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O ritual do artigo 1.071 do CPC (apreensão e depósito) e sua inviabilidade em face do artigo 526 do Código Civil

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Agenda 17/06/2012 às 09:37

É possível operar, na prática, o direito do credor expresso em lei de retomar imediatamente a posse da coisa vendida, sem necessidade das emaranhadas etapas ditadas pelo CPC, artigo 1.071, não mais harmônicas com o artigo 526, do CCB.

SUMÁRIO: Introdução. 1 – O instituto da reserva de domínio. 2 – O instituto da reserva de domínio no CPC. 3 – O instituto da reserva de domínio no CCB. 4 – Do procedimento de retomada do bem, gravado com cláusula de reserva de domínio (artigo 1.071, do CPC). 5 – A inadequação do procedimento de apreensão e depósito, no atual cenário normativo (cotejo dos artigos 1.071, do CPC e 521 a 528, do CCB). 6 – Conclusão. Referências bibliográficas.

RESUMO: O presente estudo tem por desígnio o cotejo analítico do artigo 1.071, do CPC, que trata da busca e apreensão de bem objeto de contrato de venda a crédito com cláusula de reserva de domínio, com o tratamento dado ao tema pelo Código Civil de 2002, notadamente pelos contornos estabelecidos na redação do seu artigo 526. A partir das comparações, são identificados choques procedimentais do instituto da reserva de domínio e seus desdobramentos, com as etapas do artigo 1.071 e os parágrafos que o integram. Interessa observar que o estudo é também voltado à perquirição da heterogeneidade do enfrentamento jurisprudencial sobre a matéria.

PALAVRAS-CHAVE: Venda a crédito. Reserva de domínio. Procedimento. Artigo 1.071 do CPC. Inviabilidade. Artigo 526 do CCB. Alternativa processual.


INTRODUÇÃO

O instituto da reserva de domínio se popularizou no mercado como espécie de garantia celebrada nos contratos de compra e venda a prestações. Entretanto, referido instituto nunca chegou a ser devidamente esclarecido normativamente, recebendo, todavia, do Código de Processo Civil, acolhida no artigo 1.070 e 1.071.

Porém, a inserção de uma regra de natureza afeta ao direito material, em um código processual, aliada ao tratamento normativo adequado ocorrido com o advento do Código Civil de 2002, terminou por gerar conflitos entre o direito disciplinado pelo artigo 526, do CCB e os dispositivos do CPC, aqui citados no parágrafo anterior.

Assim, o presente trabalho visa cotejar todas as nuances afetas à reserva de domínio e aos procedimentos do CPC, buscando identificar as incongruências e propondo, ao final, uma solução processual adequada à instrumentalização do direito de ação dos credores/vendedores.


1 – O INSTITUTO DA RESERVA DE DOMÍNIO

A reserva de domínio é modalidade de garantia obrigacional (contratual), onde o credor reserva para si a propriedade da res objeto do pacto, que deve ser bem móvel, possível de caracterização, até que o preço esteja integralmente pago.

No direito positivo brasileiro esta modalidade de garantia nunca chegou a ser tratada com o devido destaque que lhe era devido, embora já gozasse de difusão nos meios comerciais como mecanismo de salvaguarda dos créditos do comércio, principalmente.

O Código Civil de 1.916 sequer chegou a tratar do tema, não o fazendo prever no tópico que cuidava das garantias reais, muito menos nas obrigações e contratos. É o que constata Silvio Rodrigues (2003. v.3, p.185), ao discorrer sobre o contrato preliminar e a venda a crédito com reserva de domínio, afirmando que o Código de 1916 omitiu estes dois temas. Em outra passagem, sobre a venda com reserva de domínio (p.176) pontua com bastante foco que “Esse negócio, que talvez tenha vetusta origem, só recentemente alcançou maior difusão neste País, sendo mesmo certo que o Código Civil de 1916 não lhe fazia a menor referência.”

