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EC 45/04 X ADI 3.395: A incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar causas entre o Poder Público e seus servidores

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Agenda 16/08/2013 às 07:40

Diz-se que o desvirtuamento da contratação temporária descaracterizaria a relação jurídico-administrativa e faria surgir uma relação contratual-celetista. Contudo, defendo que permanece a competência da Justiça comum.

Resumo: Muito se discute se a Justiça do Trabalho teria competência para processar e julgar causas de servidores públicos contratados temporariamente que alegam desvirtuamento ou nulidade em sua contratação e pleiteiam verbas eminentemente celetistas. Argumenta-se que o desvirtuamento da contratação temporária descaracterizaria a relação jurídico-administrativa e faria exsurgir uma relação contratual-celetista. Defende-se neste estudo a hodierna posição do STF sobre o tema e a incolumidade da natureza jurídico-administrativa da relação temporária, ainda que haja inobservância dos requisitos constitucionais-legais para a sua contratação, permanecendo assim, a competência da Justiça Comum para o processamento e julgamento dos litígios.

Palavras-Chave:Desvirtuamento de contratos temporários. Poder Público e seus servidores. ADI 3.395. Justiça do Trabalho. Incompetência.

ABSTRACT: There is debate whether the Labour Court would have jurisdiction to adjudicate causes of civil servants hired temporarily claiming invalidity or distortion in its hiring and plead for money eminently CLT. It is argued that the distortion of the temporary appointment mischaracterize the juridical and administrative and contractual relationship would Exsurge-celetistas. It is argued in this study the position of today's Supreme Court on the subject and the intactness of the legal administrative temporary relationship, although there is failure of the constitutional-legal requirements for their employment, thus remaining the jurisdiction of the Courts for processing and trial disputes.

Key Words: Distortion of temporary contracts. Government and its servers. ADI 3395. Labour Court. Incompetence.

Sumário: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I. A origem da problemática. CAPÍTULO II. Discussão, repercussão e alcance imediato da ADI 3.395. CAPÍTULO III. Atual interpretação e alcance mediato da ADI 3.395. III.I - Desvirtuamento de contratos temporários – Incompetência da Justiça Laboral. III.II - O posicionamento da Justiça do Trabalho. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

São matérias que suscitam vigorosas polêmicas as discussões travadas, precipuamente, na seara trabalhista, quando uma contenda judicial é composta de um lado pelo Poder Público e do outro por servidor contratado temporariamente, que dizem respeito à (in)competência da justiça laboral para processar e julgar as referidas causas, cuja causa de pedir é revestida de alegação de desvirtuamento do contrato temporário e por conseguinte o pedido de verbas eminentemente trabalhistas regidas pela CLT.

A corrente que defende a competência da justiça do trabalho assegura que o desvirtuamento do contrato acarreta a transmudação da relação contratual, posto que o Poder Público não teria respeitado os requisitos constitucionais e legais para a referida celebração.

Já a corrente contrária assevera que, independentemente da constitucionalidade ou legalidade do contrato temporário celebrado, a relação será sempre de caráter jurídico-administrativo e, portanto, pertence à Justiça Comum a competência para processar e julgar os respectivos feitos.

O presente trabalho busca realizar um estudo mais acurado da citada controvérsia, analisando a problemática desde a sua origem, passando pelos posicionamentos de tribunais pátrios ao longo do tempo e, por fim, estabelecer, com clareza, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema e a necessidade de cumprimento deste posicionamento pelos demais tribunais pátrios em razão da sua natureza vinculante, além de ser, data máxima venia aos que pensam diferente, a interpretação mais acertada.


I - A ORIGEM DA PROBLEMÁTICA

No apagar das luzes do ano de 2004 foi promulgada a Emenda Constitucional n°45/2004, emenda está que tratou de significativas alterações na Carta Magna, sendo amplamente divulgada como a “Reforma do Poder Judiciário”.

As alterações trazidas abarcaram os mais diversos aspectos jurídicos, como por exemplo: fazer constar expressamente a previsão do princípio da celeridade processual (art.5º, LXXVIII); extinção do recesso forense e a uniformização dos critérios de ingresso na magistratura (art. 93); atribuição de efeito vinculante às Ações Diretas de Inconstitucionalidade (art. 102, §2º); criação do instituto da repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário (art. 102, §3º); instituição da súmula vinculante (art. 103-A); alteração da competência da Justiça do Trabalho (art. 114), dentre outras.

