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A ilegalidade das cobranças do ECAD

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Agenda 21/03/2013 às 09:59

A Lei 9.610/98, apesar de ter a função de proteger a propriedade do autor, não prevê de forma clara como isso deve ser feito pelo ECAD, logo, o referido órgão tratou de se investir de Estado e “regulamentar” a lei.

O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD, a fim de viabilizar a consecução de suas atividades básicas de arrecadação e distribuição dos direitos autorais, aplica o Regulamento de Arrecadação, que foi elaborado e aprovado por sua Assembleia Geral, composta por representantes das associações que o integram, classificando os usuários de obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas em permanentes e eventuais, segundo as particularidades que apresentam.

Cumpre frisar que o referido Regulamento reflete o preceito constitucional contido nos incisos XXVII e XXVIII, alínea "b", do artigo 5º, da Constituição Federal, que conferem ao autor de obras intelectuais a faculdade de exercer exclusivamente todas as prerrogativas do domínio, inclusive fixar o preço pela exploração econômica das obras lítero-musicais, por terceiros.

Desse modo, são obrigados a pagar todos os que se utilizam das músicas e dos fonogramas dos filiados ao ECAD, entre eles promotores de eventos, cinemas, emissoras de TV e radiodifusão, boates, clubes, lojas comerciais, hotéis e motéis, supermercados, restaurantes, bares, shoppings, aviões, trens, ônibus, salões de beleza, escritórios, consultórios e clínicas, academias de ginástica; enfim, toda ou qualquer pessoa física ou jurídica que execute música publicamente.

Conforme disposto anteriormente, o ECAD calcula os valores que devem ser pagos pelos usuários de música de acordo com os critérios do Regulamento de Arrecadação desenvolvido pelos próprios titulares, através de suas associações musicais e aprovado em Assembléia Geral.

O referido regulamento dispõe que usuários de música, e potenciais pagadores dos direitos autorais, são pessoas físicas ou jurídicas, que utilizam música publicamente, ademais classifica o nível de importância da música para a atividade ou estabelecimento, como indispensável, necessária ou secundária. Considera ainda a periodicidade da utilização (se permanente ou eventual) e se a apresentação é feita por música mecânica ou ao vivo, com ou sem dança.

Portanto, o valor a ser pago é calculado de acordo com o realizado pelos usuários e a partir das informações fornecidas pelos mesmos, sendo a forma de cobrança determinada em função do parâmetro físico ou de percentual incidente sobre a receita bruta. Nos casos em não se pode estipular previamente, a receita bruta a cobrança é realizada pela área em que o evento será realizado.

Diante disso, torna-se importante citar o que dispõe o Regulamento do ECAD no capítulo dos Princípios Gerais[1]:

“Considerando que o ECAD, no uso das atribuições que lhe foram conferidas pelas associações que o integram, é a única entidade que tem a prerrogativa de autorizar e proibir a utilização de obras musicais, lítero-musicais e fonogramas em execuções públicas, agindo em nome próprio como mandatário legal e substituto processual dos titulares, em conformidade com a alínea “b” do inciso XXVII do art. 5º da Constituição Federal, combinado com os artigos 68 e 99 da Lei nº 9.610/98; Fica estabelecido que:

1)       Para efeito de aplicação da Tabela de Preços praticados pelo ECAD, que é parte integrante deste Regulamento, considera-se usuário de direito autoral toda pessoa física ou jurídica que utilizar obras musicais, lítero-musicais, fonogramas, através da comunicação pública, direta ou indireta, por qualquer meio ou processo similar, seja a utilização caracterizada como geradora, transmissora, retransmissora, distribuidora ou redistribuidora. (Art. 29 – VII, VIII, alíneas “b” a “ï”; Art. 68 e parágrafos, Art. 86 e Art. 89 da Lei 9.610/98).

2)       Para a concessão das autorizações para a utilização das obras musicais, lítero-musicais e fonogramas, o ECAD tomará por base o enquadramento dos usuários na Tabela de Preços que faz parte integrante deste Regulamento, condicionando-as ao pagamento da remuneração prevista, obrigando-se ainda o usuário a proporcionar os meios adequados à verificação dos elementos que servirão de base de cálculo do valor cobrado, bem como à coleta de dados necessários à distribuição dos direitos arrecadados (art. 68 § 6º da Lei 9.610/98).

3)         Os valores fixados pela Tabela de Preços do ECAD corresponderão às utilizações musicais realizadas por meios mecânicos direta ou indiretamente, parcial ou totalmente. Quando a utilização se der exclusivamente pela execução musical ao vivo, tais valores sofrerão redução de 1/3 (um terço), seja pelo critério de cobrança por participação percentual, seja por parâmetro físico.

4)  O enquadramento dos usuários na Tabela de Preços do ECAD levará em consideração as formas de utilização das obras musicais, lítero-musicais e fonogramas, sua classificação por espécie, categoria e frequência.

