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Do equívoco da Súmula nº 60 do Tribunal de Justiça de São Paulo. Exigência somente do registro do título no cartório de títulos e documentos do devedor. Aplicação equivocada do Código Civil.

Artigo 49, §3º, da Lei nº 11.101/05. Necessidade de registro do instrumento de cessão fiduciária nos Cartórios de Registro de Imóveis dos domicílios do devedor e do credor para ter eficácia perante terceiros.

Agenda 04/04/2013 às 14:45

Para que se possa considerar válida a previsão contida no art. 49, §3º, da Lei nº 11.101/05, deve-se registrar o instrumento de cessão de direitos creditórios nos Cartórios de Registros de Títulos e Documentos nos domicílios das partes, se elas residirem em circunscrições territoriais diversas, ao contrário do que preceitua a súmula 60 do TJSP.

Após oito anos a Lei 11.101/05 ainda desperta conclusões jurídicas antagônicas, bem como interpretações das mais variadas em relação a seus princípios e dispositivos, o que somente deverá ser solucionado quando o Superior Tribunal de Justiça pacificar suas interpretações e aplicações.

O disposto no art. 49, §3º, da Lei 11.101/05, denominado pelo meio jurídico como  “trava bancária” constitui mecanismo utilizado pelos credores objetivando a não submissão de seus títulos de créditos, com garantia de cessão fiduciária de direitos ou alienação fiduciária, ao processo de recuperação judicial. A conotação de trava ocorre justamente porque tais créditos possuem a excepcionalidade de se oporem ao concurso de credores.

Diante da excepcionalidade do dispositivo, sua interpretação é restrita, daí o porquê da relevância acerca do momento da constituição da garantia e da necessidade de registro do instrumento de cessão fiduciária de direitos creditórios nos Registros de Títulos e Documentos se consubstanciam num dos assuntos mais tormentosos e polêmicos da nova Lei.

A controvérsia existente se apresenta desde a constitucionalidade de tal dispositivo como também a necessidade de observância de legislação específica para que seja possível exigir em face de terceiros a garantia de não submissão de seus créditos ao processo de recuperação judicial. Essa última face da discussão que será objeto do presente trabalho.

O Tribunal de Justiça de São Paulo por meio de sua súmula 60 entende que para ter eficácia perante terceiros basta o registro do instrumento no RTD do domicílio do devedor, fundamento esse embasado no art. 1631, §1º, do Código Civil. Aos instrumentos que não observam tal regra, ou seja, não realizam o registro no RTD do domicilio do devedor acabam por se submeter ao processo de recuperação judicial na qualidade de credores quirografários.

Nesse contexto, deve-se registrar que o Tribunal de Justiça de São Paulo apresenta-se como norte para os demais Tribunais Estaduais do país seja por concentrar o maior número de demandas empresarias, já que situado no Estado mais industrializado, ou seja por possuir Câmaras Especializadas para julgar a matéria empresarial (falência e recuperacional).

Dessa forma, destaca-se que há uma tendência de se firmar uma corrente majoritária dos Tribunais Estaduais – ainda não há posicionamento pacífico no âmbito do STJ – no sentido do entendimento sumulado pelo TJSP, verbete n.º 60, o qual prevê que a cessão fiduciária de direitos creditórios terá validade em relação a terceiros quando for realizado o registro do Título no RTD do domicilio do devedor.

Apenas para apresentar alguns exemplos de decisões das mais variadas regiões de nosso país em sentidos antagônicos, justamente para comprovar a ausência de um entendimento pacífico acerca da matéria “trava bancária” e a aplicação da súmula 60 do TJSP, mas também para demonstrar a tendência de se firmar uma corrente majoritária acompanhando o entendimento de São Paulo, colaciona-se alguns julgados.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) aplica expressamente o sentido literal da norma, acompanhando o entendimento do TJSP ao afastar qualquer tentativa de vincular tais créditos aos efeitos da recuperação judicial:

   AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM PROCESSAMENTO. CONCESSÃO DA BENESSE, COM BASE NO ARTIGO 58, "CAPUT", DA LEI N. 11.101, DE 9.2.2005, APÓS A APROVAÇÃO DO PLANO PELA ASSEMBLEIA-GERAL DE CREDORES. PRETENSÃO, DO CREDOR COM GARANTIA DE CESSÃO FIDUCIÁRIA DE TÍTULOS E DIREITOS E DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS FUNGÍVEIS, DE EXCLUSÃO DO ROL DE CREDORES. POSSIBILIDADE. CRÉDITO QUE NÃO SE SUJEITA AO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ARTIGO 49, § 3º, DA LEI N. 11.101, DE 9.2.2005. ABUSO DE DIREITO INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE OFENSA À FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA OU AO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. RECURSO PROVIDO.   Por força de expressa disposição legal, não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial, sendo, portanto, passível de execução individual, o crédito com garantia de alienação fiduciária e de cessão fiduciária de títulos e direitos. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2010.081766-4, de Criciúma, rel. Des. Jânio Machado , j. 12-07-2012)

