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A mutabilidade do direito concursal face ao princípio da preservação

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Agenda 05/03/2013 às 17:25

5. COMPARATIVO ENTRE O INSTITUTO DA RECUPERAÇÃO EMPRESARIAL E O INSTITUTO DAS CONCORDATAS

A primeira grande diferença entre os institutos é perceptível quando se observa a autonomia do juiz. A Concordata Preventiva, base para o comparativo, dava amplitude de poderes ao juiz e a decisão sobre deferimento ou indeferimento da Concordata estava em suas mãos. Já na Recuperação, o juiz teve seus poderes tolhidos e os credores passaram a ser determinantes para o prosseguimento do plano.

No que se refere à aplicabilidade, a Recuperação Judicial engloba qualquer tipo de empresa em crise econômico-financeira, o que, de certa forma, vai de encontro com o objetivo da Concordata que visava primordialmente aquelas empresas insolventes com possibilidade de recuperação.

Em relação às formas de solução dos débitos, a Concordata Preventiva concedia dilação no prazo dos pagamentos e remissão de parte da dívida, conforme se vê do artigo 156[9] do Decreto-Lei 7661/45, enquanto a Recuperação enumerou diversas formas de pagamento no artigo 50 da Lei 11.101/05, o que ampliou as possibilidades de recuperação. A remissão de parte da dívida deixou de existir expressamente no texto legal, embora possa ser acordada no plano.

A natureza jurídica da Concordata era processual, favor da lei, embora houvesse grande discussão doutrinária. A explicação era a vinculação do estado do devedor apenas à Lei, independendo da opinião dos credores, devido o caráter judicial do instituto (e acontratual). Já a Recuperação Judicial exige a concordância dos credores, já que retirou grande parte da autonomia que era dada ao juiz na Concordata. No entanto, embora haja diferença nos dois institutos, a natureza jurídica da Recuperação Judicial é também processual. Apenas a Recuperação Extrajudicial não homologada tem natureza contratual.

Na Recuperação Judicial há a formação de um Comitê de Credores com grande poder para deliberar acerca do plano, podendo inclusive rejeitá-lo, o que não ocorria na Concordata quando bastava o preenchimento dos requisitos previstos em lei.

Em relação aos créditos abrangidos pelos dois institutos, conforme já demonstrado, a Concordata atingia apenas os créditos quirografários, enquanto a Recuperação atinge qualquer crédito existente ao tempo da ação, desconsiderando as exceções legais.

As companhias aéreas também foram incluídas no rol de legitimados para requerer Recuperação Judicial, a exemplo do que ocorreu com a Varig S.A., o que diverge do disposto no Decreto-Lei 7661/45 que não permitia esta situação.

Um dos requisitos para concessão da Concordata preventiva era a inexistência de título protestado, o que não perdurou com o advento da Lei de Recuperação e Falências, o que garantiu segurança ao devedor que não se viu fragilizado perante a possibilidade de fraude por parte de credores que, utilizando-se de má fé, poderiam protestar um título de forma a impedir a faculdade concedida ao devedor por lei.

Na Concordata não havia necessidade de apresentação de plano de recuperação até porque se tratava apenas de dilação de prazo e remissão de dívida, tudo previsto em lei. A Recuperação trouxe esta exigência juntamente com sua grande diversidade de formas de recuperação, o que, novamente trouxe segurança e compromisso ao processo de recuperação.

A fiscalização na Concordata era feita pelo Comissário escolhido pelo juiz e que deveria necessariamente ser um dos maiores credores, conforme se vê do disposto no art. 161[10] do Decreto-Lei 7.661/45. Admitia-se, por exceção, o Comissário Dativo escolhido pelo juiz e sem qualquer vínculo com os credores. No processo de Recuperação, a administração dos bens passou a ser feita por profissional idôneo, não necessariamente credor, nos termos do art. 21 da Lei 11.101/05.

Interessante ressaltar que ambos os institutos permitem a manutenção da atividade empresarial, mas a Lei de Falências e Recuperação trouxe casos em que o administrador poderá ser afastado da empresa e uma Assembléia de Credores será convocada para escolha de novo gestor, conforme se vê dos artigos 64 e 65 da referida Lei.

Por fim, após a concessão da Recuperação Judicial alguns créditos são reclassificados em caso de decretação da falência, de modo que aqueles que auxiliarem na manutenção das atividades empresariais não são prejudicados. Foram diferenciados os créditos constituídos após a concessão da Recuperação e os que venceriam após. Estes segundos, vincendos até dois anos após a concessão da Recuperação, inserem-se no processo automaticamente, conforme se vê do artigo 61 da Lei de Recuperação de Empresas e Falência.

