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A oposição de pessoas jurídicas de direito público federal em processo pendente na Justiça Estadual.

A (im)possibilidade de modificação de competência absoluta, processamento e críticas

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Agenda 03/01/2013 às 07:05

A competência absoluta não pode ser modificada. Mas há um caso, consagrado na jurisprudência, em que esta regra não se aplica: a propositura de oposição por pessoas de direito público federal em face de particulares em processo da Justiça Estadual

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da oposição. 2.1. Classificação e processamento. 2.2. A relação de prejudicialidade entre oposição e ação. 2.3. Competência para julgamento da oposição. 3. A oposição e o Projeto de Lei do Senado n. 166, de 2010. 3.1. A continuidade da oposição à revelia do legislador. 4. A oposição das pessoas jurídicas de direito público federal em processo pendente na Justiça Estadual. 4.1. O julgamento da oposição e ação pela Justiça Federal e a Teoria Geral do Processo. 4.2. A nova ordem constitucional e o art. 125, §2º, da CF/1969. 5. Conclusão. Referências.

RESUMO: O presente trabalho pretende analisar um caso especial de modificação de competência: a oposição promovida por entes federais em Processo pendente na Justiça Estadual. Para tanto, inicialmente realiza-se um breve estudo da competência. Logo após, estuda a oposição, abordando e tecendo críticas ao Projeto de Lei do Senado n. 166, de 2010, no que toca à supressão de tal modalidade de intervenção de terceiros, e na continuidade de sua utilização. Em seguida, o autor se debruça, com apoio na doutrina e na jurisprudência pátria, na análise de casos concretos, apontando o equívoco e (in)consequências do processamento e julgamento das demandas, oposição e ação, pela Justiça Federal. Por fim, apresenta soluções concordes com lições básicas de Teoria Geral do Processo e Direito Constitucional.

PALAVRAS-CHAVE: Competência absoluta. Oposição. Justiça Federal. Justiça Estadual. Entes federais.


1. INTRODUÇÃO

A jurisdição é o poder-dever de dizer qual o direito que deve ser aplicado de forma imperativa e definitiva ao caso concreto e o seu exercício, realizado predominantemente pelo Poder Judiciário,[1] é limitado internamente pela instituição de competências pela Lei e Constituições. Diversos critérios normativos determinam a competência (o limite de atuação) do juízo: matéria, pessoa, valor, função e território. Interessa-nos, no momento, o critério que confere relevo à pessoa.

A competência ratione personae leva em conta a natureza jurídica ou função exercida pelas pessoas envolvidas no processo e é instituída levando em conta o interesse público. Logo, está contida na esfera da competência absoluta. São exemplos: a presença de entes federais e julgamento do processo pela Justiça Federal (arts. 108 e 109, da CF);[2] a função pública exercida pela pessoa (a autoridade coatora) para o julgamento de mandado de segurança; e a criação de juízos exclusivos para julgar processos envolvendo a Fazenda Pública Estadual.

As normas jurídicas que tratam da competência absoluta possuem natureza cogente, daí a sua aplicação ser inevitável, não preponderando os interesses das pessoas envolvidas na lide na escolha do juízo e a incumbência do magistrado de zelar pelo cumprimento de tais normas. Nesta toada, o art. 113 estabelece que o magistrado tem o dever de reconhecer a sua incompetência absoluta, inclusive ex officio, e que as partes podem alegá-la a qualquer tempo. A infração ao seu regime jurídico é tão séria que sua hipótese está prevista no art. 485, II, como fundamento para a rescisão de julgado com tal vício.

É lição cediça a de que a competência absoluta não pode ser modificada, ou seja, não pode ser prorrogada ou derrogada. Mas há um caso, consagrado na jurisprudência, em que esta lição, escrita com uma ponta de diamante em uma lâmina de esmeralda, não se aplica: a propositura de oposição por pessoas de direito público federal (ou empresas públicas federais) em face de particulares (ou de particulares e Fazenda Pública Estadual) em processo que tramita na Justiça Estadual, que será abordado de forma detida adiante.


2. DA OPOSIÇÃO

A oposição é uma intervenção ad excludendum, que tem natureza de demanda e é, em regra, voluntária.[3] Trata-se, portanto, de uma manifestação do direito de ação, assegurado constitucionalmente (art. 5º, XXXV), mas não se ocupa apenas do nomem juris da demanda prevista nos arts. 56 e seguintes do CPC. Precisamente, tais artigos regulam uma peculiar situação jurídica de direito material, descrita no art. 56, prevendo um processamento e julgamento diferenciados para o processo que contém tal particularidade.

