3. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUA APLICAÇÃO AOS CRIMES AMBIENTAIS
Apesar do Princípio da Insignificância já ter seu reconhecimento assentado pela doutrina e jurisprudência nas várias espécies de delito, é no campo dos crimes ambientais que pairam diversas dúvidas sobre a sua aplicação, considerando a particularidade do bem jurídico tutelado. Neste sentido, é importante verificar os motivos que justificam a aplicação do direito penal aos delitos contra o meio ambiente, e quais os critérios para aplicação do Princípio da Insignificância nestes crimes.
3.1. A TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE
O meio ambiente, considerando ao seu caráter de direito fundamental, carece de uma proteção mais efetiva por parte do Estado concretizada através do Direito Penal.
No Brasil, o meio ambiente foi alçado à categoria de direito fundamental a partir da constituição de 1988, com expressa menção à responsabilidade penal do infrator.
O grande problema da afetação do bem jurídico meio ambiente é que em muitos casos as consequências não são imediatas. Os reflexos de uma atitude contrária ao meio ambiente poderão gerar enormes prejuízos no futuro, prejudicando sobremaneira o equilíbrio ecológico e, consequentemente, a sadia qualidade de vida.
A opção do legislador por tipificar penalmente as condutas contrárias ao meio ambiente justifica-se na proteção dos valores fundamentais. Outro motivo é a característica coercitiva do Direito Penal, considerada mais eficaz para uma efetiva proteção do bem jurídico tutelado. (SILVA, 2008, p. 62-63).
A legislação penal ambiental no Brasil era complexa, esparsa e assistemática, continuando assim com o advento da república. (MILARÉ, 2009, p. 972).
No código penal de 1940, havia pouca proteção ao meio ambiente. Na sequência, a lei das contravenções penais apresentou algumas infrações, mas que também não eram suficientes para uma efetiva tutela do meio ambiente.
Posteriormente, outros diplomas trataram de infrações penais de forma isolada, como por exemplo o código florestal, a lei de proteção à fauna, a lei de pesca entre outros. (MILARÉ, 2009, p. 972).
A consagração da proteção penal do meio ambiente só veio com o advento da lei 9.605 de 1998, também conhecida como lei dos crimes ambientais. Infelizmente, a nova lei não contemplou todas as situações esparsas, restando algumas ainda tipificadas nas leis antigas.
Outro grande problema da lei é a falta de taxatividade, trazendo tipos penais demasiadamente abertos. Neste sentido, Prado comenta os problemas da lei de crimes ambientais:
“Com efeito, o legislador é prodigo no emprego de conceitos amplos e indeterminados – permeados em grande parte, por impropriedades linguísticas, técnicas e lógicas -, o que contrasta com o imperativo inafastável de clareza, precisão e certeza na descrição da conduta típica.” (1998).
Portanto, a descrição dos tipos penais nos crimes ambientais alcança uma amplitude maior que a necessária, atingindo condutas insignificantes. Nestes casos deverá ser aplicada a tipicidade material, analisando não somente o descritivo formal do tipo, mas a real afetação ao bem jurídico tutelado conforme a teoria criada por Claus Roxin.
3.2. RESPONSABILIDADE PENAL POR DANOS AO MEIO AMBIENTE
Na esfera penal, a responsabilidade pelos crimes ambientais segue a regra dos demais crimes, ou seja, prescinde do elemento subjetivo, seja dolo ou culpa.
O elemento dolo ocorre sempre que o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo. É a regra no sistema jurídico penal. Já o elemento culpa ocorre quando o agente comete o fato de forma não intencional, mas nas modalidades negligência, imprudência ou imperícia. Na culpa há a prática de determinado ato, sem os devidos cuidados necessários, ocasionando assim um resultado indesejado pelo agente.
Segundo Carvalho, a responsabilidade penal no ordenamento jurídico brasileiro surge a partir dos países ocidentais de cultura jurídica romano-germânica, com a responsabilização penal personalíssima e intranscendente. (2008, p. 334).
