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Alguns aspectos regimentais no julgamento da Ação Penal 470

Agenda 04/09/2012 às 13:59

Qual é o alcance da réplica e da tréplica? Parece óbvio que o relator pode falar sobre tudo aquilo em que o revisor diverge. Ou seja, o voto inteiro.

A sessão extraordinária de julgamento da Ação Penal 470 em 23 de agosto terminou com verdadeiro bate-boca entre os ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Brito, com o revisor ameaçando se retirar do plenário quando da leitura do voto do presidente.

A divergência ocorreu entre a possibilidade de o revisor apresentar “tréplica” após a “réplica” do relator. Esclarece-se: quando da apresentação de seu voto, o ministro revisor divergiu frontalmente do entendimento do relator, tendo aquele pedido a palavra para esclarecer os pontos de divergência na próxima sessão. Ato contínuo, o revisor requereu que o mesmo direito lhe fosse assegurado.

O presidente Ministro Carlos Ayres Brito já deu uma pista de onde virá seu entendimento: “A solução está no regimento”. De tal forma, fica claro qual será o enfoque na análise desta e das outras duas questões abordadas no presente artigo: o RISTF (Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Nem a Constituição Federal, com sua prolixidade, tampouco o Código de Processo Civil, com sua minúcia procedimental, possuem, a meu ver, mecanismos para solucionar tais divergências. Apenas, talvez, possam ser relacionados de forma indireta.

Também parece não existir jurisprudência sobre o tema. Nunca antes na história deste país um Ministro do Supremo Tribunal Federal requereu direito à “tréplica” após o pedido da palavra pelo relator em caso de voto divergente numa ação penal originária do STF. Comumente, diga-se, “réplica” e “tréplica” são termos utilizados para se referir ao direito de manifestação entre as partes, não entre magistrados.

Então a questão que se coloca é a seguinte: o regimento interno do STF autoriza a “tréplica”?

A meu ver, s.m.j., data maxima venia, sim.

O artigo 133 do RISTF dispõe expressamente que:

Art. 133. Cada Ministro poderá falar duas vezes sobre o assunto em discussão e mais uma vez, se for o caso, para explicar a modificação do voto. Nenhum falará sem autorização do Presidente, nem interromperá a quem estiver usando a palavra, salvo para apartes, quando solicitados e concedidos.

Parágrafo único. Os apartes constarão do acórdão, salvo se cancelados pelo Ministro aparteante, caso em que será anotado o cancelamento

O regimento é claro: há direito a “réplica” e há direito à “tréplica”, e entendo que isso pode ocorrer mesmo entre relator e vogal, ou, como no caso, entre revisor e relator. Havendo divergência, o regimento prevê que “cada Ministro poderá falar duas vezes sobre o assunto em discussão”. Além disso, existem os apartes, os quais, em geral, sempre são concedidos.

E não será o “superpoder” concedido ao presidente (“Nenhum falará sem autorização do Presidente”) neste tocante que deverá mudar nada. Trata-se de um Ministro do Supremo Tribunal Federal pedindo a palavra com base no RISTF.

Contudo, uma questão relevante ainda se coloca neste ponto: qual será o alcance da réplica e da tréplica? Parece óbvio que o relator pode falar sobre tudo aquilo em que o revisor diverge. Ou seja, o voto inteiro do item 3.1.2 da denúncia (onde houve a divergência).

Este, a meu ver, é o direito subjetivo do relator, mas isso não quer dizer que ele o exercerá em sua plenitude. Por quê? Porque a manifestação do revisor deverá ser restrita aos termos da manifestação do relator, querendo isso dizer que não poderá o revisor falar palavra sobre o que não for abordado pelo relator em sua próxima manifestação.

Quanto menos o relator falar, menos o revisor falará, e considerando que a esta altura todos os Ministros já devem ter seus votos prontos, parece até contraproducente qualquer manifestação do relator.

E por quanto tempo poderão falar? Réplica, tréplica, apartes... isso vai acabar em 2015! Certo? Errado. E a solução também é regimental.

Art. 13. São atribuições do Presidente:

VII – decidir questões de ordem ou submetê-las ao Tribunal quando entender necessário;

O Ministro Ayres Brito tem demonstrado que não deseja atrasar este julgamento emblemático. Além disso, acredito que não exista retórica capaz de mudar hoje qualquer voto entre os Ministros do STF. Todos já estão cansados deste processo, e em suas consciências já votaram em cada caso, para cada crime, e poderiam apresentar logo mesmo seus votos, fatiados ou não. Agora é tudo questão de ordem. Ou de egos.

Então, a meu ver, é provável que após a fala do relator, e até o limite desta, seja concedida a palavra ao revisor, sendo também bastante provável que o presidente determine que o revisor terá o mesmo (pouco) tempo do relator para se manifestar.

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Será isto, ou a guerra.

É função do revisor se “contrapor” ao relator em caso de voto divergente?

