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O Supremo Tribunal Federal e a Lei dos Crimes Hediondos: mais uma inconstitucionalidade!

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Agenda 28/06/2012 às 07:10

O STF declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei nº. 8.072/90 que prevê que a pena por crime hediondo (inclusive tráfico de drogas) será cumprida, inicialmente, em regime fechado.

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal concedeu, durante sessão extraordinária realizada no dia 27 de junho de 2012 o Habeas Corpus nº. 111840 e declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei nº. 8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07, o qual prevê que a pena por crime hediondo (inclusive tráfico de drogas) será cumprida, inicialmente, em regime fechado. O julgamento teve início em 14 de junho de 2012 e, naquela ocasião, cinco Ministros se pronunciaram pela inconstitucionalidade do dispositivo: Dias Toffoli (relator), Rosa Weber, Cármen Lúcia Antunes Rocha, R icardo Lewandowski e Cezar Peluso. Em sentido contrário, se pronunciaram os Ministros Luiz Fux, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, que votaram pelo indeferimento da ordem. Na última sessão, em que foi concluído o julgamento, os Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto acompanharam o voto do relator, Ministro Dias Toffoli, pela concessão do Habeas Corpus e para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo 1º. do art. 2º. da Lei nº. 8.072/90. De acordo com o entendimento do relator, o dispositivo contraria a Constituição Federal, especificamente no ponto que trata do princípio da individualização da pena (artigo 5º., inciso XLVI).

Como se sabe, a chamada Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº. 8.072/90[1]) traz em seu bojo uma disposição de caráter processual/penal (relacionada com a própria execução da pena), que não se compatibiliza com a Constituição Federal: a obrigatoriedade inicial do cumprimento da pena no regime fechado (art. 2º., II e seu § 1º.). A norma é inconstitucional porque obriga que o condenado pelo crime hediondo cumpra a pena em regime inicialmente fechado, o que, além de um absurdo jurídico-penal, também afronta a Constituição, especialmente o seu art. 5º., XLVI, que trata da individualização da pena. Entendemos que a individualização da pena engloba, não somente a aplicação da pena, mas também a sua posterior execução, com os benefícios previstos na Lei de Execução Penal (art. 112, Lei nº. 7.210/84). Observa-se que o art. 59 do Código Penal, que estabelece as balizas para a aplicação da pena, prevê expressamente que o Juiz sentenciante deve prescrever “o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade”, o que indica, induvidosamente, que o regime de cumprimento da pena é parte integrante do conceito “individualização da pena”. Assim, não podemos admitir que, a priori, alguém seja condenado a cumprir a sua pena obrigatoriamente em regime inicialmente fechado, vedando-se absolutamente qualquer possibilidade de se iniciar o cumprimento da pena no regime semi-aberto ou aberto, ferindo, inclusive, as apontadas finalidades da pena: a prevenção e a repressão.

Como ensina Luiz Luisi,

“o processo de individualização da pena se desenvolve em três momentos complementares: o legislativo, o judicial, e o executório ou administrativo.” (grifo nosso). Explicitando este conceito, o mestre gaúcho ensina: “Tendo presente as nuanças da espécie concreta e uma variedade de fatores que são especificamente previstas pela lei penal, o juiz vai fixar qual das penas é aplicável, se previstas alternativamente, e acertar o seu quantitativo entre o máximo e o mínimo fixado para o tipo realizado, e inclusive determinar o modo de sua execução.”(...) “Aplicada a sanção penal pela individualização judiciária, a mesma vai ser efetivamente concretizada com sua execução.” (...) “Esta fase da individualização da pena tem sido chamada individualização administrativa. Outros preferem chamá-la de individualização executória. Esta denominação parece mais adequada, pois se trata de matéria regida pelo princípio da legalidade e de competência da autoridade judiciária, e que implica inclusive o exercício de funções marcadamente jurisdicionais.”(...) “Relevante, todavia no tratamento penitenciário em que consiste a individualização da sanção penal são os objetivos que com ela se pretendem alcançar. Diferente será este tratamento se ao invés de se enfatizar os aspectos retributivos e aflitivos da pena e sua função intimidatória, se por como finalidade principal da sanção penal o seu aspecto de ressocialização. E, vice-versa.” E conclui o autor: “De outro lado se revela atuante o subjetivismo criminológico, posto que na individualização judiciária, e na executória, o concreto da pessoa do delinqüente tem importância fundamental na sanção efetivamente aplicada e no seu modo de execução.”[2] (grifos nossos).