Entretanto, com relação aos crimes ambientais o autor assevera que houve a pulverização da responsabilidade penal do dever de agir, possibilitando assim a regressão indeterminada na relação de causalidade. Afirma que este tipo de responsabilização prejudica a fixação das causas realmente presentes e transforma o sistema de responsabilização penal em um sistema de imputação objetiva. (CARVALHO, 2008, p. 337-338).
Com relação à responsabilização penal da pessoa jurídica por danos ao meio ambiente, alguns doutrinadores pregam que somente o ser humano pode ser sujeito ativo de um crime ambiental, devido à responsabilidade penal ser assentada na imputabilidade, ou seja, exige do autor a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com este entendimento. (MILARÉ, 2009, p. 982).
Esta corrente afirma que o grande problema na responsabilização da pessoa jurídica, é a limitação dessa imputação pelos princípios da responsabilidade penal e da culpabilidade.
Entretanto, parte significativa da doutrina tem adotado a teoria mista onde a pessoa jurídica somente poderá ser responsabilizada, caso haja a responsabilização da pessoa física que deu causa ao dano. (SÃO PAULO, TJSP, 2012).
No ordenamento jurídico brasileiro, a responsabilidade penal da pessoa jurídica é encontrada na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional. Assim, o artigo 225 da CRFB dispõe sobre o assunto:
“Art. 225...
[...]
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao Meio Ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” (BRASIL, CFRB, 1988).
A lei 9.605 de 1998 também aborda o tema no seu artigo 3º, apresentado alguns critérios objetivos para esta responsabilização:
“Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.” (BRASIL, LEI 9.605, 1998).
Conforme observado acima, a legislação buscou a responsabilização dos maiores causadores de danos ao meio ambiente, ou seja, as empresas que visam o lucro sem se preocupar com o meio ambiente.
Porém, esta responsabilização da pessoa jurídica não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautores ou partícipes do fato, já que a empresa por si só não é capaz de produzir o dano. Deste modo, sempre que for constatada a responsabilização criminal da pessoa jurídica, também estará presente a culpa do administrador, responsável ou mandante. (MILARÉ, 2009, p. 984).
Essa dupla responsabilização da pessoa jurídica e do responsável também tem por escopo impedir ações fraudulentas, já que se não houvesse a responsabilização de quem deu causa ao dano, este poderia praticar vários crimes, nunca sendo responsabilizado pelos seus atos.
Para Milaré, a extensão da responsabilidade não é absoluta, devendo ser demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado. Caso não haja esta ligação, não há como imputar ao dirigente o cometimento do crime ambiental sob pena de se reconhecer a responsabilidade objetiva da pessoa física. (MILARÉ, 2009, p. 984).
Neste sentido, foi o entendimento do STF no HC 83.554-6-PR de relatoria do Min. Gilmar Mendes. Na ocasião o relator considerou que não houve nexo de causalidade, não ficando comprovada a responsabilização do presidente da empresa.
Com outro entendimento, o Ministro Gilson Dipp do STJ reconheceu a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica independentemente da pessoa física que deu causa:
“Não obstante alguns obstáculos a serem superados, a responsabilidade penal da pessoa jurídica é um preceito constitucional, posteriormente estabelecido, de forma evidente, na lei ambiental, de modo que não pode ser ignorado. Dificuldades teóricas para sua implementação existem, mas não podem configurar obstáculos para sua aplicabilidade prática, na medida em que o Direito é uma ciência dinâmica , cujas adaptações serão realizadas com o fim de dar sustentação à opção política do legislador. Desta forma a denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de Direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no polo passivo da relação processual penal.” (BRASIL, STJ, 2003).
São requisitos para a responsabilização da pessoa jurídica nos termos do artigo 3º da lei 9.605/98 os seguintes: a) que a infração tenha sido cometida em seu interesse ou benefício; b) por decisão de seu representante legal, contratual ou de seu órgão colegiado.
