O Superior Tribunal de Justiça, segundo recente informativo (505, de 20/09/2012 a 03/10/2012), através de sua Quarta Turma, decidiu serem incabíveis embargos declaratórios contra decisão que nega seguimento a recurso especial. De acordo com a decisão, presentes os vícios de omissão, contradição ou obscuridade, mesmo no despacho denegatório em referência, a parte deve manejar o agravo previsto na lei 12.322/2010, que alterou a redação do artigo 544 do Código de Processo Civil.
O entendimento foi firmado no AgRg no Ag 1.341.818-RS, de relatoria da Eminente Ministra Maria Isabel Gallotti, cujo acórdão ainda não foi publicado. No informativo 505 do STJ, a notícia da decisão está assim ementada:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EDCL CONTRA DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO A RESP.
São manifestamente incabíveis os embargos de declaração (EDcl) opostos contra decisão de admissibilidade do recurso especial proferida pelo tribunal de origem. Com exceção feita às decisões que negam trânsito ao recurso especial com base no art. 543-C, §7º, consolidou-se a jurisprudência do STF e do STJ no sentido de que a decisão de admissibilidade do recurso especial ou extraordinário é proferida por delegação do Tribunal ad quem, sendo impugnável mediante agravo de instrumento dirigido ao STJ ou STF (ou nos próprios autos a partir da edição da Lei n. 12.322/2010, que deu nova redação ao art. 544 do CPC). Proferida a decisão de admissibilidade, exaure-se a delegação, devendo os autos ser remetidos à instância superior, aguardar eventual decisão em agravo de instrumento, ou baixar à origem para execução ou arquivamento. Embargos de declaração não teriam razão de ser, pois o STJ não está vinculado aos fundamentos do juízo de admissibilidade feito na origem. Se porventura fossem admitidos os embargos de declaração, haveria postergação injustificável do trâmite processual, mormente porque, se cabíveis os primeiros embargos de declaração de uma das partes, nada impediria sucessivos embargos de declaração das demais partes, ao invés da pronta interposição do cabível recurso de agravo para o Tribunal ad quem. AgRg no Ag 1.341.818-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 20/9/2012.
Como se vê, a Corte fundamentou seu entendimento no fato de que a decisão, do Presidente da Corte local, ou do seu vice, a depender do respectivo regimento interno, é tomada por delegação das Cortes Superiores que restaria exaurida após o despacho de admissibilidade do recurso excepcional.
Com o devido respeito, e apesar da expressiva locução manifestamente incabíveis para adjetivar os aclaratórios assim interpostos, a Corte Superior, ao decidir deste modo, manifestou entendimento equivocado em relação ao recurso de embargos de declaração, reduzindo, além da conta, sua importância e aplicabilidade no direito processual civil brasileiro. É dizer: O STJ, guardião do direito federal, ele mesmo, violou o artigo 535 do Código de Processo Civil.
Aliás, cumpre dizer que já é tempo dos embargos de declaração retomarem sua relevância no sistema recursal posto que dificilmente encontra-se, em nossa ordem jurídica, um recurso tão mal compreendido e, principalmente, tão mal aplicado por nosso Poder Judiciário, situação que conduz, inevitavelmente a situações de insegurança jurídica, como no caso supra referido, posto que a parte teve sua insurgência não conhecida, que teoricamente poderia ser provida no mérito, o que certamente provocou-lhe os prejuízos que já se pode imaginar.
Os embargos de declaração, têm longa tradição no direito brasileiro, posto que já previstos nas ordenações filipinas, vigentes ao tempo do Império, bem como no Regulamento 737, de 1850, e na Consolidação Ribas, de 1876, e mantidos, com a configuração conhecida desde então, especialmente na era dos Códigos Processuais Estaduais, e nos Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973.