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6. CONVOLAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA

A Convolação da Recuperação Judicial em falência nada mais é que a ruptura do processo de Recuperação e a decretação da falência.

Inicialmente, o juiz competente deve analisar a presença dos requisitos do art. 73 da Lei de Recuperação e Falências que, em regra, referem-se a atos praticados após a concessão da Recuperação. São as hipóteses: I) em havendo deliberação da assembléia geral de credores, na forma do artigo 42 da mesma lei; II) quando não for apresentado o plano de reorganização, pelo devedor, dentro do prazo estabelecido pelo art. 53 (sessenta dias); III) quando o plano for rejeitado pela assembléia de credores, consoante art. 56, §4º; IV) quando for descumprida qualquer obrigação assumida no plano de reorganização, na forma do art. 61, § 1.º, da lei de regência; V) por inadimplemento de obrigação não sujeita à recuperação judicial, nos termos dos incisos I ou II do caput do art. 94 da Lei, ou por prática de qualquer ato previsto no inciso III do caput do art. 94.

Essas hipóteses serão levadas em conta a partir do momento em que ocorrerem após a concessão da Recuperação pelo juiz. O pedido pode ser feito a qualquer momento no processo de Recuperação pelo Administrador Judicial, pelos credores e até mesmo pelo empresário.

Se desde o início do processo de recuperação viu-se que a empresa não apresenta condições de se sustentar, que não há lucro, não há porque tentar recuperá-la até mesmo porque aquela empresa já não possui Função Social. Está morta e deve realmente ser encerrada para que sua manutenção não prejudique a coletividade. Hipoteticamente, poder-se-ia imaginar que uma empresa em recuperação pudesse levar outras à condição de crise econômico-financeira, o que, obviamente não é o objetivo da Lei 11.101/05.


7. A FUNÇÃO SOCIAL NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO EMPRESARIAL

Após 10 anos de vigência do Código Civil brasileiro, conclui-se que o caráter individualista do Código Civil de 1916 foi deixado de lado para a inclusão do caráter social, da tolerância, da coletividade.

Daí surge com força total a Função Social, aplicável interdisciplinarmente como forma de regulação, integração. Fala-se na Função Social como cláusula geral, no sentido de que integra diferentes leis e princípios, aumentado o leque axiológico do julgador. Além disso, como cláusula geral, pode ser invocada a Função Social a qualquer tempo e de ofício.

O Empresário, antes comerciante, deve exercer sua atividade com plena consciência social, mesmo porque depende da sociedade para a manutenção de suas atividades. E este dever surgiu no Código Civil com a intenção de implementação a longo prazo, o que já vem rendendo frutos.

Deste modo, possível a citação de dispositivos legais que em conjunto levam ao caminho do fim social da empresa, senão, vejamos, a dignidade da pessoa humana - art. 1°, inc. III, a; solidariedade presente no art. 3°, inc. I; a redução das desigualdades sociais - art. 170, inc. VII -; promoção da justiça social - art. 170, caput -; a livre iniciativa - art. 170, caput e art. 1°, inc. IV-; a busca pelo pleno emprego -art. 170, inc. VIII-; valor social do trabalho - art. 1°, inc. IV-, todos da Constituição da República Federativa do Brasil, dentre outros princípios constitucionais e infraconstitucionais.

Aqui o Estado regula de forma indireta, coibindo abusos e brechas na Lei e no Direito Empresarial a Função Social é expressa de forma objetiva, principalmente na Lei de Sociedades Anônimas, nº 6.404/76:

Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.[...]

Importante ressaltar que embora ausente previsão expressa na Lei 11.101/2005, por se tratar de princípio e norma geral carregados por todo o ordenamento jurídico brasileiro como sistema, a Função Social é aplicável também nas Recuperações e Falências.

Neste sentido, a sociedade empresária busca auxílio legal para recuperar-se porque não se trata de simples relação econômica. A coletividade está indiretamente inserida por trás da empresa, que normalmente exerce um importante papel socioeconômico dentro de uma nação.

O que se percebe é que a sociedade empresária quando pensada de forma sistêmica não está isolada no meio econômico financeiro, visto que sustenta famílias, indiretamente contribui para o controle inflacionário circula capital no país.

Por fim, embora muito importante que seja cumprida a Função Social da Empresa é muito difícil a avaliação das responsabilidades, mesmo porque não há punição expressa em Lei. Há de se buscar o equilíbrio entre os interesses da empresa e os interesses coletivos.


8. O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

O Princípio da Preservação da Empresa já se consolidou no ordenamento jurídico brasileiro, começando pelo disposto no artigo 974 do Código Civil quando permite ao empresário a manutenção de suas atividades empresariais, mesmo após sua incapacidade superveniente:

Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança.§ 1º Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos por terceiros.

