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John Rawls e Jürgen Habermas: dois projetos deliberativos para uma democracia pluralista

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Agenda 22/09/2012 às 09:40

Considerações Finais

Os projetos democráticos em Rawls e Habermas são essencialmente distintos. A justiça como equidade rawlsiana retoma, com algumas particularidades, a tradição contratualista, transferindo a ideia de estado de natureza para uma posição original hipotética. A busca pelo consenso político, dessa forma, é baseada na formulação de uma concepção política de justiça em que cidadãos dotados de duas faculdades morais – uma concepção de bem e um senso de justiça – podem estabelecer os acordos necessários para a vida em cooperação numa sociedade bem-ordenada. Os acordos que podem reger a interação entre os cidadãos, e assim também a estrutura básica institucional da sociedade, somente são justos na medida em que refletem uma concepção política de justiça razoável. Ao traçar princípios de justiça para a garantia das liberades fundamentais e igualdades substanciais, Rawls desenha um projeto de democracia substantivo, no qual a deliberação pública é ancorada em uma cultura política pública, formada por valores que expressam (ou derivam) os princípios de justiça originais.

Em Habermas, a problemática sobre o consenso nas sociedades plurais é redimensionada para a questão da legitimidade do direito moderno, que fundamenta a própria democracia constitucional. O aspecto legitimatório desponta da tensão entre validade e faticidade como característica dos ordenamentos jurídico-estatais. Habermas procura traçar o modo como um sistema de direitos pode legitimar a formação do poder político do Estado, ou seja, procura conciliar dois princípios que  sempre foram alvo de disputa na filosofia política: o princípio democrático (sobreania popular) com o princípio da autonomia da vontade. De um lado, cidadãos com projetos políticos distintos e interesses pessoais divergentes. De outro, a necessidade de que a vontade política do Estado seja uniformizada conforme um padrão democrático de legitimidade. O caminho encontrado pelo projeto democrático habermasino consiste na conciliação entre os dois princípios através do princípio do discurso, como standard da democracia deliberativa.

Os dois projetos democráticos, portanto, buscam superar a questão do pluralismo político por meio de caminhos diferentes. Para Rawls, a justiça como equidade, baseada em princípios de justiça capazes de distribuir direitos e deveres de forma justa entre indivíduos livres e iguais engajados em uma sociedade cooperativa. Para Habermas, somente um processo dinâmico ancorado na deliberação dialógica é capaz de sustentar uma democracia constitucional.  


VI. Referências Bibliográficas

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WEITHMAN, Paul. Why Political Liberalism? On John Rawls’s Political Turn. New York: Oxford University Press, 2010.


Notas

[1] O objeto do estudo rawlsiano é essencialmente o “político”, ou seja, uma concepção política de justiça desenhada em conformidade com as características de uma sociedade liberal. Assim explica Rawls logo nos primeiros parágrafos de O Liberalismo Político: “Perhaps I should, then, begin with a definition of political liberalism and explain why I call it ‘political’. But no definition would be useful at the outset. Instead I begin with a first fundamental question about political justice in a democratic society, namely what is the most appropriate conception of justice for specifying the fair terms of social cooperation between citizens regarded as free and equal, and as fully cooperating members of society over a complete life, from one generation to the next?” (RAWLS, 1993, p. 3). 

[2] Para Habermas, a filosofia moderna, para dar conta do fenômeno da racionalização social, ou seja, das diversas relações entre indivíduos racionais autônomos, tem de analisar a ação segundo o modelo comunicativo. Em verdade, a teoria do agir comunicativo representa o modelo habermasiano para a compreensão da interação entre indivíduos racionais que buscam o entendimento. A ação comunicativa transcende o campo do político, e apresenta-se como um projeto da filosofia da linguagem para explicar o comportamento intersubjetivo entre os cidadãos. Cf. HABERMAS, (1987).

[3] “O Liberalismo Político” (Political Liberalism), de 1993, expressa a pretensão de Rawls em sistematizar as reformulações feitas na sua “Uma Teoria da Justiça” (A Theory of Justice), de 1971, sendo marcante a ideia de transformá-la em uma doutrina política sem pretensões universalistas.