A competência da Justiça do Trabalho passou a ser regida não só pela previsão do caput do referido artigo, mas desmembrada em nove incisos, aclarando e ampliando o poder jurisdicional daquela justiça especializada.

Por razão técnico-delimitativa, este estudo, ater-se-á a analisar somente o art. 114, I da Constituição Federal em contraponto à ADI n° 3.395, que suspendeu toda e qualquer interpretação do referido inciso.

O referido inciso constitucional inserira na competência material da Justiça Laboral o processamento e julgamento de ações entre o Poder Público e seus servidores, observe-se:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

(...)

Com a publicação da citada emenda, constatou-se que não constou do texto promulgado a exceção anotada pelo Senado Federal, que excluía das relações de trabalho passíveis de análise pela Justiça Laboral, a competência para analisar litígios de servidores públicos e o Poder Público (administração direta, suas autarquias e fundações) regidos por uma relação jurídico-administrativa.

Entendendo pela inconstitucionalidade de tal abrangência, por diversos aspectos, a Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade tombada sob n° 3.395, requerendo pedido de liminar no sentido de suspender a aplicação do inc. I do art. 114 da CF, de modo a permanecer na Justiça Comum a competência para apreciação de causas de referida natureza.

O então presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Nelson Jobim, considerou, que independentemente da análise da inconstitucionalidade formal acima citada, a não inclusão do enunciado acrescido pelo Senado Federal em nada alteraria a proposição jurídica contida na regra e, com base em precedente contido na Suprema Corte, através da ADI n° 492 cujo relator fora o Min. Celso de Mello, quando da declaração de inconstitucionalidade de dispositivos contidos na Lei 8.112/90, deu interpretação conforme a Constituição, concedendo a liminar, ad referendum, com o seguinte dispositivo:

(...)

Suspendo, ad referendum, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC n° 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho a

“... apreciação... de causa que... sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativa”[1].

Em 2006 o STF, em plenária, referendou a liminar concedida, nos termos do voto do relator, elaborando a seguinte ementa para a decisão-liminar da ADI 3.395-MC/DF:

EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária[2]. (destacamos)

Assim, o STF deu interpretação conforme a Constituição para excluir outra interpretação a não ser a de que o disposto no art. 114, I, da Constituição Federal, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-administrativa.

O posicionamento da Corte Máxima fez surgir uma grande problemática, tanto na doutrina como na jurisprudência pátria, precipuamente com relação a quais causas tal decisão abarcaria; quais relações, das diversas existentes entre servidores e poder público, estariam inseridas no citado posicionamento do Supremo.

Ao longo das ações julgadas originalmente ou em forma de recurso, o STF foi aclarando todo o alcance desejado quando do firmamento fixado na liminar proferida na ADI 3.395, porém tal aprofundamento é tema do próximo capítulo.


II - DISCUSSÃO, REPERCUSSÃO E ALCANCE IMEDIATO DA ADI 3.395

Para a decisão de referendar ou não a liminar conferida pelo então Min. Nelson Jobim, existiu discussão natural com relação ao alcance material da referida liminar, sendo posta algumas variantes a título de ilustrar a abrangência ou não dos efeitos da liminar nos exemplos postos.

Adianto que, em que pese o início de debate a respeito das variantes existentes, o plenário não aprofundou a discussão referendando a liminar sem aclarar de forma inequívoca o que de fato estaria ou não abarcado pela decisão.

As diversas hipóteses existentes foram então aos poucos aclaradas, mediante a provocação dos mais diversos entes federados em ações originárias ou em grau de recurso. Nesse contexto, percebe-se que há um único ponto incontroverso, sacramentado no ato do referendo, é o que chamo de alcance imediato da liminar concedida na ADI 3.395.

É em relação ao alcance imediato que trataremos nesse momento, o que torna imprescindível a transcrição de trechos de apartes e votos emanados dos Ínclitos Ministros naquela ocasião:

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI – (...)

