Resumo: O ordenamento jurídico pátrio consagrou o princípio da congruência, segundo o qual a decisão judicial deverá ter estrita relação com as pretensões do autor estabelecidas na inicial. A não observância deste princípio gera, por via de regra, sentenças extra, ultra ou citra petita. Trata-se de vício formal que deverá ser combatido pela parte interessada e reconhecido pelo juízo, com a consequente anulação da decisão proferida ou, pelo menos, da sua parte viciada. Mesmo após o trânsito em julgado da sentença, esses vícios ainda poderão ser perseguidos por meio do ajuizamento de uma ação rescisória, com base na ofensa a literal dispositivo de lei, desde que respeitado o prazo decadencial de dois anos.
Palavras-chave: Processo civil. Sentença. Extra petita. Ultra petita. Citra petita. Recorribilidade.
Sumário: Introdução. 1 – Sentença. 1.1 – Do conceito. 1.2 – Do princípio da congruência. 2 – Da recorribilidade das sentenças extra, ultra e citra petita. 2.1 – Da sentença extra petita. 2.2 – Da sentença ultra petita. 2.3 – Da sentença citra petita. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil não analisa os vícios causados pela prolação de uma sentença extra, ultra ou citra petita de maneira clara e satisfatória, desencadeando uma série de divergências doutrinárias e jurisprudenciais.
É certo que o sistema processual pátrio possui discussões cada vez mais aprofundadas, de modo que a análise individualizada de cada instituto se torna uma arma imprescindível para o operador do direito manejar o meio cabível e adequado, com a finalidade de perseguir uma prestação jurídica satisfatória.
Dessa forma, busca-se, por meio de uma vertente qualitativa, utilizando-se de técnicas de estudo indiretas e uma abordagem dedutiva, estabelecer quais os tipos de vícios que a sentença extra, ultra ou citra petita poderá acarretar, bem como o meio adequado para combatê-los, efetuando, sempre, um comparativo entre as principais correntes doutrinárias e a posição dominante no Superior Tribunal de Justiça.
Para tanto, faz-se necessário, primeiramente, tecer alguns comentários sobre o conceito de sentença consolidado na doutrina, bem como analisar a adoção, pelo sistema processual vigente, do princípio da congruência. A partir desse ponto, passaremos a analisar individualmente as decisões extra, ultra e citra petita e as suas respectivas recorribilidades.
1. SENTENÇA
1.1. Do conceito
A antiga redação do §1º do art. 162 do Código de Processo Civil definia sentença como “o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. No entanto, com o advento da Lei nº 11.232/2005, o referido dispositivo legal passou a ter outra redação, estabelecendo que “sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269” do CPC, que cuidam da extinção do processo sem ou com resolução do mérito, respectivamente, razão pela qual o legislador passou a relacionar a definição legal de sentença com o conteúdo contido nos referidos dispositivos legais.
Segundo Fredie Didier Jr. (2010), a principal finalidade da mudança na legislação se deu em virtude do entendimento de que a sentença não mais encerra o processo, uma vez que, com o sincretismo processual, a prolação da decisão enseja a sua execução imediata, não necessitando dar início a um novo processo para o referido fim.
Dessa forma, o renomado doutrinador afirma, ainda, que a mencionada alteração legislativa foi bastante infeliz, tendo em vista que o §1º do art. 162 passou a estabelecer o conceito de sentença, somente, com base no seu conteúdo. Ocorre que este não lhe é exclusivo, o que poderá acarretar uma confusão terminológica ainda maior. Assim, nos moldes do art. 267 do CPC, os atos que pusessem termo ao processo, sem a resolução do mérito, continuariam a ser considerados como sentença. Por outro lado, do art. 269 do mesmo dispositivo legal, chegar-se-ia à ilação de que sentença seria todo e qualquer ato processual que resolvesse o mérito, independentemente de por fim ao procedimento ou não, o que não se pode admitir.