[4] A ideia de contrato social é um dos pilares do liberalismo clássico, que teve como principais expoentes autores como Grócio, Pufendorf, Locke e, de uma forma particularmente distinta, Hobbes e Rousseau. O contrato social foi, em linhas gerais, concebido como um artifício teórico para expressar o acordo capaz de superar o Estado de Natureza, em que se encontravam os indivíduos, com o objetivo de alcançar um Estado Social. O pano de fundo desse acordo era a preservação de liberdades e direitos tidos como naturais, ou seja, inerentes à condição humana, contra a expansão do poder estatal. Contudo, “O Liberalismo Político” rawlsiano marca uma profunda diferença em relação ao projeto liberal clássico. O contratualismo de Rawls não busca a legitimidade do governo, como pretendiam, sobretudo, Hobbes e Locke, mas o modo como se pensar uma teoria da justiça. Dessa forma, pode-se dizer que o objeto do contratualismo rawlsiano é essencialmente distinto daquele liberal clássico, na medida em que se dirige à postulação de princípios de justiça para uma sociedade já reconhecida como politicamente liberal.

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[5] O contrato social em Rawls também se diferencia da ideia liberal clássica em outro ponto fundamental: a consideração sobre indivíduos defensores de doutrinas morais, religiosas e filosóficas diversas é o ponto de partida de Rawls para o acordo constitutivo dos princípios de justiça. Cf. WEITHMAN, (2010).

[6] Dessa forma, Rawls pretende conciliar, a partir da ideia de “consenso sobreposto” ou “consenso por sobreposição” (overlapping consensus) as diversas doutrinas abrangentes presentes em uma sociedade democrática moderna: “The aim of justice as fairness, then, is practical: it presents itself as a conception of justice that may be shared by citizens as a basis of a reasoned, informed, and willing political agreement. It expresses their shared and public political reason. But to attain such a shared reason, the conception of justice should be, as far as possible, independent of the opposing and conflicting philosophical and religious doctrines that citizens affirm.” (RAWLS, 1993 p. 9).

[7] Nesse sentido, explica Joshua Cohen:  “In such a society we have a overlapping consensus on a political conception of justice. Citizens achieve social unity because they all accept that conception and so agree to conduct the fundamentals of political argument on the shared ground that the conception makes available and to set aside for political purposes their deep, ultimate, and persistent disagreement about what we are like, what the world is like, and how best to face its demands.” (COHEN, 1996, p. 133).   

[8] Rawls alerta que a sua concepção sobre a posição original é apenas uma das muitas possíveis versões que as teorias contratualistas podem fornecer. Diferentes teorias podem conceber as partes interessadas, nessa posição hipotética, condicionadas por diferentes valores, objetivos ou crenças. Tudo depende de qual concepção sobre justiça é a adotada: “There are, as I have said, many possible interpretations of the initial situation. This conception varies depending upon how the contracting parties are conceived, upon what their beliefs and interests are said to be, upon which alternatives are available to them, and so on. In this sense, there are many different contract theories. Justice as fairness is but one of these.” (RAWLS, John,1971-1999, p. 105).

[9] O conteúdo desses princípios de justiça será adiante analisado neste trabalho.

[10] “Nevertheless, the thin theory of the good which the parties are assumed to accept shows that they should try to secure their liberty and self-respect, and that, in order to advance their aims, whatever these are, they normally require more rather than less of the other primary goods. In entering into the original agreement, then, the parties suppose that their conceptions of the good have a certain structure, and this is sufficient to enable them to choose principles on a rational basis.” (RAWLS, 1971-1999, p. 349).

[11] O “véu da ignorância” representa um dos pontos de contato da filosofia política rawlsiana com a filosofia kantiana. Mais precisamente, a ideia de imperativo categórico, para Kant, expressa um modelo de conduta em que os indivíduos devem basear-se, devendo orientar-se de modo que a sua ação individual possa ser elevada a uma máxima de comportamento universal. Com efeito, o “véu da ignorância” rawlsiano retira das partes na posição original o conhecimento sobre circunstâncias pessoais que pudessem corromper o acordo social, fazendo com que procurem um consenso baseado em valores universais. Segundo Rawls: “The idea of the original position is to set up a fair procedure so that any principles agreed to will be just. The aim is to use the notion of pure procedural justice as a basis of theory. Somehow we must nullify the effects of specific contingencies which put men at odds and tempt them to exploit social and natural circumstances to their own advantage. Now in order to do this I assume that the parties are situated behind a veil of ignorance. They do not know how the various alternatives will affect their own particular case and they are obliged to evaluate principles solely on the basis of general considerations.” (RAWLS, 1971-1999, p. 118).

