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Controle difuso de constitucionalidade: atribuição de eficácia erga omnes e vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal

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Agenda 28/10/2012 às 09:55

Analisa-se a aplicação da teoria da mutação constitucional e dos limites da jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal.

Resumo: O presente trabalho destina-se à análise da aplicação da teoria da mutação constitucional e dos limites da jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal. Buscou-se verificar a possibilidade de ocorrer, no atual ordenamento jurídico brasileiro, alteração de texto constitucional mediante ‘mutação constitucional por via interpretativa’, de modo a possibilitar a ampliação dos efeitos do controle difuso de constitucionalidade atribuindo-lhe eficácia erga omnes e vinculante. Essa tese foi levantada pelo Ministro Gilmar Mendes ao proferir voto na Reclamação n. 4335/AC. No estudo foram verificadas as espécies de mutação constitucional, seus efeitos e limites. Antes de adentrar nas especificidades do tema objeto do estudo foi analisado o controle de constitucionalidade afeto ao Supremo Tribunal Federal, bem como as suas funções como guardião da Constituição. No estudo concluiu-se pela impossibilidade da alteração de texto constitucional por meio de construção pretoriana, bem como, ser antiquada a fórmula prevista no art. 52, X da Constituição Federal de 1988. Ao final apontou-se como solução frente à inércia do Senado Federal em cumprir determinação expressa contida no texto constitucional a utilização da Súmula Vinculante.

Palavras-chave: Constitucional – Difuso – Eficácia – Mutação – Senado – Súmula

Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 BREVE ESCORÇO TEÓRICO. 3 A CONSTITUIÇÃO. 3.1 A rigidez ou flexibilidade do texto Constitucional. 3.2 A estabilidade constitucional. 3.3 A dicotomia rigidez-flexibilidade e seus reflexos na estabilidade constitucional. 4 MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL. 4.1 Conceito e denominação. 4.2 Natureza da mutação constitucional. 4.3 Tipos de Mutação Constitucional. 4.3.1 Mutação constitucional pela via interpretativa. 4.3.2 Mutação constitucional pela construção constitucional. 4.3.3 Mutação constitucional pela prática constitucional. 4.4 Mutação inconstitucional. 4.1 Limites da mutação constitucional. 5 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. 5.1 Introdução, conceito e generalidade. 5.2 O Controle concentrado e o controle difuso de constitucionalidade. 5.2.1 Controle concentrado. 5.2.2 Controle difuso. 5.2.2.1. Os efeitos do controle difuso de constitucionalidade. 5.3 A suspensão da execução de lei ou ato inconstitucional pelo legislativo. 5.4Controle difuso e a transcendência dos motivos determinantes. 6 A RECLAMAÇÃO 4335/AC: SURGIMENTO DE UMA NOVA PERSPECTIVA SOBRE O CONTROLE DIFUSO. 7 A SÚMULA VINCULANTE: SOLUÇÃO FRENTE À INÉRCIA DO SENADO FEDERAL. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1INTRODUÇÃO

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciando o julgamento da Reclamação n. 4.335/AC vem apontando para uma mudança de perspectiva dos efeitos até então atribuídos aos seus pronunciamentos na análise de casos concretos, ou seja, em sede de controle difuso de constitucionalidade. Nessa nova perspectiva seriam a eles atribuídos efeitos erga omnes e vinculantes, do que resultaria uma nova concepção, não somente do controle da constitucionalidade no Brasil, mas também, de poder constituinte e de equilíbrio entre os Poderes da República.

Até o momento foram declarados quatro votos[1]: o Ministro Sepúlveda Pertence, julgando improcedente, mas concedendo habeas corpus de ofício para que o juiz examine os demais requisitos para deferimento da progressão; Joaquim Barbosa, não conhecendo da reclamação, igualmente concede o habeas corpus - entendem, pois, que sem a participação do Legislativo a decisão do Supremo não vincula as demais instâncias; os Ministros Gilmar Mendes, relator, e Eros Grau, conhecem a reclamação e julgam-na procedente, sob o fundamento de ter havido ‘mutação constitucional’ do inciso X do art. 52 da Carta constitucional de 1988.