De outra parte, venho acompanhando essa polêmica de longa data – já no tribunal estadual ao qual pertenci -, registrando que essa matéria causa uma grande perplexidade não só no âmbito da Justiça Federal, mas também no da Justiça Estadual.

Penso, data vencia, que essa matéria deve ser examinada não só a luz da alteração pontual operada pela Emenda Constitucional n° 45. É preciso examinar a matéria, como todo o respeito, dentro de uma perspectiva histórica. Historicamente, a partir da constituição da Justiça do Trabalho, desde a época do Estado Novo, inegavelmente a vocação da Justiça laboral é no sentido de dirimir dissídios de natureza trabalhista.

(...)

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – (...)

Quanto à questão de fundo, tenho preocupação em precisar o alcance material da liminar agora submetida ao nosso referendo, porque o Ministro Nelson Jobim exclui, dando interpretação conforme ao art. 114,I, da competência da Justiça do Trabalho toda causa instaurada entre o Poder Público e os seus servidores por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.

Esse “ou” é um conjunção disjuntiva? Significa uma coisa ou outra?

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) – Dou elemento histórico para ajuda-lo a compreender. Essa expressão foi tirada do voto do eminente Ministro Celso de Mello, intérprete autêntico. A impressão que tive é que, no voto da ADI 492, Vossa Excelência quis dizer relação jurídico-administrativo como sinônimo da relação estatutária.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Exatamente.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) – É mero reforço.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Porque se for assim, aquelas relações de trabalho instauradas entre o Poder Público e os servidores temporários...

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) – Fora de dúvidas que é da Justiça do Trabalho.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – Agora, porque embora ela se instaure por efeito de um contrato administrativo, não tem caráter estatutário, porque, se o tivesse, também não teria traço de contratualidade.

Se todo cargo provido estatutariamente é de caráter jurídico-administrativo, nem toda relação de trabalho de caráter jurídico-administrativa é estatutária. Então, quero deixar bem claro que, de fora à parte as investiduras em cargo efetivo ou em cargo em comissão, tudo o mais cai sob a competência da Justiça do Trabalho.

(...)[3]

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Observa-se que a discussão travada a respeito do alcance material da liminar se restringiu aos dois Ministros supramencionados e mais como forma de esclarecimentos do que posta a votação e abrangente a todos os demais ministros.

 O Ministro Cezar Peluso quando da finalização do referendo ressalta, novamente, que a análise, naquele momento, ocorre de maneira perfunctória, em razão inclusive da natureza da decisão, qual seja, liminar, passo a transcrever:

O MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) – Sr. Presidente, eu não vou fazer objeção, pois acho que a esta altura é inútil levantar polêmica, mas trazer um dado. Eu não quis adentrar profundamente a questão, nesse juízo superficial, de cognição sumária, (...) (destacamos)

Assim, em que pese a iniciativa do Ministro Carlos Britto e do Ministro Cezar Peluso, a Suprema Corte não delimitou efetivamente o alcance material da liminar proferida, referendando a liminar proferida pelo então Min. Nelson Jobim que concedeu de maneira geral e irrestrita para excluir da competência da Justiça Laboral apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores.

Indiscutível restou, de imediato, que não competiria à Justiça do Trabalho processar e julgar causa entre o Poder Público e servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo ou em comissão, no entanto, as demais possibilidades ficaram com seu alcance duvidoso, já que, apesar da decisão em si abarcar qualquer variante, o plenário não discutiu o efetivo alcance material da liminar.

A ausência de discussão e esclarecimento devido, a respeito do alcance material da liminar referendada causou controvérsias quanto a sua interpretação e, consequentemente, surgiram teses defensivas dos dois lados.

Ministros que entendiam que a interpretação seria restrita aos servidores públicos de provimento efetivo ou em comissão passaram a indeferir pleitos ou pedidos de liminar que visavam à declaração de incompetência da Justiça Laboral também com relação aos servidores temporários; por outra banda, os que defendiam a interpretação extensiva no sentido de abarcar qualquer relação entre Poder Público e seus servidores, por entenderem que, independentemente da forma como a relação se efetivava, estas sempre seriam presumivelmente de natureza jurídico-administrativa, passaram a deferir os pleitos.

