Foi certa ou errada a sua destituição? Uma das técnicas mais utilizadas na atualidade, nos meios de comunicação, consiste na narrativa dicotômica (maniqueísta) da realidade, antagonizada entre os bons e os maus ou entre o bem e o mal (é cada vez mais recorrente a comparação entre mocinhos e “bandidos”, gente do bem e gente do mal, cidadão honesto e “bandido”, nós e os outros, cidadãos e inimigos). Lugo, onde se encaixa?
Houve um período histórico em que a chamada “grande mídia” manifestava certo pudor ou receio em dramatizar nos seus espaços o tráfico, o diabólico, o chocante, o sanguinário (em síntese: o mal). Era raro ver (nas grandes mídias) a utilização de palavras duras (plenas de sensações) como “bandido”, “bandidagem” etc. Nada mais disso mais retrata a realidade atual.
A mídia, na execução da tarefa de apresentar o bem e o mal (para o público ouvinte ou público leitor), vem encontrando dificuldades, em razão do seguinte:
(1) excesso de informações, “o que esvazia as possibilidades de formalizações entre os enigmas do bem e do mal” (Freitas: 2005, p. 113);
(2) a crise de valores que vivemos na era pós-moderna, dentre outras razões, é também responsável pelas incongruências comunicacionais que despontam diariamente. Os conflitos valorativos são bastante evidentes (a respeito do que é o bem e o mal). Sobre quase nada mais existe consenso absoluto nas nossas sociedades (pós-modernas) pluralistas e laicas (exemplos: O aborto é certo ou errado? A eutanásia é certa ou errada?);
(3) em nome do bem, o ser humano já praticou muito mal (“etnocídios e genocídios perpetrados pelos colonialismos e imperialismos econômicos e políticos ocorridos no ocidente, Inquisição na Europa da Idade Média e as missões jesuítas na América do Sul, grandes Guerras, 11 de setembro etc. – mata-se pelo bem com uma facilidade incrível – Freitas: 2005, p. 115).
Nesse contexto de conturbada convivência de crenças e convicções díspares (antagônicas), muita gente imagina que a mídia deva cumprir o papel da “verdade”, ou seja, ela buscaria definir e difundir para a opinião pública o que é coisa de Deus e o que é coisa do Diabo (na linguagem de Maffesoli). Mas há em seu seio muitos paradoxos críticos e ideológicos.
Daí a quarta razão que perturba a tarefa maniqueísta da mídia: são as versões completamente opostas sobre os mesmos fatos. O impeachment do ex-presidente paraguaio Fernando Lugo constitui um bom exemplo.
Para a Carta Capital (de 04.07.12, p. 38), teria havido um golpe de estado (“Pode-se chamar o ocorrido com Lugo de ‘golpe branco’, ‘golpe parlamentar’ ou qualquer outra expressão. Mas se trata, inequivocamente, de um inconstitucional golpe de Estado”).
Para a Veja (de 04.07.12, p. 75), “qualificar [a destituição] de golpe de estado e afirmar que a situação institucional do Paraguai atualmente não condiz com os padrões democráticos dos vizinhos, contudo, é um descalabro”.
Em síntese, a destituição de Lugo foi “coisa de Deus” ou “coisa do Diabo”? Foi algo certo ou foi algo errado?