O inciso X do artigo 52 estabelece como competência privativa do Senado Federal a suspensão da execução do ato declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo. Essa suspensão é operada por meio da edição de uma resolução suspensiva.

Nessa perspectiva, a tese apresentada pelos ministros Gilmar Mendes e Eros Graus, contrario sensu, resulta numa superação da concepção atual de separação de poderes, conduzindo a uma necessária reinterpretação dos institutos vinculados ao controle incidental de constitucionalidade e do papel do Senado Federal, quando desses pronunciamentos.

Por esse entendimento ao Senado Federal não mais se atribuiria competência para a suspensão de execução da lei declarada inconstitucional, mas, dar publicidade à declaração proferida pelo STF. Dessa forma, a decisão da Suprema Corte que em sede de controle incidental declarar definitivamente uma lei ou ato normativo inconstitucional terá efeitos gerais, cabendo ao Senado, recebida a comunicação de tal decisão, publicá-la no Diário do Congresso.

Assim, toda decisão da Corte Máxima em controle difuso de constitucionalidade teria eficácia erga omenes e vinculante, não podendo os demais órgãos jurisdicionais, adotando posicionamento contrário, desrespeitá-la.

O Ministro Pertence, em seu voto, afirmou que a tese trazida pelo relator, na prática reduziria o Senado Federal a uma “posição subalterna de órgão de publicidade de decisões do STF”[2], argumentando ainda que a eficácia geral das decisões do Supremo poderia ser obtida através da Súmula Vinculante.

Como sabido, o controle difuso de constitucionalidade tem por característica ser incidental. Nele a matéria constitucional é discutida como meio de defesa, pela via da exceção. A questão constitucional neste caso é prejudicial ao julgamento do objeto principal da lide.

Exercitável somente frente a um caso concreto, no controle difuso a decisão tem seus efeitos a ele restritos, ou seja, inter partes, não acarretando em anulação da lei ou ato normativo impugnado. Como dito, cinge-se os seus efeitos aos demandantes, não possuindo eficácia erga omnes. Destarte, não vincula os demais órgãos jurisdicionais nem o poder público.

A ampliação dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade, no sistema atual, somente se dá mediante resolução suspensiva do Senado Federal, único, instrumento capaz de atribuir-lhe efeitos erga omnes. Ressalte-se, porém, que este efeito é ex nunc, ou seja, o ato declarado inconstitucional perde a sua eficácia somente a partir da publicação da resolução suspensiva.

Diferentemente ocorre no controle concentrado de constitucionalidade, dito também abstrato ou por via de ação. Nele a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo é feita em tese, independentemente de um caso concreto, sendo a inconstitucionalidade o objeto principal da ação. Nestes casos a decisão terá efeitos erga omnes e vinculante.

Caso seja vencedora a tese veiculada pelos ministros Gilmar Mendes e Eros Grau[3], haverá uma fusão entre as duas modalidades de controle de constitucionalidade praticadas no Brasil, resultando numa ‘abstração’ do controle difuso de constitucionalidade, que passaria em decisões proferidas pelo Supremo, a ter os mesmos efeitos de uma decisão proferida em controle concentrado.

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O estudo, mediante contribuição consistente e fundamentada, visa abrir novos horizontes para o entendimento da aplicação da teoria da mutação constitucional e dos limites da jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal, analisando a possibilidade de ocorrer, no atual ordenamento jurídico brasileiro, alteração de texto constitucional mediante ‘mutação constitucional por via interpretativa’.


2.BREVE ESCORÇO TEÓRICO

A Reclamação n. 4.335/AC ajuizada contra decisões do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco-AC que indeferira pedido de progressão de regime em favor de condenados a penas de reclusão em regime integralmente fechado pela prática de crimes hediondos, colocou no campo doutrinário e jurisprudencial uma questão bastante controvertida que versa sobre a possibilidade da ocorrência de mutação constitucional pela via interpretativa.

