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O Estado e as relações consumeristas: a ação revisional no âmbito da aplicabilidade do CDC às instituições financeiras

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4 Das decisões proferidas pelos tribunais pretórios quanto à aplicabilidade do CDC às instituições financeiras

Conforme os argumentos outrora apresentados com endosso imprescindível às transformações nas relações consumeristas e atuação do Estado brasileiro, ressalte-se que a possibilidade de “controle das cláusulas contratuais independe de relação de consumo efetiva, bastando que o fornecedor ofereça produto ou serviço através de contratos ou condições gerais potencialmente lesivas aos consumidores” (DENSA, 2008, p. 152).

Resta indubitável, portanto, que as atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras, “quer na prestação de serviços, expedição de extrato, locação de caixas fortes etc, quer na concessão de mútuos, financiamentos ou operações de leasing, inserem-se no conceito legal de serviços” (BRASIL. TJMS - Apelação Cível 2008.034651-5 2006.000093-7- Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo - 3ª Turma Cível – j. 25/02/2009).

Comprobatório é este raciocínio, que se fez notar através do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 2.591-1, julgada em 07 de junho de 2006, cujo voto condutor proferido pelo Ministro Eros Grau, assentou que o CDC é aplicável aos casos como o da espécie; assim como, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula 297 com o seguinte enunciado: “Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras" (idem).

Deste aludido, destaque-se que quanto à aplicabilidade às cláusulas contratuais bancárias, cabe asseverar a relativização do pacta sunt servada, haja vista que, este princípio que vigorou por décadas; com o advento do Código de Defesa do Consumidor, e demais leis ordinárias, perdeu a sua força, sendo relativizado, quando o Magistrado, vendo caso a caso, o aplica ou deixa de aplicar.

Tal prática tem permitido por fim, que os bancos apresentem lucros cada vez maiores, disputando recordes de lucratividade e subvertendo a lógica de uma economia que mesmo a desenvolver-se, permita que a República alcance seu objeto: “construir uma sociedade livre, justa e solidária,” conforme previsto no artigo 3º, I, da Constituição Federal (BRASIL. 1988).

Outrossim, sublinhe-se o entendimento jurisprudencial:

[...] RECURSO ESPECIAL. CIVIL. CONTRATO BANCÁRIO. REVISÃO CONTRATUAL. RELATIVIZAÇÃO DO PACTA SUNT SERVANDA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA AFASTADA. CUMULATIVIDADE. OUTROS ENCARGOS MORATÓRIOS. RECURSO IMPROVIDO.

1. A revisão dos contratos é possível em razão da relativização do princípio pacta sunt servanda, para afastar eventuais ilegalidades, ainda que tenha havido quitação ou novação.

2. É imperioso o afastamento da comissão de permanência, porquanto cumulada com juros moratória e multa, haja vista a existência de cláusulas referentes a esses encargos moratórios.

3. Agravo regimental improvido.

(BRASIL. STJ - AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 790.348 - RS ,2005/0172758-1. Relator: Min.Hélio Quaglia Barbosa, j. 05/10/2006).

Ademais, segue-se defensável no voto proferido no pátrio Tribunal em seus precedentes:

[...] PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL – AGRAVO REGIMENTAL – CONTRATO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – APLICABILIDADE – SÚMULA 297/STJ – AÇÃO REVISIONAL - CLÁUSULAS ABUSIVAS CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS - REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA – INCIDÊNCIA – SÚMULAS N. 05 E 07 DO STJ – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – CORREÇÃO MONETÁRIA, JUROS REMUNERATÓRIOS, JUROS MORATÓRIOS E MULTA CONTRATUAL – INACUMULATIVIDADE – SÚMULAS 30, 294 E 296/STJ - DESPROVIMENTO.

1 - No que tange ao CDC (Código de Defesa do Consumidor), esta Corte tem entendido que é aplicável às instituições financeiras. Incidência da Súmula 297 do STJ. Precedentes (AgRg REsp 528.247/RS, dentre inúmeros outros).

2 - Com relação à revisão das cláusulas contratuais, a legislação consumerista, aplicável à espécie, permite que, ao se cumprir a prestação jurisdicional em Ação Revisional de contrato bancário, manifeste-se o magistrado acerca da existência de eventuais cláusulas abusivas, o que acaba por relativizar o princípio do pacta sunt servanda. Assim, consoante reiterada jurisprudência desta Corte, admite-se a revisão de todos os contratos firmados com instituição financeira, desde a origem, inda que se trate de renegociação. Precedentes.