Assim, não restando dúvidas que o início de cumprimento da pena é parte integrante da individualização da pena, afigura-se inconstitucional aquele “dispositivo hediondo”.

A respeito, veja-se a lição de Luiz Vicente Cernicchiaro:

“A Constituição, no art. 5º., XLIII, registrou tratamento especial a quatro delitos. Tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos. Atente-se para as restrições: inafiançabilidade e vedação de graça ou anistia. A lei ordinária, então, poderia, como fez, arrolar, definir os crimes hediondos. Norma, evidentemente, restritiva, de interpretação limitada. A Lei nº. 8.072/90, entretanto, foi além, acrescentando, repita-se, no art. 2º., parágrafo primeiro, que a pena será cumprida integralmente em regime fechado. Com isso, sem dúvida, afetou o sentido material da pena! Como atrás registrado, a sanção tem antecedente: conduta reprovável, previamente definida e finalidade: restituir o condenado ao convívio social. Prevalece o interesse público de obter-se a ressocialização do delinqüente. (...) O cumprimento da pena, em regime inteiramente fechado, afronta a finalidade da pena que visa a readaptação social. Só se aprende a viver em sociedade vivendo na sociedade!”[3]

Segundo o profesor peruano, Luis Miguel Reyna Alfaro,

“la individualización judicial de la pena a imponer, es uno de los más importantes aspectos que deben ser establecidos por los tribunales al momento de expedir sentencia. Sostienen por ello con absoluta razón ZAFFARONI/ ALAGIA/ SLOKAR que la individualización judicial de la pena debe servir para ´contener la irracionalidad del ejercicio del poder punitivo`. Este proceso de individualización judicial de la pena es ciertamente un proceso distinto y posterior al de determinación legal de la misma que es realizado por el legislador al momento de establecer normativamente la consecuencia jurídica. Esta distinción es importante porque nos permite marcar la diferencia –a la que recurriremos posteriormente- entre ´pena abstracta` y ´pena concreta`. La primera está relacionada a la pena determinada legalmente por el legislador en el proceso de criminalización primaria, mientras la segunda se refiere a la pena ya individualizada por el operador de justicia penal, dentro del proceso de criminalización secundaria. Adicionalmente, ésta distinción ´pena abstracta- pena concreta` sirve para comprender que el proceso de individualización judicial de la pena es un mecanismo secuencial que pasa, en primer lugar, por establecer cuál es la pena establecida por el legislador para, en segundo lugar y sobre esos márgenes, establecer la aplicable al caso concreto y la forma en que la misma será impuesta. (...) Como se indicó anteriormente, el proceso de individualización judicial de la pena debe necesariamente encontrarse vinculado a los fines de la pena, lo que obliga a introducirnos al inacabable debate sobre el fin de la pena.”[4] (grifo nosso). 

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Neste mesmo sentido, Rodríguez Devesa afirma que “pueden distinguirse tres fases en el proceso de determinación de la pena aplicable: individualización legal; individualización judicial e individualización penitenciaria.”[5] Grifo nosso.