5)         As diferentes formas de utilização de obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas são independentes entre si, ainda que realizadas por um mesmo usuário, no mesmo local, e a cada uma delas corresponderá uma autorização e seu respectivo enquadramento na Tabela de Preços (art. 31 da Lei no. 9.610/98).

Assim, percebe-se o quanto é grande a base que faz a receita do ECAD, não referindo somente à base nacional de arrecadação, mas também à base internacional, pois as músicas brasileiras também são ouvidas no exterior e os artistas também têm direito sobre isso.

No entanto, dentre os problemas apresentados pelo ECAD dois merecem atenção urgente, qual seja, o sistema de fiscalização e controle e o sistema de repasse das verbas arrecadadas. Em primeiro momento questiona-se: Quem supervisiona os fiscais mantidos pelo ECAD? Quem pode assegurar que de fato o sistema operacional de fiscalização do ECAD vem garantindo aos artistas e aos cofres públicos os recolhimentos devidos pela utilização das obras musicais? As cobranças realizadas por este órgão são legais? Em segundo momento, surge o questionamento em relação ao repasse dos valores arrecadados: Como está sendo feito o repasse aos compositores, editores musicais, intérpretes, músicos executantes e produtores fonográficos?

Dos questionamentos acima surge a grande questão de fundo do presente artigo: Conforme explanado acima, concluímos que o ECAD é uma instituição privada e, nessa qualidade, seus fiscais não gozam de fé pública ou poder de polícia, razão pela qual não se pode impor presunção de veracidade aos atos que são por eles lavrados e elaborados unilateralmente. Da mesma forma, tratando-se de entidade privada, o ECAD não tem legitimidade para regulamentar a Lei dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98), pois a regulamentação é ato de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 84, inciso IV[2], da Constituição Federal, sendo inadmissível aceitar como válidos os “Termos de Verificação” produzidos por este órgão, pois seus agentes, evidentemente, não gozam de fé pública, em evidente afronta ao sistema jurídico Brasileiro.

Apesar de a Lei dos direitos autorais, em seu artigo 99, § 4º, ser clara quanto à legitimidade do ECAD em arrecadar e distribuir os valores referentes à utilização pública dos direitos autorais não é o foco em questão, o que será discutido é a legalidade e a forma como são feitas as cobranças pelo referido órgão, eis que não tem autorização legal alguma para fixar os preços que cobra.

Em um primeiro momento importa explanar sobre os fiscais mantidos pelo ECAD, mediante prévia autorização legislativa (§ 4º do art. 99 da Lei nº 9.610/98), já que não possuem autoridade para lavrar termos de autuação e impor penalidades, pois fiscalizar é ato de autoridade, atividade esta indelegável e indeclinável, típico do Estado, configurador do exercício do poder de polícia que não pode ser desempenhado por entidade privada de direito civil, quanto menos impor penalidade mediante auto de infração apresentando ao sujeito passivo uma penalidade que não está previamente estabelecida em lei.

A razão do poder de polícia é o interesse social, e o seu fundamento está na supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre todas as pessoas, bens e atividades, impondo condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Público o seu policiamento administrativo.

Por conseguinte, o Poder de Polícia está insculpido dentre os poderes da administração pública e se caracteriza por ser uma faculdade de que este ente de direito público dispõe para condicionar, restringir e fiscalizar o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em razão da coletividade ou do próprio Estado; é mecanismo que a Administração Pública tem para conter os abusos do direito individual.

Portanto, onde houver interesse relevante da coletividade ou do próprio Estado, haverá correlatamente igual poder de polícia administrativa para a proteção desses interesses, sendo assim a fiscalização não é ato típico de entidade privada como o Ecad e, por isso, é totalmente descabido que os fiscais mantidos por esse órgão tenham poder de autuar, impor multas e penalidade às pessoas físicas ou jurídicas, os chamados usuários dos direitos autorais.

No sentido da indelegabilidade da função de fiscalização à entidade de direito privado já decidiu o C. STF[3], conforme se observa pelo seguinte precedente:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime.” 

(ADI 1717/DF, STF, Tribunal Pleno, Relator Min. SYDNEY SANCHES, j. em 07/11/2002, DJU de 28/03/2003, p. 00061).

Quanto às autuações feitas pelos fiscais do ECAD, o regulamento desse órgão dispõe em seu Capítulo dos Princípios Gerais, item 11[4], da seguinte forma: “O ECAD lavrará Termos de Comprovação de Utilização Musical sempre que a utilização de obras musicais, lítero-musicais e fonogramas sejam realizados sem a prévia autorização do Escritório, ficando o usuário sujeito às sanções previstas nos arts. 105 e 109 da Lei no. 9.610/98[5] e no art. 184 do Código Penal”.

Nota-se que são totalmente autoritárias as “normas” unilaterais criadas por este órgão que se investiu de poder público e, por isso, “pensa” que pode manter fiscais com autoridade para lavrar os Termos de Comprovação de Utilização Musical que é uma espécie de comprovação de dívida que os usuários são obrigados a assinar, senão serão submetidos a multas exorbitantes e até mesmo a sanções penais. O ECAD ingressa em juízo munido de uma espécie de clone de certidão de dívida ativa, procurando criar, na realidade, um tipo novo de título de crédito, que poderia chamar de “certidão de dívida ativa de direito autoral”, não autorizada legalmente.