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), por sua vez, possui opinião divergente do TJSC e do TJSP, em virtude de compreender que não há razões para se afastar a submissão de tais créditos ao procedimento da recuperação judicial, fato esse que pode até inviabilizar o processamento de recuperação da empresa atentando contra a sua função social.

Tal entendimento apresenta-se no sentido de que os recursos oriundos da cessão de direitos creditórios poderiam ser utilizados pela recuperanda se soerguesse, orientando-se pelo princípio da preservação da empresa, já que sem a submissão de tais créditos, restaria aos credores o seu recebimento. Justifica ainda a não aplicação do art. 49, §3º, da Lei 11.101/05, ao equiparar a constituição de tais garantias a modalidade de penhor, o que se submete ao processo de recuperação em razão da não transferência da titularidade dos créditos, os quais permanecem com o devedor. Nesse sentido:

0042658-20.2012.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA - Julgamento: 15/01/2013 - QUINTA CAMARA CIVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. PREVALÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. 1-A norma insculpida no § 3º do art. 49 da Lei Falimentar, por especificar os créditos excluídos da recuperação judicial, encerra situação de excepcionalidade, devendo, portanto ser interpretada restritivamente. 2-Nesse contexto, a propriedade fiduciária de bem móvel referida no aludido preceito não equivale à cessão fiduciária de recebíveis, objeto de garantia prestada pelo devedor em contrato. 3-Situação que, em verdade, configura penhor de crédito - sujeito à recuperação judicial - haja vista que a titularidade dos direitos creditórios não sai da esfera patrimonial do devedor. (destacamos)

As decisões proferidas pelo Tribunal do Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) se aproximam do entendimento do TJRJ. Ambos os Tribunais acabam por temperar a aplicação do disposto no artigo 49, §3º, da Lei 11.101/05, sob o fundamento do princípio da preservação da empresa:

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Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO FIDUCIÁRIA DE CRÉDITOS. A possibilidade de não sujeição de determinados créditos ao plano de recuperação judicial pode vir a inviabilizar a recuperação da sociedade empresária travando o procedimento e o cumprimento do plano de recuperação da sociedade. POR MAIORIA, AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70051518603, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bayard Ney de Freitas Barcellos, Julgado em 12/12/2012) (destacamos)

Já o Tribunal de Justiça do Paraná acompanha integralmente o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, contrariando o entendimento dos TJRS e TJRJ, ressaltando inclusive a necessidade de registro do instrumento de Cessão fiduciária de direitos creditórios no RTD anterior ao processamento da Recuperação Judicial, sob pena de submissão de tais créditos como quirografários, concorde julgado a seguir ementado:

Processo: 771158-0 (Acórdão)

Relator(a): Ivanise Maria Tratz Martins

Órgão Julgador: 18ª Câmara Cível

Comarca: Campo Mourão

Data do Julgamento: 20/06/2012 18:00:00

Fonte/Data da Publicação: DJ: 895 02/07/2012

Ementa

DECISÃO: ACORDAM, os integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto e sua fundamentação. EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGADA PERDA DO OBJETO. INOCORRÊNCIA. AGRAVANTE QUE EXERCEU SEU DIREITO A VOTO NA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES EM RAZÃO DA INCERTEZA SE CONTINUARIA INCLUSA OU NÃO NO QUADRO GERAL DE CREDORES. INEXISTÊNCIA DE CONCORDÂNCIA COM A SUBMISSÃO DE SEU CRÉDITO À RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. CESSÃO DE DIREITOS CREDITÓRIOS. AUSÊNCIA DE SUBMISSÃO À RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 49, § 3º, DA LEI 11.101/2005. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. O artigo 49, § 3º, da Lei 11.101/2005, deve ser interpretado em consonância com o disposto no artigo 83, III, do Código Civil, que define os direitos creditórios como bens móveis por determinação legal. Logo a cessão fiduciária de direitos creditórios se amolda com perfeição à disposição do artigo 49, §3º, da Lei de Falências e Recuperação Judicial, já que se reputa como uma forma de propriedade fiduciária sobre bens móveis.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais também acompanha o entendimento do TJSP, conforme pode-se verificar da ementa abaixo:

