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Quem está obrigado a licitar: uma consolidação à luz do TCU e dos tribunais superiores

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Agenda 10/12/2012 às 14:35

8. Os conselhos profissionais e a posição da OAB

Tradicionalmente, a doutrina sempre classificou os conselhos profissionais como sendo de natureza autárquica, de maneira que estariam todos eles subordinados às prescrições da lei nº. 8.666/93. O entendimento foi reforçado quando o STF declarou a inconstitucionalidade do art. 58 da lei nº. 9.649/98, que pretendeu delegar os serviços de fiscalizações de profissões regulamentadas a entidades privadas. Segundo a Corte Suprema, as atividades destes conselhos são indelegáveis porquanto sejam típicas de Estado, abrangendo o poder de polícia, de tributar e de punir[16].

Todavia, no caso específico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o STF entendeu que a entidade não estaria sujeita à observância das normas de direito administrativo:

Não procede a alegação de que a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB sujeita-se aos ditames impostos à administração pública direta e indireta. A OAB não é uma entidade da administração indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como ‘autarquias especiais’ para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas ‘agências’. Por não consubstanciar uma entidade da administração indireta, a OAB não está sujeita a controle da administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. (ADI 3.026, Plenário, rel. Min. Eros Grau, julgamento em 8-6-2006, DJ de 29-9-2006)

Assim, todos os conselhos profissionais, com exceção da OAB, encontram-se submetidos à disciplina da lei nº. 8.666/93[17].


9. Terceiro setor e paraestatais

Diz-se terceiro setor o conjunto de entidades privadas sem fins lucrativos que desempenham atividades de interesse púbico, atuando de maneira complementar à Administração, ou mesmo em substituição a esta. Trata-se de uma terminologia sociológica utilizada em contraposição ao primeiro setor (Estado) e ao segundo setor (mercado).

As instituições do terceiro setor podem ou não guardar vínculo com o Poder Público, ocasião em que, se vínculo houver, passarão também a ser chamadas de paraestatais. Atualmente, são três as espécies de entidades paraestatais: a) os serviços sociais autônomos (SSA); b) organizações sociais (OS); c) organizações da sociedade civil de interesse público (oscip).

Os serviços sociais autônomos, também conhecidos coletivamente como sistema “S” (SESC, SENAI, SENAC, etc.), são entidades privadas criadas por lei para desempenhar atividades assistenciais ou de ensino a determinadas categorias profissionais. Embora derivem da vontade estatal, tais entidades não integram a Administração Pública, razão pela qual não se sujeitam à lei nº. 8.666/93.

Todavia, cumpre notar que os serviços sociais autônomos são mantidos por meio de recursos públicos, sujeitando-se, portanto, ao regime de execução da despesa pública, cujos princípios gerais coincidem com os da licitação. Assim, o SSA deverá se utilizar de procedimentos próprios que garantam o respeito aos princípios da moralidade, da impessoalidade, da isonomia, da publicidade, etc. Neste sentido:

(...) o TCU, em remansosa jurisprudência, tem afirmado que os serviços sociais autônomos, por não integrarem, em sentido estrito, a Administração Pública, não se sujeitam aos ditames da Lei n.º 8.666/93, mas sim aos princípios gerais que regem a matéria, devendo contemplá-los em seus regulamentos próprios. E tais regulamentos, mesmo obedecendo aos princípios gerais do processo licitatório, podem não contemplar procedimentos constantes da Lei de Licitações, de obediência compulsória por parte dos órgãos e entidades da Administração Pública. (Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos nº 18, Acórdão n.º 1192/2010, Plenário, rel. Min. José Múcio Monteiro)

Na mesma esteira, o STF possui precedente sobre o tema. Na hipótese específica, tratava-se de serviço social autônomo criado por lei paranaense com a finalidade de auxiliar na gestão do Sistema Estadual de Educação:

A CF, no art. 37, XXI, determina a obrigatoriedade de obediência aos procedimentos licitatórios para a administração pública direta e indireta de qualquer um dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A mesma regra não existe para as entidades privadas que atuam em colaboração com a administração pública, como é o caso do PARANAEDUCAÇÃO.

Não se verifica vício de inconstitucionalidade na norma que impõe à entidade de natureza privada obediência a procedimento simplificado de licitação, pois não há obrigatoriedade constitucional de que o procedimento seja obedecido. (ADI 1.864, Plenário, rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 08-08-2007, DJE de 2-5-2008.)

