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O papel da cidadania ambiental na efetividade da tutela jurídica ao meio ambiente

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4. Cidadania ambiental e efetividade da proteção ao bem jurídico ambiental

A essência do Direito Ambiental e seu cenário atual de luta pela efetividade coincide com a lição de Norberto Bobbio, segundo a qual, os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais, tendo-se, hodiernamente, como problema fundamental em relação a eles, não sua justificação, mas sua proteção.[20]

O arcabouço jurídico brasileiro, no que diz respeito à tutela do direito ao meio ambiente, contempla desde a possibilidade de impetração de Mandado de Segurança Coletiva, passando pela Ação Popular e pela Ação Civil Pública, indo até a possibilidade do manejo de ações de controle de constitucionalidade, tanto preventivo como repressivo; não se podendo olvidar, ainda, a possibilidade de ação penal e de ação civil ordinária, nos casos, respectivamente, de prática de ilícito penal ou contravencional previsto na legislação ambiental, ou diante da necessidade de apuração da responsabilidade civil pelos danos ambientais.

Ao ensejo, é de se ressatar que, a despeito de tais meios processuais, aptos a provocar a tutela ambiental, caracterizem-se por constituir, primordialmente, um sistema de controle a posteriori, José Afonso da Silva destaca a possibilidade de os referidos meios servirem ao controle preventivo do dano ambiental, seja ele material ou jurídico, como nas hipóteses em que se admite a tutela cautelar, na Ação Popular, ou na ação cautelar destinada a evitar o dano ambiental[21].

Note-se, para além, que toda a normatização infraconstitucional relativa ao meio ambiente tem como fundamento a Constituição Federal de 1988, que tratou do tema no capítulo referente à Ordem Social, ao artigo 225[22], de onde se extrai seu caráter de direito subjetivo fundamental de titularidade difusa[23]. Ademais, a Norma Ápice situou o meio ambiente como fundamento da Ordem Econômica, tendo inaugurado, no dizer de José Afonso da Silva, o Estado Democrático de Direito Socioambiental.[24]

Não obstante essa realidade, a força normativa da Constituição ambiental dependerá da concretização de seu programa jurídico-constitucional, o que necessitará da atuação dos vários agentes – públicos e privados- que atuem sobre o ambiente, no sentido de colocá-lo como medida e fim de suas decisões[25]. E essa também parece ser a conclamação que faz o ordenamento ambiental brasileiro. Nesse sentido, insere-se o caso específico da Ação Popular ambiental, em que se concede ao cidadão legitimidade para o exercício da tutela jurisdicional ambiental, notando-se, claramente, que o sistema positivo brasileiro instituiu uma democracia social ambiental, aperfeiçoando o exercício da tarefa solidária e compartilhada do Estado e da coletividade, na consecução da proteção ambiental[26], que é a mensagem de que é portador o Direito Ambiental[27].

Impende destacar, neste contexto, o registro do Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Melo, no julgamento do MS 22.164/DF, no sentido de que o direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, sendo reconhecida a consagração de um complexo conteúdo para o princípio da solidariedade, sob a ótica não de destinatários e beneficiários, mas de titulares de poderes e prerrogativas. [28]

A situação do indivíduo/coletividade como titular de poderes e prerrogativas, em vez de simples destinatários ou beneficiários coaduna-se com a lição de Canotilho acerca das dimensões essenciais da juridicidade ambiental, as quais este dividiu em: a) dimensão garantístico-defensiva, no sentido de direito de defesa contra as ingerêrencias do Estado; b) dimensão positivo-prestacional, na medida em que cumpre ao Estado a organização dos procedimentos e processos relacionados à realização do direito ao ambiente; c) dimensão jurídica irradiante para todo o ordenamento, ao passo que vincula as entidades privadas ao respeito do direito dos particulares ao meio-ambiente; e, por fim d) dimensão jurídico-participativa, a qual permite e impõe aos cidadãos e à sociedade civil o dever de defender os bens e direitos ambientais[29].

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O fortalecimento dessa dimensão jurídico-participativa, núcleo onde se encontra o conceito de cidadania ambiental, a despeito de indispensável à efetividade da protecão do bem jurídico ambiental, não se trata de tarefa fácil, vez que a cidadania ambiental possui caráter sobretudo cultural, devendo ter-se como imprescindível a tarefa de esclarecer e infundir nos cidadãos a noção acerca da importância do trabalho individual e coletivo com vistas à  proteção ambiental não apenas de forma juridicamente possivel, mas ética e politicamente exigível.


5. Conclusões articuladas

5.1 A solução dos problemas ambientais não depende unicamente dos governos e de suas ações programáticas, mas também de nova classe de cidadãos, cuja característica básica consiste no fomento e no apoio a ações que visem à efetividade da proteção do bem jurídico ambiental.

5.2 A cidadania ambiental deve compreender toda a sociedade, consistindo em uma nova visão da realidade global, e ainda, ser adotada pelos cidadãos, governos e pelos organismos não governamentais.

5.3 A cidadania ambiental tem por base a consciência de que ações locais interferem ou refletem, direta ou indiretamente em todo o mundo; é o pensar global e atuar localmente.