(BRASIL. STJ - AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 790.348 - RS ,2005/0172758-1. Relator: Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 05/10/2006, grifos dos autores).

A parte das controvérsias, no que diz respeito à questão do enquadramento da atividade bancária como relação jurídica de consumo ter sido discussão doutrinária (e ainda persistir, sobremaneira, pelas instituições financeiras!); a jurisprudência majoritária vem externando como aplicável, o CDC aos contratos bancários, tal como exemplificado:

[...] é importante ressaltar que, por se adequar a atividade desenvolvida pelas instituições bancárias ao conceito de serviço, previsto no § 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, estas se submetem às normas do referido Diploma. Diante disso, visando um equilíbrio na formação do contrato, a autonomia da vontade fica limitada às normas de ordem pública, retirando de sua livre manifestação, vícios anteriormente permitidos pelo Direito Privado (Direito Civil). Posto isso, a revisão das cláusulas contratuais deve ser propiciada, a fim de que sejam extirpadas as que se configurarem como abusivas, pairando, de tal forma, uma situação de igualdade entre os contratantes. Por tal razão, não pode prevalecer, a qualquer custo, a força vinculante dos contratos em detrimento da indispensável posição equânime dos contratantes, como pretende que seja a apelante (BRASIL. STJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.062.446 – MS, 2008/0141390-2, ano 2009, grifo nosso).

A jurisprudência pátria caminha validando essa tese, na ementa descrita:

[...] AGRAVOS REGIMENTAIS NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. REVISÃO. MÁ-FÉ. CONFIGURAÇÃO. REPETIÇÃO EM DOBRO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMBATE AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 182/STJ.

1. De acordo com as premissas fixadas pela Corte de origem, o consumidor firmou contrato acreditando que a taxa de juros seria de 2,3% ao mês, conforme informado no momento da realização do negócio jurídico, porém, no instrumento contratual, a cláusula referente aos juros remuneratórios encontrava-se em branco no ponto relativo à aludida taxa, que foi cobrada em patamar muito superior (4,07%). As peculiaridades da espécie demonstram a configuração de má-fé, o que dá ensejo à repetição em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC.

2. A instituição bancária, em seu agravo, não combateu especificamente os fundamentos da decisão agravada, o que atrai a incidência da Súmula 182/STJ.

3. Agravo regimental de HSBC BANK BRASIL S/A BANCO MÚLTIPLO não conhecido. Agravo regimental de CASSIO AURÉLIO GUEDES DE ALMEIDA provido.

(BRASIL. STJ AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 977.341 – DF, 2007/0071920-5. Agravantes: HSBC Bank Brasil S/A Banco Múltiplo e Cassio Aurélio Guedes de Almeida. Agravados: os mesmos. Relator: Min. Luís Felipe Salomão, j. 2007).

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É assim que veem decidem os Tribunais pátrios brasileiros, consoante corroboração com o pensar doutrinário do ínclito Miguel Reale (2003) ao frisar que o princípio da boa-fé objetiva teria sido inserido no ordenamento com a intenção de obrigar as partes a agir com lealdade tanto na formação do contrato, na sua execução, bem como na sua finalização:

Andou bem o legislador ao se referir à boa-fé que é o cerne ou a matriz da eticidade, a qual não existe sem o intentio, sem o elemento psicológico da intencionalidade ou de propósito de guardar fidelidade ou lealdade ao passado. Dessa intencionalidade, no amplo sentido dessa palavra, resulta a boa-fé objetiva, como norma de conduta que deve salvaguardar a veracidade do que foi estipulado. Boa-fé é, assim, uma das características essenciais da atividade ética, nela incluída a jurídica, caracterizando-se pela sinceridade e probidade dos que dela participam, em virtude do que se pode esperar que será cumprido e pactuado, sem distorções ou tergiversações, máxime se dolosas, tendo-se sempre em vista o adimplemento do fim visado ou declarado como tal pelas partes. Como se vê, a boa-fé é tanto forma de conduta como norma de comportamento, numa correlação objetiva entre meios e fins, como exigência e adequada e fiel execução do que tenha sido acordado pelas partes, o que significa que a intenção destas só pode ser endereçada ao objetivo a ser alcançado, tal como este se acha definitivamente configurado nos documentos que o legitimam. Poder-se-ia concluir afirmando que a boa-fé representa o superamento normativo, e como tal imperativo, daquilo que no plano psicológico se põe com intentio leal e sincera, essencial à juridicidade do pactuado (REALE, 2003, p.77).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Objetivou-se analisar a ação revisional no âmbito da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) às instituições financeiras, mais precipuamente à luz da aplicação da matéria no cerne das revisões contratuais bancárias.