Então, Didier Jr. (2009) defende que, apesar da reforma legislativa efetuada pela Lei nº 11.232/2005, para a conceituação de sentença, deve-se levar em consideração o ato que põe termo a uma das etapas do procedimento em primeira instância, com ou sem a resolução do mérito.
Ao analisar o tema, Alexandre Freitas Câmara (2009) vai ainda mais além, ensinando que o entendimento de que a sentença põe termo ao processo ou a um procedimento também parece ser inadequado, pois o procedimento em primeira instância não se encerra imediatamente após a prolação da sentença, podendo o juiz, após este pronunciamento, praticar determinados atos relativos ao recurso por ventura interposto, como no caso do recebimento da apelação. Dessa forma, o eminente doutrinador defende a corrente de que a sentença não põe fim ao procedimento, mas sim ao dever do magistrado de julgar o processo, resolvendo ou não o seu objetivo.
A importância da conceituação correta de sentença está intimamente ligada com a organização do sistema processual, mormente, no que se refere à recorribilidade das decisões. Isso porque, pode-se afirmar, por via de regra, que da sentença cabe apelação (art. 513 do CPC), enquanto que da decisão interlocutória cabe o recurso de agravo (art. 522 do CPC).
1.2. Do princípio da congruência
O art. 460 do CPC estabelece que “é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado”. Nesse modo, o dispositivo legal consagra no ordenamento processual civil o princípio da congruência, também conhecido como princípio da correlação ou da adstrição.
No entanto, o dispositivo legal se refere, apenas, à correlação da decisão judicial no que se refere ao que foi inicialmente pedido pelo autor. De acordo com Daniel Amorim Assumpção Neves (2009), o princípio da congruência deverá ir ainda mais além, alcançando não só a o pedido, mas também a causa de pedir e os sujeitos. Nesse passo, pode-se estabelecer a regra geral, no sentido de que é nula a sentença que conceder a mais ou diversamente do que foi inicialmente requerido, nos termos do citado art. 460 do CPC. Ademais, vislumbra-se a nulidade, também, quando a sentença for fundamentada em causa de pedir não relatada pelo demandante, bem como na decisão que não julga a lide em relação a alguma parte ou atinge terceiros estranhos ao processo.
A esse propósito, necessário se faz mencionar o entendimento do renomado doutrinador Didier Jr. (2010), que subdivide o princípio ora estudado em congruência interna e externa. Esta é relacionada à adstrição da sentença com os sujeitos envolvidos no processo, que se chama congruência subjetiva, e com os elementos que formam a causa de pedir e o pedido – congruência objetiva. Já no que se refere à congruência interna, como deverá haver uma correlação estreita entre a decisão proferida e o pedido, entende-se que a sentença deverá conter três requisitos internos inerentes ao pedido: certeza, liquidez e clareza/coerência.
Para Neves (2009), o princípio da congruência é baseado em dois outros princípios, quais sejam, o da inércia da jurisdição e o do contraditório e da ampla defesa. O primeiro, porque estabelece que o juízo só deverá se movimentar quando provocado pela parte interessada, sempre respeitando os sujeitos do processo, bem como os limites impostos na causa de pedir e no pedido da peça preambular. É também fundamentada no contraditório e na ampla defesa porque o demandando sempre elaborará a sua defesa baseada nos limites estabelecidos pelo autor ao provocar o poder judiciário, de modo que não é necessário se defender do que não foi narrado, do que não foi pedido ou de quem não faz parte da demanda.
