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A Lei Maria da Penha e sua aplicação nas relações de namoro

Agenda 29/06/2012 às 15:53

O Judiciário pende para uma modificação em seu entendimento quanto à aplicação da Lei Maria da Penha no caso da relação entre namorados, aguardando-se brevemente a alteração na legislação, suprimindo lacuna existente.

INTRODUÇÃO

A Constituição Brasileira de 1988 instituiu uma nova ordem jurídica no país, desvencilhando-se de um passado opressor. Com ela, procurou-se garantir a igualdade entre todas as pessoas, independente de raça, credo, sexo, cultura etc., conforme o caput, do artigo 5º, da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”.

Todavia, essa igualdade deve ser considerada sob o aspecto formal, pois, em relação ao aspecto material, muito há ainda a ser feito.

Impende não olvidar que vários grupos de pessoas, ao longo da história, foram oprimidos, maltratados e subjugados.

Nesse rol se inclui a mulher, tema central do presente estudo, sendo que a dominação em relação a elas é imposta pelo homem por meio da força física. A violência contra a mulher, cabe averbar, é uma questão cultural e aceita pela sociedade, que, em geral, impôs-lhes um mundo limitado aos afazeres do lar e da família, como se mera serviçal fosse.

A não aceitação deste padrão é na maioria das vezes reprimida pela violência masculina dentro do ambiente doméstico ou familiar, local propício para o homem exercer o seu poder dominador e sujeitar a mulher às suas vontades.

Ora, após tantos séculos de opressão, não é possível estabelecer a igualdade apenas com uma norma, ainda que constitucional. Por isso, diz-se que a igualdade prevista no caput do art. 5º da Constituição Federal é formal, jurídica.

Já a igualdade material, ou de fato, a qual possui interface com o princípio da dignidade da pessoa humana, constitui objetivo fundamental pátrio, conforme dispõe o art. 3º da Carta Magna:

“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” Para que tal objetivo seja alcançado, o Estado deve utilizar vários mecanismos, inclusive jurídicos.

Importante ressaltar que o Estado brasileiro não é comprometido apenas com a ordem jurídica interna, mas também com a internacional na promoção dessa igualdade, afinal é signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Apesar disso, o Brasil foi representado na Organização dos Estados Americanos – OEA, em relação ao caso da Sra. Maria da Penha, o qual tramitou por aproximadamente vinte anos no Poder Judiciário até a prisão do agressor. E como consequência o Estado brasileiro recebeu recomendação para que fossem adotadas medidas em relação à violência doméstica, diante da negligência e omissão no caso acima mencionado.

Com a promulgação da Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, o legislador criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme preâmbulo da referida lei. Nesse sentido ela é considerada um marco.


A LEI MARIA DA PENHA – LEI 11.340/2006

A Lei Maria da Penha diz em seu artigo 5°, caput, que configura violência doméstica e familiar qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

O mecanismo de proteção criado pela lei visa proteger a mulher. No entanto, nem toda mulher esta protegida pela Lei Maria da Penha, mas apenas aquela que sofrer violência doméstica, familiar ou decorrente da relação íntima de afeto, conforme definido nos incisos do citado artigo.

Deste modo, conclui-se que o sujeito passivo da lei é apenas a mulher que sofrer violência doméstica, familiar ou decorrente de relação íntima de afeto.

Nessa senda, impende convir que a lei visa, através de suas ações afirmativas, compensar a hipossuficiência e a vulnerabilidade que tem a mulher, sob a perspectiva de gênero, em circunstâncias típicas de relação afetiva.


APLICAÇÃO DA LEI ÀS RELAÇÕES DE NAMORO

Hoje, a grande maioria dos juízes não reconhece o namoro como relação íntima de afeto. Assim, as agressões existentes entre namorados são crimes tratados na legislação penal comum, mais amena.