Para Milaré a responsabilidade se dá através de uma dupla categoria de critérios. A primeira, inerente a critérios explícitos da lei: a) que a violação decorra de deliberação do ente coletivo; b) o autor material do delito seja vinculado à sociedade; c) que a infração tenha sido praticada em benefício da pessoa jurídica. A segunda categoria: a) o autor tenha agido com a aprovação da pessoa jurídica; b) a ação tenha ocorrido no âmbito das atividades da empresa; c) que a pessoa jurídica seja de direito privado. (2009, p. 987).
Com relação ao concurso de agentes e considerando o posicionamento do autor, os delitos envolvendo pessoa jurídica são sempre de coautoria necessária por força do artigo 3º da lei 9.605/98. Outra questão levantada por ele é a impossibilidade da pessoa jurídica responder por crime culposo, já que um dos elementos do artigo 3º é a vontade de cometer o crime. (MILARÉ, 2009, p. 987).
Sujeitam-se ao regime da responsabilidade penal não apenas as pessoas jurídicas de direito privado, mas também as pessoas jurídicas de direito público, já que a norma não fez distinção entre elas. (MACHADO, 2009, p. 709). Neste sentido, Prado afirma que não deve haver distinção entre elas:
“O termo pessoa jurídica deve ser entendido em sentido lato; isso significa que, à exceção do Estado em si, qualquer pessoa jurídica de Direito público ou de Direito privado pode ser responsabilizada, mesmo porque a lei não faz distinção alguma.” (PRADO, 1998).
Com relação às penas aplicadas às pessoas jurídicas, dividem-se em: a) multa; b) restritivas de direito; c) prestação de serviços à comunidade.
3.3. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS DELITOS AMBIENTAIS SEGUNDO A DOUTRINA
É incontroverso que o Direito Penal deve ser utilizado como ultima opção (ultima ratio), sempre que os outros ramos do Direito não conseguirem proteger os bens jurídicos tutelados de forma satisfatória. O caráter estigmatizante do processo penal deve ser evitado quando houver outras ferramentas para coibir os ilícitos de menor gravidade.
O Princípio da Insignificância está diretamente ligado ao direito fundamental à liberdade, o qual não pode ser afastado por meros ilícitos. Também se relaciona com o princípio da intervenção mínima onde prega que nem toda lesão ao bem jurídico deve ser protegida pelo Direito Penal, que somente deve ocupar-se de condutas realmente importantes.
Da mesma forma também deve ocorrer na tutela penal do meio ambiente, já que grande parte da legislação é voltada à prevenção do dano. Assim, quando a esfera administrativa ou cível atingirem seus desideratos, não há que se falar em aplicação do Direito Penal.
Conforme mencionado anteriormente, o Princípio da Insignificância exclui a tipicidade material devido ao desvalor da conduta ou do resultado.
Para Milaré, este princípio deve ser aplicado no Direito Ambiental com cautela, já que não basta apenas à análise do comportamento do agente para se verificar a extensão do dano. (2009, 1000).
Outros adeptos da aplicação do princípio são os irmãos Freitas, que afirmam que o Princípio da Insignificância deve ser aplicado em casos excepcionais, considerando que as penas previstas na lei 9.605/98 são leves. (SILVA, 2008, p. 76).
Uma pequena parte da doutrina entende que não é possível a aplicação do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais por vários fatores. (LEAL JÚNIOR, 2007).
O primeiro fator diz respeito à especificidade do bem jurídico tutelado. Fazendo uma correlação com o conceito de bem jurídico de Zaffaroni que trata da relação de disponibilidade, o bem jurídico meio ambiente seria algo indisponível, devido à característica de direito difuso e considerando a importância atribuída pela legislação constitucional.