Em julgado recente o STF concedeu ordem de hábeas corpus[4] e nela declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, permitindo a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos. A reclamação 4.335 visa atribuir a esta decisão, proferida na análise de um caso concreto, em controle difuso de constitucionalidade, eficácia erga omnes e vinculante, o que resultaria na cassação das decisões impugnadas e na obrigação do juízo reclamado proferir nova decisão com o fito de preservar a autoridade do pronunciamento do Alto Pretório.

Acolhida a tese nos moldes propostos haverá o estabelecimento de novos limites entre os poderes constituídos e uma zona de fusão entre o controle difuso de constitucionalidade e o controle concentrado.

Em seu voto o Ministro Gilmar Mendes[5] confirmou posição que doutrinariamente já vinha adotando, segundo a qual:

A amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de que se suspenda, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, contribuíram, certamente, para que se quebrantasse a crença na própria justificativa desse instituto [suspensão da execução pelo Senado], que se inspirava diretamente numa concepção de separação de Poderes - hoje necessária e inevitavelmente ultrapassada. [...] nos leva a crer que o instituto da suspensão pelo Senado assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica. (grifo nosso)

Asseverando que[6]:

Deve-se observar, outrossim, que o instituto da suspensão da execução da lei pelo Senado mostra-se inadequado para assegurar eficácia geral ou efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal que não declaram a inconstitucionalidade de uma lei, limitando-se a fixar a orientação constitucionalmente adequada ou correta.(grifo nosso)

Concretizada essa nova perspectiva seriam atribuídos efeitos erga omnes e vinculante aos pronunciamentos do Supremo em controle difuso, do que resultaria uma nova concepção, não somente do controle da constitucionalidade no Brasil, mas também de poder constituinte e de equilíbrio entre os Poderes da República.

A eficácia contra todos ou eficácia oponível erga omnes da coisa julgada estende seus efeitos para além das partes envolvidas no processo, conferindo à decisão uma força obrigatória geral, determinando, por meio de um efeito negativo cassatório do ato declarado inconstitucional (ou descumpridor de preceito constitucional fundamental), a sua não aplicação pelos tribunais e pelos órgãos e agentes do poder político do Estado, sempre que confrontado com uma situação que poderia ensejá-lo.

Como leciona José Afonso da Silva[7], no direito brasileiro, neste tema seguindo o modelo americano, da declaração incidental de inconstitucionalidade resulta, para o caso concreto, a nulidade do ato e por isso a decisão judicial fulmina a relação jurídica fundada no ato viciado desde a sua gênese, continuando a lei a vigorar e a produzir efeitos em relação a outras situações, a menos que, do mesmo modo, haja provocação da tutela pelos demais interessados. Dessa forma o juiz ou tribunal, em sede de controle difuso de constitucionalidade, limitar-se a não aplicar a lei inconstitucional ao caso concreto, não tendo essa decisão, portanto, eficácia geral (erga omnes), mas eficácia especial (inter partes).

No sistema pátrio, como prescreve o inciso X do art. 52 da Constituição Federal de 1998, é competência privativa do Senado Federal ‘suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal’[8]. Destarte, por meio de resolução suspensiva o Senado Federal empresta eficácia erga omnes a essas decisões. Como lembra Luís Roberto Barroso[9] essa tradição foi iniciada com a Constituição de 1934 (arts. 91, IV, e 96), sendo seguida pelas constituições subseqüentes.

Nesse ponto, ressaltamos que a dicção do disposto no inciso X tem recebido uma interpretação extensiva, abrangendo atos normativos de qualquer espécie, emanados de qualquer um dos entes federados (município, estado e união).

A atribuição senatorial é tida como uma competência genérica e não como um dever constitucional determinado de agir.