Esqueceu-se novamente que o modelo clássico de Justiça Penal, fundado na crença de que a pena privativa de liberdade seria suficiente para, por si só, resolver a questão da violência, vem cedendo espaço para um novo modelo penal, este baseado na idéia da prisão como extrema ratio e que só se justificaria para casos de efetiva gravidade. Em todo o mundo, passa-se gradativamente de uma política paleorrepressiva ou de hard control, de cunho eminentemente simbólico (consubstanciada em uma série de leis incriminadoras, muitas das quais eivadas com vícios de inconstitucionalidade, aumentando desmesurada e desproporcionalmente a duração das penas, inviabilizando direitos e garantias fundamentais do homem, tipificando desnecessariamente novas condutas, etc.) para uma tendência despenalizadora.

Como afirma Jose Luis de la Cuesta, “o direito penal, por intervir de uma maneira legítima, deve respeitar o princípio de humanidade. Esse princípio exige, evidentemente, que se evitem as penas cruéis, desumanas e degradantes (dentre as quais pode–se contar a pena de morte), mas não se satisfaz somente com isso. Obriga, igualmente, na intervenção penal, a conceber penas que, respeitando a pessoa humana, sempre capaz de se modificar, atendam e promovam a sua ressocialização: oferecendo (jamais impondo) ao condenado meios de reeducação e de reinserção.” (grifo nosso, na tradução de Consuelo Rauen)[6].

Hoje, ainda que o nosso sistema penal privilegie induvidosamente o encarceramento (acreditando, ainda, na função dissuasória da prisão), o certo é que a tendência mundial é no sentido de alternativizar este modelo clássico, pois a pena de prisão em todo o mundo passa por uma crise sem precedentes. A idéia disseminada a partir do século XIX segundo a qual a prisão seria a principal resposta penológica na prevenção e repressão ao crime perdeu fôlego, predominando atualmente “uma atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional” (Cezar Roberto Bittencourt).

Por fim, resta-nos enfrentar a questão da aplicação desta decisão à luz dos princípios que regem a aplicação da lei no tempo. De logo, ressalvamos que o art. 2º., parágrafo primeiro da referida lei, apesar de norma processual, tem um nítido e indissociável caráter penal, razão pela qual é norma processual penal material (mista ou híbrida). Trata de matéria processual (regime de cumprimento de pena, execução penal), mas também diz respeito a direitos fundamentais dos acusados e dos condenados, previstos constitucionalmente.

Esta matéria relativa a normas híbridas ou mistas, apesar de combatida por alguns, mostra-se, a nosso ver, de fácil compreensão. 

Com efeito, o jurista lusitano e Professor da Faculdade de Direito do Porto, Taipa de Carvalho, após afirmar que “está em crescendo uma corrente que acolhe uma criteriosa perspectiva material - que distingue, dentro do direito processual penal, as normas processuais penais materiais das normas processuais formais”, adverte que dentro de uma visão de “hermenêutica teleológico-material determine-se que à sucessão de leis processuais penais materiais sejam aplicados o princípio da irretroactividade da lei desfavorável e o da retroactividade da lei favorável.”[7]

Taipa de Carvalho explica que tais normas de natureza mista (designação também usada por ele), “embora processuais, elas são-no também plenamente materiais ou substantivas.”[8]

Informa, ainda, o mestre português que o alemão Klaus Tiedemann “destaca a exigência metodológica e a importância prática da distinção das normas processuais em normas processuais meramente formais ou técnicas e normas processuais substancialmente materiais”, o mesmo ocorrendo com o francês Georges Levasseur.[9]

Por lei penal mais benéfica não se deve entender apenas aquela que comine pena menor, pois “en principio, la retroactividad es de la ley penal e debe extenderse a toda disposición penal que desincrimine, que convierta un delito en contravención, que introduzca una nueva causa de justificación, una nueva causa de inculpabilidad o una causa que impida la operatividad de la punibilidad, es dicer, al todo el contenido que hace recaer sobre la conduta, sendo necessário que se tenha em conta uma série de outras circunstâncias, o que implica em admitir que “la individualización de la ley penal más benigna deba hacerse en cada caso concreto", tal como ensina Eugenio Raul Zaffaroni. (grifo nosso)[10].