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Portanto, se não houver o pagamento, o infrator responderá judicialmente, ficando sujeito às sanções criminais e civis cabíveis, conforme artigo 184 do Código Penal[6], que prevê pena de detenção de 3 meses a 4 anos ou multa, e artigo 109 da Lei Federal 9.610/98, que prevê a multa de vinte vezes o valor que deveria ser originalmente pago, atividade esta típica do Estado e não de um órgão privado.

Dessa forma, o grande problema da arrecadação e distribuição dos direitos autorais está na malfadada Lei 9.610/98 que comete ao ECAD o direito de representar os autores de música em todas as esferas e o poder de cobrar do cidadão uma contribuição que tem como fato gerador a execução de música.

As cobranças têm toda característica de um tributo do tipo contribuição parafiscal corporativas, prevista pela Constituição Federal no artigo 149[7]. No entanto, o ECAD não é um órgão público e, por isso, ignora totalmente que o valor por ele cobrado tenha que respeitar os princípios constitucionais da legalidade, isonomia, capacidade contributiva, não confisco, etc.

Para corroborar o entendimento de que os fiscais do ECAD não têm autoridade para lavrar temos de autuação, importa citar parte do julgamento do Desembagador Odone Sanguiné nos autos da apelação cível nº 70012918835[8]:

“Perfilhando tal entendimento, a manifestação desta Corte na Apelação Cível nº 70004224887: “Os fiscais que o ECAD está autorizado por lei a manter (§ 4º do art. 99 da Lei nº 9.610/98) não têm autoridade para lavrar termos de autuação e impor penalidades. Fiscalizar é ato de autoridade, típico de Estado, configurador do exercício do poder de polícia, que não pode ser desempenhado por entidade privada de direito civil, quanto menos impor penalidade mediante auto de infração apresentado ao sujeito passivo, em que a pena não está previamente estabelecida em lei”. (Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em 10/11/2004)”.

Em um segundo momento, entraremos na ceara da competência legislativa, pois diante do que argumentamos até o momento o Escritório de Arrecadação de direitos autorais é uma entidade de direito privado, criada pela lei dos direitos autorais, com legitimidade para atuar como parte ativa em processos judiciais em nome dos autores de obras lítero-musicais e de fonogramas

Portanto, o referido órgão não tem competência para regulamentar as leis infraconstitucionais, eis que essas leis não podem ser regulamentadas por qualquer entidade pública e muito menos por um ente privado. Consoante dispõe o artigo 84, inciso IV da Constituição Federal de 1988, é de competência privativa do Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para a sua fiel execução. 

Dessa forma, qualquer lei infraconstitucional, até mesmo a lei dos direitos autorais, só pode ser regulamentada por meio de decretos regulamentadores, pelo presidente da república, sob pena de se configurar um vício formal de iniciativa, caracterizador da inconstitucionalidade do referido ato normativo.

As hipóteses previstas na constituição de iniciativa reservada ao Presidente da República, pelos princípios da simetria e da separação de poderes, devem ser observadas em âmbito estadual, distrital e municipal, ou seja, as referidas matérias terão de ser iniciadas pelos Chefes do Executivo, sob pena de configurar inconstitucionalidade formal subjetiva e, consequentemente, não podem ser delegadas.

Nesse sentido, o decreto regulamentar não pode reduzir ou ampliar o conteúdo da lei, o que o regulamento pode fazer é dizer como a lei deverá ser executada, tudo para facilitar o seu cumprimento, ou seja, visando à fiel execução da lei, nos precisos termos dela.

Sendo assim, as leis infraconstitucionais só podem ser regulamentadas por decreto. Quando for necessária uma modificação ou alteração da lei, é preciso haver um processo legislativo para criação de uma nova lei, a qual irá ampliar ou reduzir os direitos contidos na lei anterior, portanto é totalmente incabível que um órgão privado regulamente uma lei federal e mais incabível ainda é admitir que este mesmo órgão privado amplie ou reduza os direitos contidos em uma lei infraconstitucional.

No entanto, quando se trata de ampliar ou reduzir conteúdo de lei infraconstitucional resta imprescindível citar o trecho do acórdão produzido pelo Desembargador Adão Sergio do Nascimento Cassiano nos autos da apelação cível nº 70006385033:[9]

Ora, e se é vedada a inovação da ordem jurídica ao próprio Poder Executivo – com exceção da Medida Provisória nos casos cabíveis – e se é vedada a delegação legislativa – exceto ao Poder Executivo nos casos em que a Lei Delegada é autorizada (CF, art. 68) – e se o Poder Regulamentar é privativo do Chefe do Poder Executivo, parece mais do que evidente que é absoluta anomalia, violação aberta do sistema jurídico, nulidade ex radice, a edição de Regulamento por uma entidade privada, como é o caso do ECAD, especialmente quando tal “regulamento” autoriza por si só – sem fundamento na lei – a prática de atos de autoridade, de exercício do poder de polícia, pela fiscalização de atividades e imposição de penalidades, além da cobrança compulsória de valores.