O subsídio na literatura especializada demonstrou-nos salutar, a partir do primordial enfoque norteador em relação ao Estado com as modificações paradigmáticas do sistema consumerista, assim como também através dos magistérios apreendidos nos desdobramentos doutrinários e jurisprudenciais, destacando-se a Súmula 297 editada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que regulamenta a aplicabilidade do CDC às instituições financeiras.

Permitindo-se o alcance de notórias considerações diante de todo este aparato contextual contemporâneo; a saber, a modificação acerca de contrato, conforme preleciona Cláudia Lima Marques (2002, apud LACERDA E EFING, 2008) no entendimento que:

[...] o contrato tem uma concepção social na medida em que é considerada a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas, bem como seus efeitos à sociedade na qual foi criado (LACERDA e EFING, 2008, p. 1970, grifo nosso).

Apoiando-se, pois, no entendimento trazido à baila por Lorenzetti (1998, p. 551, apud LACERDA e EFING), o qual configura o status de instituição social ao contrato vislumbrado hodiernamente:

[...] o contrato atual é considerado uma instituição social, uma vez que gera efeitos a terceiros e também à sociedade na qual está inserido. Entende que cabe à sociedade (enquanto representada pelo Estado e por outras entidades soberanas) o controle do Direito Contratual, o que criaria um novo espírito contratual que poderia ser denominado de “princípio de sociabilidade” (LACERDA e EFING, 2008, P. 1970).

Contudo, extraindo-se do aludido com a codificação consumerista brasileira, a valoração do Consumidor, ao utilizar em vez de “Código de Proteção ao Consumidor”, a legitimidade para além da proteção, condicionando o reconhecimento da Lei como “Código de Defesa do Consumidor” (CDC), que assim foi “fincada” no art. 117 e na CF 5º-XXXII e 170-V (NEGRÃO e GOUVÊA, 2008, p. 702).

Assim posto, à guisa de conclusão, foi possível constatar de forma ponderada que embora a matéria não seja pacificada no âmbito jurídico, apreende-se a imperativa necessidade da revisão postural nas análises dos julgadores das primeiras instâncias de julgamento da lide no Estado brasileiro, com vistas a corroborar com a perspectiva de um Estado Democrático de Direito, e, sobremaneira, coadunando com a salvaguarda do direito do consumidor arrolado em nossa Carta Constitucional.


ABSTRACT: This article aims to analyze the action revisional within the applicability of the Consumer Defense Code (CDC) to financial institutions. This is a literature review article, with subsidized element in literature, focusing on both the relationship of the state with the consumerist system modifications as well as doctrinal and jurisprudential developments, highlighting the Precedent 297 edited by the Superior Court of Justice (STJ) which governs the applicability of the CDC for financial institutions. We tried to methodically analyze the object of study with a sample support of decisions made by courts pretórios the light of the implementation of the actions of revision of the CDC contracts with banks. In conclusion, it will be noted that although the subject is not pacified legal, seizes up the imperative need to review the postural analysis of the judges of the first instances of trial of the suit in the Brazilian state, in order to corroborate the prospect of a democratic state, and, above all, Consistent with the protection of consumer rights enrolled in our Constitutional Charter.

Keywords: Action Revisional. CDC. Contracts. Financial Institutions.


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Notas

[1] Citação contida originalmente In: El Estado. Madrid, Seminarios y Ediciones, S.A., 1975.

[2] Aqui sendo incluídas, no sistema common law, as decisões dos tribunais.

[3] Leciona Nery Júnior (2007, p. 543) que “se aquele que contratou com o banco for consumidor (arts. 2º, caput e parágrafo único, 17, 29, do CDC), a relação jurídica será de consumo”.

Sobre os autores
Ricardo Dias Pires

Advogado, Pós-graduando em Direito do Consumidor pela LFG/PI, atuando principalmente nas áreas de Direito Civil e Direito do Consumidor.

Teresa Rachel Dias Pires

Psicóloga, Pós-graduada em Psicologia Clínica (FSA/PI) e Docência do Ensino Superior (FAP/PI). Mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), atuando principalmente nas áreas de Psicologia, Instituições e Políticas Públicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Ricardo Dias; PIRES, Teresa Rachel Dias. O Estado e as relações consumeristas: a ação revisional no âmbito da aplicabilidade do CDC às instituições financeiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3388, 10 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22788. Acesso em: 2 nov. 2024.

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