Dissidência que pode ser constatada pelas duas decisões abaixo transcritas:

1. (...) Cuida-se de reclamação, proposta pelo Município de São Félix do Araguaia, contra ato do Juiz do Trabalho daquela localidade, nos autos da Ação Civil Pública n. 491/2007.

2. Sustenta o requerente que o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público mato-grossense e a Defensoria Pública do Estado ajuizaram ação civil pública contra o Município de São Félix do Araguaia e o seu prefeito. Ação que se lastreia na constatação de que o gestor municipal vem, reiteradamente, utilizando-se de contratações temporárias para burlar a existência de concurso para público provimento dos cargos e empregos públicos

(...)

6. No caso, não tenho como presentes, de plano, os requisitos necessários à concessão da medida liminar. Assim me posiciono porque, em 27.02.2005, o Min. Nelson Jobim deferiu, ad referendum, a medida cautelar na ADI 3.395. E o fez para suspender toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 (na redação da EC 45/2004) que insira, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.

7. Já em 05.04.2006, o Plenário desta Corte Suprema referendou o provimento acautelatório. Na oportunidade, assentou o entendimento de que à Justiça Comum compete processar e julgar as causas instauradas entre a Fazenda Pública e seus servidores estatutários (agentes públicos investidos em cargos efetivos ou em comissão)

(...)

8. Pois bem. Sob este visual das coisas, quer-me parecer que o processamento da Ação Civil Pública n. 491/07 na Justiça do Trabalho não contraria o decidido na ADI 3.395-MC. Assim me posiciono porque não se me afigura deter caráter estatutário a relação jurídica mantida entre servidores temporários e o Poder Público. Tanto assim, que o próprio reclamante, em sua petição de ingresso, fez questão de asseverar que a causa tem como tema de fundo a legalidade e possibilidade de a Administração valer-se, para a contratação de servidores, do regime especial temporário[4]. (destacamos)

Já na Reclamação Constitucional de relatoria da Ministra Cármen Lúcia o posicionamento é o oposto do supramencionado:

EMENTA: RECLAMAÇÃO. CONTRATO TEMPORÁRIO. REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO. DESCUMPRIMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 3.395. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Contrato firmado entre a Anatel e a Interessada tem natureza jurídica temporária e submete-se ao regime jurídico administrativo, nos moldes da Lei n. 8.745/93; do inc. XXIII do art. 19 da Lei n. 9.472/97 e do Decreto n. 2.424/97. 2. Incompetência da Justiça Trabalhista para o processamento e o julgamento das causas que envolvam o Poder Público e servidores que lhe sejam vinculados por relação jurídico-administrativa. Precedentes. 3. Reclamação julgada procedente[5]. (destacamos)

Em razão das divergências verificadas, natural que tais conflitos acabassem sendo objeto de julgamento pelo plenário a fim de unificar o entendimento quanto à interpretação do alcance material da liminar proferida na ADI alhures mencionada, assim o que passou a ser discussão diz respeito ao que chamo de alcance mediato, pois o alcance imediato (servidores públicos ocupantes de cargos de provimento efetivo ou em comissão) estava consolidado, ou seja, inconteste era e continua sendo que a Justiça Especializada em questão não possui competência para julgar causas entre o Poder Público e seus servidores efetivos ou comissionados.

No capítulo a seguir traçar-se-á, justamente, a atual posição do STF a respeito do tema, a extensão da liminar proferida quanto às variantes surgidas e o posicionamento da Justiça do trabalho a respeito.


III - ATUAL INTERPRETAÇÃO E ALCANCE MEDIATO DA ADI 3.395

III.I - DESVIRTUAMENTO DE CONTRATOS TEMPORÁRIOS – INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA LABORAL

Como alhures mencionado, foi com as divergências surgidas pelos próprios Ministros do Supremo que ensejou a necessidade de manifestação plenária a respeito da interpretação conferida à liminar concedida na ADI 3.395 e por consequência qual o alcance material desta.