Cuidam-se, indiscutivelmente, de modalidade recursal já que além de cumprirem o requisito da taxatividade, ou tipicidade, posto que expressamente previstos nos artigos 496, inciso IV, e 535, do CPC, destinam-se a integrar ou aclarear a decisão embargada, presentes os pressupostos processuais específicos de admissibilidade, ou qual seja, omissão, contradição ou obscuridade.
Neste sentido, e apesar do teor expresso do artigo 504, do CPC[1], é fato que a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça admite sua utilização contra todo e qualquer provimento judicial que ostente conteúdo decisório, ainda que seja denominado, informalmente, de “despacho”.
Inclusive, o Eminente Ministro Raul Araújo manifestou-se no Resp 706.242/SP que a jurisprudência desta Corte (STJ) é pacífica no sentido de que os embargos de declaração podem ser opostos contra qualquer decisão judicial.
Por decisão judicial deve-se entender qualquer provimento jurisdicional suscetível de causar gravame à parte, inclusive prejudicando-lhe do ponto de vista da defesa de seus interesses em juízo, observando-se, em cada modalidade recursal, os respectivos pressupostos de admissibilidade recursal.
É dizer: caracterizado o provimento judicial como “decisão judicial” é direito fundamental da parte insurgir-se através da modalidade processual adequada e singular, nos termos da legislação processual de regência.
Em sendo assim, recorda-se que os embargos de declaração encontram fundamentação constitucional, posto que regulamentam o disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal que estabelece, ou melhor, impõe, como baliza inexpugnável do ofício de julgar, o dever de fundamentação e de motivação racional de toda e qualquer provimento do Poder Judiciário com conteúdo decisório.
O grave dever de fundamentar as decisões judiciais é, inclusive, corolário do princípio republicano, já que não vige, entre nós, salvo no Tribunal do Juri, o sistema da intima convicção, ou seja, os magistrados têm por dever de ofício a obrigação de fundamentar suas decisões, declinando, através do sistema do livre convencimento motivado as premissas utilizadas para decidir.
É norma de garantia fundamental, que afasta o arbítrio, e que legitima o próprio Poder Judiciário, estabelecendo entre ele e a sociedade, destinatária da atividade jurisdicional, uma relação de confiança já que o magistrado deverá indicar os fundamentos fáticos e jurídicos que o levaram a decidir de uma forma ou outra.
Neste sentido, é absolutamente imprescindível o papel dos embargos de declaração na fiscalização do exercício da atividade jurisdicional, especialmente pelas partes envolvidas no litígio e que esperam dele, do Poder Judiciário, nada menos que a estrita aplicação da lei ao caso concreto.
Além disso, é mister que a decisão judicial, além de fundamentada não contenha vícios que tornem a entrega da prestação jurisdicional maculada, impossibilitando sua compreensão e, pior, sua aplicação na realidade concreta da vida, afinal, toda decisão judicial, até mesmo nas ações declaratórias, busca, em algum grau, mudar a realidade.
Os embargos de declaração se prestam, portanto, a instrumentalizar o direito fundamental à adequada prestação jurisdicional sendo cabíveis em face de todo e qualquer provimento judicial de caráter decisório.
A decisão do Presidente da Corte Local, ou de seu vice, que nega seguimento a recurso especial tem sim caráter decisório e, portanto, é suscetível sim de causar gravame à parte, notadamente se presentes vícios que tornem a decisão omissa, contraditória ou obscura.
Em sendo assim, não se compreende por quê o Superior Tribunal de Justiça afasta o cabimento de tal modalidade recursal ainda que presentes os pressupostos processuais específicos de tal insurgência.
Com efeito, o fato do Presidente da Corte Local, ou do seu vice, atuar por “delegação” das Cortes Superiores na apreciação inicial da admissibilidade dos recursos excepcionais, não afasta, per si, o exercício de atividade jurisdicional. Em outras palavras, o “despacho” em referência é decisão judicial, com todas as suas características, inclusive com a possibilidade de formação de coisa julgada.