Ainda a propósito, veja-se a lição de Carlos Maximiliano:  

“Quanto aos institutos jurídicos de caráter misto, observam-se as regras atinentes ao critério indicado em espécie determinada. (...) “O preceito sobre observância imediata refere-se a normas processuais no sentido próprio; não abrange casos de diplomas que, embora tenham feição formal, apresentam, entretanto, prevalentes os caracteres do Direito Penal Substantivo; nesta hipótese, predominam os postulados do Direito Transitório Material.”[11]                    

Comentando a respeito das normas de caráter misto, assim já se pronunciou Rogério Lauria Tucci: “Daí porque deverão ser aplicadas, a propósito, consoante várias vezes também frisamos, e em face da conotação prevalecente de direito penal material das respectivas normas, as disposições legais mais favoráveis ao réu, ressalvando-se sempre, como em todos os sucessos ventilados, a possibilidade de temperança pelas regras de direito transitório, - estas excepcionais por natureza.[12]

Outra não é a opinião de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho: “Se a norma processual contém dispositivo que, de alguma forma, limita direitos fundamentais do cidadão, materialmente assegurados, já não se pode defini-la como norma puramente processual, mas como norma processual com conteúdo material ou norma mista. Sendo assim, a ela se aplica a regra de direito intertemporal penal e não processual.”[13]

Destarte, quanto ao início do cumprimento do regime de pena, após esta decisão, o apenado terá direito ao benefício (a princípio, pois será necessário aferir-se quanto ao seu “merecimento”), que nada obstante não ter sido proferida quando do controle concentrado de constitucionalidade, teve efeito (ou deveria tê-lo) erga omnes.[14]

Também mutatis mutandis, concordamos com João José Leal e Rodrigo José Leal, para quem “ao reconhecer – mesmo que de forma incidental – a inconstitucionalidade da norma proibitiva da progressão de regime, prevista na LCH, o STF garantiu o direito dos condenados por crime hediondo a postular a obtenção deste benefício penal, após o cumprimento de mais de um sexto da pena”, razão pela qual “a nova norma contida no art. 2º., § 2º., da LCH deve ser aplicada tão-somente aos crimes hediondos e seus assemelhados praticados a partir da vigência da Lei nº. 11.464/2007. Em conseqüência, o condenado por crime desta natureza, praticado antes da vigência desta lei, tem o direito à progressão de regime prisional após o cumprimento de 1/6 da pena.”[15]

Neste sentido, o Ministro Joaquim Barbosa concedeu uma liminar a um acusado de portar drogas. Ao analisar o pedido feito no Habeas Corpus nº. 91360, o Ministro concedeu liberdade a paciente condenado a um ano e oito meses de reclusão. De acordo com o Ministro, “pela nova lei de entorpecentes, o livramento condicional deve ocorrer após cumpridos dois terços da pena (art.44, parágrafo único da Lei 11.343/2006) e a progressão de regime, conforme art. 2º, §2º da Lei 8.072, com a redação dada pela Lei 11.464 de 2007, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 da pena se primário o réu”, disse. O relator explicou que esta última alteração legislativa não pode retroagir para alcançar o delito, em tese, cometido pelo jovem, pois o fato, segundo a sentença, teria ocorrido em 26 de outubro de 2006, “antes, portanto, de estar em vigor legislação mais gravosa”. Assim, se a legislação anterior fosse aplicada, o condenado poderia progredir de regime ao cumprir 1/6 da pena imposta, conforme o artigo 112 da Lei de Execução Penal, ou seja, “no caso em exame, já faria jus à progressão”. Fonte: STF (1º./06/2007).