A Reclamação n° 5.381 proposta pelo Estado do Amazonas pode ser considerado o leading case a respeito da citada delimitação material. A discussão na plenária fora alongada justamente para tentar uniformizar o posicionamento do Supremo a respeito do alcance da liminar concedida na ADI alhures mencionada.

Relevante transcrever trechos da votação e ao final colacionar a ementa fixada no referido caso como forma de clarear o pensamento sistemático da maioria dos Ministros do STF e assim fixar a fundamentação preponderante que ensejou a “delimitação extensiva” da interpretação extraída da liminar concedida.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – Senhora Presidente, esta reclamação chega em boa hora porque é a oportunidade que temos para definir, de um vez por todas....

(...)

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Senhora Presidente, hoje, inclusive, estão pautados vários processos dessa natureza. Em um pedido de vista que trago agora em agravo regimental em reclamação, de relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio, até faço o levantamento de que há decisões tanto em um sentido como no outro, todas interpretando o que decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395.

Então, nesse sentido, talvez conviesse acolher a ponderação do Ministro Marco Aurélio, porque algumas decisões – e estamos decidindo sempre com base no que se contém ali – se contrapõem. O conteúdo é da maior seriedade, porque temos uma pletora de reclamações sobre essa matéria, que é de muita gravidade.

(...)

A SRA. MINISTRA ELLEN GRAICE (PRESIDENTE) -  Conviria definir o mais rápido possível.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – O próprio conteúdo da decisão proferida na ADI n° 3.395 tem sido interpretado de modo díspar aqui no Supremo. Eu interpreto de um jeito.

(...)

O que me parece importante aqui é de uma vez por todas o seguinte: claro que a Constituição autoriza – e o faz expressamente no inciso IX do artigo 37 – a contratação por tempo determinado, no âmbito da Administração Pública, seja direta, seja indireta, “para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”, contato que a lei de cada um dos entes federados indique os casos. Mas o que é indicar os casos? É abrir um número de vagas para preenchimento mediante contrato, ou a própria lei aporta consigo os direitos e deveres de ambas as partes? Porque, se a própria lei – seja do Município, seja da União, seja do Distrito Federal, seja dos Estados-membros – traz consigo a precisa indicação dos direitos e deveres, o regime que se vai instaurar entre partes é estatutário, porque é ex vi legis, é de cima para baixo, não é contratual. Agora se a lei se limitar a abrir um número de vagas, e, aí, cada contrato a ser celebrado a posteriori é que vai definir direito e obrigações recíprocos, então é de natureza contratual. Se de natureza contratual, a matéria passa à competência da Justiça do Trabalho. Se não for contratual, é porque é estatutário, é ex vi legis; sendo estatutário, é da Justiça comum.

(...)

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Vamos voltar. Quando foi promulgada, a Constituição estabelecia, no artigo 39, o que desde 2 de agosto de 2007 este Plenário decidiu, suspendendo os efeitos da norma que tinha sido introduzida pela Emenda n. 19, e voltando, portanto, ao regime jurídico único. E o que ela estabeleceu, parece-me, no artigo 37, inc. IX, foi que haveria um regime de servidores públicos assim considerados, conforme Vossa Excelência acaba de dizer, que é um estatuto, ou seja, um conjunto de direito, deveres e responsabilidades daqueles que integram o serviço público e passam a ocupar ou a titularizar cargos públicos; esses são os servidores públicos ditos de provimento efetivo. Há um outro tipo de direitos, deveres e responsabilidades para aqueles que ocupam cargos comissionado, por exemplo: o regime de aposentadoria de um e de outro é completamente diferente. Todos dois são servidores públicos. Obedecem a regime jurídicos diferentes, mas são servidores públicos stricto sensu.

(...)

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Trata dos comissionados em alguns casos, Ministro. Em alguns casos, a própria Constituição dá um tratamento diferenciado. Citei aqui o exemplo da aposentadoria, que manda para o regime geral de previdência, e são servidores públicos.

