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Licitação promovida pela União: desnecessidade de comprovação da regularidade fiscal perante os estados e municípios

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Agenda 25/07/2012 às 16:01

3. A NECESSÁRIA COMPROVAÇÃO DA REGULARIDADE FISCAL

  Consoante já registrado, a prova da regularidade fiscal é exigência de habilitação contida na Lei nº 8.666, de 1993, a qual determina que:

“Art. 27 Para habilitação nas licitações, exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:

(...)

IV – regularidade fiscal;

(...).

Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal, conforme o caso, consistirá em:

(...)

III – prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante ou outra equivalente, na forma da lei;

(...)”.

Convém considerar que a fase destinada à habilitação tem por finalidade aferir a idoneidade daquele que deseja contratar com a Administração e a possibilidade de cumprimento das obrigações a serem futuramente pactuadas. Conforme leciona Jessé Torres Pereira Júnior, “a Administração deverá formular exigências de habilitação preliminar que, segundo a natureza do objeto por licitar e do grau de complexidade ou especialização de sua execução, forem reputadas como indicadores seguros de que o licitante reúne condições para bem e fielmente realizar tal objeto, nos termos do contrato, caso lhe seja adjudicado”[12].

 Portanto, não se trata de preciosismo ou rigorismo da Administração Pública, mas da necessária observância à diretriz de que esta exerce atividade plenamente vinculada, em obediência à estrita legalidade, fazendo apenas o que lhe é expressamente permitido por lei[13], na medida em que “é a fase do procedimento em que a Administração verifica a aptidão do candidato para futura contratação. A inabilitação acarreta a exclusão do licitante da fase de julgamento das propostas, e, embora seja preliminar deste, vale como um elemento de aferição para o próprio contrato futuro, que é, de regra, aliás, o alvo final da licitação”[14].

Com efeito, é importante ter a lucidez de que a exigência de regularidade fiscal significa que o Poder Público deve se recusar a contratar com o interessado que esteja em débito com as suas obrigações tributárias[15].

 O legislador ordinário, ao inserir tal exigência, buscou garantir, à Administração, a idoneidade do futuro contratado[16]. Nesse sentido decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

“ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. EXIGÊNCIA DE REGULARIDADE FISCAL. CONSTITUCIONALIDADE, COMPROVAÇÃO NO MOMENTO DA HABILITAÇÃO PARA O CERTAME.

1. Ação ordinária proposta por empresa contra a CEF, objetivando a desconsideração da ausência de certidão negativa de débito e da inscrição no CADIN para contratação com a instituição financeira, em decorrência de licitação na qual alcançou a primeira colocação.

2. A sentença julgou improcedente o pedido. Inconformada, a autora apelou a fim de ver reformada a sentença, para desconsiderar as exigências de documentos comprobatórios da sua regularidade perante a seguridade social, ou considerar satisfeitas tais exigências devido à apresentação posterior da CND.

3. Não assiste razão à parte apelante, uma vez que tais exigências têm amplo respaldo legal e constitucional. A Constituição Federal prevê em seu art. 37, inciso XXI, exigências de qualificação econômica indispensáveis. A lei que cuida da matéria é a nº 8.666, de 1993, que no art. 29, inciso IV, exige para a habilitação no processo de licitação a prova de regularidade junto ao INSS. Ao estabelecer a exigência de apresentação de CND do INSS, a Lei observou a determinação do art. 195, § 3º da Constituição Federal.

4. Uma vez não preenchidos os requisitos estabelecidos pela Lei, a parte apelante não poderia contratar com a empresa pública.

5. (...)

6. A Lei nº 8.666, de 1993 determina, em seu art. 27, que no momento da HABILITAÇÃO para a licitação devem ser apresentados os documentos relativos à sua regularidade fiscal, portanto em fase anterior à efetiva contratação. Não faz sentido algum que uma empresa em débito com o Poder Público participe do processo de licitação, eis que não poderá efetuar a contratação em fase posterior devido a sua irregularidade.

7. Na data da abertura da licitação, a empresa licitante já deveria possuir Certidão Negativa de Débitos, perfeitamente apta a colocá-la nas mesmas condições de igualdade com os demais licitantes. A posterior regularização da situação da empresa perante os órgãos arrecadadores e fiscalizadores não retroage para habilitá-la em procedimento do qual fora desclassificada.