A oposição também tem natureza de demanda bifronte, pois o opoente tem dupla pretensão dirigida contra autor e réu da ação originária, ou seja, há uma pretensão em face das duas partes da demanda dita principal: “em face do autor originário, pretensão meramente declaratória: em face do réu originário, pretensão relacionada a alguma prestação, devolução da coisa, pagamento de quantia, obrigação de fazer ou de não-fazer” (DIDIER JR., 2008, p. 335).[4] O pedido da oposição, segundo Cândido Rangel Dinamarco, “se desdobra em dois: a) que não seja concedida ao autor a tutela jurisdicional pedida na petição inicial e (b) que a ele, opoente, seja concedida uma tutela jurisdicional em relação a esse mesmo bem” (2002b, p. 382).

O terceiro poderá propor uma demanda contra as partes que litigam em torno de um determinado bem ou direito, quando entende ser ele o verdadeiro titular, no todo ou em parte, dessa coisa ou direito litigioso, formando, de acordo com a doutrina majoritária, um litisconsórcio passivo, necessário e simples. Se proposta até a prolação da sentença (art. 56), independente da nomenclatura da ação proposta, tal demanda será uma oposição.

2.1. Classificação e processamento

De acordo com a extensão de seu objeto, a oposição pode ser classificada em total ou parcial. Será total se abarcar toda a coisa disputada; será, contudo, parcial quando não excluir as pretensões das partes da demanda originária por inteiro, “mas evidentemente não se pode conceber pretensão ou afirmação de titularidade de parte de um direito”, observa Dinamarco (2009, p. 63). É de se notar que a oposição total pode ser parcialmente procedente, assim como a ação. Sendo uma oposição parcial, com a costumeira argúcia, Pontes de Miranda observa que, em relação à outra parte da coisa ou direito, o opoente pode não ter interesse algum, mas – se tiver – poderia ingressar como “litisconsorte, na figura que corresponder à sua situação objetiva. Nada obsta a que a mesma pessoa se oponha em parte e se litisconsorcie em parte, uma vez que essas partes sejam separáveis” (1973, p. 93). O gênio foi além e trouxe um exemplo curioso, mas difícil de imaginar na prática, envolvendo pluralidade de opoentes:

Se há pluralidade de opoentes, raramente podem todos ter sentença favorável nos pedidos inteiros, porém não é de suprir-se impossível, porque os pedidos dos opoentes, somados, caberem no pedido do autor da ação, ou no que o réu pôs na contestação ou na reconvenção. Às vezes, um dos opoentes ganha, e outros não; ou alguns ganham, e os outros não. (MIRANDA, 1973, p. 98, grifo nosso).

A oposição, a depender do momento de sua propositura, pode ser classificada em autônoma ou interventiva. Se a propositura ocorrer antes da audiência de instrução e julgamento, será uma oposição interventiva (art. 59); Porém, se oferecida durante a instrução e antes da prolação da sentença, será uma oposição autônoma (art. 60).

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Como tem natureza jurídica de ação, a oposição deve ser apresentada mediante petição inicial, com a observância de seus requisitos (arts. 282 e 283), a indicação do juízo competente para processar e julgar o feito entre eles. O Código vigente dispõe que deverá ser distribuída por dependência e, conforme se depreende da leitura atenta dos arts. 59 e 60, a oposição será, respectivamente, apensada aos autos da primeira ação proposta ou seguirá “o procedimento ordinário, sendo julgada sem prejuízo da causa principal”, podendo o juiz “sobrestar no andamento do processo, por prazo nunca superior a 90 (noventa) dias, a fim de julgá-la conjuntamente com a oposição”.