Torna-se indiscutível o fato de que em qualquer ramo do direito a lei não pode ser alterada por ente hierarquicamente inferior que o parlamento, torna-se também indiscutível que o Escritório Central de Arrecadação de direitos autorais, uma entidade privada, não pode regulamentar e sequer alterar a lei dos direitos autorais.

Assim, no Estado Democrático em que vivemos nem o decreto regulamentar e muito menos regulamento de uma sociedade privada pode aumentar ou restringir direito, somente a lei em sentido formal e material, como ato o parlamente, é que modificar outra lei.

Portanto, se no nosso Sistema constitucional o Poder executivo não pode inovar a ordem jurídica (exceto nos casos de medida provisória), se é vedada a delegação legislativa (exceto nos casos do artigo 68 da CF/88), se o poder regulamentar é privativo do chefe do presidente da República nos termos do artigo 84, inciso IV da CF/88, é mais do que evidente que uma entidade privada como o Escritório Central de Arrecadação não pode, de maneira alguma, regulamentar uma lei federal.

É mais do que evidente a total anomalia jurídica das cobranças realizadas pelo ECAD, ainda mais quando o regulamento criado por esta entidade privada autoriza que seus fiscais tenham poder de polícia para impor cobranças compulsórias de valores, bem como penalidades que não estão dispostas em lei, substituindo assim o poder público como se Estado fosse. 

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Dessa forma, pode-se dizer que a forma adotada pelo Brasil para a fixação de preços de direitos autorais é absolutamente arbitrária e monopolista, eis que o ECAD, associação privada, pretende gozar de uma soberania que nem o Estado, o qual está submetido ao princípio da legalidade, possui.

Nesse contexto, importante a citar trecho do acórdão exarado pelo Desembargador Wander Marotta do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, nos autos da Apelação Cível nº 1.0525.02.002440-8/001:

ECAD, na verdade, apresenta-se em Juízo munido de uma espécie de clone de "certidão de dívida ativa", que seria absolutamente indiscutível pelos consumidores, aos quais se reservaria o ônus da prova em contrário, nos moldes dos privilégios que a lei prevê para os créditos tributários. Procura criar, na realidade, um tipo novo de título de crédito, que poderia chamar-se "certidão de dívida ativa de direitos autorais", não autorizada legalmente.[10]

Nota-se que, através de um simples Regulamento de Arrecadação, a entidade privada determina quanto e como devem ser pagos os direitos autorais aos titulares das músicas, o que fere frontalmente o Estado Democrático de Direito e o sistema Republicano adotado na nossa Constituição Federal de 1988[11], o qual se baseia no respeito à hierarquia das normas, na separação dos poderes e nos direitos fundamentais. 

Nesse contexto, no Estado Democrático de Direito, na expressão de José Afonso da Silva, são as leis é devem modificar o status que sob a diretriz do Estado: "Pois ele tem que estar em condições de realizar, mediante lei, intervenções que impliquem diretamente uma alteração na situação da comunidade. Significa dizer: a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não pode ser apenas lei de arbitragem, pois precisa influir da realidade social".[12]

Além disso, a legislação que rege a matéria não pode ser interpretada de forma tão ampla e conveniente quanto pretende o ECAD. Os conceitos de "arrecadação, distribuição e fiscalização" descritos na Lei 9.610/98 não permitem a suposição de que abrangeriam a competência do ECAD para fixar unilateralmente os preços cobrados, ou seja, a lei dos direitos autorais não dá ao órgão a competência para, unilateralmente, criar o quanto deve ser cobrado e como deve ser cobrada, ela somente cria o órgão e dá a ela a função de arrecadar e distribuir.

A prova cabal da aludida incompetência do ECAD para proceder a fixação unilateral dos valores dos direitos autorais é o fato de que o referido órgão, desde sua criação, jamais deteve tal atribuição, sendo que era reservado ao Conselho Nacional de Direitos Autorais – CNDA – a competência para fixar normas para a unificação dos preços dos sistemas de cobranças e distribuição de direitos autorais, conforme se depreendia do artigo 117, inciso IV da Lei 5.988/73[13], hoje revogada.

Não é lícito, assim, ao ECAD se apoderar da competência do extinto CNDA, de forma que somente se reconhecerá valor jurídico ao "Regulamento de Arrecadação" da sociedade de direito autorais, caso o mesmo vier a ser devidamente homologado por órgão público competente, hoje inexistente.