Em verdade, o instituto sempre esteve presente na vida civil, mas nunca recebeu normatização legal expressa e específica. Em alguns momentos, a lei, de forma reflexa, admitiu o instituto, sem, no entanto, dar-lhe tratamento normativo, como é o caso do Decreto-Lei nº 1.027, de 2 de Janeiro de 1939[1], ao dispor sobre o registro de contratos de compra e venda com reserva de domínio.

Nesse contexto histórico de lacuna legislativa a solução brasileira não foi das mais técnicas, porquanto legou ao Código de Processo Civil, no início de 1973, a tarefa de disciplinar um instituto de Direito Material e ao mesmo tempo ditar seu curso procedimental para efeito de judicialização dos contratos lastreados na garantia do pacto reservati dominii.

Ad argumentandum, malgrado a inexistência de tratamento legal específico do tema, o mesmo foi objeto também de menção pela Lei de Registros Públicos (6.015/73), senão vejamos:

Art. 129. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros: (Renumerado do art. 130 pela Lei nº 6.216, de 1975).

[...]

5º) os contratos de compra e venda em prestações, com reserva de domínio ou não, qualquer que seja a forma de que se revistam, os de alienação ou de promessas de venda referentes a bens móveis e os de alienação fiduciária;

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Mais uma vez, o instituto da reserva de domínio aparece citado sem escora legislativa própria, embora indubitavelmente viu-se reconhecida a sua existência jurídica.


2 – O INSTITUTO DA RESERVA DE DOMÍNIO NO CPC

Pois bem, no CPC, a disciplina da matéria foi alocada no CAPÍTULO XIII, com o título DAS VENDAS A CRÉDITO COM RESERVA DE DOMÍNIO, tendo a dicção dos artigos seguintes:

Art. 1.070. Nas vendas a crédito com reserva de domínio, quando as prestações estiverem representadas por título executivo, o credor poderá cobrá-las, observando-se o disposto no Livro II, Título II, Capítulo IV.

§ 1º Efetuada a penhora da coisa vendida, é licito a qualquer das partes, no curso do processo, requerer-lhe a alienação judicial em leilão.

§ 2º O produto do leilão será depositado, sub-rogando-se nele a penhora.

Art. 1.071. Ocorrendo mora do comprador, provada com o protesto do título, o vendedor poderá requerer, liminarmente e sem audiência do comprador, a apreensão e depósito da coisa vendida.

§ 1º Ao deferir o pedido, nomeará o juiz perito, que procederá à vistoria da coisa e arbitramento do seu valor, descrevendo-lhe o estado e individuando-a com todos os característicos.

§ 2º Feito o depósito, será citado o comprador para, dentro em 5 (cinco) dias, contestar a ação. Neste prazo poderá o comprador, que houver pago mais de 40% (quarenta por cento) do preço, requerer ao juiz que Ihe conceda 30 (trinta) dias para reaver a coisa, liquidando as prestações vencidas, juros, honorários e custas.

§ 3º Se o réu não contestar, deixar de pedir a concessão do prazo ou não efetuar o pagamento referido no parágrafo anterior, poderá o autor, mediante a apresentação dos títulos vencidos e vincendos, requerer a reintegração imediata na posse da coisa depositada; caso em que, descontada do valor arbitrado a importância da dívida acrescida das despesas judiciais e extrajudiciais, o autor restituirá ao réu o saldo, depositando-o em pagamento.

§ 4º Se a ação for contestada, observar-se-á o procedimento ordinário, sem prejuízo da reintegração liminar.

Embora o instituto tivesse, desta vez, recebido capítulo próprio, com nomenclatura sugestiva de especialidade, não logrou, entretanto, aquilo que seria necessário para sua afirmação jurídica, ou seja, os contornos normativos certos e definidos à luz do direito material.