Em outra oportunidade, ao julgar o Habeas Corpus (HC) 92709, por unanimidade, os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal concederam ordem de ofício para que um condenado por crime hediondo, seja transferido para o regime semi-aberto.Como a defesa não havia feito esse pedido no Superior Tribunal de Justiça, os ministros votaram pelo arquivamento da ação. O relator, Ministro Carlos Ayres Britto, afirmou, porém, que as informações recebidas do juiz de execução criminal de Presidente Prudente (SP) confirmam a alegação da defesa, de que a condenação ocorreu antes da vigência da Lei 11.464/2007, que disciplina a progressão de regime para crimes hediondos.O relator explicou que votava pela concessão da ordem, de ofício, para evitar a aplicação de lei penal posterior, que é mais severa para o condenado. A Lei 11.464/2007 determina que a progressão de regime só pode ser concedida depois de cumprido dois quintos da pena, enquanto a Lei de Execuções Penais era mais benéfica e determinava que devia ser cumprido um sexto. Segundo Ayres Britto, o entendimento de que se deve afastar a aplicação de lei penal posterior mais severa já é pacífico na Corte. Fonte: STF.

O Superior Tribunal de Justiça também assim decidiu:

“SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – EMENTA: REGIME. PROGRESSÃO. LEI MAIS BENÉFICA. Ao paciente foi deferida a progressão de regime pelo juiz da vara de execução penal. Contra essa decisão, o Ministério Público interpôs agravo em execução e o Tribunal a quo cassou aquela decisão ao argumento de que a progressão deveria ser analisada sob os critérios da Lei n. 11.464/2007. Nesse contexto, o Min. Relator advertiu que este Superior Tribunal vem entendendo que a inovação trazida pela referida lei, por ser evidentemente mais gravosa, não deve retroagir para prejudicar o réu, considerando correta a decisão do juiz que aplicou ao caso o art. 112 da Lei de Execuções Penais (com a redação dada pela Lei n. 10.792/2003). Diante disso, a Turma negou provimento ao agravo.” (AgRg no HC 96.226-SP, Rel. Min. Nilson Naves, julga! do em 29/4/2008).

“STJ – RHC Nº. 21.055 – 6ª TURMA – REL. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – J. 17.05.07 – PUBL. 04.06.07 - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 21.055 - PR (2007⁄0061930-0) - RELATORA: MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – EMENTA: RECURSO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. CRIMES HEDIONDOS. INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO AO CUMPRIMENTO PROGRESSIVO DA PENA. EXIGÊNCIA DE LAPSO TEMPORAL NÃO PREVISTO NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ADVENTO DA LEI N.º 11.464⁄07. LAPSOS TEMPORAIS MAIS GRAVOSOS. APLICAÇÃO EXCLUSIVA AOS CASOS SUPERVENIENTES.1. Reconhecida a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º da Lei n.º 8.072⁄90, na sua antiga redação, não pode o magistrado exigir lapso distinto do previsto na legislação pátria para a progressão de regime, sob pena de ferir-se o princípio da legalidade.2. Com o advento da Lei n.º 11.464⁄07, a progressão de regime prisional aos condenados pela prática de crimes hediondos é permitida após o cumprimento de 2⁄5 da pena, em se tratando de réu primário, ou 3⁄5, nos casos de reincidência, lapsos aplicáveis somente aos casos supervenientes à sua vigência, em razão do maior rigor.3. Recurso provido.”