Nesse sentido, já se posicionou o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul[14], conforme as emendas abaixo transcritas:

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE COBRANÇA DE DIREITOS AUTORAIS AJUIZADA CONTRA MUNICIPALIDADE. ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ECAD. INVALIDADE DOS CHAMADOS TERMOS DE VERIFICAÇÃO. LAVRADOS POR FISCAIS CREDENCIADOS JUNTO À ENTIDADE. VALORES COBRADOS CONFORME TABELA ELABORADA UNILATERALMENTE. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE DO ECAD PARA REGULAMENTAR A LEI DOS DIREITOS AUTORAIS. LEI Nº 9.610/98. COBRANÇA INDEVIDA. 1. Os denominados Termos de Verificação, que supostamente comprovam a dívida, foram emitidos com suporte em regulamento elaborado pelo próprio ECAD, pessoa jurídica de natureza privada, que não possui legitimidade para regulamentar a Lei dos Direitos Autorais, em substituição ao Poder Público. Portanto, forçoso concluir pela invalidade dos referidos documentos. 2. A cobrança mostra-se indevida, dada a ausência de legitimidade do ECAD para exigir o pagamento de valores monetários com arrimo em regulamento expedido pela própria entidade, e não pelo Poder Público. O autor não possui a competência para regulamentar a Lei de Direitos Autorais, impondo a cobrança de retribuição pecuniária, sendo inválidos os Termos de Verificação e a tabela de valores fixados unilateralmente e sem fundamento legal. Precedentes desta Corte. 3. Sucumbência invertida. Condenação do réu ao pagamento das custas processuais e de verba honorária ao patrono do Município demandado. Art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR. DERAM PROVIMENTO AO APELO DO RÉU. UNÂNIME”. (Apelação Cível Nº 70012918835, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 23/08/2006)

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITOS AUTORAIS. LEGITIMIDADE PROCESSUAL. ECAD. ENTIDADE DE DIREITO PRIVADO. SOM AMBIENTE EM BAR. EXECUÇÃO PÚBLICA NÃO-CARACTERIZADA. COBRANÇA COM BASE EM REGULAMENTO EDITADO PELA ENTIDADE. ILEGALIDADE. PODER REGULAMENTAR. AUTUAÇÃO. ATO DE AUTORIDADE. IMPOSIÇÃO DE MULTA. PRÉVIA COMINAÇÃO LEGAL. NECESSIDADE. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA REJEITADA. A legitimidade processual ativa do ECAD decorre da Lei, não havendo necessidade de autorização expressa de seus filiados para que atue em juízo. Exegese do § 2º do art. 99 da Lei nº 9.610/98. Invalidade dos documentos emitidos com base no regulamento do ECAD, que não é entidade revestida de caráter de autoridade, pois é pessoa jurídica de natureza privada, que não tem legitimidade para regulamentar a Lei dos Direitos Autorais, ato este de competência privativa do Poder Executivo (art. 84, IV, CF). Os fiscais que o ECAD está autorizado por lei a manter (§ 4º do art. 99 da Lei nº 9.610/98) não têm autoridade para lavrar termos de autuação e impor penalidades. Fiscalizar é ato de autoridade, típico de Estado, configurador do exercício do poder de polícia que não pode ser desempenhado por entidade privada de direito civil, quanto menos impor penalidade mediante auto de infração apresentado ao sujeito passivo, em que a pena não está previamente estabelecida em lei. Não há disposição alguma na Lei nº 9.610/98 que autorize o ECAD a impor multa de 10%, sendo princípio geral de direito a máxima de que não se pode impor pena sem prévia cominação legal: nulla poena sine lege. Os atos decorrentes do poder de polícia só podem ser praticados por agente público, detentor de cargo público, que exerça a precípua função pública de fiscalização e imposição de multa e de cobrança compulsória dos alegados direitos autorais. Precedente do STF. Cobrança ilegal em face da nulidade absoluta dos Termos de Verificação e das tabelas de valores. Documentos com os quais pretende o demandante provar a utilização indevida das obras musicais pelo réu que não se prestam para tal desiderato, produzidos que foram unilateralmente e sem qualquer embasamento legal. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. POR MAIORIA”. (Apelação Cível Nº 70004224887, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em 10/11/2004)