E a Constituição estabelece um outro aspecto, o do art. 37, inc. IX: a contratação por necessidade temporária. E não significa que esses contratos serão submetidos a regime que não o administrativo, porque a Constituição estabelece “jurídico-administrativo”. Por quê? O exemplo mais comum em todos os Municípios e Estados brasileiros é o caso dos professores. Há um fato chamado geração espontânea de vaga, que só existe para a educação. A professora que hoje deu aula de manha chegou à casa e quebrou a perna. Esse é um serviço público essencial, contínuo, que precisa ser prestado. Amanhã será preciso uma professora, porque o aluno estará na sala de aula. Esse cargo não pode ser ocupado, porque ele já está ocupado. Não se pode abrir concurso. Não se pode contratar pela CLT, porque, inclusive – estou chamando de novo a atenção -, quando esta Constituição foi promulgada, o art. 39 estabelecia expressamente:

“Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único...”

E esse regime jurídico era administrativo para todos os casos, pela singela circunstância de que os Estados e Municípios não podem instituir regime, porque legislar sobre Direito do Trabalho é competência privativa da União.

Então, abriu-se essa fenda para que, juridicamente, constitucionalmente, pudesse haver aqueles que entram no leque daqui que o Professor Celso de Antônio, ou Professor Hely, ou todos doutrinadores de Direito Administrativo chamam de servidores públicos, que não são estatutários, por não se submeterem a esse regime. Tanto isso é correto que o artigo 37 prevê expressamente quais direitos o legislador – a determinar o regime estatutário ou o regime desses contratados, previstos no art. 7º - terá necessariamente de acolher para fixar os regimes, que são diferenciados. Isto é, submete-se a uma determinada legislação uma pessoa que seja servidora pública, regida por um estatuto, como, por exemplo, o provimento de cargo de professor da rede estadual amazonense. Já um diretor de departamento, de uma delegacia de ensino, que seja de provimento comissionado, vincula-se também ao regime administrativo, mas não está sujeito àquele regime. Outro caso é o dessa professora que foi contratada para cumprir um excepcional interesse público.

(...)

Então, Excelência, pedi este aparte apenas para enfatizar que a doutrina e a jurisprudência sempre fizeram referência ao fato de que a relação jurídico-administrativa não comportava nada de regime celetista, máxime, em se tratando de situações posteriores à Constituição de 1988, em cuja norma, inicialmente redigida no artigo 39, não se poderia ter senão o regime estatutário ou o regime jurídico-administrativo.

(...)

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO -  Agora vou esclarecer por que dei aquela resposta a Vossa Excelência. Foi porque, naquela época, ainda não nos tínhamos pronunciado sobre a alteração do artigo 39, de modo que havia excepcionalmente casos que poderíamos entender regidos pela CLT. Mas hoje, isso é absolutamente impossível, porque reconhecemos que a redação originária do artigo 39 prevalece. Em suma, não há possibilidade, na relação jurídica entre servidor e o Poder Público, seja ele permanente ou temporário, de ser regido senão pela legislação administrativa. Chame-se a isso relação estatutária, jurídico-administrativa, ou outro nome qualquer, o certo é que não há relação contratual sujeita à CLT.

(...)

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO -  Sim, eu sei, mas estou apenas explicando por que a Emenda n° 45 deu essa redação abrangendo os entes da administração direta, porque havia casos, com a vigência da Emenda n° 19, que, eventualmente, poderiam estar submetidos ao regime da CLT. Como a Emenda n° 19 caiu, nós voltamos ao regime original da Constituição, que não admite relação de sujeita à CLT, que é de caráter tipicamente privado, entre servidor público, seja estável ou temporário, e a Administração Pública. Esse é o problema.

(...)

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO:

 Ministro Carlos Britto, realmente, essa confusão nasceu com a redação da Emenda n° 19. A Emenda n° 19 propiciou essa dicotomia. Depois, com a adição do Supremo, houve a reunificação para que se voltasse ao texto original. E, na realidade, está acontecento que a relação jurídica entre o trabalhador do Estado e a relação jurídica entre o trabalhador e o empresário privado são completamente diferentes, independentemente da existência, ou não, de uma lei especial, pois o que caracteriza, pelo menos na minha compreensão, o vínculo é exatamente essa relação especial do servidor público com o Estado, que é de caráter administrativo. Na Emenda n° 19, tentou-se alterar esse padrão para permitir que houvesse um dicotomia de regimes, mas isso caiu aqui no Supremo.

