Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Criação das procuradorias autárquicas e fortalecimento do sistema jurídico público

Agenda 17/09/2012 às 16:31

A forma de se garantir o livre trabalho desses profissionais, com o pleno exercício da necessária independência técnica, é vinculando-os diretamente a uma Procuradoria Própria de carreira, para, assim, blindá-los da pressão política que podem ser facilmente submetidos.

Uma das principais atribuições funcionais dos advogados públicos é a emissão de pareceres jurídicos, que orientarão o Gestor Público acerca da legalidade dos atos jurídicos a serem praticados pela Administração Pública.

Apesar dos pareceres jurídicos serem solicitados pelos gestores para servirem de sustentação aos Atos Administrativos que pretendem praticar, o Advogado Público deve emiti-los em estrito cumprimento de suas atribuições funcionais, cujo objetivo central é a defesa dos interesses da Administração Pública que o remunera e não do Administrador Público que os solicita.

Desta forma, o Advogado Público tem o dever profissional[1] e funcional de emitir um parecer jurídico contrário aos interesses pessoais do Gestor Público se o ato que o gestor pretenda executar for visivelmente ilegal ou contrário aos interesses do Estado.

Por tal motivo, os Advogados Públicos devem ter independência técnica e possuir mecanismos de proteção que garantam o pleno exercício desta liberdade, para que, assim, não fiquem reféns das pressões e ameaças a que podem ser submetidos nos momentos em que seus pareceres contrariarem os interesses do mau Administrador.

Neste particular, a forma de se garantir o livre trabalho destes profissionais, com o pleno exercício da necessária independência técnica em prol da segurança jurídico-econômica da Administração Pública, é vinculando-os diretamente a uma Procuradoria Própria de carreira, para, assim, blindá-los da pressão política que podem ser facilmente submetidos.

 No âmbito Federal, este problema já está solucionado através da criação da Advocacia Geral da União. Porém, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal o imbróglio está parcialmente resolvido através da previsão Constitucional dos Procuradores do Estado e do Distrito Federal serem organizados em carreira própria[2], faltando apenas ser garantida a criação das Procuradorias Autárquicas Estaduais, Municipais e do Distrito Federal, para estender tal independência a todos os Advogados Públicos, sem distinção.[3]

Destarte, os legisladores vêm percebendo que a criação das Procuradorias dos Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias e Fundações Públicas são uma necessidade para que se garanta a independência técnica dos advogados públicos que atuam diariamente com o múnus de proteger os interesses do Estado e, aos poucos, a obrigatoriedade da criação destas procuradorias vem se tornando uma realidade, principalmente com expressa previsão na própria Constituição Federal.

Aliás, em resposta a uma consulta formulada pela Associação dos Procuradores Autárquicos e Advogados de Fundação do Estado de Alagoas, o eminente jurista Celso Antônio Bandeira de Melo, enfatizou no parecer jurídico por ele emitido em 16 de abril de 2008[4], que:

“A natureza jurídica das autarquias e das chamadas fundações públicas, é consoante se viu, a de meros desdobramentos do Estado em sua feição administrativa. Elas são, pois, administração pública. Embora administração indireta, sendo pessoas de direito público, por compartilharem da mesma natureza do Estado, embora restrita à feição administrativa dele, não haveria razões prestantes para que os servidores destas entidades ficassem submissos a uma disciplina distinta daquela aplicável aos servidores da administração direta. Donde, não haveria porque seus procuradores serem excluídos da sorte que o art. 37, XI, reservou aos procuradores da administração direta dos Estados.” (grifo nosso)

Da mesma forma, quando o artigo 132 da Constituição Federal prevê que os Procuradores dos Estados serão organizados em carreira, o está fazendo de forma genérica, para todos os Advogados Públicos dos Estados (inclusive das autarquias e fundações).

Nesta linha de raciocínio, resta evidente que os mesmos motivos que levaram o legislador a prever que os Procuradores dos Estados devem ser organizados em carreira, se aplica aos Procuradores Autárquicos (advogados públicos das autarquias e fundações públicas), posto que o objetivo maior deste comando constitucional seja exatamente garantir maior proteção a estes profissionais que desempenham funções típicas de Estado.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Assim, não haveria sentido garantir tal “blindagem” apenas aos Procuradores da Administração Direta, deixando-se os Procuradores da Administração Indireta (autarquias e fundações) totalmente desguarnecidos para o pleno exercício da necessária independência técnica no exercício de suas funções.

Ademais, no próprio parecer jurídico acima referido, o insigne Celso Antônio lecionou com muita propriedade que a autarquia é o prosseguimento do próprio Estado, “sendo um órgão do Estado no mais pleno sentido da palavra”:

“Em obra monográfica sobre autarquias, já há mais de trinta e cinco anos assim definimos tais pessoas e indicamos sua razão de existir:

“Autarquia é a pessoa de direito público exclusivamente administrativa.

É pessoa jurídica, uma vez que só para esta ordem de pessoas se coloca a personalidade pública.

Sendo exclusivamente administrativa tem caráter auxiliar, isto é, consiste em entidade criada para secundar os entes políticos aos quais competiria, em princípio, desenvolver as atividades conferidas à titularidade das autarquias” (Natureza e Regime Jurídico das Autarquias, Ed. Ver. Dos Trib., 1968, pág. 226).