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITOS AUTORAIS. LEGITIMIDADE PROCESSUAL. ECAD. ENTIDADE DE DIREITO PRIVADO. APARELHOS DE TV EM QUARTO DE HOTEL. EXECUÇÃO PÚBLICA NÃO-CARACTERIZADA. COBRANÇA COM BASE EM REGULAMENTO EDITADO PELA ENTIDADE. ILEGALIDADE. PODER REGULAMENTAR. AUTUAÇÃO. ATO DE AUTORIDADE. IMPOSIÇÃO DE MULTA. PRÉVIA COMINAÇÃO LEGAL. NECESSIDADE. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA REJEITADAS. A legitimidade processual ativa do ECAD decorre da Lei, não havendo necessidade de autorização expressa de seus filiados para que atue em juízo. Exegese do § 2º do art. 99 da Lei nº 9.610/98. Em princípio qualquer estabelecimento comercial de frequência coletiva pode ser parte legítima para integrar o polo passivo de ação de cobrança de direitos autorais, sendo a questão relativa à incidência ou não da norma autorizadora da cobrança matéria que diz respeito ao mérito da demanda. Invalidade dos documentos emitidos com base no regulamento do ECAD, que não é entidade revestida de caráter de autoridade, pois é pessoa jurídica de natureza privada, que não tem legitimidade para regulamentar a Lei dos Direitos Autorais, ato este de competência privativa do Poder Executivo (art. 84, IV, CF). Os fiscais que o ECAD está autorizado por lei a manter (§ 4º do art. 99 da Lei nº 9.610/98) não têm autoridade para lavrar termos de autuação e impor penalidades. Fiscalizar é ato de autoridade, típico de Estado, configurador do exercício do poder de polícia que não pode ser desempenhado por entidade privada de direito civil, quanto menos impor penalidade mediante auto de infração apresentado ao sujeito passivo, em que a pena não está previamente estabelecida em lei. Não há disposição alguma na Lei nº 9.610/98 que autorize o ECAD a impor multa de 10%, sendo princípio geral de direito a máxima de que não se pode impor pena sem prévia cominação legal: nulla poena sine lege. Os atos decorrentes do poder de polícia só podem ser praticados por agente público, detentor de cargo público, que exerça a precípua função pública de fiscalização e imposição de multa e de cobrança compulsória dos alegados direitos autorais. Precedente do STF. Cobrança ilegal em face da nulidade absoluta dos Termos de Verificação e das tabelas de valores. Apesar de a Lei dos Direitos Autorais fazer referência aos hotéis como locais de frequência coletiva, deve ser observado que a intenção da norma ao mencionar tal expressão  freqüência coletiva é caracterizar locais em que há circulação de público. Situação em que não se enquadra o quarto de hotel. Exegese do art. 68, caput e § 3º, da Lei nº 9.610/98. Precedentes do STJ. Documentos com os quais pretende o demandante provar a utilização indevida das obras musicais pelo réu que não se prestam para tal desiderato, produzidos que foram unilateralmente e sem qualquer embasamento legal. APELO PROVIDO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE”. (Apelação Cível Nº 70006385033, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 15/09/2004)

No mesmo sentido já decidiu recentemente o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais[15]:

"DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE COBRANÇA - ARRECADAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS - ECAD - FIXAÇÃO UNILATERAL DE PREÇOS - ILEGALIDADE. O ECAD.

Embora legitimado, em tese, para arrecadar e distribuir direitos relativos à execução pública de composições musicais ou lítero-musicais e de fonogramas (art. 99, § 4º da lei 9.610/98) - não pode, unilateralmente, fixar o preço desse produto, que não é seu, apropriando-se das atribuições do extinto CNDA. A legislação constitucional e infraconstitucional não tem a amplitude interpretativa pretendida pelo ECAD, que tenta ocupar os espaços do "vazio legislativo" em prejuízo do consumidor, alterando e ampliando os conceitos de "arrecadação e distribuição" de direitos autorais, exercidos em condições monopolísticas (art. 51, X, do Código de Defesa do Consumidor." (TAMG, Ap. Cív. 315.604-7, 3ª Câm. Cív., rel. Juiz Wander Marotta, j. 20/09/2000).(grifei)

AÇÃO DE COBRANÇA - ARRECADAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS - ECAD - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - FIXAÇÃO UNILATERAL DE PREÇOS - ILEGALIDADE - VOTO VENCIDO. Mesmo após a determinação de especificação de provas, se estão presentes nos autos elementos suficientes para o livre convencimento do magistrado, e tratando-se de matéria exclusivamente de direito, ou de fato já provada, é correto o julgamento antecipado da lide (CPC 330 e 470). O ECAD - embora legitimado, em tese, para arrecadar e distribuir direitos relativos à execução pública de composições musicais ou lítero-musicais e de fonogramas (art. 99, § 4º da Lei 9.610/98) - não pode, unilateralmente, fixar o preço desse produto, que não é seu, apropriando-se das atribuições do extinto CNDA. A legislação constitucional e infraconstitucional não tem a amplitude pretendida pelo ECAD, que tenta ocupar os espaços do "vazio legislativo" em prejuízo do consumidor, alterando e ampliando os conceitos de "arrecadação" e "distribuição" de direitos autorais, exercidos em condições monopolísticas (art. 51, X, do Código de Defesa do Consumidor). É improcedente a ação de cobrança de direitos autorais se não há prova da efetiva execução das obras musicais. V.v.: Tem o ECAD legitimidade para fixar a tabela de preço dos direitos autorais, podendo fazê-lo sem o beneplácito de órgão oficial. (TJMG – Ap. Cív. n.º 2.0000.00.346941-8/000 – rel. Des. Wander Marotta – Publ. em 14.11.01)

Entretanto, diante do que foi explanado temos, de um lado, os grandes usuários de obras musicais que questionam o valor de retribuição que têm de pagar sobre uso dessas obras; de outro, as associações de autores denunciam uma elevada inadimplência dos grandes usuários. Serão os usuários contumazes maus pagadores ou os critérios de arrecadação são injustos e/ou abusivos? É necessária a criação de uma instância de conciliação de interesses (arbitragem)? Qual seria a solução, já que a lei 9610/98 é falha e as cobranças do único órgão autorizado a arrecadar e distribuir os valores de direitos autorais é totalmente ilegal e injusta?