Também não é algo que possa ser mensurado, já que as consequências do dano ambiental nem sempre podem ser apuradas no momento da constatação do dano, podendo ter sérias consequências futuras e imprevisíveis. (LEAL JÚNIOR, 2007).
Outra questão suscitada pelos críticos da aplicação do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais é com relação à especificidade da lei em tratar de condutas menos gravosas. Afirmam, nesse caso, que a intenção da lei era trazer uma proteção efetiva ao meio ambiente, valorando-o de acordo com o dano causado, o que impossibilitaria a exclusão das condutas insignificantes. Ademais, afirmam que as penas previstas na lei ambiental são brandas, e quase sempre não é aplicada a pena privativa de liberdade. (LEAL JÚNIOR, 2007).
Finalmente, com relação às consequências da aplicação do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais, a doutrina contrária à sua aplicação afirma que o objetivo da lei não seria alcançado, considerando o esvaziamento do alcance legal. Neste sentido, valeria à pena correr o risco do cometimento dos crimes ambientais.
Com relação à especificidade do bem jurídico tutelado, acredita-se que não há obste na aplicação do Princípio da Insignificância, já que apesar do meio ambiente ser um direito difuso, essa característica não impede a aplicação do Princípio da Insignificância, pois sequer haverá afronta ao bem jurídico tutelado.
Também não deve se falar na impossibilidade de mensuração do dano, já que ao se analisar o caso concreto não será encontrará justificativa para aplicação da lei penal.
Neste mesmo sentido, não se mostra razoável a afirmar de que a lei ambiental pretendeu compreender todas as condutas contrárias ao meio ambiente, até mesmo as condutas irrelevantes sem tipicidade material. Este pensamento contraria os ditames constitucionais que pregam o caráter fragmentário do Direito Penal. Apesar da lei de crimes ambientais ser composta em sua maioria por infrações de menor potencial ofensivo, a penalização de uma conduta insignificante se mostra desproporcional à lesão que supostamente foi causada.
Finalmente, não se pode considerar que o infrator ficará impune, já que a legislação ambiental prevê infrações administrativas que cominam multas pesadas e que se não forem pagas serão cobradas por meio de processo de execução fiscal, além da obrigação de reparar o dano, devendo ser este o objetivo maior da lei ambiental.
Assim, o que importa, quando se fala em Princípio da Insignificância nos crimes ambientais, é saber se houve efetiva lesão ao bem jurídico tutelado meio ambiente. Havendo lesão não há que se falar em aplicação do Princípio da Insignificância. Por outro lado, a imperfeição da norma penal ambiental, com seus tipos abertos alcançando condutas irrelevantes para o Direito Penal, não se coaduna com o atual sistema de garantias constitucionais.
A própria lei de crimes ambientais reconhece a possibilidade de lesão insignificante, como no caso do artigo 54 que tipifica a conduta de causar poluição em níveis que resultem ou possam resultar danos à saúde humana ou provoquem a mortandade de animais ou destruição significativa da flora. (SILVA, 2008, p. 88). Deste modo, as poluições que não atingem estes requisitos não devem ser tuteladas pelo Direito Penal, bastando para o caso as esferas administrativa e cível.
Segundo Silva, para a aplicação do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais, não deve ser observado somente a afetação do objeto material do tipo. Para o autor, também deve ser observado no caso concreto, a afetação que a conduta provocou ao meio ambiente em que o objeto está inserido. Só desta forma, o Princípio da Insignificância poderá ser aplicado aos crimes ambientais. (SILVA, 2008, p. 162).
Não havendo lesão ao bem jurídico na primeira nem na segunda fase de avaliação, poderá ser aplicado o Princípio da Insignificância. Havendo a constatação de lesão em uma destas fases, não se aplicará o referido postulado.