Vale salientar que, como toda regra, o princípio da congruência comporta algumas exceções, devidamente previstas em lei, nas quais a decisão judicial poderá sobrepujar o que foi pedido inicialmente. É o caso dos pedidos implícitos – despesas e custas processuais, honorários advocatícios (art. 20 do CPC), correção monetária (art. 404 do CPC), prestações vincendas e inadimplidas no curso da demanda judicial (art. 290 do CPC) e os juros legais/moratórios (arts. 404 e 406 do CPC) –, hipótese em que o juiz poderá concedê-los, independentemente de pedido expresso do autor. Nesse mesmo sentido, aplicando-se o princípio da fungibilidade poderá o magistrado conceder prestação jurisdicional diversa da que foi pedida, como no caso das ações cautelares e das ações possessórias. Por fim, é também exceção ao princípio da congruência o estabelecido no art. 461 do CPC, que determina que o juiz poderá, para assegurar o resultado prático ou equivalente, conceder tutela específica nas ações que versem sobre o cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer.
2. DA RECORRIBILIDADE DAS SENTENÇAS EXTRA, ULTRA E CITRA PETITA
Quando o princípio da congruência não for respeitado pelo magistrado, ou seja, quando os limites externos e internos traçados pelo autor da demanda ao instaurar o processo forem excedidos ou não observados, poderá ocorrer três diferentes tipos de sentenças: a extra petita, a ultra petita e a citra petita
2.1. Da sentença extra petita
A sentença extra petita poderá ocorrer em três casos distintos: quando o juiz conceder algo diverso do pedido formulado na inicial; quando o magistrado se utilizar de fundamento de causa de pedir não ventilada pelas partes; ou quando a sentença atingir terceiro estranho à relação jurídica processual instaurada, deixando de decidir em relação a quem dela participou.
Sabe-se que o art. 286 do CPC preceitua que o pedido formulado pelo autor deverá ser, por via de regra, certo e determinado. Portanto, quando a sentença que não respeita a certeza estabelecida no pedido e concede à parte algo estranho, deverá ser anulada. Da mesma forma, é passível de anulação o pronunciamento judicial que se fundamenta em causa petendi diversa da ventilada no processo. O mesmo raciocínio se enquadra no caso da decisão que atinge terceiro, uma vez que este, como não participou da relação processual, não obteve a oportunidade de exercitar o contraditório e a ampla defesa, motivo pelo qual a sentença também deve ser declarada nula.
Da sentença extra petita proferida pelo juiz, caberá o recurso de apelação (art. 513 do CPC) fundamentado em erro de procedimento, devendo o recorrente pleitear a anulação da decisão combatida. Trata-se, nesse caso, de error in procedendo intrínseco, ou seja, de um vício formal da própria decisão impugnada, requerendo-se a anulação da referida decisão, e a consequente devolução do processo para o juízo a quo, com a finalidade de ser proferido um pronunciamento judicial adequado.
A corroborar o exposto acima, é de todo oportuno trazer à colação o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que, em julgamento recente, decidiu o seguinte, ipsis litteris:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. ANULAÇÃO. RECURSO PROVIDO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM.
1. Viola os artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil o acórdão do Tribunal de Justiça que, a despeito da oposição de embargos de declaração, julga questão diversa da matéria posta a deslinde na petição inicial.
2. Reconhecida a ocorrência de julgamento extra petita, impõe-se anulação dos acórdãos proferidos pelo Tribunal de origem, com a devolução dos autos para que a lide seja apreciada nos limites em que foi proposta.
3. Agravo regimental improvido[1].
Questão interessante surge quando a decisão puder ser dividida em diversos capítulos de sentença e apenas um deles se mostrar extra petita, ou seja, passível de anulação. Primeiramente, faz-se mister destacar que Cândido Rangel Dinamarco (2009) ensina que a sentença, apesar de ser formalmente única, poderá ser divida em capítulos autônomos e independentes entre si, contidos na parte dispositiva da decisão.
Nesse rumo, Didier Jr. (2010), entende que, possuindo a decisão diversos capítulos e apenas um deles for extra petita – error in procedendo – somente será necessária a anulação daquela parte viciada, e não de toda a sentença. Outrossim, revela-se de bom alvitre destacar decisão proferida pela Quarta Turma do STJ, de relatoria do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, verbo ad verbum:
PROCESSO CIVIL. SENTENÇA. DIVISÃO EM CAPÍTULOS. POSSIBILIDADE.