8. A apresentação posterior da certidão negativa de débito não enseja a aplicação do art. 462 do Código de Processo Civil, pois este não permite a alteração da causa de pedir. Sobre o tema, leciona Theotonio Negrão: ‘o acolhimento do fato novo somente é admissível quando não altera a causa petendi. O princípio do art. 462 do CPC de 1973 deve ser entendido considerando-se o que dispões os arts. 302 e 303 do mesmo diploma legal.

(RT 488/209)’ (NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 33ª edição. Ed. Saraiva. Pág. 477).

9. Apelação da parte autora desprovida.

(TRF 1ª Região, 5ª Turma. Apelação Cível Nº 2001.01.00.048858-2/PA Relator: Juiz Federal Ávio Mozar José Ferraz de Novaes).

“ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. SERVIÇOS PRESTADOS. RETENÇÃO DE PAGAMENTO. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE REGULARIDADE FISCAL. ILEGALIDADE.

1. A exigência de regularidade fiscal é motivo que impede a participação em licitação e assinatura de contrato administrativo, mas não o pagamento pelos serviços já executados. Precedentes.

2. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento”.

(TRF 1ª Região, 5ª Turma. AMS 2005.34.00.027746-6/DF, Relator Desembargador Federal João Batista Moreira, julgado em 10/06/2009, DJ de 26/06/2009). Grifou-se.

Nessa linha, considerando-se, pois, a exegese do art 3º da Lei nº 8.666, de 1993, fica claro que a comprovação da regularidade fiscal é exigência que se coaduna ao princípio da isonomia, posto que aquele que cumpre as suas obrigações tributárias não poderá praticar preços em condições de igualdade com aquele que, ao contrário, as sonega, uma vez que este, não agregando o ônus tributário aos seus preços, pode ofertar bens e serviços por valores abaixo dos daquele:

“A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”.

Ocorre que não há que se cogitar do adimplemento de débitos por meio da licitação, o que caracterizaria desvio de poder[17].

É uníssono o entendimento acerca da vedação da utilização de meios indiretos para a cobrança de tributos. E essa interpretação já foi sedimentada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal – STF, por meio de três enunciados de súmulas de sua jurisprudência:

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“Súmula nº 70: ‘É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributos”

Súmula nº 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”.

Súmula nº 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça as suas atividades profissionais”.

Com efeito, o STF se posicionou no sentido de que a proibição legal da pessoa jurídica, que possua débitos tributários, de contratar com o Poder Público não pode ensejar o impedimento absoluto das suas atividades empresariais, ao argumento de que o meio indireto de cobrança “atenta contra a garantia do livre exercício de trabalho, ofício ou profissão e contra os princípios que norteiam a atividade econômica, consagrados nos artigos 5º, XIII e 170 da Constituição Federal”[18], bem como sob o fundamento de que o Poder Público possui os meios adequados de reaver o crédito tributário, por meio dos procedimentos contidos na Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980[19].

 Quanto ao ponto, Marçal Justen Filho assevera que:

“A exigência de regularidade fiscal representa forma indireta de reprovar a infração às leis fiscais. Rigorosamente, poderia tratar-se de meio indireto de dívidas, o que poria em questão a constitucionalidade das exigências. Observe-se que o STF tem jurisprudência firme, no sentido de que a irregularidade fiscal não pode acarretar a inviabilização do exercício de atividades empresariais. Deve admitir-se, porém, a possibilidade de o ente público recusar contratação com sujeito que se encontre em situação de dívida perante ele. A exigência da Lei, no caso de licitação, não é inconstitucional. A própria Constituição alude a uma modalidade de regularidade fiscal para fins de contratação com a Administração Pública (art. 195, § 3º). E o próprio STF reconheceu a inconstitucionalidade apenas quando houvesse impedimento absoluto ao exercício da atividade empresarial. A simples limitação, tal como proibição de contratar com instituições financeiras governamentais, foi reconhecida como válida. Sob essa óptica, a proibição de contratar com a Administração Pública não configura impedimento absoluto ao exercício da atividade empresarial”[20].

A jurisprudência do E. STJ segue o mesmo sentido:

“MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO. DENEGAÇÃO.

1. À Administração Pública é lícito proceder a diligências para averiguar se os licitantes estão em situação de regularidade fiscal.

2. As diligências para esclarecimento no curso de procedimento licitatório visam impor segurança jurídica à decisão a ser proferida, em homenagem aos princípios da legalidade, da igualdade, da verdade material e da guarda aos ditames do edital.