Se a propositura ocorrer antes da audiência de instrução e julgamento (art. 59), será de fato uma intervenção de um terceiro em um processo, pois ingressará, na prática, no processo pendente, e um incidente processual, já que não formará processo novo. Com ela, o processo se tornaria mais complexo por inserir uma nova relação jurídica processual ao processo originário e por ampliar o seu objeto.[5] Neste caso, as duas relações jurídicas processuais (Autor – Estado-Juiz – Réu e Opoente – Estado-Juiz – Autor e Réu), instauradas com as suas respectivas peças exordiais, são fundidas em uma para todos os efeitos.[6]

O resultado final é, na prática, equivalente ao simples ingresso do terceiro no processo originário, pois o procedimento primário vai prevalecer e continuar. Aliás, este evento é nevrálgico para se compreender o porquê de não ser formado um novo processo com a propositura da oposição antes da audiência: como o procedimento utilizado é o do processo originário, a petição inicial apresentada antes da audiência deflagra apenas a relação jurídica processual e torna aquele procedimento mais complexo (v.g., com a citação dos procuradores das partes originárias e apresentação de duas defesas no prazo comum). É o que a lei estabelece. É cediço que o processo se constitui do procedimento, a parte visível, e a da relação jurídica processual, a parte invisível. Ora, se falta o procedimento, não pode existir outro processo.[7]

Assim, são elas tratadas como se fossem uma na instrução, evitando-se a pluralidade de produção probatória, e no julgamento, pois a oposição e a ação deverão ser julgadas na mesma sentença.[8] Contudo, se houver inércia das partes e paralisação do andamento da causa principal, a oposição poderá ser julgada isoladamente.[9] Por fim, também para fins recursais serão as partes das “duas relações jurídicas processuais” consideradas como de uma na hipótese de prolação de sentença única, inclusive se este fato ocorrer na modalidade seguinte, com prazos se iniciando e encerrando no mesmo momento.

Se, porém, oferecida durante a instrução e antes da sentença, será uma oposição autônoma (art. 60) e um processo novo, independente e incidente, podendo ou não ser decidida conjuntamente, a depender do estágio evolutivo dos procedimentos da oposição e da ação. Serão, pois, dois processos tramitando em paralelo, ao menos inicialmente: duas relações jurídicas processuais com seus respectivos procedimentos.

Quanto à citação, se ela é, nos precisos termos do art. 213, o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender, e na oposição os opostos já estão em juízo, não há porque citá-los pessoalmente. É por este motivo que o art. 57 estabelece que as partes da ação originária serão citadas nas pessoas de seus advogados,[10] que possuem poderes especiais ope legis para tanto. Essa regra é excetuada quando o réu da demanda originária é revel, quando deverá ser citado pessoalmente (art. 57, parágrafo único).[11] Estabelece, ainda, o referido artigo o prazo comum de 15 dias para que ambos os opostos se defendam.[12] Esta regra é especial e prevalece sobre a do art. 191, mas não sobre a também especial norma do art. 188: se a Fazenda Pública for ré da oposição, o prazo não será comum, pois a norma confere prazo quadruplicado para ela contestar.

No que toca à audiência, quando for o caso se subsumir aos arts. 59 e 60, segunda parte, adaptando o art. 344 e 413 ao caso, a ordem dos depoimentos pessoais e da oitiva das testemunhas respectivas será as arroladas pelo: opoente, autor e réu da demanda originária. Após a instrução, a ordem para se manifestar está disposta no art. 454, §2º: o opoente sustentará as suas razões em primeiro lugar, seguindo-se-lhe os opostos, autor e réu, cada qual pelo prazo de 20 (vinte) minutos.

Neste momento, é oportuno distinguir a posição do opoente nas duas modalidades: enquanto na oposição interventiva o terceiro deixa de sê-lo no momento em que propõe a oposição, passando a ser parte do processo único e possuindo todos os ônus processuais que esta posição lhe confere, na oposição autônoma ele continua sendo terceiro em relação ao processo paralelo, o dito principal, mas parte no processo que instaurou.

O caso da oposição autônoma pode ter dois processamentos diversos, a depender da atitude tomada pelo juiz em relação ao sobrestamento da causa principal e do andamento da oposição, que não pode se tornar pernicioso para a causa principal. O magistrado pode, a seu prudente critério e de ofício, sobrestar o andamento do processo originário pelo prazo máximo de 90 dias a fim de julgar as demandas conjuntamente.

