Temos acompanhado recentemente uma nova estratégia da Fazenda do Estado de São Paulo, que vem pleiteando a penhora de recebíveis junto às administradoras de cartões de crédito, sequestrando assim os valores que os contribuintes em débito para com a Fazenda do Estado de São Paulo teriam a receber das administradoras pelas vendas que efetuaram em seus estabelecimentos e cujo recebimento se deu pelas vias do cartão de crédito.
A principal justificativa é a de que tais valores se equiparam a dinheiro, dando-se assim cumprimento a ordem de preferência de que trata o artigo 11 da Lei.8.630/80, além do artigo 655 do Código de Processo Penal.
Válido lembrar de que a execução fiscal deve ocorrer pelo modo menos gravoso ao executado, conforme reza o artigo 620 do CPC, que versa sobre o princípio da economia (menor onerosidade, menor sacrifício possível ao executado). Em razão desse princípio (também chamado por alguns autores de “princípio da menor onerosidade”), toda execução deve ser econômica. Isto é, deve realizar integralmente o crédito do exequente, mas da forma menos prejudicial possível ao devedor. O princípio da economia, portanto, representa um limite à atuação executiva, outorgando ao devedor, em caso de haver mais de uma possibilidade de se realizar a execução, o direito de exigir que ela se proceda da maneira menos gravosa.
Muitos autores não veem esse princípio como uma cláusula de proteção ao devedor, mas sim como uma cláusula geral que veda o abuso de direito pelo credor, na medida em que o proíbe a valer-se de um meio executivo mais oneroso, quando exista outro meio idôneo à satisfação de seu crédito.
Em minha opinião, levar o magistrado a pensar que o sequestro destes valores sob a forma de penhora equivale à penhora de um montante de dinheiro e com isso estaria sendo cumprido o já citado artigo 11 da Lei de execução Fiscal é deverás temerário. Pois diferentemente de uma quantia em dinheiro que em tese estaria disponível no caixa da empresa e sujeito a penhora, estes valores a serem recebidos são na verdade o final de uma cadeia de acontecimentos que se inicia com a compra ou produção de bens, passa pela sua comercialização e termina com seu recebimento. Para o comerciante, principal afetado pela nova onda predatória do nosso voraz ente público, o recebimento destes valores possui várias finalidades, dentre as quais o pagamento de fornecedores, pagamento de funcionários, pagamento de despesas diversas e imprescindíveis à continuidade de suas atividades e, porque não, pagamento de impostos oriundos das vendas efetuadas!
Então imaginem a seguinte situação, comerciante que, por alguma dificuldade passada deixou de recolher impostos ao Estado e, por isso, sofre uma Execução Fiscal tem suas receitas provenientes das vendas em Cartão de Crédito sequestradas para penhora deste montante, montante que sabemos é corrigido pela taxa Selic e, portanto, sofre acréscimos de grande monta com o passar do tempo. Não vamos nos esquecer de que a execução fiscal pode ser oriunda de uma dívida existente ou não, sendo a garantia do bem o pressuposto para que o contribuinte possa oferecer sua defesa e o Juiz decidir se a dívida existe ou não. Para ilustrar nosso caso, imaginemos de que esta dívida específica não existe ou possui algum erro formal que impede sua cobrança, fato que somente será definido com as sentenças de primeira, segunda e, por que não, de terceira instância. Pois bem, com a penhora dos recebíveis, o contribuinte, por pura falta de opção, deixará de recolher os impostos inerentes às vendas que efetuou e cujos valores não foram penhorados antes de serem recebidos. Certamente tal situação o fará sofrer no futuro novas execuções.
Agora imaginem quantos contribuintes, principalmente comerciantes, têm hoje suas operações alicerçadas em sua grande maioria por vendas cujos recebimentos se dão através de cartões de crédito.
Portanto, os juízes, operadores de Direito, principalmente os de primeira instância, deverão, além das cautelas de praxe na utilização deste instrumento novo, quais sejam, a citação válida, o não pagamento pelo contribuinte ou oferta de garantia dentro do prazo legal e, finalmente que não tenham sido encontrados outros bens penhoráveis, considerar também o fato de que o uso desta ferramenta poderá acarretar danos futuros à economia do país, e também ao próprio erário.
E o Estado, na figura da Fazenda Pública, deve, antes de levar a cabo sua voracidade arrecadatória, perceber e ter o bom senso de que tal ferramenta pode sim ser utilizada, desde que várias etapas e cuidados tenham se concretizado antes de tal medida, pois caso contrário o remédio pode causar mais danos do que o mal existente.