Pouco ao diante averbamos:

“Sendo pessoa pública e especificamente preordenada a fins administrativos, só se diferencia do corpo orgânico central da Administração pelo fato de usufruir de personalidade jurídica. Este procedimento técnico-jurídico em nada diminui sua natureza estatal, pelo que, em face dos administrados, sua ação se apresenta como ação do próprio Estado. Eis a razão pela qual lhe é possível agir em nome próprio, como senhora dos interesses e da atividade prosseguida, sem que se possa reputar excluído o Estado da titularidade dos interesses que lhe deveriam assistir.

É muito importante assinalar que as conseqüências deste procedimento técnico-jurídico consubstanciado na autarquia repercutem especialmente no interior do ser estatal. Externamente ao Estado, a pessoa autárquica se apresenta aos administrados como simples emanação dele, em sua função administrativa. A posição dos cidadãos perante a autarquia não difere da que tem em face da Administração Pública. Daí a responsabilidade, embora subsidiária, do Estado pelos atos das autarquias”. (Págs. 228-229)

E logo além:

“Sem embargo desta situação que lhe confere um certo grau de independência e liberdade (do ponto-de-vista jurídico), persiste sendo um órgão do Estado no mais pleno sentido da palavra.

É pessoa administrativa: existe “em vue de faire de l’administration publique”, como dis Otto Mayer. Sua destinação específica, sua ‘ratio essendi’, é secundar a função administrativa realizada diretamente pelos órgãos da Administração. Os interesses que prossegue persistem, sempre, sendo também interesses do Estado, que os protege, salvaguarda e satisfaz por meio da autarquia.

Cumpre frisar bem que o escopo e a razão de ser da autarquia é o prosseguimento de fins estatais, ou seja, a realização de interesses públicos a ela confiados, pelo que, ao geri-los, satisfaz contemporâneamente, finalidade sua e do Estado, pois ambas se igualam. Na faixa de sua capacidade há identificação entre os interesses de ambos” (pág. 230).”

Portanto, resta evidente que quando o Legislador Constituinte se referiu a “Procuradores” nos artigos 37, XI e 132 da Constituição Federal, o fez de forma indistinta para todos os Procuradores (advogados públicos da Administração Direta e Indireta) que ocupam tais cargos nos Estados da Federação. Inclusive, tal interpretação garante a impetração do Mandado de Injunção em face dos Estados que ainda não criaram suas Procuradorias Autárquicas em cumprimento a este comando constitucional.

Inclusive, para não restar qualquer dúvida quanto esta interpretação, já foi apresentada no Senado Federal a PEC nº 39/2012, que altera o art. 132 da Constituição Federal, para incluir expressamente os procuradores e advogados públicos das autarquias e fundações públicas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos regramentos constantes do caput do artigo (prevendo a criação das respectivas carreiras). 

Por outro lado, resta evidente que a criação das Procuradorias Autárquicas nos Estados irá garantir maior eficiência aos seus respectivos Sistemas Jurídicos, assim como a criação das Procuradorias Gerais dos Estados vem demonstrando o acerto do legislador neste sentido.

Assim, espera-se que os ilustres Governadores dos Estados entendam a necessidade e a importância da criação destas Procuradorias Autárquicas e encaminhem rapidamente os correspondentes projetos de lei às Assembléias Legislativas prevendo tais criações, que garantirão maior segurança não apenas aos ilustres advogados públicos das autarquias e fundações, mas principalmente ao próprio Estado e à sociedade como um todo, tendo em vista que o fortalecimento do Sistema Jurídico traz maior segurança jurídico-econômica à Fazenda Pública e combate frontalmente os maus Gestores Públicos de “plantão”.  


Notas

[1] O artigo 5º do Provimento nº 114/2006 do Conselho Federal da OAB estabelece o seguinte: “Art. 5.º É dever do advogado público a independência técnica, exercendo suas atividades de acordo com suas convicções profissionais e em estrita observância aos princípios constitucionais da administração pública.” 

[2] O artigo art. 132 da Constituição Federal, prevê que os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal serão organizados em carreira.

[3] A PEC nº 153/2003, que prevê a alteração deste artigo 132 para incluir no mesmo as Procuradorias Municipais, já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e já se encontra no Senado Federal, através da PEC nº 17/2012, aguardando sua votação. No Senado Federal foi apresentada a PEC nº 39/2012, que altera o art. 132 da Constituição Federal, para incluir os procuradores e advogados públicos das autarquias e fundações públicas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos regramentos constantes do caput do artigo (prevendo a criação das respectivas carreiras). 

[4] Disponibilizado no site da ABRAP – Associação Brasileira dos Advogados Públicos, no seguinte endereço: http://abrap.org.br/2011/images/stories/doc/parecer.pdf

Sobre o autor
Rodrigo Lima Klem

Pós-Graduado em Direito Administrativo. Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil. Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Membro da ABRAP - Associação Brasileira de advogados Públicos. Membro da AAPARJ - Associação dos Advogados Públicos Autárquicos do Estado do Rio de Janeiro. Sócio de Werneck & Lima Advogados Associados. Advogado Autárquico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KLEM, Rodrigo Lima. Criação das procuradorias autárquicas e fortalecimento do sistema jurídico público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3365, 17 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22633. Acesso em: 23 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!