5.4 A cidadania ambiental e o direito ao meio ambiente relacionam-se de forma recíproca, pois somente em uma sociedade consciente de seus deveres e direitos para com o meio ambiente é possível a efetividade da proteção ambiental


Notas

[1] CAPELLA, Vicente Bellver, Ecologia: De las razones a los derechos. P. 243.

[2] Este texto forma parte do Manual Ciudadanía Ambiental Global,  para Educadores de América Latina, en el marco del Proyecto Ciudadanía Ambiental, del PNUMA- Programa de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente Oficina Regional para América Latina y el Caribe, en el cual participa la UICN y su Comisión de Educación y Comunicación – CEC, a qual pertence a autora.

[3] Cidadania ambiental intercomunitária. A experiência normativa brasileira. Prof. Dr. José Rubens Morato Leite, Lara Raquel Fontana Fonte: http://www.ecoambiental.com.br/mleft/joser.htm

[4] http://www.pnuma.org/ciudadaniaambientalglobal/def_ciudadano.php

[5] DOBSON, Andrew. Ciudadanía Ecológica: Una influencia desestabilizadora? En: ISEGORIA. Revista de Filosofía Moral y Política, p. 47-61.

[6] Ibid. p. 61.

[7] SOLÍS, Eloísa. Tréllez. Manual Ciudadanía Ambiental Global,  para Educadores de América Latina, en el marco del Proyecto Ciudadanía Ambiental, del PNUMA- Programa de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente Oficina Regional para América Latina y el Caribe, en el cual participa la UICN y su Comisión de Educación y Comunicación – CEC.

[8] Ibid.

[9]  José Rubens Morato Leite e Lara Raquel Fontana. Cidadania ambiental intercomunitária. A experiência normativa brasileira. Fonte: http://www.ecoambiental.com.br/mleft/joser.htm

[10] VEGA, Raúl Pacheco. Sociedad civil, transnacionalismo Ciudadanía ambiental global. Un recorte analítico para el estudio de la sociedad civil transnacional www.politics.ubc.ca/.../poli_sci/Graduate/rpacheco/Pacheco_Vega_2006_Espiral_Ciudadania_Ambiental_Global.pdf Espiral, Estudios sobre Estado y Sociedad Vol. XII No. 35º Enero/Abril de 2006. p.156

[11] Ibid, p. 155-161.

[12] Ibid, p.  p.155-161.

[13] FERRER, Gabriel Real. Revista Aranzadi de Derecho Ambiental (Pamplona, España), nº 1, 2002, p. 73-93.

[14] FERRER, Gabriel Real. Revista Aranzadi de Derecho Ambiental (Pamplona, España), nº 1, 2002, p. 73-93.

[15] DA SILVA, José Afonso. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro 2º edição editora Saraiva 2008. p.5.

[16] CAPELLA, Vicente Bellver. Ecologia: De las razones a los derechos. p. 270.

[17] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 523.

[18] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Nova Edição – 8º Tiragem Rio de Janeiro: Campus, 2004, p. 5.

[19] BOFF, Leonardo. A Terra tem direitos? http://www.tierramerica.info/index_pt.php Consultado em: 08/03/2010

[20] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Nova Edição – 8º Tiragem Rio de Janeiro: Campus, 2004, p. 23.

[21] DA SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional, Malheiros, 6º edição, 2007, p. 320.

[22] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

[23]MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 14º ed. (revista, atualizada e ampliada). Ed. Malheiros, 2006 p. 116.

[24] DA SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional, Malheiros, 6º edição, 2007, p. 43 a 53.

[25] CANOTILHO, José Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato. Organizadores. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro 2º edição editora Saraiva 2008, p. 5.

[26] CANOTILHO, José Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato. Organizadores. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro 2º edição editora Saraiva 2008, p. 198 e 199.

[27] Apud. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. p. 139.

[28] CANOTILHO, José Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato. Organizadores. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro 2º edição editora Saraiva 2008, p. 381.

[29] Ibid, p. 5.

Sobre as autoras
Caroline Pires Coriolano

Advogada, Chefe da Assessoria Jurídica da Secretaria da Pesca e Aquicultura, especialista em Processo Civil, Direito Ambiental e Agrário, Gestão Pública e mestre em Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad - Universidad de Alicante, Espanha.

Kerley Mara Barros Câmara de Azevedo

Advogada, Especialista em Gestão Pública, pós-graduanda em Direito Administrativo

Isabella Faustino Alves

Bacharel em Direito. Advogada atualmente licenciada em razão do exercício de cargo público incompatível com a advocacia. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL/Rede LFG/Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Pós-graduanda em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera/UNIDERP. Analista Judiciário da Justiça Federal – Seção Judiciária do Tocantins (vinculada ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região). Associada do Centro de Direitos Humanos de Palmas-TO. Integrante do Comitê “Memória e Verdade” do Estado do Tocantins.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORIOLANO, Caroline Pires; AZEVEDO, Kerley Mara Barros Câmara et al. O papel da cidadania ambiental na efetividade da tutela jurídica ao meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3415, 6 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22954. Acesso em: 23 dez. 2024.

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