IMPUGNAÇÃO PARCIAL. PRINCÍPIO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APELLATUM. TRÂNSITO EM JULGADO DOS DEMAIS CAPÍTULOS, NÃO IMPUGNADOS. NULIDADE. JULGAMENTO EXTRA PETITA. FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS E INDEPENDENTES. ANULAÇÃO PARCIAL. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO.
I - A sentença pode ser dividida em capítulos distintos e estanques, na medida em que, à cada parte do pedido inicial, atribui-se um capítulo correspondente na decisão.
II - Limitado o recurso contra parte da sentença, não pode o tribunal adentrar no exame das questões que não foram objeto de impugnação, sob pena de violação do princípio tantum devolutum quantum appellatum.
III - No caso, a sentença foi dividida em capítulos, e para cada um foi adotada fundamentação específica, autônoma e independente.
Assim, a nulidade da sentença, por julgamento extra petita, deve ser apenas parcial, limitada à parte contaminada, mormente porque tal vício não guarda, e nem interfere, na rejeição das demais postulações, que não foram objeto de recurso pela parte interessada (a autora desistiu de seu recurso).
IV - Outra seria a situação, a meu ver, se a sentença tivesse adotado fundamento único, para todos os pedidos. Nesse caso, o vício teria o condão de contaminar o ato como um todo[2].
Portanto, o julgamento extra petita importa em error in procedendo, cabendo, por via de regra, a interposição do recurso de apelação, o que acarretará a possível anulação total ou parcial – capítulo de sentença – da decisão proferida, devendo os autos retornar ao juízo a quo para a prolação de nova decisão.
Por fim, impende ressaltar que, caso já tenha a sentença transitada em julgado, poderá a parte interessada, no prazo decadencial de 2 (dois) anos, ajuizar uma ação rescisória, com base na ofensa a literal do art. 460 do CPC (art. 485, V, do CPC).
2.2. Da sentença ultra petita
Ocorre o julgamento ultra petita quando o magistrado concede a tutela jurisdicional correta, entregando o bem da vida perseguido pelo autor, sobrepujando, contudo, a sua quantidade.
Desse modo, a sentença ultra petita se difere da extra petita, anteriormente analisada. Nesta, o julgador concede tutela diversa da pretendida pelo requerente, enquanto naquela o juiz analisa o pedido e seus respectivos fundamentos fáticos e jurídicos, mas se excede, concedendo mais do que foi pleiteado. Nessa esteira, pode-se afirmar que há sentença ultra petita quando o magistrado, ao condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais, estabelece o quantum indenizatório superior ao fixado pelo autor na peça de ingresso. Noutras palavras, concedeu-se a tutela e o bem pretendido pelo demandante, extrapolando, no entanto, a quantidade inicialmente perseguida.
No aspecto subjetivo, também poderá haver sentença ultra petita, quando o magistrado, além de decidir em relação aos sujeitos integrantes da relação processual, vincula terceiro que dela não participou, ou seja, vai além dos limites subjetivos impostos no próprio processo.
Torna-se oportuno destacar que, de acordo com Neves (2009), não se pode falar em decisão ultra petita em relação à causa petendi, pois uma causa de pedir, de forma alguma, poderá ser mais do que outra, mas tão somente diversa. Assim, dada essa impossibilidade, segundo o doutrinador, caso o juiz analise uma causa de pedir diferente da exposta na inicial, a sentença jamais poderá ser considerada ultra petita, e sim extra petita.
O art. 286 do CPC, apesar de estabelecer que o pedido deverá ser certo e determinado, possibilita a hipótese, em determinados casos, de realização de pedido genérico. Neste nessa hipótese, também não há que se falar em sentença ultra petita, uma vez que, ante a inexistência de determinação expressa e clara do pedido, não há como se concluir que a decisão extrapolou os limites traçados pelo autor em relação à quantidade do bem pretendido.