Não sobrestando o andamento da causa principal ou se o sobrestamento não atingir o seu objetivo, a ação e a oposição seguirão os seus respectivos procedimentos[13] e aquela será julgada antes dessa, pois a causa principal não pode ser prejudicada e “é compreensível que, tendo que decidir entre autor e réu, visto que não poderá declarar o non liquet, o juiz opte por aquele, entre os dois, que mais pareça ter o direito material” (NEVES, 2011, p. 237). O legislador assume o risco do proferimento de uma sentença que pode não ser definitiva sem o julgamento de um recurso. “Na oposição, um terceiro – o opoente – trará novas informações e elementos de convencimento, que naturalmente poderão demonstrar que é ele o titular do direito ou da coisa e não o autor ou o réu da demanda originária” (NEVES, 2011, p. 237). É fulcral a percepção de que a sentença da ação, prolatada antes da decisão final da oposição, resolve causa prejudicial e não tem o condão de formar, a priori, coisa julgada material.

2.2. A relação de prejudicialidade entre oposição e ação

Após a análise das modalidades e processamento da oposição, podemos, agora, partir para o exame da relação entre a oposição e a ação principal. Esta relação é marcada exatamente pela prejudicialidade. O julgamento da oposição influencia em maior ou menor grau no julgamento da ação: se o pedido do opoente for julgado procedente (maior grau), as pretensões deduzidas em juízo pelas partes serão rejeitadas no julgamento da ação principal; se julgado improcedente (menor grau), o magistrado apreciará a demanda com relativa liberdade, de acordo com o seu livre convencimento motivado, sendo vedado que rejeite o pedido do autor sob o fundamento de a coisa ou o direito disputado pertencer ao opoente. “Tal é a incompatibilidade entre pretensões, de que fala a doutrina e está presente no art. 56 do Código de Processo Civil”, observa Dinamarco (2009, p. 94, grifo do autor), abordando a prejudicialidade lógica, decorrente da coerência que se exige nos dois pronunciamentos, e jurídica, “representada pela igual natureza do juízo relativo a esses dois pontos, questões ou causas”:

Projetados esses conceitos sobre o modo como se relacionam a oposição e a demanda antes deduzida pelo oposto-autor, vê-se que realmente aquela é condicionante do teor do julgamento desta, porque no plano lógico o acolhimento da pretensão do opoente predetermina a rejeição da demanda inicial do autor (conseqüência da incompatibilidade); e no plano jurídico as operações mentais exigidas para julgar as duas são as mesmas, ambas situando-se no meritum causae e incidindo sobre o alegado direito ao mesmo bem. (DINAMARCO, 2009, p. 95, grifo do autor).

A partir do que foi explanado podemos concluir que a ação e a oposição devem ser julgadas pelo mesmo juízo e o objetivo é que sejam julgadas na mesma sentença. Essa conclusão primeira baliza algumas outras conclusões a respeito dessa relação de prejudicialidade. Como o objeto mediato e a causa de pedir, próxima ou remota, das duas demandas são os mesmos, a segunda conclusão é a de que esta prejudicialidade referida só pode ter natureza homogênea.

A terceira conclusão decorre das pretensões deduzidas em juízo, o que permite afirmar que as questões prejudiciais e prejudicadas são todas resolvidas principaliter tantum, podendo ser acobertadas pela coisa julgada material, embora a formação na ação esteja condicionada ao insucesso da oposição. Tanto não ocorre a sua formação que não há o efeito negativo da coisa julgada em relação à oposição, que pode ser apreciada livremente. É a causa prejudicial que influencia totalmente no julgamento da prejudicada, e não o contrário. Este caso pode acontecer na hipótese de a causa prejudicada ser decidida antes da prejudicial, quando a segunda decisão irá prevalecer, como constataremos logo a seguir.

A última conclusão que chegamos depende do momento da propositura da oposição. Quando ela é proposta antes do início da audiência e tem, pois, natureza interventiva, ou seja, havendo apenas uma relação jurídica processual, um procedimento e ambas as demandas devendo ser decididas em sentença única, é evidente que a prejudicialidade será interna.

Já quando proposta após a audiência e antes da sentença, formando processo autônomo, a prejudicialidade será externa.[14] Neste ponto, um adendo: a hipótese de suspensão (ou sobrestamento) da ação principal se subsume, no nosso sentir, à disposta no art. 265, IV, a (a norma não fala que os processos devem tramitar em juízos distintos), que prevê o prazo máximo de até 1 ano (art. 265, §5º), mas há regra especial quanto à oposição: suspensão de 90 dias (art. 60). É necessário aprofundar mais um pouco neste ponto.