Para incidência do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais não se deve verificar apenas a lesão ao bem jurídico afetado isoladamente, mas também se esta lesão causará problemas ao meio ambiente como um todo. Assim, Moraes citado por Silva afirma:
“Quando formos verificar se o objeto jurídico foi lesionado mais do que o animal, a planta, o rio, etc., especificamente há de se monitorar todo o ecossistema em que o objeto material se inclui, para verificar também se os processos essenciais foram afetados, se há risco de extinção da espécie. Desse exame é que retiramos a constatação de lesão e sua gravidade.” (SILVA, 2008, p. 90 apud MORAES, 2001 p. 115).
Conclui-se, pois, que é perfeitamente possível a aplicação do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais, desde que observados os critérios objetivos elencados acima. O primeiro critério avalia a afetação direta ao objeto de proteção do tipo penal. O segundo avalia a afetação em relação ao meio ambiente em geral.
Portanto, somente deste modo poderá ser aplicado o Princípio da Insignificância aos delitos ambientais, já que não basta a simples análise do dano causado ao objeto, mas também sua importância para o equilíbrio ecológico.
3.4. POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS DELITOS AMBIENTAIS
A jurisprudência, assim como a doutrina, tem se inclinado pela aplicação do Princípio da Insignificância aos delitos ambientais. Decisões importantes dos tribunais superiores vêm gerando precedentes referentes à matéria.
No ano de 2006, no Supremo Tribunal Federal, foi julgado em sede liminar o Recurso em HC nº 88880 MC/SC de relatoria do Ministro Gilmar Mendes. Tratava-se da supressão de duas árvores de pinheiro brasileiro também conhecida como araucária. Na ocasião foi reconhecida a possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais:
“Parece certo por outro lado que essa proteção pela via do Direito Penal justifica-se apenas em face de danos efetivos ou potenciais ao valor fundamental do meio ambiente; ou seja, a conduta só pode ser tida como criminosa quando degrade ou traga algum risco de degradação do equilíbrio ecológico das espécies e do ecossistema. Fora dessas hipóteses, o fato não deixa de ser relevante para o Direito. Porém,, a responsabilização da conduta será objeto do Direito Administrativo ou do Direito Civil.” (BRASIL, STF, 2006).
Confirmando o novel pensamento do Direito Penal moderno, o ministro Gilmar Mendes reconheceu a possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância em face de delitos ambientais, entendendo que mesmo o meio ambiente tem um grau de afetação relativo e não absoluto.
Neste mesmo sentido, o Pretório Excelso reconheceu o Princípio da Insignificância em recurso especial. Na ocasião o ministro Marco Aurélio de Melo considerou atípica materialmente a conduta do recorrente que realizou a abertura de estrada num total de 652m², com um gasto de recuperação no valor de R$ 130,00. (Cento e trinta reais). (BRASIL, STF, 2009).
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça também vem apresentando precedente quanto à possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais.
Em 2006 a ministra Laurita Vaz concedeu a ordem em HC para trancamento de ação penal. Foi analisada a conduta do paciente em relação à afetação do ecossistema como um todo, restando comprovada a atipicidade da conduta:
“HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INEXISTÊNCIA DE DANO AMBIENTAL PASSÍVEL DE ENQUADRAMENTO LEGAL. ACEITAÇÃO DO SURSIS PROCESSUAL. ART. 89 DA LEI N.º 9.099⁄95. RENÚNCIA AO INTERESSE DE AGIR QUE NÃO FOI RECONHECIDA PELO STF, QUE DEFERIU ORDEM PARA DETERMINAR O EXAME DO MÉRITO PELO STJ.
1. O bem jurídico protegido pela lei ambiental diz respeito a áreas cujas dimensões e tipo de vegetação efetivamente integrem um ecossistema. A lei de regência não pode ser aplicada para punir insignificantes ações, sem potencial lesivo à área de proteção ambiental, mormente quando o agente se comporta com claro intuito de proteger sua propriedade, no caso, com simples levante de cerca, em perímetro diminuto, vindo com isso, inclusive, a resguardar a própria floresta nativa.” (BRASIL, STJ, 2006).