Da mesma forma da sentença extra petita, ao ultrapassar os limites fixados pelo autor, a sentença ultra petita se eiva de error in procedendo, motivo pelo qual deve ser pleiteada a sua anulação. De acordo com os ensinamentos de Didier Jr. (2010), nesse caso, a decisão poderá ser dividida em, pelo menos, dois capítulos distintos. O primeiro, em relação à tutela jurisdicional e o bem da vida corretamente concedido. O segundo, no tocante ao excedente.
Nesse passo, segundo o renomado autor, não há qualquer motivo que justifique a anulação de toda a decisão, bastando, para tanto, a declaração da nulidade do capítulo de sentença que extrapolou os limites fixados no pedido. Esse entendimento, inclusive, é o dominante no STJ, razão pela qual se mostra oportuno transcrever o seguinte aresto, ad litteram:
Agravo regimental. Agravo de instrumento não admitido. Julgamento ultra petita.
1. O acórdão recorrido está em harmonia com a jurisprudência da Corte no sentido de que "o reconhecimento do julgamento ultra petita não implica a anulação da sentença; seu efeito é o de eliminar o excesso da condenação (REsp nº 84.847/SP, 3ª Turma, Relator Ministro Ari Pargendler, DJ de 20/9/99)" (fl. 291).
2. Agravo regimental desprovido[3].
Da prolação de uma sentença ultra petita, a regra geral aduz que caberá o recurso de apelação (art. 513 do CPC), buscando-se a anulação do capítulo de sentença que excede o limite fixado pelo autor. O referido error in procedendo é, inclusive, fundamento para o ajuizamento de uma eventual ação rescisória, caso a decisão tenha transitado em julgado. Trata-se de ação baseada em ofensa a literal dispositivo de lei (art. 485, V, do CPC), especificamente, o art. 460 do CPC, que buscará a desconstituição da parte viciada – excedente – da decisão que transitou em julgado.
2.3. Da sentença citra petita
Por outro lado, a sentença citra petita – ou infra petita – é aquela que não decide todos os pedidos realizados pelo autor, que deixa analisar causa de pedir ou alegação de defesa do demandado ou que não julga a demanda em relação a todos os sujeitos processuais que dela fazem parte. Em brilhante definição, Didier Jr. (2010, p. 319) ensina que “se na decisão ultra petita o juiz exagera e, na extra petita, ele inventa, na decisão citra petita o magistrado se esquece de analisar algo que tenha sido pretendido pela parte ou tenha sido trazido como fundamento do seu pedido ou da sua defesa”.
De acordo com os ensinamentos de Neves (2009), para que se possa existir uma sentença citra petita, deve-se haver, pelo menos, uma cumulação de pedidos. Isso porque, caso haja apenas um pedido e o juiz deixe de analisá-lo, não haverá o que decidir. Dessa forma, para a melhor compreensão deste tópico, revela-se oportuno ressaltar os diferentes tipos de cumulação de pedidos.
Segundo o mencionado autor, na cumulação simples, todos os pedidos são completamente independentes entre si, de modo que o magistrado deverá decidir todos eles, sob pena de nulidade. Já na cumulação sucessiva, na qual a análise do pedido posterior é dependente da procedência do anterior, caso o pedido precedente seja indeferido, não há razão para o juiz enfrentar o subsequente, por restar prejudicado. Na cumulação subsidiária, em que se estabelece uma ordem de preferência entre os pedidos, a procedência do primeiro prejudicará a análise do segundo, impedindo a sua análise pelo magistrado. Por fim, na cumulação alternativa, o acolhimento de qualquer um dos pedidos alternativamente formulados prejudica os demais, razão pela qual também não deverão ser enfrentados.
