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A problemática da fiança

Agenda 30/07/2012 às 11:11

Assim que houver a comunicação da prisão em flagrante de algum indivíduo que não tenha prestado a fiança arbitrada, deverá a autoridade policial fazer consignar tal situação no ofício comunicador, informando que o preso manter-se-á recolhido na custódia até que preste a fiança arbitrada ou até que sobrevenha ordem judicial em sentido diverso.

Inicialmente, gostaria de deixar consignado que a ideia para a elaboração do presente texto surgiu em razão de dúvidas práticas ocorridas no dia a dia da autoridade policial. Feito esse registro, passaremos a tecer algumas considerações sobre o assunto

A concessão de fiança é considerada um direito fundamental do indivíduo, vez que está diretamente relacionada à liberdade (que a meu ver é o direito fundamental de maior importância ao indivíduo) do mesmo. Ela vem prevista no art. 5.º de nossa Constituição Federal e, como se pode notar de forma cristalina, a regra é a afiançabilidade das infrações penais (tanto é assim, que tanto na Constituição Federal quanto na Legislação Extravagante há a previsão das hipóteses em que a fiança não é cabível – v.g.: incisos XLII a XLIV do art. 5.º da C.F; e, arts. 323 e 324 do C.P.P.).

Conforme preceituado por diversos doutrinadores renomados a fiança tem por finalidade assegurar a liberdade provisória do indiciado ou réu, durante o transcurso da persecutio criminis, desde que, preenchidas as condições impostas pela legislação.

Na mesma seara constitucional, no dia 04/7/2011 entrou em vigor a Lei n.º 12.403/11 alterando, de forma substancial, o regramento a respeito das prisões prevendo, inclusive, um dispositivo com as denominadas “medidas cautelares diversas da prisão”.

Analisando a nova lei, juntamente com o texto constitucional, denota-se que a intenção do legislador é a de prever o enclausuramento do infrator somente em algumas situações.

Tanto é assim que a Lei Ordinária ora em comento ampliou as hipóteses em que a autoridade policial, quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, possa arbitrar fiança, como regra (aos delitos que isso não é possível há previsão legal expressa), para todo e qualquer crime em que a pena máxima não ultrapasse 04 (quatro) anos (cf. art. 322 do Código de Processo Penal)[1].

Ressalte-se, entretanto, que o arbitramento da fiança, além de constituir um direito subjetivo do suposto infrator, é um poder-dever da autoridade policial. Se essa entender que no caso em concreto o indivíduo não fará jus à concessão da fiança deverá fazê-la de forma motivada, dando ciência àquele.

É cediço que quando da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante a autoridade policial deve ficar atento, dentre outros, aos requisitos legais previstos no art. 302 do Código de Processo Penal. Tais requisitos são de suma importância para a formalidade do ato.

Após o término da lavratura do auto em questão a autoridade policial deverá encaminhar cópia ao Juiz competente para que o mesmo analise os requisitos formais e, ao final, homologue ou relaxe a prisão.

Estando presentes todos os requisitos legais o juiz deverá homologar o auto e adotar uma das medidas previstas no atual art. 310 do Código de Processo Penal.

Por outro lado, havendo qualquer ilegalidade o juiz deixará de homologar o auto de prisão e, se for o caso[2], determinar a soltura do suposto infrator.

Da análise dos dispositivos legais ora em comento, bem como os demais atinentes ao presente assunto, verifica-se que, s.m.j., a concessão ou não de fiança não faz parte dos requisitos legais a serem observados quando da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante. Portanto, nessa linha de raciocínio, não há que se falar em nulidade do respectivo auto, caso a autoridade policial tenha se “esquecido” de arbitrá-la. Destaque-se, inclusive, que não há nenhum impeditivo legal que proíba o juiz de arbitrar a fiança de ofício, em casos assim, quando do recebimento da cópia do Auto de Prisão em Flagrante.

Pois bem. Feitas essas considerações, e tendo em vista as dificuldades encontradas no dia a dia da atividade policial, algumas indagações poderão surgir. Senão, vejamos.