Agravo de instrumento nº 1.0079.10.017400-6/0011; 0362536-20.2012.8.13.0000 (1)

Data de Julgamento: 06/12/2012

Data da publicação da súmula: 18/12/2012

Ementa: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECUPERAÇÃO JUDICIAL - PRELIMINARES - REJEIÇÃO - CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - GARANTIA REAL - CESSÃO FIDUCIÁRIA DE DIREITO CREDITÓRIO - EXCESSÃO CONTIDA NO ART. 49, §3º DA LEI Nº 11.101/05 - REGISTRO DO CONTRATO - INOCORRÊNCIA - INOPONIBILIDADE DA EXCEÇÃO - RECURSO DESPROVIDO. 1. O texto do art. 525, inciso I, do CPC obriga o recorrente à juntada das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado, não podendo ser ampliado o alcance da norma que é precisa, não havendo, ademais, nenhuma regra excepcional, notadamente na Lei nº 11.101/05, que determine a mesma providência em relação aos credores. 2. Não há que se falar em preclusão, se o fato decorre de ato jurídico proveniente de decisão judicial impugnável através de agravo de instrumento, que foi interposto em tempo e modo. 3. Não poderá ser oposta a terceiros, garantia real oriunda da cessão de direitos creditórios, se o instrumento onde foi estipulada não foi anotado no Registro de Títulos e Documentos competente, não podendo ser retidos e excutidos da recuperação judicial.

Da análise das decisões dos Tribunais de Justiça dos Estados acima apontados, percebe-se que há uma tendência em acompanhar o entendimento apresentado pelo TJSP no sentido de aplicar o art. 49, §3º, da Lei 11.101/05, bastando para tanto que o registro do instrumento de constituição da cessão fiduciária de créditos seja realizado no Cartório de Registros de Títulos e Documentos localizado no domicilio do devedor, nos termos do art. 1.631, §1º, do CC. As súmulas 59 e 60 do TJSP assim dispõem:

Súmula 59: Classificados como bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de créditos podem ser objeto de cessão fiduciária.

Súmula 60: A propriedade fiduciária constitui-se com o registro do instrumento no registro de títulos e documentos do domicílio do devedor.

O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo fundou seu entendimento sob a premissa de que os títulos objeto de cessão fiduciária por tratarem de bens móveis, assim considerados nos termos do art. 83, III, do CC, são passíveis de alienação fiduciária. Porém, com toda a deferência ao entendimento consagrado pelas súmulas 59 e 60 do TJSP, ao nosso sentir, apresentam-se em total confronto com a legislação em vigor, senão vejamos:

Sabe-se que a alienação fiduciária de coisa fungível somente foi admitida em razão da alteração legislativa havida quanto ao art. 66-B, incluída pela Lei 10.931/2004, na Lei de mercado de capitais, como se constata a seguir:

Art. 66-B. O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos.(Incluído pela Lei 10.931, de 2004)

§ 1º Se a coisa objeto de propriedade fiduciária não se identifica por números, marcas e sinais no contrato de alienação fiduciária, cabe ao proprietário fiduciário o ônus da prova, contra terceiros, da identificação dos bens do seu domínio que se encontram em poder do devedor.(Incluído pela Lei 10.931, de 2004)

§ 2º O devedor que alienar, ou der em garantia a terceiros, coisa que já alienara fiduciariamente em garantia, ficará sujeito à pena prevista no art. 171, § 2º, I, do Código Penal.(Incluído pela Lei 10.931, de 2004)

§ 3º É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada.(Incluído pela Lei 10.931, de 2004)

§ 4º No tocante à cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou sobre títulos de crédito aplica-se, também, o disposto nos arts. 18 a 20 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997.(Incluído pela Lei 10.931, de 2004)

§ 5º Aplicam-se à alienação fiduciária e à cessão fiduciária de que trata esta Lei os arts. 1.421, 1.425, 1.426, 1.435 e 1.436 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.(Incluído pela Lei 10.931, de 2004)

§ 6º Não se aplica à alienação fiduciária e à cessão fiduciária de que trata esta Lei o disposto no art. 644 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.(Incluído pela Lei 10.931, de 2004)

Vê-se que tal alteração foi anterior a Lei 11.101/05, justamente para se permitir às instituições financeiras a certificação legal de que tais garantias não se submeteriam ao processo de recuperação judicial. Logo, a cessão de direitos creditórios foi inserida no artigo 66-B acima com o nítido objetivo de que tais operações celebradas com tais garantias não sofressem quaisquer impactos do procedimento previsto na Lei 11.101/05.