§ 2º Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização.

Conforme se nota das transformações incorporadas pelo legislador na Lei 11.101/05, uma grande parte deu-se em atendimento do Princípio da Preservação, que vem sendo absorvido plenamente pelo ordenamento jurídico, haja vista sua ligação direta com outros princípios norteadores como o da Função Social da Empresa.

Passou a ser analisada a empresa com olhar sistêmico e reconhecida tornou-se sua importância social, além da econômica.

No atual sistema jurídico brasileiro a empresa exerce diversas funções sociais como fonte de empregos, fonte de renda tributária para o Estado, conservação da livre concorrência, além de sua função principal, seja a de prestação de serviços ou fornecimento de produtos. Tem importante função no equilíbrio da balança comercial de um país e influências até mesmo no valor da moeda.

E assim sendo, não é aceitável que uma empresa com grandes possibilidades de crescimento e com importante função social deixe de existir por estar em dificuldade financeira momentânea, o que ocorre não só no meio empresarial, mas também no civil.

Com o advento da Lei 11.101/05 não há mais a idéia simplesmente econômica da empresa, em que a sua recuperação tinha apenas aspectos econômicos e não sociais como na antiga lei, e este princípio é a principal inovação da Lei atual, que acabou acarretando a evolução do procedimento como um todo.

Nas palavras de Gladston Mamede:

O princípio da função social da empresa reflete-se, por certo, no princípio da preservação da empresa, que dele é decorrente: tal princípio compreende a continuidade das atividades de produção de riquezas como um valor que deve ser protegido, sempre que possível, reconhecendo, em oposição, os efeitos deletérios da extinção das atividades empresariais que prejudica não só o empresário ou sociedade empresária, prejudica também todos os demais: trabalhadores, fornecedores, consumidores, parceiros negociais e o Estado. (MAMEDE, 2005, p. 417)

A empresa passa a ser vista com a importância de um organismo vivo, daí sua personalidade jurídica e personalidade socioeconômica no âmbito principiológico.

Uma base jurídica protetiva ainda atrai investimentos estrangeiros e interesse na manutenção de filiais no país. Quanto maior a proteção, maior a segurança para o Estado, para os cidadãos e até mesmo para o empresário.


9. O POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO

A doutrina, de modo geral se posicionava desfavoravelmente em relação ao Decreto-Lei 7.661/45, antiga Lei de Falências e Concordatas, em virtude do excesso de formalismo, submissão absoluta dos credores, lentidão no processamento, que normalmente desencadeava em fraudes e na deterioração do patrimônio empresarial.

Nesse sentido segue a opinião de Rubens Requião:

A falência e também a concordata, na forma como se encontravam estruturadas no Dec.-Lei 7661/1945, não ofereciam possibilidades de solução no sentido de propiciarem ao então comerciante, hoje empresário ou sociedade empresária, em situação de crise, a possibilidade de se recuperarem. (REQUIÃO, Rubens)

Jorge Lobo, em seus valiosos ensinamentos:

O que se verificava é que o sistema anterior não conseguia proteger os credores da empresa concordatária ou falida e não conseguia também, por outro lado, preservar a atividade empresária, apresentando-se como sistema incapaz de preservar qualquer tipo de interesse, atendendo apenas, na grande maioria das vezes, ao empresário oportunista e desonesto.(LOBO, Jorge, p.36)

Paulo Fernando Campos Salles de Toledo alertava:

Precisamos ver com muita cautela, mas também com muita atenção, essas soluções do direito estrangeiro. Todas se centram numa idéia nuclear, uma diretriz que as norteia que é a da preservação da empresa. É uma idéia na qual hoje, na nossa realidade positiva, ou seja, na lei em vigor no Brasil, não se pensa, mas há de se pensar em que a empresa, como unidade econômica, deve ser preservada, sempre que se manifestar viável e, portanto, econômica e socialmente útil. A solução não está em fechar empresas, fechando toda uma porta que pode ser importante para um determinado setor na economia. As empresas, portanto, dentro da concepção mais atual, devem ser, sempre que possível e sempre que viáveis, preservadas.” (TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles, p.82)

A doutrina ressalta a necessária renovação jurídica com o advento da Lei 11.101/2005.

Sobre o autor
Pedro Rocha Olguin

Advogado. Pós graduação/LLM pela Fundação Getúlio Vargas/RJ. Militante nas áreas de direito empresarial e cível.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLGUIN, Pedro Rocha. A mutabilidade do direito concursal face ao princípio da preservação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3534, 5 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23882. Acesso em: 22 dez. 2024.

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