1.  É preciso que o juiz se manifeste, quando do recebimento do auto de prisão em flagrante, sobre a fiança arbitrada?

2. Caso a autoridade policial arbitre a fiança e o indiciado não a preste imediatamente, quanto tempo poderá aguardar para recebê-la?

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3. Após a homologação judicial do auto de prisão em flagrante, quem deve receber o valor arbitrado à guisa de fiança e, por consectário, liberar o preso afiançado: a Autoridade Policial ou o Juízo competente por distribuição?

4. A liberação do preso afiançado depende de alvará judicial de soltura?

Em que pesem respeitáveis entendimentos em sentido contrário, tentarei responder a cada uma dessas questões.

No tocante à pergunta de número “1” entendo que não há necessidade de apreciação judicial, com relação à fiança arbitrada, quando da homologação. Isso porque, conforme já mencionado anteriormente, a meu ver, o arbitramento de fiança não é requisito de validade do Auto de Prisão em Flagrante, sendo, portanto, prescindível para a verificação de nulidade ou não do ato realizado pela autoridade policial. Os requisitos de validade encontram-se insculpidos no art. 302 do Código de Processo Penal.

Superada a análise da primeira indagação, passaremos agora às perguntas de número “2” e “3”.

A legislação pátria preceitua apenas que a autoridade policial poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 04 (quatro) anos (cf. art. 322 do C.P.P.). Contudo, nada diz nada a respeito de qual o limite temporal máximo que ela poderá ser prestada (se é que isso pode ser afirmado!).

Conforme já explanado no começo do presente texto, a fiança é um instituto que tem por finalidade assegurar ao indiciado (ou réu) o direito de aguardar seu julgamento em liberdade, estando diretamente relacionada ao direito de liberdade do indivíduo (o qual é considerado um direito fundamental – é cláusula pétrea).

Uma vez reconhecido seu cabimento e preenchidos os pressupostos legais, a autoridade responsável pelo seu arbitramento, s.m.j., deverá concedê-la, sob pena de abuso de autoridade.

Ora, uma vez arbitrada a fiança já houve o reconhecimento, por parte da autoridade (policial ou judiciária), de que o indivíduo faz jus a sua liberdade (ainda que condicionada), não sendo crível fixar um prazo máximo para que ela seja prestada!

Por se tratar de um direito fundamental, não é admissível tolher a liberdade de um indivíduo porque, p.ex., não tinha dinheiro (ou outro bem de valor econômico) para prestar a fiança que lhe foi inicialmente arbitrada. Raciocínio contrário a esse poderia configurar uma aberração jurídica: como é possível a autoridade policial reconhecer inicialmente um direito e depois (por falta de previsão legal) negá-lo? Se isso for feito, o indivíduo que se encontra encarcerado poderá impetrar, p.ex., habeas corpus em razão de estar sofrendo um cerceamento de sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder.

Portanto, entendo que, uma vez arbitrada a fiança no bojo do Auto de Prisão em Flagrante, a autoridade policial deverá recebê-la a qualquer momento, sob pena de ferir uma cláusula pétrea (desde que, é claro, não haja decisão judicial anterior em sentido contrário – p.ex.: determinando a soltura do preso independentemente da prestação da fiança). Uma vez arbitrada a fiança pela autoridade policial, não será necessário que o beneficiado dirija-se ao Poder Judiciário para ver reconhecido seu direito (salvo no caso de violação desse).

Por fim, faz-se necessário tecer algumas considerações a respeito da última indagação (questão “4”). Pelas razões expostas anteriormente, especialmente pelo fato de entender que a autoridade policial que arbitrou a fiança é a responsável pelo seu recolhimento (a qualquer tempo e desde que não haja decisão judicial em sentido contrário), entendo que não é necessária a expedição de alvará de soltura para colocar em liberdade o preso que veio a prestá-la. Se assim fosse, a autoridade policial estaria negando eficácia a um direito inicialmente reconhecido.