[12] “We introduce an idea like that of the original position because there seems no better way to elaborate a political conception of justice for the basic structure from the fundamental idea of society as an ongoing and lair system of cooperation between citizens  regarded as  free  and equal.” (RAWLS, 1993, p. 26).

[13] “(…) the well-ordered democratic society of justice as fairness may establish and preserve unity and stability given the reasonable pluralism characteristic of it.” (RAWLS, 1993, p. 134).

[14] Rawls define a ideia de razão pública da seguinte forma: “Public reason is characteristic of a democratic people: it is the reason of its citizens, of those sharing the status of equal citizenship. The subject of their reason is the good of the public: what the political conception of justice requires of society's basic structure of  institutions, and of the purposes and ends they are to serve.” (RAWLS, 1993, p. 213). 

[15] Nesse sentido: “The point of the ideal of public reason is that citizens are to conduct their fundamental discussions within the framework of what each regards as a political conception of justice based on

values that the others can reasonably be expected to endorse and each is, in good faith, prepared to defend that conception so understood. This means that each of us must have, and be ready to explain, a criterion of what principles and guidelines we chink other citizens (who are also free and equal) may reasonably be expected to endorse along with us.” (RAWLS, 1993, p. 226).

[16] Em artigo posterior ao Liberalismo, Rawls traça, com maior precisão, os contornos sobre a ideia de razão pública: “The idea of public reason arises from a conception of democratic citizenship in a constitutional democracy. This fundamental political relation of citizenship has two special features: first, it is a relation of citizens within the basic structure of society, a structure we enter only by birth and exit only by death; and second, it is a relation of free and equal citizens who exercise ultimate political power as a collective body.” (RAWLS, 1997, p. 765-807). Diante do fato do pluralismo razoável, a razão pública expressa o consenso entre cidadãos livres e iguais, no uso de suas capacidades racionais, sobre os termos da cooperação social fundados em uma concepção política de justiça razoável.

[17] O segundo princípio sofre ligeira alteração em relação ao modo como estava formulado em Teoria: “social and economic inequalities are to be arranged so that they are both (a) reasonably expected to be to everyone’s advantage, and (b) attached to positions and offices open to all.” (RAWLS, 1971-1999, p. 53). 

[18] O princípio da diferença é explicado de forma lapidar por um dos principais críticos comunitaristas da teoria rawlsiana, Michael Sandel: “Que princípios escolheríamos para governar as desigualdades sociais e econômicas? Para nos resguardar do risco de nos ver na miséria poderíamos, em um primeiro momento, apoiar uma distribuição equânime de renda e riqueza. Mas talvez nos ocorresse a possibilidade de ter uma vida melhor, ainda que estivéssemos na base da pirâmide. Suponhamos que, ao permitir certas desigualdades, como salários mais altos para médicos do que para motoristas de ônibus, pudéssemos melhorar a situação daqueles que têm menos – aumentando o acesso dos pobres aos serviços de saúde. Ao admitir essa possibilidade, estaríamos adotando o que Rawls denomina ‘princípio da diferença’: só serão permitidas as desigualdades sociais e econômicas que visem ao benefício dos membros menos favorecidos da sociedade.” (SANDEL, 2012, p. 189).

[19] Joshua Cohen, um dos principais teóricos da temática da deliberação, expressa sua posição de forma semelhante àquela defendida por Rawls: “In such a procedure participants regard one another as equals; they aim to defend and criticize institutions and programs in terms of considerations that others have reason to accept, given the fact of reasonable pluralism and the assumption that those others are reasonable; and they are prepared to cooperate in accordance with the results of such discussion, treating the results as authoritative.” (COHEN, 1996, p.100).

[20] A Teoria Crítica da Escola de Frankfurt originou-se na década de 1920, orientada pelo filósofo Max Horkheimer. Horkheimer e Marcuse escreveram uma série de artigos com críticas sistemáticas ao positivismo científico. Os Teóricos Críticos entendiam que os objetos de observação da ciência e os seus sujeitos observadores seriam socialmente constituídos e só poderiam ser analisados e interpretados em consonância com o seu contexto histórico e social. Após a Segunda Guerra Mundial, a Teoria Crítica, como uma Escola unificada, já praticamente não existia, seja pela separação dos teóricos em razão de emigração, seja pelas próprias controvérsias teóricas. Habermas deu uma nova direção à Teoria Crítica para a hermenêutica, para o pragmatismo e para a análise da linguagem.   

