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Redirecionamento da obrigação alimentar em face do padrasto.

A jabuticaba no Direito de Família

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Parentesco, afinidade e alimentos

Como sabido, as relações de parentesco estão relacionadas nos artigos 1591 a 1595 do Código Civil, destacando-se sua classificação em: consanguíneo ou natural, por afinidade e civil.

Entende-se como parentesco consanguíneo “aquele existente entre pessoas que mantém entre si um vinculo biológico ou de sangue, ou seja, que descendem de um ancestral comum, de forma direta ou indireta. 16

Parentesco por afinidade é aquele “existente entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro cônjuge ou companheiro. Lembre-se que marido e mulher e companheiros não são parentes entre si. Limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. 17

Já o parentesco civil é aquele decorrente de outra origem, que não seja a consanguinidade ou a afinidade, destacando-se a adoção, a inseminação artificial hieróloga e a parentalidadesocioafetiva.

“A afinidade é uma cópia da consanguinidade, é vínculo meramente fictício; assim, cada cônjuge ou companheiro se alia aos parentes do outro, limitando-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro; portanto, só serão afins os pais, os filhos e os irmãos de cada cônjuge ou companheiro, restringindo-se na linha reta ao genro e à nora, ao sogro e à sogra, ao enteado e à enteada, à madrasta e ao padrasto, e na linha reta transversal, ao cunhado e à cunhada.” 18

Na verdade, o denominado parentesco por afinidade ou politico, não se enquadra, efetivamente, no exato conceito de parente, limitando-se a um vinculo jurídico fictício criado pelo legislador visando adequar determinados atores da cena familiar.

Conforme observa Washington de Barros Monteiro19, “a palavra parente aplica-se apenas aos indivíduos ligados pela consanguinidade; somente por impropriedade de linguagem sepode atribuir tal designação a outras pessoas, como o cônjuge e os afins.”

Esta mesma advertência é feita por Luiz da Cunha Goncalves: “Note-se que a palavra parentes só é aplicável aos indivíduos ligados por consanguinidade, pois proveio do latim parens, que significa pai ou mãe. 20

“O legislador civil de 2002, na trilha do antecedente, ao se referir aos afins em linha reta no artigo 1521, II, ou à afinidade, no artigo 1595, utiliza apropriadamente o vocábulo “vínculo” e não “parentesco 21”...”, sendo certo que, a denominação parentes, indevidamente utilizada aos afins constitui mera tradição do direito luso-brasileiro.

Também ressalta essa distinção Guilherme Calmon Nogueira da Gama22, para quem “parentesco e afinidade são vínculos que não se confundem, a despeito de ser utilizada terminologia que muitas vezes os considera no mesmo contexto, como a expressão ‘parentesco por afinidade’, utilizada pelo legislador no artigo 1595, § 1º (do Código Civil), embora o caput se refira mais apropriadamente a expressão ‘vinculo’.”

Arnold Wald23 esclarece que “a afinidade não é parentesco, senão um vínculo que não tem a mesma intensidade que o parentesco e se estabelece entre sogro e genro, cunhados, etc.”

Ou seja, salvo para caracterização de impedimentos matrimoniais, não possui o vínculo de afinidade o condão de originar uma obrigação alimentarinexistente na legislação brasileira, mostrando-se, frágil e equivocado entendimento diverso.

Portanto, uma vez ausente verdadeiro laço de parentalidade entre aqueles que estão vinculados por afinidade, não se há de impor a tais pessoas responsabilidade pelo cumprimento de obrigação alimentar, pois, ausentes do rol taxativo fixado pelo legislador no artigo 1694 do diploma civil.

Zeno Veloso compartilha deste entendimento, salientando que

“a lista dos parentes obrigados por lei a pagar pensão alimentícia é exaustiva, não havendo como o necessitado reclamar judicialmente alimentos de outros parentes que não sejam os seus descentes, ascendentes, ou irmãos, existindo alguma dissensão para saber se os irmãos germanos ou unilaterais disputariam alguma primazia em função da maior amplidão dos vínculos parentais, considerando que no direito sucessório os unilaterais herdam a metade do que herdam os bilaterais (art. 1841).” 24

Ademais, por se tratar de direito personalíssimo e recíproco, inviável se mostra a pretendida ampliação da obrigação alimentar em face de outras pessoas que sequer ostentam condição de herdeiros entre si, valendo notar entendimento jurisprudencial e doutrinário minoritário em sentido oposto.25

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“Para Clovis Bevilaqua, a obrigação alimentar ‘é uma relação familial, que se funda no vinculo de parentesco (jure sanguinis), é o que se deve, legitimamente, por ‘direito de sangue’, como acentuam Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, Marco Aurelio S. Viana e Yussef Said Cahali.” No mesmo sentido, entendem Luiz Edson Fachin, Maria Helena Diniz, Silvio Rodrigues e Guilherme Gonçalves Nogueira da Gama.26

No direito comparado27também não se verifica extensão da obrigação alimentar às pessoas vinculadas por liame de afinidade, como de pode notar das legislações dos países europeus, como Bélgica, Alemanha, Suíça e França, restando apenas, em algumas decisões judiciais a possibilidade de contribuição subsidiária e indireta ao enteado durante a permanência da coabitação com o genitor.