Do voto condutor, lemos o seguinte:

“(...) A progressão de regime aos condenados pela prática de crimes hediondos passou a ser regulada pela Lei n.º 11.464, de 29 de março de 2007, que estabeleceu o lapso temporal de 2⁄5 da pena, tratando-se de réu primário, e 3⁄5 da pena, no caso de reincidente. Todavia, a novel legislação é aplicável somente aos casos supervenientes à sua publicação, por dispensar tratamento mais severo aos condenados pela prática de crimes hediondos que, até então, em razão da decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, na sessão de 23⁄02⁄2006 (HC n.º 82.959⁄SP), que declarou a inconstitucionalidade incidental do art. 2º, § 1º, da Lei n.º 8.072⁄90, eram submetidos ao lapso temporal previsto no artigo 112, da Lei de Execuções Penais, sendo o caso do paciente. Aplicável, portanto, ao recorrente o lapso de 1⁄6 da pena para a satisfação do requisito objetivo temporal para a progressão de regime.Ademais, a decisão tomada pelo juízo monocrático fere o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal e no art. 1º do Código Penal. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para que o Juízo das Execuções Criminais analise, de acordo com os preceitos da Lei de Execuções Penais, o cumprimento dos requisitos objetivos e subjetivos pelo paciente, para a obtenção da progressão de regime.”

Para Jayme Walmer de Freitas, tratando-se “de lex gravior ou novatio legis in pejus, não pode retroagir consoante princípio da irretroatividade da lei mais severa (CF, art. 5º, XL). Não importa o momento processual, ou seja, se processo julgado definitivamente ou não, há de se ter em conta que as normas atinentes à fase de execução da pena têm nítido caráter penal, de modo que a nova lei alcança somente os crimes hediondos e equiparados cometidos a partir da data de sua publicação.”[16]

Idêntico entendimento foi tomado, em decisão monocrática, pelo Ministro Gilmar Mendes, na Medida Cautelar nº. 92.477-8/SP. Nesta decisão, o Ministro deixou consignado o seguinte:

“(...) No presente writ, alega-se, em síntese, constrangimento ilegal decorrente da aplicação da legislação mais rigorosa ao paciente, a saber: as disposições da Lei nº 11.464/2007. No caso concreto, vislumbra-se, ao menos em tese, possível violação ao princípio constitucional da irretroatividade da lei penal mais gravosa (Constituição Federal, art. 5o, inciso XL). Isto porque, dos documentos acostados aos autos pelos impetrantes, verifica-se que, tanto o fato criminoso, quanto a prolação da sentença condenatória, ocorreram em momento anterior à vigência da Lei no 11.464/2007. É dizer, ao momento da condenação, o cumprimento da pena cominada pelo Juízo de origem submetia-se ao regime estabelecido pela antiga redação do § 2º., do art. 2º., da Lei nº. 8.072/90, o qual, por sua vez, estabelecia como requisito objetivo para a concessão do benefício da progressão de regime prisional o cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena. Ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito, constato a existência dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora). Ante os fundamentos expostos, defiro o pedido de medida liminar para afastar, no caso concreto, a aplicação do artigo 2º., § 2º., da Lei nº. 8.072/90, alterado pela Lei nº. 11.464/2007, de modo a garantir ao paciente que o lapso temporal exigido para a sua progressão de regime seja de 1/6 (um sexto). Nessa extensão do deferimento, caberá ao juízo de primeiro grau avaliar se, na espécie, o paciente atende, ou não, aos requisitos para obter o referido benefício. Após, abra-se vista ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).Publique-se.Brasília, 17 de setembro de 2007.”[17]

Em outra oportunidade, o Ministro Carlos Ayres Britto concedeu liminar no Habeas Corpus 93724, no Supremo Tribunal Federal, reconhecendo que, conforme o entendimento da Corte, a Lei 11.464/2007, ao disciplinar a progressão de regime para os delitos hediondos, estabeleceu critérios mais rigorosos do que aqueles definidos no art. 112 da LEP. “Pelo que ante a garantia constitucional da irretroatividade da lei penal mais gravosa (inciso XL, do art. 5º da CF), a nova lei é de se aplicar apenas a fatos praticados após a sua vigência”, afirmou.

Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. O Supremo Tribunal Federal e a Lei dos Crimes Hediondos: mais uma inconstitucionalidade!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3284, 28 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22123. Acesso em: 22 nov. 2024.

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