Bem, estabelecidos que estamos no sentido de que o RISTF será o norte das decisões abordadas neste artigo, parece importante transcrever desde já o mais relevante a respeito do tema:

Art. 25. Compete ao Revisor:

I – sugerir ao Relator medidas ordinatórias do processo que tenham sido omitidas;

II – confirmar, completar ou retificar o relatório;

III – pedir dia para julgamento dos feitos nos quais estiver habilitado a proferir voto.

A primeira constatação autoevidente é que o termo “confrontar” não se encontra presente dentre as competências do revisor, segundo o RISTF. E retificar é outra coisa, que não se confunde com divergência de voto.

Assim, tendo em vista apenas esta norma legal, seríamos levados a crer que não deveria jamais existir antagonismo entre revisor e relator, o primeiro funcionando como um “revisor técnico” da decisão do segundo.

Mas isso não é verdade. O direito à divergência decorre de sua própria condição de Ministro vogal. Tem direito a divergir do relator não por ser revisor, mas por ter direito a seu voto independente, de acordo com sua convicção, de acordo com sua consciência. E tendo o direito a divergir, tem direito a defender seu voto, regimentalmente, de acordo com o já citado artigo 133, i.e.: falar duas vezes sobre o mesmo assunto, e até uma terceira, na inconcebível hipótese de mudança de voto.

Mas não é só isso. Parece-me existir ainda uma razão prática maior para este feroz embate que se desenrola. É o que o artigo 135, parágrafo 3º do RISTF estabelece um “bônus” ao vitorioso:

§ 3o Se o Relator for vencido, ficará designado o Revisor para redigir o acórdão.

Então eventual absolvição de acusados será redigida por Ricardo Lewandowski, algo que deve provocar pesadelos no relator Joaquim Barbosa, quiçá no presidente Carlos Ayres Brito...

Muito bem, até aqui, amigo que me acompanha o pensamento, tudo parece regimentalmente um céu de brigadeiro para o revisor... porém, ah, porém...

O Ministro Cezar Peluso pode antecipar o voto?

Nada é mais importante do que isso, de acordo com a imprensa especializada, para a definição de quem será absolvido ou condenado.

Imagino que ter ou não direito à tréplica, se contrapor ou não ao relator, nada disso fará Ricardo Lewandowski mudar um único voto entre seus pares. De igual forma, em nada será proveitosa a manifestação do relator. Os votos já estão definidos, e ao que tudo indica o de Cezar Peluso condenará a maioria dos agentes políticos.

Manifestações podem vir às dezenas, mas um voto é um voto, e diante de um quadro de possível empate anunciado pela imprensa especializada, o de Cezar Peluso pode significar a diferença entre a condenação e a absolvição dos grandes nomes políticos deste julgamento.

Então a última pergunta que se coloca neste artigo é: regimentalmente falando, o Ministro Cezar Peluso pode antecipar o seu voto?

A resposta, a meu ver, s.m.j., data maxima venia, é sim:

Art. 135. Concluído o debate oral, o Presidente tomará os votos do Relator, do Revisor, se houver, e dos outros Ministros, na ordem inversa de antiguidade.

§ 1o Os Ministros poderão antecipar o voto se o Presidente autorizar.

Mais uma vez estamos diante de um “superpoder” concedido ao presidente. Não existe qualquer outra condição para a antecipação do voto de algum Ministro. Exige-se apenas a autorização do presidente.

Indo um pouco além do inicialmente proposto, e pensando sob o ângulo da racionalidade das decisões judiciais, bem como da necessidade inescapável de sua fundamentação, é justificável que o Ministro Cezar Peluso apresente seu voto na íntegra, antes do relator e do revisor se manifestarem sobre a maioria dos temas?

Ponto a favor é o fato de o Ministro ter acompanhado toda a instrução (princípio da identificação física do juiz), por longos sete anos, e já ter sua opinão formada, independente da leitura dos votos por seus pares.

Entretanto, faço uma digressão para revelar algo que não consegui descobrir, e que me parece de fundamental relevância. O voto do relator e do revisor já constam formalmente do processo, faltando apenas sua leitura? Confesso que não sei responder a isso.

Porque existindo no processo a íntegra dos votos do revisor e do relator, faltando apenas sua mera leitura em plenário, é óbvio que a antecipação de voto não causaria prejuízo nenhum aos réus, porque deles o Ministro que antecipa o voto já teria conhecimento.

Porém, mesmo não existindo o voto na íntegra, é de minha convicção pessoal que Peluso deveria poder apresentar seu voto na íntegra, evitando assim que a aposentadoria compulsória eclipse o que é provavelmente o julgamento mais relevante de sua vida de magistrado. E isto deve pesar.

Um pedido emocionado para que o deixem apresentar seu voto deverá fazer até com que Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que já externaram posição contrária, aceitem o voto do par.

Será isto, ou a guerra.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORCEDA, Gustavo Rodrigo. Alguns aspectos regimentais no julgamento da Ação Penal 470. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3352, 4 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22552. Acesso em: 23 nov. 2024.

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