Não se poderia esperar realmente que uma lei de trato processual (CPC), pudesse disciplinar matéria afeta ao direito substantivo. O quadro, portanto, era de um procedimento afeto a um negócio jurídico sem previsão legal expressa em norma civilista, embora claro, seqüencial e bem definido no âmbito processual.


3 – O INSTITUTO DA RESERVA DE DOMÍNIO NO CCB

Foi, contudo, somente com o Código Civil de 2002 que veio à lume o instituto da reserva de domínio que ocupou seu lugar devido na Subseção IV, da Seção II, como sendo uma cláusula especial da compra e venda.

Eis o texto legal:

Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.

Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.

Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé.

Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue.

Art. 525. O vendedor somente poderá executar a cláusula de reserva de domínio após constituir o comprador em mora, mediante protesto do título ou interpelação judicial.

Art. 526. Verificada a mora do comprador, poderá o vendedor mover contra ele a competente ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas e o mais que lhe for devido; ou poderá recuperar a posse da coisa vendida.

Art. 527. Na segunda hipótese do artigo antecedente, é facultado ao vendedor reter as prestações pagas até o necessário para cobrir a depreciação da coisa, as despesas feitas e o mais que de direito lhe for devido. O excedente será devolvido ao comprador; e o que faltar lhe será cobrado, tudo na forma da lei processual.

Art. 528. Se o vendedor receber o pagamento à vista, ou, posteriormente, mediante financiamento de instituição do mercado de capitais, a esta caberá exercer os direitos e ações decorrentes do contrato, a benefício de qualquer outro. A operação financeira e a respectiva ciência do comprador constarão do registro do contrato.

Pela redação do CCB de 2002, passou a reserva de domínio à condição normativa de cláusula especial da compra e venda com caráter nitidamente garantista em que o vendedor de coisa móvel, possível de caracterização e individualização, reserva para si a propriedade até que o preço esteja integralmente pago. Ao comprador é transmitida apenas a posse direta que conserva a sua legalidade (posse justa)[2] enquanto o contrato estiver sendo honrado pelo comprador.

Para J. M. Othon Sidou (2004, p.291) pela cláusula de reserva de domínio “o comprador entra de imediato na posse da coisa, mas o vendedor continua com o domínio sobre ela até a integralização do pagamento.”.

Sílvio de Salvo Venosa (2005, p.99), por seu turno, conceitua o atual formato da venda com reserva de domínio como sendo “pacto adjeto muito empregado em passado recente, para as vendas a prazo, com a difusão das vendas a prestação [...]”.

Para Jones Figueiredo Alves, em utilíssima obra organizada por Ricardo Fiuza e Regina Beatriz Tavares da Silva (2008, p.477) “ A cláusula de reserva de domínio é cláusula especial de reforço de garantia ao vendedor, instituída agora no novo Código Civil [...]”.

Em outra excelente obra, desta vez organizada pelo Ministro Cezar Peluso, Hamid Charaf Bdine Jr. (2012, p. 576), na mesmíssima linha do que aqui já citado, a reserva de domínio nas vendas a crédito é tratada como sendo “ pacto adjeto a compra e venda, em que o vendedor mantém consigo a propriedade da coisa móvel sob a condição suspensiva do pagamento integral das prestações pelo comprador”.

 Fiel à doutrina civilista, o magistério de Misael Montenegro Filho (2008, p.941) aponta que:

A venda a crédito com reserva de domínio se qualifica como cláusula especial do contrato de comprova e venda de bem móvel, através da qual o vendedor permanece como proprietário do bem até que o comprador efetue o pagamento de todas as prestações ajustadas, sendo-lhe conferida apenas a posse, com a obrigação de conservar a coisa.