O prazo máximo para a suspensão do processo, que é peremptório, pode se findar e neste caso o processo prejudicado vai prosseguir por expressa determinação legal. A regra não permite, mas acreditamos que as partes da demanda originária, as mais interessadas na solução da contenda original, deveriam ter o direito de alargar esse prazo,[15] até mesmo porque, como observa Dinamarco, “os objetivos do instituto da oposição só serão alcançados plenamente se a sentença for única; e isso não acontece sem a suspensão do processo” (2009, p. 113). Se a oposição chegar ao mesmo nível procedimental da ação originária, a partir daí teremos um simultaneus processus e ambas as demandas passarão a ter o mesmo procedimento e serão decididas em uma única sentença (art. 61).

Após a decisão da oposição (com a procedência do pedido), nos casos em que é julgada após o prazo de 90 dias (art. 60)[16] e antes do deslinde da questão prejudicial, teríamos com ela, então, duas decisões em cada hipótese, mas apenas uma com aptidão para ser acobertada de fato pela coisa julgada material, a sentença que resolve a oposição. Não haveria contradição jurídica, porque as partes não são as mesmas nas duas demandas e os efeitos da primeira decisão não atingirão o terceiro, que não participou do processo (sequer foi citado), pois “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros” (art. 472). Desta forma, o cumprimento do comando emergente da segunda decisão, que produzirá a coisa julgada material, deve prevalecer (sem ocorrência de choque com a primeira), vinculando todos os participantes da relação jurídica processual que lhe deu causa, ou seja, o opoente e as partes originárias/opostos, que terão exercido o contraditório e a ampla defesa.

2.3. Competência para julgamento da oposição

Convém desde logo ressaltar que, apesar da utilização do termo “principal” nos arts. 59 e 60, não há nenhuma relação de acessoriedade entre as demandas, ação e oposição, seja no plano do direito material seja no plano do direito processual, haja vista que a declaração da inexistência do direito material ou a extinção da relação jurídica processual de uma demanda não culminam na extinção da outra.[17] Corrobora com o exposto Marcus Vinícius Rios Gonçalves quando leciona que nos artigos supracitados o adjetivo principal é utilizado como sinônimo de originária, “não havendo nenhuma ordem de importância ou relação de acessoriedade entre a oposição e a primeira ação” (2011, p. 183). É justamente por não haver relação de acessoriedade que, no caso do art. 59, se o réu reconhecesse a procedência do pedido do autor na ação, o processo não seria extinto com resolução do mérito. Não seria aplicado o art. 269, II, mas o art. 58, pois a outra demanda, a oposição, prosseguiria contra a outra parte no mesmo processo. Já no caso do art. 60, como são dois processos, se houver reconhecimento do pedido do autor pelo réu, a ação será extinta normalmente e a oposição prosseguirá contra o autor primitivo.

O art. 57 estabelece que a oposição será distribuída por dependência e não é preciso muito esforço para perceber que os arts. 59 e 60 distinguem a oposição, a segunda demanda proposta, da ação dita principal, a primeira demanda proposta. Da leitura dos artigos combinados somente uma única exegese é possível: a peça exordial da oposição deve ser direcionada ao juízo em que a ação dita principal está tramitando e, por conseguinte, este é o competente para ambas as demandas. Nas duas modalidades a competência para julgá-la é funcional (no plano horizontal) do juízo da causa originária. Ensina Dinamarco:

Diz- se funcional a competência quando a lei a determina automaticamente, a partir do simples fato de algum órgão jurisdicional ter oficiado em determinado processo com a atividade que de alguma forma esteja interligada com essa para a qual se procura estabelecer qual o juiz competente. Ou seja: ela é a competência decorrente do prévio exercício da jurisdição por determinado órgão. É automática porque nenhum outro elemento, além desse, precisa ser pesquisado na busca do juiz competente: as regras de competência funcional, residentes na Constituição e na lei, levam em conta a função já exercida num processo, para estabelecer a quem compete algum outro processo interligado funcionalmente a este ou a quem compete outra fase do mesmo processo. Por isso é que ela se chama competência funcional. (2002a, p. 433-434, grifo do autor).

A competência funcional é absoluta. Isto posto, conclui-se que a competência para o julgamento da oposição é, pois, absoluta do juízo em que tramita a ação dita principal, não podendo ser modificada, ou seja, prorrogada ou derrogada. É bom frisar: o juízo da ação originária é o competente para a oposição, e não o contrário.