A mesma ministra também reconheceu o princípio para afastar a tipicidade da conduta, absolvendo o réu em sede de recurso especial:
“A aplicabilidade do Princípio da Insignificância deve observar as peculiaridades do caso concreto, de forma a aferir o potencial grau de reprovabilidade da conduta, valendo ressaltar que delitos contra o meio ambiente, a depender da extensão das agressões, têm potencial capacidade de afetar ecossistemas inteiros, podendo gerar dano ambiental irrecuperável, bem como a destruição e até a extinção de espécies da flora e da fauna, a merecer especial atenção do julgador. 8. No caso dos autos, constatou-se que a pesca artesanal de 03 ou 04 peixes não ocasionou expressiva lesão ao bem jurídico tutelado, afastando a incidência da norma penal. 9. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, provido para, cassando o acórdão impugnado e a sentença de primeiro grau, absolver o Recorrente em face da atipicidade da conduta pela incidência do Princípio da Insignificância”. (BRASIL, STJ, 2011c).
No HC 128.566/SP de relatoria da ministra Maria Tereza de Assis Moura, também foi concedida a ordem para o trancamento de ação penal que versava sobre o corte de uma árvore. A ministra reconheceu na ocasião, a ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal. (BRASIL, STJ, 2011d).
O ministro Jorge Mussi também entende ser possível a aplicação do Princípio da Insignificância nos delitos ambientais, conforme se verifica na ementa do acordão:
“HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34 DA LEI N. 9.605/98. AUSÊNCIA DE DANO AO MEIO AMBIENTE. CONDUTA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. TRANCAMENTO. ORDEM CONCEDIDA.
1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o Princípio da Insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
2. Hipótese em que, com os acusados do crime de pesca em local interditado pelo órgão competente, não foi apreendido qualquer espécie de pescado, não havendo notícia de dano provocado ao meio-ambiente, mostrando-se desproporcional a imposição de sanção penal no caso, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão produzida, mostra-se absolutamente irrelevante.
3. Embora a conduta dos pacientes se amolde à tipicidade formal e subjetiva, ausente no caso a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado.
4. Ordem concedida para, aplicando-se o Princípio da Insignificância, trancar a Ação Penal n. 2009.72.00.002143-8, movida em desfavor dos pacientes perante a Vara Federal Ambiental de Florianópolis/SC.” (BRASIL, STJ, 2010b).
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região com jurisdição na região sul também apresenta alguns precedentes quanto à possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais:
“PENAL. RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO. ART. 34, CAPUT, DA LEI Nº 9.605, DE 1998. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. - O Direito Penal só reprime condutas que lesionem significativamente o bem jurídico tutelado. A relevância do bem tutelado não autoriza o afastamento dos critérios norteadores da intervenção penal. Caso em que os réus pescaram apenas "uns dois peixinhos" não ocasionando ofensa expressiva ao meio ambiente.” (BRASIL, TRF4, 2006).
Também foi o entendimento do juiz federal de 2ª instância Élcio Pinheiro de Castro, em julgamento de apelação criminal do Estado de Santa Catarina que versava sobre pesca:
“DIREITO PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ARTIGO 34 DA LEI Nº 9.605/98. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. INEXISTÊNCIA DE DANO AO EQUILÍBRIO ECOLÓGICO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CASO CONCRETO. POSSIBILIDADE. ABSOLVIÇÃO.
1. De acordo com o princípio da intervenção mínima do Direito Penal e a sua natureza fragmentária, a lei penal deverá ocupar-se de condutas realmente lesivas à sociedade devendo intervir apenas quando for necessária à proteção dos bens juridicamente tutelados. 2. Não é razoável a imposição de pena privativa de liberdade ao agente que pescou apenas dois quilos de camarão. 3. Absolvição que se reconhece no caso concreto pela aplicação do preceito da insignificância jurídica.” (BRASIL, TRF4, 2012).