Jurisprudencialmente o modelo conceitual do instituto da reserva de domínio é bem delineado, conforme nos demonstra o seguinte aresto:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS À PENHORA. CONSTRIÇÃO SOBRE BEM OBJETO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. NULIDADE. Dá-se a reserva de domínio quando o vendedor reserva para si a propriedade da coisa alienada até que se realize o pagamento integral do preço (C. Civil- artigo 521). Portanto, não tem o comprador mais do que a posse da res vendita; a aquisição do domínio subordina-se à solução da última prestação. Esta Corte já firmou o entendimento de que os bens objeto de alienação fiduciária em posse do devedor fiduciante não podem ser penhorados, pois não integram seu patrimônio. [...]. Apelo provido. Unânime. (Apelação Cível Nº 70018212670, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 21/03/2007)

Portanto, a razão de ser do instituto da reserva de domínio, nas vendas a crédito, é o de resguardar a propriedade como garantia, de fato real, do contrato de venda da coisa móvel passível de individualização.

É oportuno destacar que a reserva de domínio não guarda identidade com outro instituto bastante difundido, qual seja, o da alienação fiduciária, porquanto, no primeiro, há posse resolúvel, que se transmite ao comprador, enquanto que, no segundo, há propriedade resolúvel, também transmitida ao comprador com a possiblidade de sua retomada (resolução) em caso de mora, segundo o que dispõe o artigo 1.361, do Código Civil. Adverte Hugo Nigro Mazzilli (2005, p.160) “não confundir, naturalmente, com a alienação fiduciária em garantia, conhecida no atual CC, como propriedade fiduciária: art. 1.361.”.

A partir da conceituação da reserva de domínio e de suas possibilidades materiais, é possível, pois, perquirir acerca do conflito existente entre os mecanismos previstos no CPC, em seu artigo 1.071 e no CCB, segundo dicção do artigo 526.


4 – DO PROCEDIMENTO DE RETOMADA DO BEM, GRAVADO COM CLÁUSULA DE RESERVA DE DOMÍNIO (ARTIGO 1.071, DO CPC)

Em primeiro lugar é necessário sempre ter em mente que a cláusula da reserva de domínio, que institui o pacto reservati dominii, deve obedecer à forma escrita, vez que, sem o instrumento formal que ateste a instituição da reserva de propriedade, não há como instruir o pedido de retomada do bem.

Assim, “a forma escrita é necessária” (VENOSA, 2008, p.101), não como condição de validade do negócio, mas sim como condição prática para o processo judicial, no que tange ao disposto no artigo 333, inciso I, do CPC[3], bem como do que onera o autor, segundo norma do artigo 284, do mesmo diploma[4].

Outro elemento de importância vital para a procedibilidade da retomada do bem é o registro do pacto para que possa operar efeitos contra terceiros sem a necessidade de instituição de um litisconsórcio necessário[5], até mesmo em obediência ao disposto no artigo 472, do CPC[6], o que seria tarefa onerosa para o credor e determinante da lentidão do processo, onde a celeridade é essencial para o sucesso e efetividade do instituto da reserva de domínio, mormente em vista da facilidade de perecimento dos bens móveis em questão.

A jurisprudência é pacífica havendo antigos precedentes, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, tal como o aresto assim ementado:

COMPRA E VENDA EM PRESTAÇÕES, COM RESERVA DE DOMINIO. REGISTRO DO CONTRATO. NECESSIDADE. EFEITOS EM RELAÇÃO A TERCEIRO. 1. Para surtir efeitos em relação a terceiros, os contratos de compra e venda em prestações, com reserva de domínio, estão sujeitos a registro no registro de títulos e documentos (Lei n. 6.015/73, art. 129, item 5.). 2. Entre dois contratos, prevalece o registrado em primeiro lugar, embora diga respeito ao segundo negocio. 3. Não é licito que o terceiro de boa-fé seja molestado pelo vencedor, porquanto, ao receber em garantia fiduciária a coisa, de seu certificado não constava a reserva de domínio, até porque não registrado em tempo o respectivo contrato. 4. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 17.546/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/06/1992, DJ 03/08/1992, p. 11310)

Por fim, há outra condição formal para retomada do bem, qual seja a mora do comprador, que deve estar sobejamente comprovada.

