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Lugo destituído no Paraguai: coisa de Deus ou coisa do Diabo?

Agenda 07/07/2012 às 08:05

Em sua tarefa maniqueísta, a mídia traz versões completamente opostas sobre os mesmos fatos. O impeachment do ex-presidente paraguaio Fernando Lugo constitui um bom exemplo.

Foi certa ou errada a sua destituição? Uma das técnicas mais utilizadas na atualidade, nos meios de comunicação, consiste na narrativa dicotômica (maniqueísta) da realidade, antagonizada entre os bons e os maus ou entre o bem e o mal (é cada vez mais recorrente a comparação entre mocinhos e “bandidos”, gente do bem e gente do mal, cidadão honesto e “bandido”, nós e os outros, cidadãos e inimigos). Lugo, onde se encaixa?

Houve um período histórico em que a chamada “grande mídia” manifestava certo pudor ou receio em dramatizar nos seus espaços o tráfico, o diabólico, o chocante, o sanguinário (em síntese: o mal). Era raro ver (nas grandes mídias) a utilização de palavras duras (plenas de sensações) como “bandido”, “bandidagem” etc. Nada mais disso mais retrata a realidade atual.

A mídia, na execução da tarefa de apresentar o bem e o mal (para o público ouvinte ou público leitor), vem encontrando dificuldades, em razão do seguinte:

(1) excesso de informações, “o que esvazia as possibilidades de formalizações entre os enigmas do bem e do mal” (Freitas: 2005, p. 113);

(2) a crise de valores que vivemos na era pós-moderna, dentre outras razões, é também responsável pelas incongruências comunicacionais que despontam diariamente. Os conflitos valorativos são bastante evidentes (a respeito do que é o bem e o mal). Sobre quase nada mais existe consenso absoluto nas nossas sociedades (pós-modernas) pluralistas e laicas (exemplos: O aborto é certo ou errado? A eutanásia é certa ou errada?);

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(3) em nome do bem, o ser humano já praticou muito mal (“etnocídios e genocídios perpetrados pelos colonialismos e imperialismos econômicos e políticos ocorridos no ocidente, Inquisição na Europa da Idade Média e as missões jesuítas na América do Sul, grandes Guerras, 11 de setembro etc. – mata-se pelo bem com uma facilidade incrível – Freitas: 2005, p. 115).

Nesse contexto de conturbada convivência de crenças e convicções díspares (antagônicas), muita gente imagina que a mídia deva cumprir o papel da “verdade”, ou seja, ela buscaria definir e difundir para a opinião pública o que é coisa de Deus e o que é coisa do Diabo (na linguagem de Maffesoli). Mas há em seu seio muitos paradoxos críticos e ideológicos.

Daí a quarta razão que perturba a tarefa maniqueísta da mídia: são as versões completamente opostas sobre os mesmos fatos. O impeachment do ex-presidente paraguaio Fernando Lugo constitui um bom exemplo.

Para a Carta Capital (de 04.07.12, p. 38), teria havido um golpe de estado (“Pode-se chamar o ocorrido com Lugo de ‘golpe branco’, ‘golpe parlamentar’ ou qualquer outra expressão. Mas se trata, inequivocamente, de um inconstitucional golpe de Estado”).

Para a Veja (de 04.07.12, p. 75), “qualificar [a destituição] de golpe de estado e afirmar que a situação institucional do Paraguai atualmente não condiz com os padrões democráticos dos vizinhos, contudo, é um descalabro”.

Em síntese, a destituição de Lugo foi “coisa de Deus” ou “coisa do Diabo”? Foi algo certo ou foi algo errado?

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Lugo destituído no Paraguai: coisa de Deus ou coisa do Diabo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3293, 7 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22182. Acesso em: 22 dez. 2024.

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