Ao acenar com a possibilidade de atribuir eficácia erga omnes e vinculante às suas decisões em controle difuso o Supremo estará promovendo uma ‘mutação constitucional por via interpretativa’, esta, porém, não se limitando à alteração de sentido, sugerindo uma alteração do próprio texto constitucional.

A via interpretativa como meio precursor do processo de mutação do texto constitucional é rejeitada pela doutrina majoritária. Sobre esse tema trataremos de forma mais pormenorizada no capítulo 4.

Ensina Uadi Lammêgo Bulos que a mutação constitucional caracteriza-se como “[..] o fenômeno, mediante o qual os textos constitucionais são modificados sem revisões ou emendas”[10]. Sobre o tema afirmou José Afonso da Silva[11]:

A interpretação [...] por si, não pode produzir mutação constitucional. O que ela pode é mostrar que o objeto a ser conhecido se transformou, quer porque a realidade a que se refere evoluiu e requer que o objeto normativo se acomode a ela, se tiver elasticidade suficiente para tanto, ou porque palavras ou expressões normativas sofreram mudanças semânticas que exigem que o seu novo sentido seja explicitado pela interpretação. É especialmente nessa hipótese que se diz que o significado da Constituição dos Estados Unidos da América é hoje muito diferente do original. Ai a interpretação, especialmente a judicial, exerce um papel fundamental de adaptação das normas constitucionais às exigências de novos conceitos da realidade por ela pensadas.

Na mesma linha J. J. Gomes Canotilho[12] aponta a impossibilidade de mutações constitucionais por via interpretativa, admitindo a existência das alterações do âmbito ou esfera da norma ainda suscetíveis de serem abrangidas pelo programa normativo. Assim se posicionou o eminente constitucionalista lusitano:

A necessidade de uma permanente adequação dialéctica entre o programa normativo e a esfera normativa justificará a aceitação de transições constitucionais que, embora traduzindo a mudança de sentido de algumas normas provocado pelo impacto da evolução da realidade constitucional, não contrariam os princípios estruturais (políticos e jurídicos) da constituição. O reconhecimento dessas ‘mutações constitucionais silenciosas’ (‘stillen Verfassungswandlungen’) é ainda um acto legítimo de interpretação constitucional.

Para Paulo Bonavides[13] sobrevive à feitura de uma constituição dois novos poderes constituintes: um jurídico, que padece de limitações explícitas e implícitas, não se podendo “mover além do círculo de restrições que lhe foram impostas pelo poder constituinte de primeiro grau”; e outro, sem titularidade definida, caracterizando-se por ser “difuso, anônimo e político”.

Reconhecendo que a doutrina aceita somente a sobrevida de apenas um poder constituinte, em que pese não utilizar o termo mutação constitucional, admite que este outro poder constituinte originário acompanha e modifica a constituição, não desamparando-a depois de feita. Para ele, tal poder manifesta-se nos acórdãos das cortes constitucionais e, “difusamente, fora dos tribunais, à margem do texto constitucional, com a mesma força normativa”[14].

Asseverou ainda, ser este “expressão da realidade e tem por isso feição originária, e de algum modo se caracteriza como o mesmo poder constituinte originário em estado potencial”[15]. Não reconhecendo, porém, a este poder legitimidade suficiente para fazer uma nova Constituição.

O Ministro Eros Grau[16], em flagrante contradição, apesar de afirmar que o alcance da mutação estaria adstrito à transformação do sentido sem alteração de redação, operando no âmbito da norma, concluiu pela possibilidade de através dela se alterar o próprio texto:

A mutação constitucional é transformação de sentido do enunciado da Constituição sem que o próprio texto seja alterado em sua redação, vale dizer, na sua dimensão constitucional textual. Quando ela se dá, o intérprete extrai do texto norma diversa daquelas que nele se encontravam originariamente involucradas, em estado de potência. Há, então, mais do que interpretação, esta concebida como processo que opera a transformação de texto em norma. Na mutação constitucional caminhamos não de um texto a uma norma, porém de um texto a outro texto, que substitui o primeiro.