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Também compondo o rol de entidades paraestatais, as organizações sociais nada mais são do que a qualificação dada a pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos após um processo de habilitação perante o Poder Executivo. Regidas pela lei nº. 9.637/98, as organizações sociais surgiram no contexto do Programa Nacional de Publicização com a finalidade de absorver, mediante contrato de gestão firmado com o Poder Público, atividades desenvolvidas por órgãos e entidades públicas nas áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde. Significa dizer que a aquisição do título de OS e a assinatura do contrato de gestão habilitam a entidade a receber recursos orçamentários e administrar serviços, instalações e equipamentos públicos.

Com bastante semelhança à sistemática das organizações sociais, a lei nº. 9.790/99 criou as organizações da sociedade civil de interesse público. As chamadas oscips são entidades privadas sem fins lucrativos que, após receberem tal qualificação pelo Ministério da Justiça, poderão executar diretamente projetos, programas e planos de ações relacionados às finalidades previstas no art. 3º da referida lei[18], mediante assinatura de termo de parceria com o Poder Público[19].

Assim como os serviços públicos autônomos, tanto as organizações sociais quanto as organizações da sociedade civil de interesse público, embora não sejam integrantes da Administração Pública, estão obrigadas a contratar mediante procedimentos próprios de contratação que sejam compatíveis com os princípios gerais da licitação e da execução da despesa pública.

Neste sentido, dispõe o art. 17 da lei nº. 9.637/98 que “a organização social fará publicar, no prazo máximo de noventa dias contado da assinatura do contrato de gestão, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público”. Em relação às oscips, prevê o art. 14 da lei nº 9.790/99 que “a organização parceira fará publicar, no prazo máximo de trinta dias, contado da assinatura do Termo de Parceria, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público”.

Com efeito, o controle estatal sobre as entidades paraestatais não se prende ao cumprimento da lei nº. 8.666/93, haja vista não se tratar de integrantes da Administração Pública. Ao contrário disso, consubstancia-se mais em um controle finalístico de resultados, pautado na verificação de obediência aos princípios basilares da Administração Pública, entre os quais sobressai o da eficiência na aplicação dos recursos públicos[20].

Neste sentido, é interessante observar que o TCU reformou recentemente o Acórdão 4.520/2009, da 1ª Câmara, que havia expedido determinação ao SESC no sentido de adotar “preferencialmente a licitação na modalidade pregão para a aquisição de bens e serviços comuns, conforme dispõe a Lei 10.520/2002”. Analisando o recurso oposto contra a decisão, a 1ª Câmara da Corte entendeu, no Acórdão 5613/2012, que a referência à lei nº. 10.520/2002 era, de fato, incorreta, determinando apenas, com lastro nos princípios da eficiência e da economicidade, que o SESC adequasse o seu Regulamento de Licitações e Contratos, para prever a preferência da modalidade pregão na aquisição de bens e serviços comuns.


10. Referências

BRUNA, Sérgio Varella. Agências reguladoras: poder normativo, consulta pública, revisão judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Empresas estatais. Submissão à lei n. 8.666. Aspecto jurídico constitucional. In: ______. et al. Temas Polêmicos sobre licitações e contratos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

FURTADO, Lucas Rocha. Direito administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

MACHADO JÚNIOR, José Teixeira; REIS, Heraldo da Costa. A lei 4320 comentada. 31. ed. Rio de Janeiro: IBAM, 2002/2003.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.


Notas

[1] O art. 37 da Constituição Federal prevê que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

[2] Cf. TCU, Acórdão 430/2005, Plenário, rel. Lincoln Magalhães Rocha.

[3] Art. 173, § 1º. A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública.

[4] Em sentido contrário, DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Empresas estatais. Submissão à lei n. 8.666. Aspecto jurídico constitucional. In: ______. et al. Temas Polêmicos sobre licitações e contratos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, pp. 26-27.

[5] Acórdão 624/2003, Plenário, rel. Ubiratan Aguiar.

[6] Entre tantos precedentes, cf. STJ, Primeira Turma, REsp 594.117-RS, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 18-05-2006, DJ de 25-09-2006.

[7] Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 522.

[8] ADI 1668-MC, Plenário, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 20-08-1998, DJ de 16-04-2004.