Exigia-se que a mora fosse instrumentalizada nos autos através da prova do protesto, judicial ou extrajudicial, de acordo com a parte inicial do próprio artigo 1.071, do CPC.[7] O próprio STJ era firme nesse sentido até o ano de 2002, conforme se observa no seguinte julgado:

CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. MORA. ARTIGO 1.071 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NOTA PROMISSÓRIA. PRECEDENTE DA TERCEIRA TURMA.

1. Na compra e venda com reserva de domínio a prova da mora se faz com o protesto do título.

2. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 418727/MG, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/08/2002, DJ 09/12/2002, p. 341)

Entretanto, o CCB de 2002 passou a trazer em seu bojo a exigência de prova da mora, fazendo menção expressa à existência de protesto, mas também de interpelação extrajudicial[8]. Daí porque se entendeu que a prova da mora poderia ser alcançada por outros meios que não somente o protesto, dando-se nítido caráter instrumental à tarefa de constituição em mora do devedor.

Nesse sentido, o STJ refez seu entendimento na lição do acórdão de relatoria do Ministro Aldir Passarinho Junior:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. RESERVA DE DOMÍNIO. APARELHOS HOSPITALARES. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CITAÇÃO. VÁLIDA. [...]. MORA DO DEVEDOR.NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO.AUSÊNCIA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

I. [...]

II. [...]

III. A mora do devedor ocorre pelo protesto do título ou pela notificação extrajudicial expedida por Cartório de Títulos e Documentos, entregue no endereço do devedor.

IV. Recurso especial improvido.

(REsp 897.593/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 24/03/2011)

Pois bem, atendidas as condições formais aqui elencadas o credor/vendedor pode optar, lembramos sempre, com olhos postos apenas no CPC, artigo 1.071, pela a apreensão e depósito da coisa vendida.

Ultimada essa etapa, o bem será avaliado por perito, que pode ser o próprio oficial de justiça se não houver demanda de conhecimentos extraordinários para a avaliação. Ato seguinte é lavrado o depósito da coisa apreendida, não sendo demais concluir que o bem pode ficar depositado com o próprio devedor, embora obviamente se prefira que o mesmo fique aos auspícios do vendedor. Feito o depósito o devedor é citado para oferta de contestação no prazo de cinco dias.

A peculiar previsão normativa vem do parágrafo segundo do artigo 1.071, onde se abre a chance de purgação da mora, com nítida inspiração no famigerado Decreto-Lei 911/69[9].

Se a mora for purgada o feito vai à extinção com liberação do bem constrito. Mas se a mora não for purgada e, além disso, o devedor não oferecer defesa, a posse poderá ser consolidada para o credor/vendedor se este apresentar os títulos vencidos e vincendos, caso em que, do valor do bem, serão descontadas as despesas processuais e extraprocessuais. Eventual saldo deverá ser restituído ao devedor.

Finalmente, contestada a ação, segue-se o procedimento ordinário até sentença final, deixando-se para traz o procedimento especial inicialmente instalado.

Aqui se observa que a intrincada malha procedimental criada pelo Código de Buzaid[10] já não fazia muito sentido operacional considerando a natureza jurídica do instituto da reserva de domínio, sendo, em muitos casos, incompatível como direito material em questão, fato que se tornou insuperável pela normatização expressa da modalidade no Código Civil de 2002, o que será objeto de abordagem no tópico específico.

Sobre o autor
Sérgio Augusto Pereira Lorentino

Advogado, Professor de Direito do Consumidor e de Prática Processual Civil da Universidade Federal do Tocantins e Direito do Consumidor e Direito Processual Civil da Faculdade Serra do Carmo. Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/TO. Especialista em Direito Civil e Processo Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LORENTINO, Sérgio Augusto Pereira. O ritual do artigo 1.071 do CPC (apreensão e depósito) e sua inviabilidade em face do artigo 526 do Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3273, 17 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22015. Acesso em: 22 nov. 2024.

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