Diante dos inúmeros conflitos entre o que é justo e o que é requerido pelo ECAD de maneira unilateral, utilizando de sua prerrogativa advinda de um monopólio legal, seria de bom alvitre repensar a questão da criação de um órgão de controle ou de solução de controvérsias ou até mesmo criar uma nova lei que determine como o Escritório de Direitos autorais deve realizar as cobranças e quais os valores a serem cobrados.

Também outra solução contra ao monopólio do ECAD seria criar uma nova versão do extinto Conselho Nacional de Direito Autoral, não só para dirimir as eventuais e prováveis controvérsias, mas para também fomentar a discutir políticas públicas sobre o tema, com pluralidade de participação e critérios objetivos, os quais não se confundam com um modelo intervencionista do Estado.

Nesse contexto, importante destacar a Carta mail que circulou em listas do movimento de Rádios Comunitárias na internet sobre as cobranças do ECAD e transcrita pela palestrante Dagmar Camargo[16] no Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Seminário “A Defesa do Direito Autoral: Gestão Coletiva e Papel do Estado” Rio de Janeiro, 30 e 31 de julho de 2008[17]:

PARANÁ, COMO O ECAD AGE:

Carta-email de Edson Naval, da Rádio Comunitária de TOLEDO - Paraná

O ECAD cobra pelo uso da música, seja evento, casamento, clube, cinema, lojas, shows, rádios, TV etc. Eles possuem uma tabela onde o preço varia, de acordo com o tipo de evento, pessoas atingidas, localização geográfica, tamanho do recinto etc. Não importa se é com fins lucrativos ou não.

Alguns preços praticados no Paraná:

Radio comunitária, festa junina, velórios, festas de casamento, som de rua ou lojas com som na calçada: em torno de R$ 320,00

Show da Ivete Sangalo: R$ 15.000,00

WEB RÁDIO: R$ 320,00

Baile de igreja/comunidade: R$ 1.300,00

Rádios comerciais: R$ 1.000,00 por mês

Hotéis, motéis, clubes: R$ 700,00 por mês e por ai vai.

O Problema e a legitimidade:

A cobrança feita pelo ECAD é legal. Usamos a música que é de autoria de terceiros para produzir um conteúdo nosso, ou obter lucro, ou promover algo na nossa loja etc.

Um dos problemas é o preço, que é um absurdo!

Quando houve a CPI do ECAD no Senado, a atenção das pessoas foi desviada da raiz do problema, ficando concentrada na arrecadação e na distribuição. O problema do preço do ECAD é que se trata de um negócio sem concorrência. Só existe o ECAD arrecadando, então ele faz o preço que quiser!

O ECAD não é um órgão público ele foi criado por uma lei que lhe dá legitimidade para arrecadar, mas é um órgão PARTICULAR. São 7 entidades que compõem o ECAD, ou melhor, os tentáculos do ECAD. Um músico, para poder receber o direito autoral de execução, tem que estar filiado a uma dessas 7 entidades, além de ter que aparecer no levantamento de amostragem que o ECAD faz nas capitais e em algumas cidades do interior.

EXEMPLO:

O Zé que toca na banda Bumbus do LUAL, que mora numa cidade do interior de algum estado ai, que faz bastante sucesso na sua região, toca nas rádios locais, vendeu um monte de cd independente, tem uma banda bastante conhecida na internet, mas só que nunca foi no Faustão, nunca tocou nas grandes FMs das capitais.

A banda dele se filiou a uma das entidades que são as donas do ECAD, mas não vai receber nada de direito autoral pela execução, pois a banda dele não tem o nome aparecendo em MIL amostragens ou mais. Lá só vai aparecer Roberto Carlos, Djavan, etc. Os grandes artistas, que têm dinheiro pra pagar Jabá para as rádios colocarem seus nomes entre os mais tocados, na lista mensal que elas enviam pro ECAD.

O ECAD vem na sua emissora, cobra a taxa, ela vai somar aos milhões que vão ser distribuídos entre as entidades que compõem o ECAD e estas entidades vão distribuir para os artistas filiados, que estão relacionados na amostragem.

“Eh, colega, pode avisar aquela dupla sertaneja da sua cidade, Zé canoeiro e Remador que são ótimos, mas dificilmente vão receber um centavo daquela taxa que sua emissora pagou pro ECAD”.

Mesmo que vários artistas se reunissem e formassem uma associação, com a intenção de arrecadar direitos autorais, essa associação teria que se filiar ao ECAD para receber, pois só ele tem AUTONOMIA pra arrecadar. Mas o ECAD é fechado, as associações não deixam entrar mais nenhuma outra.

O que deveria ser feito?