Vejamos um exemplo real: o cidadão foi preso em flagrante por um delito “X”, sendo que ao final do respectivo auto a autoridade policial arbitrou fiança. Por alguma razão o preso não teve condições de prestar a caução ao término do ato. Passados alguns dias o advogado do preso (ou terceira pessoa) comparece até a Delegacia de Polícia para prestar o valor arbitrado, sendo que o Delegado afirma que não poderá recolher, pois o preso não está mais sob sua custódia e sim do juiz que homologou o feito. Dirigindo-se até ao Fórum o juiz responsável diz que a fiança foi arbitrada pelo Delegado de Polícia e é ele quem deverá recebê-la. Ato contínuo o advogado volta até a Delegacia e explica a situação, sendo que o Delegado de Polícia aceita em receber a fiança.

Aos que sustentam a necessidade de alvará de soltura, além de recolher a fiança arbitrada, deverá o advogado peticionar ao juiz e solicitar a expedição do respectivo alvará de soltura. Ora, se o próprio magistrado, nesse caso mencionado, afirmou que a responsabilidade é do Delegado de Polícia, como afirmar que é imprescindível a expedição de alvará judicial para colocar o preso em liberdade? A meu ver, é um contrasenso à legislação pátria.

Ressalte-se que, a alegação de que a partir do momento em que o Delegado de Polícia termina a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, e comunica ao juízo competente, ocorrerá consumação terminativa (não sendo mais o preso de sua responsabilidade), também não deve prosperar.

Se admitirmos a tese ventilada no parágrafo anterior, poderíamos chegar ao seguinte absurdo: ao término da lavratura do auto de prisão em flagrante, onde foi arbitrada fiança, o preso diz que não dispõe de condições, no momento, para prestá-la. O Delegado de Polícia, então, mantém o cidadão encarcerado e comunica ao juiz. Entretanto, 15 (quinze) minutos após o envio dos autos à Justiça, comparece um parente do preso para prestar a fiança. Ora, adotando referido raciocínio, o Delegado de Polícia não poderia mais receber a fiança – nessa hipótese, negaria um direito inicialmente reconhecido pela própria autoridade policial!

Conquanto as explanações feitas acima, imperiosa a adoção de algumas medidas práticas. A uma, assim que houver a comunicação da prisão em flagrante de algum indivíduo que não tenha prestado a fiança arbitrada, deverá a autoridade policial fazer consignar tal situação no ofício comunicador, informando que o “preso manter-se-á recolhido na custódia até que preste a fiança arbitrada ou até que sobrevenha ordem judicial em sentido diverso”. A duas, assim que a fiança for prestada a autoridade policial deverá adotar duas medidas: i) colocar o preso imediatamente em liberdade; e, ii) comunicar imediatamente ao Juízo competente a respeito da prestação da fiança e da soltura do preso.

Feitas essas ponderações espero que isso possa contribuir, de uma forma ou de outra, aos demais colegas que atuam no meio jurídico no desempenho de suas atribuições diárias.


Notas

[1] Pela regra antiga a autoridade policial somente podia conceder fiança nas infrações penais apenadas com detenção ou prisão simples.

[2] Conquanto a prisão em flagrante possa ter alguma ilegalidade (o que ensejará seu relaxamento), pode ocorrer de o juiz entender que houve infração penal praticada pelo sujeito inicialmente preso e decretar, de ofício, a prisão preventiva desse.

Sobre o autor
Rodrigo Perin Nardi

Delegado de Polícia Federal Pós graduado em Direito Processual Civil Individual e Coletivo Ministrou aulas de Direito Penal e Processual Penal no Curso DUCTOR (Campinas) - Preparatório para concursos públicos, durante dois anos. MInistrou, ainda, aulas de Direito Constitucional por um ano e meio no curso de graduação da Universidade Dinâmica das Cataratas - Foz do Iguaçu. Por dois anos ministrou aulas de Direito Constitucional e Penal no Curso VITÓRIA, em Foz do Iguaçu.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NARDI, Rodrigo Perin. A problemática da fiança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3316, 30 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22307. Acesso em: 21 nov. 2024.

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