Tal “despacho”, por vezes, é suscetível de vir maculado dos vícios autorizadores da utilização do recurso de embargos de declaração. Do contrário, estaremos admitindo uma espécie de decisão judicial insuscetível de embargos de declaração, situação que contraria jurisprudência pacífica, inclusive do STJ, de que tal espécie é cabível contra qualquer decisão judicial.
A alternativa oferecida, segundo a qual a parte deve manifestar o agravo da lei 12.322/2010, não é satisfatória já que tal espécie recursal destina-se à finalidade típica de guindar a discussão contida no recurso especial à apreciação da Corte Superior.
Os embargos de declaração, diferentemente, destinam-se ao saneamento do julgado dos vícios de omissão, contradição ou obscuridade que podem afetar o despacho de admissibilidade da insurgência especial.
Além disso, é fato que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça retira da Corte Local a possibilidade de concessão de efeitos infringentes, admitidos por exceção em nossa ordem jurídica. Imagine-se, por exemplo, um despacho contraditório, publicado com erro no dispositivo. É correto impor à parte o ônus de agravar quando poderia, sem qualquer prejuízo ao ordenamento processual, obter a reforma do despacho ainda na Corte a quo?
A hipótese de petição comunicando o erro, nos termos do artigo 463, inciso I, do CPC, não é satisfatória, face à possibilidade de incidência de preclusão (já que não há suspensão de prazo recursal), caso o Presidente da Corte Local não visualize “erro material”, o que colocaria a parte em difícil situação do ponto de vista processual. O direito é dialético e o operador jurídico deve atuar sempre em busca da segurança jurídica, razão pela qual é, no mínimo, arriscado peticionar comunicando erro, quando não há evidência gritante de tal mácula. Mesmo assim, a parte ficaria sujeita ao subjetivismo do julgador, o que não é recomendável.
E nas hipóteses, comuns, diga-se, em que a Corte Local nega seguimento a recurso especial por um fundamento sem, no entanto, apreciar os demais pelos quais foi interposta a insurgência? A parte vai agravar o despacho denegatório e, ao mesmo tempo, reafirmar os demais fundamentos pelos quais entende que o recurso especial deve ser conhecido.
Não seria mais consentâneo com os princípios da economia e celeridade processuais permitir à parte embargar de declaração para sanear o despacho e, assim, quem sabe, obter o processamento do especial?
Como se vê, a questão que se coloca não é acerca da vinculação, ou não, da Corte Superior, ao decidido pelo Presidente da Corte Local. É evidente que a Corte ad quem não é obrigada a processar recurso especial que entende incabível. O recurso, especial ou respectivo agravo, ao aportar no STJ é objeto de análise de admissibilidade pelo relator e não há dúvida nenhum de que a conclusão do Ministro pode ser divergente da do Presidente da Corte a quo.
A questão não se coloca neste plano, nem na possibilidade de manejos sucessivos de embargos declaratórios pelas partes, que podem ser combatidos pela aplicação de multa, e de outras providências em defesa da dignidade da Justiça.
O que se defende aqui é a impossibilidade de se proceder à criação, por jurisprudência, de uma exceção ao disposto no artigo 535 do CPC, afastando o cabimento dos aclaratórios na hipótese do despacho de admissibilidade do recurso especial, em franca contrariedade ao entendimento segundo o qual toda e qualquer decisão judicial é passível de ser objeto de embargos de declaração.
O entendimento ora questionado, com o devido respeito, imuniza o despacho denegatório, por mais maculado que esteja, impossibilitando à parte, inclusive, corrigir equívocos e erros de maneira célere e consentânea com o sistema recursal.
Não permitir a utilização dos embargos de declaração contra o despacho denegatório de recurso especial, inclusive, implica em mitigação do princípio constitucional da motivação das decisões judiciais, razão pela qual tal entendimento, com o devido respeito, não deve prevalecer.
Nota
[1] Art. 504. Dos despachos não cabe recurso.