[9] Decisão nº. 497/1999, Plenário, rel. Bento Bugarin.

[10] O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público.

[11] Sobre o tema, vale citar a lição de Sérgio Varella Bruna: “Não se pode admitir que a lei, simplesmente, transfira ao Poder Executivo a função de ‘disciplinar’ uma certa matéria; é imperioso que ela mesma estabeleça, em linhas gerais, qual deverá ser essa disciplina, quais os objetivos a atingir, sob pena de representar verdadeira abdicação da função de legislar sobre o assunto, aí sim, uma subversão da legalidade e do sistema de distribuição de competências previsto na Constituição” (Agências reguladoras: poder normativo, consulta pública, revisão judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 117.

[12] No mesmo sentido, cf. Acórdãos nºs. 981/2009, 2.457/2009, 2.920/2009 e 859/2010, 1325/2010, todos do Plenário.

[13] No mesmo sentido foram as decisões proferidas nos mandados de segurança 25.986-MC/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ 30.6.2006; 26.410-MC/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 02.3.2007; 27.837-MC/DF, Min. Gilmar Mendes, DJe 05.02.2009; 27.232-MC/DF, 27.337-MC/DF, 27.344-MC/DF e 28.252-MC/DF, rel. Min. Eros Grau, DJe 20.5.2008, 28.5.2008, 02.6.2008 e 29.9.2009; 27.743-MC/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 15.12.2008; 28.626-MC/DF, rel. Min. Dias Toffoli, DJe 05.3.2010; 26.783-MC/DF e 26.808-MC/DF, Min. Ellen Gracie, DJ 1º.8.2007 e 02.8.2007; e na ação cautelar 1.193-MC-QO/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJ 30.6.2006.

[14] MACHADO JÚNIOR, José Teixeira; REIS, Heraldo da Costa. A lei 4320 comentada. 31. ed. Rio de Janeiro: IBAM, 2002/2003, p. 161.

[15] Também entendendo pela inconstitucionalidade de se criar entidades públicas distintas das previstas no art. 37, XIX e XX, da Constituição Federal: FURTADO, Lucas Rocha. Direito administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

[16] ADI 1.717, Plenário, rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 07-11-2002, DJ de 28-03-2003.

[17] Registre-se que antes mesmo da decisão do STF, o TCU já havia firmado o entendimento de que o Conselho Federal e os Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil não estariam obrigados a prestar contas ao tribunal, não porque a OAB não seria uma autarquia coorporativa, mas por respeito à coisa julgada decorrente da decisão proferida pelo Tribunal Federal de Recursos nos autos do recurso de mandado de segurança nº 797, julgado em maio de 1951 (Acórdão nº. 1765/2003, Plenário, rel. Augusto Sherman Cavalcanti).

[18] As finalidades são as seguintes: promoção da assistência social (inc. I); promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico (inc. II); promoção gratuita da educação (inc. III); promoção gratuita da saúde (inc. IV); promoção da segurança alimentar e nutricional (inc. V); defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável (inc VI); promoção do voluntariado (inc. VII); promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza (inc. VIII); experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito (inc. IX); promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar (inc. X); promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais (inc. XI); estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas anteriormente (inc. XII).

[19] No que diz respeito às figuras do contrato de gestão e do termo de parceria, não há dúvida que elas guardam a mesma configuração jurídica, a qual encontra maiores similitudes com um convênio do que com um contrato propriamente dito, mormente pela ausência de interesses contrapostos entre as partes.

[20] De acordo com o TCU, os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade são atendidos com, no mínimo, a realização de cotação prévia de preços no mercado antes da celebração do contrato, na linha do art. 11 do decreto nº. 6.170/2007, que disciplina transferências de recursos da União mediante convênios, contratos de repasse e termo de cooperação. Cf. Acórdão nº. 114/2010, Plenário, rel. Benjamin Zymler.

Sobre o autor
Diego Franco de Araújo Jurubeba

Procurador Federal. Consultor Jurídico do Ministério da Integração Nacional. Graduado em Direito pela UFPE. Pós-Graduado em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JURUBEBA, Diego Franco Araújo. Quem está obrigado a licitar: uma consolidação à luz do TCU e dos tribunais superiores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3449, 10 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23200. Acesso em: 22 nov. 2024.

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