Fica claro neste julgado o caráter subsidiário e fragmentário que o Direito Penal deve ter. Neste sentido, foi o posicionamento do juiz federal de 2ª instância Marcio Rocha, no HC 6379-22.2011.404.0000/RS:
“PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL. PESCA. MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. EXCEPCIONALIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
É cabível a aplicação do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais em situações excepcionais, quando evidenciadas a ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal e a ausência de periculosidade social da ação, bem como o grau ínfimo da reprovabilidade da conduta.
2. Caracterizada a insignificância do ato em razão do bem protegido, impõe-se o reconhecimento da atipicidade da conduta. Precedentes do STJ. Concessão da ordem.” (BRASIL, TRF4, 2011).
O Tribunal Barriga Verde por sua vez, em novel precedente, também considerou a possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância aos delitos ambientais. Neste caso, a Desembargadora reconheceu a falta de lesividade ao bem jurídico, que é um dos vetores para a aplicação do Princípio da Insignificância:
“APELAÇÃO CRIMINAL - DELITO AMBIENTAL -CONSTRUÇÃO EM SOLO NÃO EDIFICÁVEL (LEI N. 9.605/98, ART. 64) - ÁREA QUE NÃO REVELA OS VALORES ASSEGURADOS PELO TIPO PENAL - AUSÊNCIA DE LESIVIDADE AO REFERIDO BEM - PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE - APLICABILIDADE - ABSOLVIÇÃO IMPOSTA.
Por outro lado, sabe-se que o princípio da ofensividade incide na própria conduta que, malgrado a existência de bem jurídico destacado, não lhe é capaz de causar agressão expressiva. Cuida-se de princípio cujo objetivo assemelha-se ao da insignificância: limitar a coerção estatal àqueles delitos que efetivamente merecem tal repressão, priorizando o direito de liberdade e as formas administrativas de prevenção do ilícito. Assim, de acordo com esse princípio, não se pode considerar crime a prática de conduta que não ofereça qualquer lesão, ou ao menos perigo concreto, ao bem jurídico tutelado.” (SANTA CATARINA. TJ, 2008).
Também foi reconhecido o Princípio da Insignificância pelo Tribunal para manter a absolvição do réu que desmatou área de preservação permanente sem grande expressividade:
“APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. DESTRUIÇÃO OU DANIFICAÇÃO DE FLORESTA CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. LESÃO A BEM JURÍDICO, TODAVIA, QUE SE REVELOU INEXPRESSIVA ANTE A ÁREA DESMATADA E A CONSTATAÇÃO DE QUE NENHUMA ESPÉCIE AMEAÇADA DE EXTINÇÃO FOI DERRUBADA. PRINCÍPIOS DA INSIGNIFICÂNCIA E DO PROCESSO PENAL COMO ULTIMA RATIO. PRECEDENTES. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
[...] Contudo, não obstante a conduta do acusado enquadrar-se na definição jurídica do crime ambiental previsto no art. 38 da Lei n. 9.605/1998, a ofensividade de seu ato mostrou-se mínima, pois não houve periculosidade social da ação; a reprovabilidade do comportamento foi de pequena monta; e a lesão ao bem jurídico se revelou praticamente inexpressiva, notadamente considerando que a área desmatada foi de apenas 0,16 ha (zero vírgula dezesseis hectares), de um total de 54 ha (cinquenta e quatro hectares).” (SANTA CATARINA. TJ, 2011).
Seja pela constatação da falta de tipicidade material, seja pela falta de ofensividade da conduta, os tribunais vêm reconhecendo a possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais.
Mesmo não utilizando os parâmetros adotados pela doutrina, a jurisprudência caminha para o aprimoramento nos requisitos para a aplicação do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais.
É importante observar que os tribunais superiores já têm precedentes sobre o assunto, não se tratando de terreno nebuloso. Assim, ao longo do tempo a jurisprudência irá consolidar o entendimento sobre o assunto.