Criar uma lei fazendo com que o ECAD virasse um órgão público para poder ter suas contas fiscalizadas, permitir que mais entidades se filiassem ao ECAD, mudar o sistema de Amostragem de execução (que hoje só favorece os grandes artistas), pagar um salário fixo aos agentes e melhorar o preço da tabela (para baixo).

Como nossa emissora deve agir?

Lembro que o agente arrecadador do ECAD, que bate a sua porta, é um coitado que está sendo explorado (assim como nós), ele não é funcionário do ECAD. Para fugir das obrigações trabalhistas o ECAD obriga que o agente abra uma empresa e forneça nota fiscal de prestação de serviço. Ele ganha porcentagem do valor arrecadado: 7,5% do valor total. Hoje, para bancar os custos da empresa, combustível, viagens pela região etc., o agente do ECAD tem que arrecadar em torno de 75.000 por mês, pois abaixo disto ele fica no vermelho. Lembro que o agente do ECAD não elabora preços, isso já vem da matriz no Rio de Janeiro, ele tem uma tabela de preços pronta. O que ele é autorizado a fazer é negociar este preço abaixo da tabela.

Portanto, resta às lideranças se reunirem e negociarem com o ECAD um preço mais barato em troco da fidelidade do pagamento.

Lembro que se na visita do fiscal sua emissora falar que não vai pagar o ECAD, ele vira as costas e vai embora. O ECAD fica lá computando e acumulando os valores. Quando chega em 3.000 (três mil) reais acumulados em taxas não pagas (no mínimo, pode ser bem mais que isso), eles acionam sua emissora na justiça. Aí meu colega, sua emissora, seus equipamentos, sua comunidade vai sentir na pele e no bolso a força desse cartel que é o ECAD. Vamos pressionar nossas lideranças políticas pra mudarem o ECAD!!! EDSON NAVAL – Rádio Comunitária de TOLEDO – Paraná (grifei)

No entanto, devido às polêmicas das cobranças realizadas pelo ECAD, já tramita no Congresso Nacional[18] o Projeto de Lei n° 1.557/1999, que retira o monopólio do ECAD para arrecadação dos direitos autorais, possibilitando a criação de outras entidades com esse mesmo fim, bem como o Projeto de Lei n° 2.850/2003[19], que transforma a forma de arrecadação de direitos autorais no país, fazendo com que os recursos cheguem, efetivamente, até os titulares das obras musicais, extinguindo o ECAD e criando o Centro de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais e o Fundo de Amparo ao Compositor (FAC).

Há muito existe a polêmica em torno do ECAD, tanto é assim que em 1995, a Comissão Parlamentar de Inquérito, instituída para investigar a real situação do Direito Autoral no Brasil e o papel do ECAD, concluiu que as reclamações feitas por segmentos que utilizam a música para fins comerciais, bem como provenientes do mundo artístico, são verídicas. Na época, os membros da CPI puderam constatar o descontentamento dos artistas com a forma como o ECAD procedia à cobrança de direitos autorais e com a distribuição das parcelas de direitos que lhes pertenciam, isso sem falar que quase todos os autores e intérpretes ouvidos pela Comissão não tinham conhecimento de que o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição é uma entidade sem fins lucrativos de caráter PRIVADO, e não público.

No meio da enorme polêmica que gira em torno das cobranças unilaterais realizadas pelo ECAD há uma certeza: é preciso que haja uma real mudança na legislação que regula os direitos autorais no Brasil, para isso, faz–se necessário formular alterações na lei, a fim de que as cobranças sejam justas e legais.

Diante de tudo o que já foi explanado, concluímos que a Lei 9.610/98, apesar de ter a função de proteger a propriedade do autor, não prevê de forma clara como isso deve ser feito pelo ECAD. Logo, o referido órgão tratou de se investir de Estado e “regulamentar” a lei, criando o tão criticado regulamento de arrecadação, o qual tem “força de lei” e obriga aos usuários dos direitos autorais a pagar os valores fixados pela Tabela de Preços do ECAD sob pena de serem lavrados os Termos de Comprovação de Utilização Musical e de serem submetidos às sanções previstas nos arts. 105 e 109 da Lei no. 9.610/98 e no art. 184 do Código Penal.

Portanto, apesar de a Lei 9.610/98 conceder ao ECAD legitimidade para ingressar em juízo em nome dos autores, não dá poderes a esse órgão para regulamentar a lei, substituindo o poder como se Estado fosse. Ademais, não pode impor multas e exigir compulsoriamente dos valores monetários referentes aos direitos autorais, pois isso é ato de autoridade, típicos da função estatal que só podem ser praticados por agente público detentor de cargo que exerça a precípua função pública de fiscalização, imposição de multa e cobrança dos alegados direitos autorais.

Sobre a autora
Cristiane Prestes Machado

Advogada em Pelotas (RS). Especialista em Direito Empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Cristiane Prestes. A ilegalidade das cobranças do ECAD. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3550, 21 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24020. Acesso em: 23 dez. 2024.

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Texto compilado a partir de artigo científico realizado para a especialização em Direito Empresarial.

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