Daí que a mutação constitucional não se dá simplesmente pelo fato de um intérprete extrair de um mesmo texto norma diversa da produzida por um outro intérprete. Isso se verifica diuturnamente, a cada instante, em razão de ser, a interpretação, uma prudência. Na mutação constitucional há mais. Nela não apenas a norma é outra, mas o próprio enunciado normativo é alterado. (grifos nossos)

Afirmou GRAU[17] que “na mutação constitucional não apenas a norma é nova, mas o próprio texto normativo é substituído por outro”, pelo que concluiu:

[...] passamos em verdade de um texto [compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal] [..]a outro texto [...] [compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo] (grifos do autor)

A tese adotada, como se pode notar, não confere um novo sentido ao texto, mas ultrapassando a distinção doutrinariamente convencionada entre reforma constitucional e mutação constitucional, confere ao inciso X um novo texto.

Como distingui a doutrina, a modificação de texto só poderia ser operada mediante reforma, que, regulada no próprio texto constitucional, é realizada através de processos pré-estabelecidos.

Na mutação constitucional a alteração consistiria única e tão-somente numa mudança do significado, do sentido e do alcance das disposições constitucionais, por meio ora da interpretação, ora dos costumes, ora da legislação infraconstitucional. Chamando essa forma de atualização de ‘transição constitucional’, ensina CANOTILHO: “[...] considerar-se-á como ‘transição constitucional’ a revisão informal do compromisso político formalmente plasmado na Constituição sem alteração do texto constitucional [...] muda o sentido sem mudar o texto”[18].

O novo viés interpretativo apontado pelo voto do relator e pelo voto-vista é no sentido de alargar os efeitos das decisões proferidas no controle difuso para além das partes envolvidas no processo, ou seja, abstração das decisões em sede de controle difuso, onde é importante ressaltar, há uma lide subjetiva a ser discutida.

Para Paula Arruda, “fixar os mesmos efeitos para as decisões da Corte Suprema que se fundamentaram no controle difuso de inconstitucionalidade significará atribuir às decisões do Supremo Tribunal Federal maior grau de coerência com a realidade social, porque fundamentada na análise concreta do caso”[19].

O mesmo entendendo Luís Roberto Barroso para quem “uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos”[20].

No entanto, como adiante será visto, a extensão dos efeitos de uma decisão em controle difuso pode ser obtida mediante a edição da súmula vinculante, introduzida no ordenamento brasileiro pela Emenda Constitucional 45/2004.

Com a súmula vinculante, prevista no art. 103-A[21], foi atribuída ao Supremo a faculdade de:

[...] de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

Como prescreve o §1º do supramencionado dispositivo a súmula vinculante[22]:

[...] terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

O posicionamento apontado pelos ministros, em verdade, estabelece uma ruptura paradigmática no plano da jurisdição constitucional brasileira, uma vez que, no controle difuso a questão constitucional é incidental, ou seja, é prejudicial e indispensável ao julgamento do mérito, permanecendo a lei ou o ato normativo, como salienta Alexandre de Moraes, “válidos no que se refere à sua força obrigatória com relação a terceiros”[23].

A se confirmar essa tendência teórica estará a Corte Constitucional brasileira, mutatis mutandi, ampliando a legitimação específica para a obtenção de uma declaração erga omnes de inconstitucionalidade, uma vez que, através da decisão que resolve uma questão incidental, todas as pessoas que se encontrarem na mesma situação jurídica poderão exigir o mesmo resultado prático obtido, efeito vinculante.

Porém, para BARROSO, “seria uma demasia, uma violação ao princípio da economia processual, obrigar um dos legitimados do art. 103 a propor ação direta para produzir uma decisão que já se sabe qual é!”[24].