No que se refere ao julgamento citra petita relacionado à causa de pedir e aos fundamentos da defesa, Neves (2009) ensina que o juiz não está obrigado a embasar a decisão proferida em todas as alegações ventiladas pela parte vitoriosa. Assim, caso o magistrado acolha o pedido do autor, baseando-se em uma das alegações do requerente, não há motivos para analisar as demais. Da mesma forma, na hipótese de ser acolhido um dos fundamentos da defesa, julgando improcedente o pedido, poderá o magistrado não apreciar as demais matérias defensivas relativas ao mesmo pedido. Segundo o autor, há julgamento citra petita quando a sentença não analisar o fundamento fático ou jurídico suscitado pela parte derrotada.
Há uma clara distinção entre a sentença que deixa de apreciar um pedido, a decisão que deixa de analisar fundamento fático ou jurídico alegado pela parte e a que não decide a causa em relação a uma das partes. No primeiro caso, não é correto afirmar que a decisão está eivada de um vício processual, haja vista que não há julgamento do pedido, ou seja, não há vício no que não existe. Desse modo, Didier Jr. (2010) adota o posicionamento de que, nessa hipótese, a decisão não merece ser anulada, mas tão somente integrada, tornando-a completa.
Mesmo raciocínio não pode ser aplicado, contudo, quando o juiz, ao decidir sobre determinado pedido, deixa de apreciar questão essencial ventilada pela parte. Nessa hipótese, há decisão eivada de vício que deverá ser devidamente sanado, respeitando-se os princípios do contraditório e da motivação das decisões judiciais.
Portanto, havendo sentença citra petita, existe omissão que deverá ser sanada. Nesse passo, o recurso adequado para combater a omissão do julgador é os embargos de declaração, com base no inciso I do art. 535 do CPC. Acontece que corrente doutrinária defendida por Didier Jr. (2010) entende que a não oposição dos embargos de declaração não gera, nesse caso, qualquer tipo de preclusão, uma vez que a parte poderá atacar a decisão por meio do recurso de apelação (art. 513 do CPC).
Questão interessante levantada por Neves (2009) é na hipótese de anulação ou não, pelo tribunal, da decisão judicial que deixa de analisar pedido formulado pelo autor. Isso porque, corroborando o entendimento de Didier Jr. (2010), o referido autor entende que, nesse caso, não há qualquer tipo de vício na decisão, já que o pedido sequer chegou a ser decidido. Segundo essa corrente doutrinária, em face da ausência de qualquer vício na decisão, esta deverá, apenas, ser integrada, mantando-se intacta a matéria já decidida.
Entretanto, esse entendimento não é o adotado pelo STJ, que possui diversas decisões, no sentido de que a existência de sentença citra petita gera a anulação da decisão, caracterizando-se, inclusive, como nulidade de natureza absoluta, podendo ser reconhecida ex officio pelo juiz. Nesse pórtico, dentre tantos outros julgamentos existentes, insta transcrever o seguinte aresto, verbis:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – IPTU – SENTENÇA CITRA PETITA – ANULAÇÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM MANTIDA.
1. Considera-se citra petita a sentença que não aborda todos os pedidos feitos pelo autor.
2. Na hipótese dos autos, havendo julgamento aquém do pedido, correto o encaminhamento dado pelo Tribunal de origem de anular a sentença para que outra seja proferida.
3. Recurso especial improvido[4].
Já no que se refere à ação rescisória, parcela da doutrina defende que, na hipótese de trânsito em julgado de decisão que não apreciou pedido expresso realizado pelo autor, considera-se que este nunca foi realizado, já que apenas o dispositivo da sentença faz coisa julgada material, possibilitando-se, assim, o ajuizamento de nova demanda. No entanto, o STJ possui entendimento majoritário[5] no sentido de ser cabível a ação rescisória em todos os casos de sentença citra petita, desde que não transcorrido o prazo decadencial de 2 (dois) anos, em razão de ofensa a literal dispositivo de lei (art. 485, V, do CPC).