STF – ADI 4568 (por 8 votos a 2) declarou constitucional a Lei 12.382/11.

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=192881

Conclusão

Sobre o autor
Paulo Henrique Lêdo Peixoto

Advogado e consultor jurídico. Mestre em Direito. Professor de Direito Constitucional e Humanos. Parecerista e palestrante.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEIXOTO, Paulo Henrique Lêdo. Fixação do salário-mínimo por decreto: repercussão da decisão do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3257, 1 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21887. Acesso em: 22 dez. 2024.

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