Registre-se ainda que a alteração proferida no artigo 66-B suso mencionado ao incluir o §3º visou possibilitar a cessão fiduciária sobre coisa fungível e direitos sobre coisa móvel, porém ao fazer referência a aplicação do Código Civil esqueceu que naquele Diploma Legal há nítida restrição a aplicação da cessão fiduciária de coisa infungível, essa a peculiar sutileza não observada pela súmula 60 do TJSP.

Ao se alterar a Lei de mercado de capitais visando à aplicação irrestrita do Código Civil, o Poder Legislativo esqueceu-se de atentar para às regras próprias do Código Civil que estabelece a alienação ou cessão fiduciária de bem infungível, bem como esqueceu de estabelecer a não aplicação da Lei de Registros Públicos, razão pela qual ousamos discordar do posicionamento adotado pelo TJSP.

Ao nosso sentir, permissa vênia, o douto Tribunal de Justiça de São Paulo ao consolidar seu entendimento, por meio da súmula 60, afirmando bastar o registro no domicílio do devedor para a eficácia da cessão fiduciária, andou mal, pois não observou o disposto nos arts. 128, 129 e 130, da LRP, combinados com o artigo 1.368-A, do Código Civil.

Há duas razões para que o entendimento objeto da súmula 60 do TJSP não possa prevalecer, são elas:

A primeira restringe-se acerca da interpretação dada pelo TJSP ao disposto no artigo 1.361 e seu §1º, do Código Civil, pois, ao nosso sentir, tais normativos não são aplicáveis à chamada trava bancária, pois os bens recebíveis ou títulos de créditos objeto de cessão fiduciária não representam necessariamente bens infungíveis nos termos do caput do art.1.361, do CC.

Ao nosso sentir, os bens recebíveis ou títulos de crédito objeto de cessão fiduciária representam justamente o mais fungível de todos os bens: dinheiro. O título de crédito evidencia claramente o direito a uma prestação de coisa fungível, dinheiro.

A conclusão supra já é consagrada em nossa doutrina, a exemplo da escrita pelo douto Sílvio Rodrigues, que assim afirma:

“(...)

O art. 85 do Código Civil define as coisas fungíveis nestes termos:

 Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outras da mesma espécie e qualidade.

...

Na base do conceito encontra-se a ideia da possibilidade de substituição de uma coisa por outra, sem prejuízo para o credor.

As coisas fungíveis são encaradas através de seu gênero e especificadas por meio da quantidade e qualidade. Como são homogenes e equivalentes, a substituição de umas por outras é irrelevante. Assim, por exemplo, o dinheiro. Ao credor é indiferente receber o pagamento em uma ou em outra espécie de moeda, pois elas se equivalem.

Coisa não fungível é aquela considerada em sua individualidade. O objeto da obrigação infungível é caracterizado por uma coisa em si, a qual o credor almeja. Assim, por exemplo, um determinado cavalo de corridas, um violino Stradivarius, uma tela de Clóvis Graciano ou de Portinari.

...

A distinção entre coisa fungíveis e não fungíveis tem, igualmente, grande relevo nas relações jurídica. Assim, por exemplo, o empréstimo de coisa fungíveis chama-se mútuo, o de não fungíveis comodato (CC, arts. 586 e 579)...” (Silvio Rodrigues; Curso de Direito Civil; 33ª edição; atualizada de acordo com o novo Código Civil; Volume 1; páginas 128/129; 2003; Editora Saraiva).

Dessa forma, evidencia-se que o artigo 1.361 do Código Civil versa somente de alienação fiduciária de coisa móvel infungível:

Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

Portanto, se a cessão fiduciária de direitos creditórios ou de recebíveis de cartão de crédito consubstancia bens fungíveis, logicamente que não se pode aplicar o disposto no Código Civil, devendo-se observar os ditames da LRP.  

Ademais, existe também uma segunda razão para afastar a aplicação do entendimento consolidado pela súmula 60 do TJSP, o que se revela ao se constatar que não houve a revogação dos artigos da LRP com o advento do Novo Código Civil.

Assim, mantida a vigência da norma inserida na Lei de Registros Públicos, notadamente em relação aos seus artigos 128,129 e 130, a sua observância é condição para validade da relação jurídica.