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Vejamos o entendimento da 3ª Sessão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que, interpretando a extensão da sujeição passiva da lei, considerou que a agressão de um ex-namorado contra a antiga parceira não se enquadra na Lei 11.340/06, conhecida como Maria da Penha, por não caracterizar violência doméstica:

 “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. AGRESSÕES MÚTUAS ENTRE NAMORADOS SEM CARACTERIZAÇÃO DE SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE DA MULHER. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. 1. Delito de lesões corporais envolvendo agressões mútuas entre namorados não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou vulnerabilidade. 2. Sujeito passivo da violência doméstica objeto da referida lei é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade, além da convivência, com ou sem coabitação. 2. No caso, não fica evidenciado que as agressões sofridas tenham como motivação a opressão à mulher, que é o fundamento de aplicação da Lei Maria da Penha. Sendo o motivo que deu origem às agressões mútuas o ciúmes da namorada, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete/MG.”

Por derradeiro, não se desconhece a pendência de proposição legislativa tendente à reversão desse posicionamento jurisprudencial.

Em trâmite no Congresso Nacional, o Projeto de Lei n. 4.367/08, oriundo da Câmara dos Deputados, de autoria da deputada Elcione Barbalho (PMDB-PA) tem por escopo a inclusão das agressões feitas pelo namorado na Lei Maria da Penha. O objetivo da proposta, segundo a deputada, é impor a adequada aplicação da lei, o que, afirma, não vem sendo feita pelo Judiciário.

Destaca-se, todavia, que não vem sendo aplicada pelos juízes, de modo geral, exatamente em razão da existência de uma lacuna legislativa, ao não se reconhecer o namoro como relação íntima de afeto.

Porém, cumpre trazer à baila que o C. Superior Tribunal de Justiça, em recentíssimo julgamento, entendeu ser possível a aplicação da Lei Maria da Penha no caso de relação entre namorados. Vejamos o seguinte aresto:

PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADOS. APLICABILIDADE. AUDIÊNCIA PRELIMINAR. REALIZAÇÃO SEM A PRESENÇA DO PACIENTE. IRRELEVÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO DESPROVIDO.

I. A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça vem firmando entendimento jurisprudencial no sentido de que a ameaça cometida por ex-namorado que não se conforma com o rompimento do vínculo configura violência doméstica, ensejando a aplicação da Lei nº 11.340/06.

II. A audiência preliminar é providência que somente se justifica quando a vítima manifesta interesse em se retratar de eventual representação antes do recebimento da denúncia. Precedentes.

III. Realizada tal audiência sem a referida manifestação, tendo a vítima, na ocasião, reafirmado o propósito de prosseguir na ação, mostra-se irrelevante a presença ou não do paciente.

IV. Recurso desprovido[1].

Como se afere, esta mudança de orientação jurisprudencial decorre exatamente do raciocínio de que, nestas circunstâncias de relação entre namorados, há o pressuposto de uma relação íntima de afeto a ser protegida, por ocasião do anterior convívio do agressor com a vítima, ainda que não tenham coabitado. Aliás, o artigo 5° da norma em questão não exige coabitação para que seja configurada a violência doméstica contra a mulher, bastando a convivência, ainda que anterior.

Conclui-se, em suma, que o Judiciário brasileiro já pende para uma modificação em seu entendimento quanto à aplicação da Lei Maria da Penha – no caso da relação entre namorados, aguardando-se brevemente a alteração na legislação, suprimindo a lacuna legislativa até então existente.


REFERÊNCIAS:

CAVALCANTI, Stela Valeria Soares de Farias. Violência doméstica: análise artigo por artigo da Lei Maria da Penha, nº 11.340/06. Salvador, JusPodivm, 2008.

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei n° 11340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo, Malheiros, 2007.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo, Atlas, 2005.

PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher: Lei 11.340/06: análise crítica e sistêmica. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2007.


Nota

[1] STJ. HC 27.317-RJ, RELATOR MINISTRO GILSON DIPP, DJ 24/05/2012.

Sobre a autora
Claudia Gaspar Pompeo Marinho

Procuradora Federal. Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINHO, Claudia Gaspar Pompeo. A Lei Maria da Penha e sua aplicação nas relações de namoro . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3285, 29 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22125. Acesso em: 7 nov. 2024.

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