3. Comprovação da regularidade fiscal que impera.

4. Ausência de qualquer ilegalidade no procedimento licitatório.

5. Denegação da segurança”.

(MS 12762/DF, Ministro José Delgado, Primeira Seção, julgado em 28/05/2008, DJ de 16/06/2008). Grifou-se.

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. ESTADO-MEMBRO. EXIGÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE REGULARIDADE FISCAL PERANTE O INSS E O FGTS. CABIMENTO. ART. 193 DO CTN. INEXISTÊNCIA DE OFENSA.

1. A recorrente impetrou mandado de segurança com o fito de atacar ato tido por coator consistente na exigência da apresentação de certificados de regularidade fiscal perante o INSS e o FGTS que demonstrem o cumprimento dos encargos sociais, em procedimento licitatório realizado pelo Estado de Sergipe.

2. Não há incompatibilidade entre o ato tido por coator e o art. 193 do CTN, visto que essa norma apenas estabelece um requisito mínimo – e ainda assim contornável por meio de lei específica – de que o ente federado não pode contratar com empresa que lhe deve tributos.

3. Inexiste qualquer impedimento ao acréscimo de outras exigências pertinentes às finalidades da licitação, notadamente uma que salvaguarde o ente federado de celebrar avenças com concorrente que possui idoneidade questionável em razão do histórico de dívidas com a seguridade social e o FGTS, protegendo o erário de eventuais novas pendências nas quais seria devedor solidário, como também afastando do certame empresa que não recolhe contribuições intrinsecamente ligadas a direitos de seus empregados e, em última análise, da coletividade.

4. Não há violação ao princípio federativo e à repartição de competências tributárias, mas simplesmente uma defesa do Estado-membro para evitar responder a dívidas futuras combinada com o repúdio a empresas que não realizam o pagamento oportuno de quantias de manifesta importância para seus empregados e para a sociedade em geral, tudo com respaldo na Lei nº 8.666/93 e na própria Carta Magna”.

5. Recurso ordinário não provido”. (RMS 30320 / SE, Relator Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, Julgado em 04/05/2010, publicado no DJe de 21/05/2010).

(Grifou-se).

“ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO. REGULARIDADE FISCAL. CERTIDÕES. PRAZO DE VALIDADE. NÃO-FORNECIMENTO PELO MUNICÍPIO. ART. 535 DO CPC. EFEITOS INFRINGENTES DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. O art. 535 do CPC, ao dispor sobre as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, não veda a atribuição de efeitos infringentes, com alteração da decisão embargada, quando o Tribunal conclui deva ser sanada omissão, contradição, obscuridade ou, ainda, deva ser corrigido erro material.

2. Não configura afronta ao art. 535 do CPC se o Tribunal a quo entende ter havido ‘contradição em seu corpo, associada a erro relevante na apreciação dos elementos constantes do caderno processual’ e conclui que o acórdão exarado no mandado de segurança incorreu em vício, mais especificamente, em contradição, motivo pelo qual os embargos de declaração foram acolhidos com efeitos modificativos, resultando na reforma do julgado embargado.

3. A exigência de regularidade fiscal para habilitação nas licitações (arts. 27, IV, e 29, III, da Lei nº 8.666/93) está respaldada pelo art. 195, § 3º, da C.F., todavia não se deve perder de vista o princípio constitucional inserido no art. 37, XXI, da C.F., que veda exigências que sejam dispensáveis, já que o objetivo é a garantia do interesse público. A habilitação é o meio do qual a Administração Pública dispõe para aferir a idoneidade do licitante e sua capacidade de cumprir o objeto da licitação.

4. É legítima a exigência administrativa de que seja apresentada a comprovação de regularidade fiscal por meio de certidões emitidas pelo órgão competente e dentro do prazo de validade. O ato administrativo, subordinado ao princípio da legalidade, só poderá ser expedido nos termos do que é determinado pela lei.

5. A despeito da vinculação ao edital a que se sujeita a Administração Pública (art. 41 da Lei nº 8.666/93), afigura-se ilegítima a exigência da apresentação de certidões comprobatórias de regularidade fiscal quando não são fornecidas, do modo como requerido pelo edital, pelo município de domicílio do licitante.

6. Recurso especial não provido”. (REsp 974854 / MA, Relator Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, Julgado em 06/05/2008, Publicado no DJe de 16/05/2008).

(Grifou-se).

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Thaísa Juliana Sousa. Licitação promovida pela União: desnecessidade de comprovação da regularidade fiscal perante os estados e municípios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3311, 25 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22286. Acesso em: 22 dez. 2024.

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