[21] Habermas pretende desenvolver um modelo teórico deliberativo pós-metafísico, ou seja, desvinculado de qualquer concepção metafísica para a explicação do fenômeno democrático. Para tanto, adota uma postura diferente de Rawls, baseada não em uma concepção de justiça a ser aplicada em condições políticas predeterminadas, mas sim em uma filosofia da linguagem que possa explicar os principais elementos do agir comunicativo: “One should first be aware that the theory of communicative action involves a particular view about how social coordination is effected through language. Specifically, competent speakers know how to base their interactions on validity claims that their hearers will accept or that could, if necessary, be redeemed with good reasons. As understood by participants engaged in interaction and discourse, truth claims are claims about the objective world that all human beings share, and moral claims have to do with norms for interpersonal relationships that any autonomous adult should find rationally acceptable from the standpoint of justice and respect for persons. If such claims are valid, then any competent speaker should, under suitable conditions, be able to accept the claim on the basis of good reasons. When a claim is contested, actually bringing about such rational acceptance requires actors to shift in to a discourse in which, the pressures of action having been more or less neutralized, they can isolate and test the disputed claim solely on the basis of arguments.” (REGH, 1996, p. XIV-XV).

[22] A crítica de Habermas direcionada às teorias contratualistas está inserida na sua preocupação com a busca por um fundamento de legitimidade para o direito moderno. Neste sentido, o autor deixa claro, no posfácio de Between Facts and Norms (1994), que o projeto contratualista desde Hobbes até Rawls não foi capaz de superar o problema da legitimidade nas sociedades plurais: “What grounds the legitimacy of rules that can be changed at any time by the political lawgiver? This question becomes especially acute in pluralistic societies in which comprehensive worldviews and collectively binding ethics have disintegrated, societies in which the surviving posttraditional morality of conscience no longer supplies a substitute for the natural law that was once.” (…) “From the standpoint of legal theory, the modern legal order can draw its legitimacy only from the idea of self-determination: citizens should always be able to understand themselves also as authors of the law to which they are subject as addressees. Social-contract theories have construed the autonomy of citizens in the categories of bourgeois contract law, that is, as the private free choice of parties who conclude a contract. But the Hobbesian problem of founding a social order could not be satisfactorily resolved in terms of the fortuitous confluence of rational choices made by independent actors. This led Kant to equip the parties in the state of nature with genuinely moral capacities, as Rawls would later do with parties in the original position. Today, following the linguistic turn, discourse theory provides an interpretation of this deontological understanding of morality. Consequently, a discursive or deliberative model replaces the contract model: the legal community constitutes itself not by way of a social contract but on the basis of a discursively achieved agreement grounded in religion or metaphysics.” (HABERMAS, 1996, p. 448-449).

[23] Para Habermas: “Porque esse meio de poder estatal se constitui em formas do Direito, ordenamentos políticos nutrem-se do pleito de legitimidade jurídica. É que o Direito não somente exige aceitação; não apenas solicita dos seus endereçados reconhecimento de fato, mas também pleiteia merecer  reconhecimento. Para a legitimação de um ordenamento estatal, constituído na forma da lei, requerem-se, por isso, todas as fundamentações e construções públicas que resgatarão esse pleito como digno de ser reconhecido.” (...) “Essa estrutura reflete-se no modo singular da validade do Direito que se situa entre a facticidade de o Estado promulgar o direito com a legitimidade da positivação jurídica através de um procedimento que se pretende racional.” (...) “O princípio da soberania do povo estabelece procedimento que a partir de suas características democráticas, fundamenta a suposição de resultados legítimos. Esse princípio expressa-se nos direitos à comunicação e à participação que garantem a autonomia pública dos cidadãos” (...) “Parto do princípio, que aqui não posso explicar em maiores detalhes, de que podem pleitear legitimamente exatamente aquelas regulamentações, com as quais todos os eventuais implicados poderiam concordar como participantes de discursos racionais. Em discursos, os participantes pretendem chegar a pontos de vista comuns, tentando convencer-se mutuamente de algo através de argumentos, enquanto que em negociações buscam um pacto quanto aos seus interesses divergentes. (No entanto, a lealdade a tais pactos, por sua vez, depende de procedimentos que, na elaboração dos compromissos, são discursivamente fundamentados.) A pressuposição do resultado legítimo precisa apoiar-se, em última instância, em um arranjo comunicativo, sendo pois, tais discursos (e negociações) o lugar em que se pode formar uma vontade racional política.” (grifo nosso) (HABERMAS, 2003, p. 122).  