O próprio artigo 1.368-A, do CC, dispõe:

Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)

Como visto, os casos de cessão fiduciária de direitos creditórios (títulos ou recebíveis de cartão de crédito) constituem-se como bens fungíveis, devendo-se observar o disposto no artigo 1.368-A, do CC, que determina a aplicação subsidiária do Diploma Civil, remetendo a aplicação da legislação especial.

Dessarte, tendo o CC não revogado qualquer dispositivo da Lei de Registros Públicos, muito menos as alterações proferidas com a Lei n.º 10.931/2004, deve-se observar a legislação especial.

Portanto, a LRP dispõe acerca dos títulos que devem ser inscritos especificando claramente quais os requisitos a serem atendidos pelos instrumentos particulares para que façam prova das obrigações que representam, nos termos do art. 127, I, da LRP, a seguir:

Art. 127. No Registro de Títulos e Documentos será feita a transcrição: (Renumerado do art. 128 pela Lei nº 6.216, de 1975).

I - dos instrumentos particulares, para a prova das obrigações convencionais de qualquer valor;

(...)

A LRP trata claramente da necessidade do registro de todo e qualquer documento para que se tenha validade perante terceiros, inclusive o instrumento de cessão de direitos, nos termos do art. 129, 9º, a seguir transcritos:

Art. 129. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros: (Renumerado do art. 130 pela Lei nº 6.216, de 1975).

(...)

9º) os instrumentos de cessão de direitos e de créditos, de sub-rogação e de dação em pagamento.

Como visto acima, para que os contratos possam surtir efeitos perante terceiros devem ser averbados nos registros competentes.

Nesse raciocínio o artigo sequente, 130, dispõe:

Art. 130. Dentro do prazo de vinte dias da data da sua assinatura pelas partes, todos os atos enumerados nos arts. 128 e 129, serão registrados no domicílio das partes contratantes e, quando residam estas em circunscrições territoriais diversas, far-se-á o registro em todas elas. (Renumerado do art. 131 pela Lei nº 6.216, de 1975).

Parágrafo único. Os registros de documentos apresentados, depois de findo o prazo, produzirão efeitos a partir da data da apresentação.

Dessa forma, o artigo 130 da LRP é taxativo ao afirmar que para a atribuição dos efeitos relativos aos artigos anteriores o contrato deve ser registrado no domicílio das partes,o que significa em ambos os Cartórios localizados nos domicílios das partes, se estas estiverem situadas em localidades diferentes.

Logo, como a formalização da cessão fiduciária de direitos creditórios, em regra é realizada por um instrumento particular de cessão de direitos, aditando o contrato principal, para a sua validade em face de terceiros também se deve observar o disposto nos artigos 129, 9º; e 130, da Lei 6015/73.

Portanto, ainda que pudesse tratar de cessão de direitos de bem  infungível, aplicando o disposto no CC, para se ter validade perante terceiros, necessariamente, se formalizado por instrumento de cessão de direitos e de créditos, deve-se registrar tal instrumento nos domicílios das partes.

Concluindo, o entendimento constante da súmula 60 do TJSP está equivocado por dois motivos, o primeiro, apresenta-se na condição de que a cessão fiduciária de direitos creditórios ou de recebíveis de cartão de crédito trata justamente de bens fungíveis, os quais não se submetem ao disposto no art. 1.631, §1º, do Código Civil, pois o referido artigo trata de cessão fiduciária de bem infungível. O segundo, configura-se justamente pela necessidade de observância a norma vigente para celebração do instrumento particular de cessão de direitos créditos, ou seja, os artigos 129, 9º, e 130, ambos da LRP.

Assim, para que se possa considerar válida a previsão contida no art. 49, §3º, da Lei 11.101/05, deve-se registrar o instrumento de cessão de direitos creditórios nos Cartórios de Registros de Títulos e Documentos nos domicílios das partes, se elas residirem em circunscrições territoriais diversas, ao contrário do que preceitua a súmula 60 do TJSP.

Sobre o autor
Daniel Souza Volpe

Advogado, atua na área empresarial, recuperacional, falência e bancária.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VOLPE, Daniel Souza. Do equívoco da Súmula nº 60 do Tribunal de Justiça de São Paulo. Exigência somente do registro do título no cartório de títulos e documentos do devedor. Aplicação equivocada do Código Civil.: Artigo 49, §3º, da Lei nº 11.101/05. Necessidade de registro do instrumento de cessão fiduciária nos Cartórios de Registro de Imóveis dos domicílios do devedor e do credor para ter eficácia perante terceiros.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3564, 4 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24094. Acesso em: 25 dez. 2024.

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