Cabe ressaltar que a atribuição de efeito erga omnes e vinculante, no que concerne às decisões tomadas em controle difuso, resultará na transformação da Reclamação em um recurso constitucional. Em contraponto poder-se-á afirmar que tal decorreria do ‘princípio da igualdade’, de modo que, mantidos os mesmos fundamentos estar-se-ia dando efetividade às decisões da Suprema Corte, garantindo, assim, uma maior segurança jurídica.

O STF já promove uma aproximação entre os dois modelos de controle de constitucionalidade ao aplicar a teoria da transcendência dos motivos determinantes, segundo a qual os fundamentos da decisão – a ratio decidendi – vincularia o Poder Judiciário e Administração Pública à sua observância.

Ao conceder efeitos transcendentes à decisão que declara a inconstitucionalidade de uma norma em controle difuso, os fundamentos daquela decisão, aparentemente utilizados apenas na fronteira do processo inter partes, passam a transcender o próprio processo, aplicando-se a outros casos. Tal constatação foi salientada pelo Ministro Gilmar Mendes[25] ao julgar a Reclamação n. 2.363:

[...] a aplicação dos fundamentos determinantes de um ‘leading case’ em hipóteses semelhantes tem-se verificado, entre nós, até mesmo no controle de constitucionalidade das leis municipais. Em um levantamento precário, pude constatar que muitos juízes desta Corte têm, constantemente, aplicado em caso de declaração de inconstitucionalidade o precedente fixado a situações idênticas reproduzidas em leis de outros municípios. Tendo em vista o disposto no ‘caput’ e § 1º-A do artigo 557 do Código de Processo Civil, que reza sobre a possibilidade de o relator julgar monocraticamente recurso interposto contra decisão que esteja em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, os membros desta Corte vêm aplicando tese fixada em precedentes onde se discutiu a inconstitucionalidade de lei, em sede de controle difuso, emanada por ente federativo diverso daquele prolator da lei objeto do recurso extraordinário sob exame.(grifei)

Para Gilmar Mendes[26]-[27]:

Ainda que se aceite, em princípio, que a suspensão da execução da lei pelo Senado retira a lei do ordenamento jurídico com eficácia ex tunc, esse instituto, tal como foi interpretado e praticado, entre nós, configura antes a negação do que a afirmação da teoria da nulidade da lei inconstitucional. A não-aplicação geral da lei depende exclusivamente da vontade de um órgão eminentemente político e não dos órgãos judiciais incumbidos da aplicação cotidiana do direito. Tal fato reforça a idéia de que, embora tecêssemos loas à teoria da nulidade da lei inconstitucional, consolidávamos institutos que iam de encontro à sua implementação.

O grave, no entanto, é que confirmada a tese sustentada por Mendes e Grau, o Supremo estará, via interpretação. redistribuindo competências originariamente atribuídas, bem como, redefinindo, ressalte-se sem legitimação popular, o princípio da separação dos poderes, passando este à categoria de ‘poder constituinte permanente’, portando, a questão não se cinge única e tão-somente à extensão dos efeitos da decisão.

Para Lênio Streck et al, os ministros do STF estariam advogando “em última análise uma concepção decisionista da jurisdição e contribui para a compreensão das cortes constitucionais como poderes constituintes permanentes”[28].

A separação dos poderes um dos principais fundamentos do regime democrático de direito, possibilita a convivência harmônica entre as diversas funções do Estado, v. g., legislativa, executiva e judiciária.

Traduzido no conceito dos checks and balaces, a separação dos poderes, configura-se num complexo sistema de controle, fiscalização e representatividade, bem como, de mecanismos de equilíbrio e harmonia, como garantia da perpetuidade do Estado democrático de Direito.

Sobre o autor
Carlos Henrique dos Santos

Pós-Graduando em Direito Processual Civil e Direito Constitucional. Graduado em Direito pela Faculdade de Sergipe - FaSe. Assessor Técnico da Secretaria de Educação do Município de Maruim, Estado de Sergipe

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Carlos Henrique. Controle difuso de constitucionalidade: atribuição de eficácia erga omnes e vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3406, 28 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22897. Acesso em: 23 nov. 2024.

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