O direito holandês e lusitano, prevêem a possibilidade de obrigar diretamente o padrasto ao cumprimento de obrigação alimentarapenas durante a vida comum, assim como na legislação inglesa, esta última fundamentada na doutrina do childofthefamily, ou seja, aceitação do encargo em beneficio do enteado visto como fazendo parte da família.

Na Argentina essa obrigação alimentar também se restringe ao período em que existir a relação de conjugalidade entre o genitor e terceiro, cessando no caso de morte ou dissolução do casal, sendo possível a sua permanência apenas no caso da inexistência de parentes biológicos em condições de prestá-la, e mesmo assim, limitado ao indispensável à sobrevivência do beneficiário.

Ou seja, o dever de sustento dos filhos compete única e exclusivamente aos pais, sendo possível, de forma subsidiaria, eventual e excepcional, estender talencargo aos parentes afins, situação em que a responsabilidade deve se limitar aos alimentos necessários.

Diante das ponderações acima elencadas, conclui-se, a olhos rasos, que o pretendido redirecionamento da obrigação alimentar em face do padrasto não encontra fundamento no atual sistema normativo vigente, constituindo-se, muito mais numa confusão de conceitos instaurador da insegurança jurídica e instabilidade social das relações afetivas.

Como diria Caetano Veloso28, “alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial”, sendo necessário, urgentemente, restabelecer a integridade e coerência do ordenamento pátrio, prestigiando-se um verdadeiro “Novo Direito de Família.”


Notas

1 Disponível em https://www.todafruta.com.br/portal/icNoticiaAberta.asp?idNoticia=1344 – acesso em 27.01.2013

2 Disponível em https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2012-10-10/padrasto-e-condenado-a-dar-pensao-a-ex-enteada-em-santa-catarina.html - acesso em 27.01.2013

3 Disponível em https://www.conjur.com.br/2012-jul-26/senso-incomum-perigos-neopentecostalismo-juridico-parte-ii acesso em 27.01.2013

4 IDEM, autor citado supra

5 STRECK, Lenio Luiz, em “O que é isto – decido conforme minha consciência?”, 3ª edição, Livraria do Advogado, 2012, pag. 33. e seguintes.

6 IDEM, obra citada, pag. 47/49

7 SARMENTO, Daniel, em “Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006, pag. 199/200, APUD em STRECK, Lenio Luiz, obra citada, pag. 47.

8 FILHO, Waldyr Grisard, “Famílias Reconstituídas – novas uniões depois da separação”, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, pag. 85

9 IDEM, obra citada, pag. 86

10 THERY, Irene, “Introduction generále: les temps des recompositionsfamiliales”, in MEUDLERS-KLEIN, Marie Therese; Thery, Irene, Les recompositionsfamilialesaujord`hui, Paris: Nathan, 1993, pag. 5-21, APUD, in FILHO, WaldyrGrisard, obracitada, pag. 161.

11 FILHO, WaldyrGrisard, obra citada, pag. 85

12 IDEM, obra citada pag,.92

13 “Parentalidade Social – fratrias e relações intergeracionais nas recomposições familiares”, em Sociologia – Problemas e Práticas, nº 59, 2009, pag. 45/74, disponível em https://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/spp/n59/n59a04.pdf acesso em 27.01.79

14 Disponível em “Padrasto, o novo Pai – Nova postura paternal”, https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1413-03942004000100003&script=sci_arttext acesso em 27.01.79

15 FILHO, Waldyr Grisard, obra citada, pag. 91

16 TARTUCE, Flavio, Direito Civil, Vol. V, São Paulo, Editora Método,7ª edição, pag. 322

17 IDEM

18 MADALENO, Rolf, “Curso de Direito de Família”, Rio de Janeiro, 3ª edição, pag. 363

19 APUD, in Filho, WaldyrGrisard, obra citada, pag. 38

20 IDEM

21 IDEM

22 APUD, in FILHO, WaldyrGrisard, obra citada, pag. 119

23 IDEM

24 APUD in MADALENO, Rof, obra citada, pag. 665

25 Maria Berenice Dias mencionada em TARTUCE, Flavio, obra citada, pag. 429. e Resp nº 36.365-MG, Resp nº 67.578-RJ, RE nº 4.753-PR e Ap. nº 1.0024.04.533394-5/001, TJMG

26 FILHO, WaldyrGrisard, obra citada, pag. 164

27 IDEM, obra citada, pag. 168/176

28 “Fora de Ordem”, Caetano Veloso

Sobre o autor
Cesar Augusto de Oliveira Queiroz Rosalino

Juiz de Direito no Estado do Rio de Janeiro, ex- Procurador Municipal de Santo André - SP, Especialista em Processo Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina - Unisul, Especialista em Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito-EPD.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSALINO, Cesar Augusto Oliveira Queiroz. Redirecionamento da obrigação alimentar em face do padrasto.: A jabuticaba no Direito de Família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3541, 12 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23947. Acesso em: 23 dez. 2024.

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