Tratando do art. 108, citando o art. 58 do Código Civil de 1916, atual art. 92 do Código Civil atual, Dinamarco explica que “acessórias, nos termos da lei civil e para a incidência do art. 108 do Código de Processo civil, são as coisas ‘cuja existência supõe a da principal’” (2002b, p. 158, grifo do autor). A relação de acessoriedade se manifesta no plano processual, quando a demanda acessória existe em função da principal – ou seja, se esta for extinta, o mesmo ocorrerá com aquela –, e no plano material, quando, nas palavras do douto:

[...] a declaração de inexistir o direito principal constituirá preceitos do qual não poderá afastar-se o julgamento da demanda acessória; pendente a demanda sobre o direito principal, suspende-se por um ano o processo instaurado para a que tem por objeto o direito acessório (se não houverem sido reunidas) etc. (2002b, p. 158).

Entretanto, isso não ocorre com a oposição. Mesmo na modalidade interventiva, tem ela autonomia existencial em relação à ação. Logo, o art. 108 não se aplica ao caso, pois, como já afirmou Pontes de Miranda, “se não é necessária a pressuposição de uma por outra, não cabe invocar-se o art. 108” (1973, p. 276).

Já em relação ao art. 109, ocorre a prevenção expansiva: “a prevenção do juiz em relação ao processo pendente (distribuição) expande-se, em virtude das regras de competência funcional, a outros processos a serem instaurados depois e relativos ao mesmo contexto litigioso” (DINAMARCO, 2002a, p. 633). Aprofundando, Dinamarco trata da função da distribuição por dependência disposta no art. 57, que se coaduna com o regramento genérico do art. 253, I: a distribuição por dependência “constitui antecipação da requisição do processo pelo juiz prevento e destina-se inclusive a evitar certas dificuldades – como a omissão do juiz que não faz a requisição ou os incômodos de um conflito positivo de competência” (2002a, p. 637), além de favorecer a efetividade das regras que estabelecem competências funcionais.

O dispositivo legal manifesta expressa distinção entre a causa principal (que deve ser entendida como causa originária) e as manifestações processuais elencadas, tendo o juiz daquela causa a competência para ambas, e não o inverso. No mesmo sentido, os arts. 59 e 60.

Como a prevenção é utilizada para se referir às situações em que dois ou mais juízos são competentes quando acontece a prorrogação/derrogação de suas competências,[18] vamos dar um exemplo esclarecedor da diferença entre esta e a prevenção característica da oposição. Dois litigantes disputam um terreno “situado em mais de uma comarca” (art. 107) na comarca A e uma segunda ação, conexa com aquela, é proposta na comarca B: o juízo competente para julgar ambas as ações será aquele que promover a primeira citação válida (art. 219). Já se essa segunda demanda conexa proposta for uma oposição, sequer deverá ser proposta em outro juízo, pois a competência é funcional (absoluta) do juízo da causa originária (da ação), independente de citação válida. Para Daniel Neves, entretanto, a oposição (rectius: ação) proposta após a sentença não deverá ser distribuída por dependência, mas livremente, porque não há previsão legal exigindo a distribuição dirigida (2011, p. 234).

 Em suma, temos firme convicção de que o art. 108 não se aplica ao caso específico da oposição e, no que toca à competência, os art. 59, 60 e 109 são claros no sentido de ser o juízo da ação originária o competente para as outras demandas propostas (oposição e as demais previstas no art. 109), e não o contrário. É a causa originária que finca a competência no juízo competente para julgá-la.

Todos os esclarecimentos acerca dos arts. 59, 60, 108 e 109 serão importantes para o estabelecimento da competência para julgar a oposição promovida por entes públicos federais e a ação que tramita na Justiça Estadual.

Sobre o autor
Fabrício do Vale Barretto

Advogado em Salvador (BA). Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito do Estado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRETTO, Fabrício Vale. A oposição de pessoas jurídicas de direito público federal em processo pendente na Justiça Estadual.: A (im)possibilidade de modificação de competência absoluta, processamento e críticas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3473, 3 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23364. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

O presente artigo é a versão revisada, atualizada e ampliada do artigo premiado no 6º Concurso de Artigos JusPODIVM de Direito Público, sucedido durante o Fórum Internacional de Direito Público & X Congresso Brasileiro de Direito Constitucional Aplicado, realizado em maio de 2011, e publicado originalmente na XII Revista do CEPEJ – Centro de Estudos e Pesquisas Jurídicas, vinculada à Faculdade de Direito da UFBA.

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