[24] Para Habermas: “A força origina-se, isso sim, do poder gerado comunicativamente em meio à práxis de autodeterminação dos cidadãos do Estado e legitima-se pelo fato de defender essa mesma práxis através da institucionalização das liberdades públicas. A justificação existencial do Estado não reside primeiramente na defesa dos mesmos direitos subjetivos, mas sim na garantia de um processo inclusivo de formação da opinião e da vontade, em que cidadãos livres e iguais chegam ao acordo mútuo quanto a quais devem ser os objetivos e normas que correspondam ao interesse comum.” (HABERMAS, 2002a, p. 272-273).  

[25] Nesse sentido: “O conceito de uma política deliberativa só ganha referência empírica quando fazemos jus à diversidade das formas comunicativas na qual se constitui uma vontade comum, não apenas por um auto-entendimento mútuo de caráter ético, mas também pela busca de equilíbrio entre interesses divergentes e do estabelecimento de acordos, de checagem da coerência jurídica, de uma escolha de instrumentos racionais, voltada a um fim específico e por meio, enfim, de uma fundamentação moral. Assim, os dois tipos de político que Michelman contrapõe em um exercício de tipificação ideal podem impregnar-se um do outro e complementar-se. A política dialógica e instrumental, quando as respectivas formas de comunicação estão suficientemente institucionalizadas, podem entrecruzar-se no medium das deliberações. Tudo depende, portanto, das condições de comunicação e procedimento que conferem força legitimatória à formação institucionalizada de opinião e da vontade. O terceiro modelo de Democracia que me permito sugerir baseia-se nas condições de comunicação sobre as quais o processo político supõe-se capaz de alcançar resultados racionais, justamente por cumprir-se, em todo seu alcance, de modo deliberativo.” (HABERMAS, 2002a, p. 277).

[26] Os principais traços característicos do procedimento discursivo habermasiano são explicados de forma lapidar por Jean Cohen e Andrew Arato: “Anyone capable of speech and action, who is potentially affected by the norms under dispute, must be able to participate in the discussion on equal terms. Furthermore, the participants must be capable of altering the level of discourse in order to be in a position to challenge traditional norms that may be tacitly presupposed. In other words, nothing can or should be taboo for rational discourse – nor the preserves of power, wealth, tradition, or authority. In short, the procedural principles underlying the possibility of arriving at a consensus on the validity of a norm involve symmetry, reciprocity, and reflexivity.” (COHEN; ARATO, 1992, p. 348).    

[27] A ética do discurso habermasiana busca dar conta do problema da fundamentação de afirmações normativas. Diferentemente de Kant, que identificou no imperativo categórico a possibilidade de justificação moral das condutas individuais, o princípio do discurso assinala uma nova perspectiva: “Na ética do discurso, o método de argumentação moral substitui o imperativo categórico. É ela que formula o princípio ‘D’: as únicas normas que têm o direito de reclamar validade são aquelas que podem obter a anuência de todos os participantes envolvidos num discurso prático. O imperativo categórico desce ao mesmo tempo na escala, transformando-se em num princípio de universalização ‘U’, que nos discursos práticos assume o papel de uma regra de argumentação.” (HABERMAS, 1991, pp. 15-16).


Abstract: This article is a review of a deliberative democratic theories of Jürgen Habermas and John Rawls by means of a comparative analysis. The two conceptions of deliberative democracy seek overcome the issue of political pluralism through different paths. For the american author, justice as fairness is based on a substantive idea of deliberative democracy founded in an hypothetical situation he created, where the representatives of the citizens, in equal conditions, imagine by principles in search of a overlapping consensus. Already the german philosopher, aiming to overcome the substantive model of fair society, suggests a system of rights able to legitimate the state power from its deliberative formation, based on the communicative conditions.

Keywords: Political Pluralism; Justice as Fairness; Deliberative Democracy.

Sobre os autores
Fabricio Faroni Ganem

Procurador Federal lotado no INSS. Mestrando em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGD-UFRJ), na linha de pesquisa em Teorias Jurídicas Contemporâneas.

Bernardo Zettel

Graduando em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisador de Iniciação Científica – IC/FAPERJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GANEM, Fabricio Faroni; ZETTEL, Bernardo. John Rawls e Jürgen Habermas: dois projetos deliberativos para uma democracia pluralista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3370, 22 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22657. Acesso em: 25 nov. 2024.

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