Por outro lado, também houve um voto anterior, se não me falha a memória, do Ministro Moreira Alves, em que Sua Excelência fazia distinção, para efeito de aplicação da competência da Justiça comum, quando se tratasse de servidor temporário. Mas acontece, conforme disse a Ministra Cármem Lúcia, que temos, em algumas áreas do serviço público, não apenas na educação, como também na saúde, exatamente o mesmo padrão, em ambos os casos a emergência se impõe e a contratação é feita. E temos outras situações semelhantes, é o caso de defesa social, em que se pode fazer contratações de emergência temporárias para atender determinadas situações críticas decorrentes de defesa do Estado, de defesa social, em casos de calamidade e outra situações. Se formos fazer essa distinção agora, criaremos uma desigualdade enorme, porque a relação que se impõe é uma relação de Direito Administrativo, qualquer que seja a duração do contrato de trabalho. Por isso, o artigo 114, conforme disse o Ministro Cezar Peluso no destaque feito, obedeceu àquela dicotomia antiga, que perdeu o sentido. Pode ainda existir um ou outro caso que esteja nessa configuração, mas sãos casos completamente ultrapassados. E já agora, para os efeitos de definir essa relação jurídica, parece-me mais apropriado que estendamos todos os conceitos para afirmar que a relação entre o servidor e o Estado é uma relação de Direito Administrativo e, por isso, está subordinada à Justiça comum e não à Justiça do trabalho.

(...)[6] (destacamos)

A exibição um tanto quanto extensa de parte da discussão plenária quando da formalização da matéria se fez necessária precipuamente para, com base nela, extrair o raciocínio mais acertado quanto ao tema, cuja Ementa firmou da seguinte forma:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR NA ADI 3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO. JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No julgamento da ADI 3.395-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da CF (na redação da EC 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. 2. Contratações temporárias que se deram com fundamento na Lei amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime jurídico aplicável às partes figurantes do contrato. Caracterização de vínculo jurídico-administrativo entre contratante e contratados. 3. Procedência do pedido. 4. Agravo regimental prejudicado[7]. (destacamos)

Tal entendimento se extrai do estudo sistemático do ordenamento jurídico brasileiro, coadunando-se, em perfeita ordem de raciocínio jurídico com outros posicionamentos do Pretório Excelso, como exemplo, a liminar proferida na ADI 2.135 no sentido de suspender a redação dada ao art. 39 da CF pela Emenda 19, mantendo incólume a redação original do referido artigo que estabelece a existência de um Único Regime Jurídico a serem instituídos pela União, Estados, Distrito Federal e os Municípios.

Este pensamento é firmado, frise-se, acertadamente, a partir de um raciocínio anterior, qual seja o da impossibilidade de igualar a regência principiológica-normativa nas contratações por ente privado e nas contratações realizadas por ente público.

A incidência normativa seja qual for a relação firmada por um ente público por mais que se aproxime de uma relação eminentemente privada nunca a esta se igualará, pois o princípio maior que norteia toda a Administração Pública é o “Macro-Princípio da Inafastabilidade dos Princípios norteadores da Administração Pública” notadamente os elencados expressamente em Nossa Carta Maior.

Portanto, qualquer que seja a relação pactuada com o Poder Público será ela presumidamente jurídico-administrativa não competindo a Justiça Laboral descaracterizar a relação, que deverá ser primeiramente analisada pela justiça comum.

Frise-se, é irrelevante a legalidade da contratação e o tipo de vínculo (efetivo/comissionado/temporário) existente entre o servidor e o Poder Público quando da prestação dos serviços.

A fixação da competência, nos referidos casos, não está na simples verificação da causa de pedir e pedido, estão estabelecidas na própria estrutura da ordem jurídica brasileira.

O servidor público, mais do que uma relação de prestação e contraprestação – em regra exclusivamente pecuniária – é um serviçal do povo, assim é impossível igualar a prestação de um serviço para uma empresa privada e um serviço desempenhado em favor do interesse público, independentemente da maneira como foi celebrada.

O cerne da fixação nesse caso é a própria necessidade do serviço e sua respectiva prestação. Acaso haja irregularidade no tipo de contratação, como forma de burlar mandamentos constitucionais, como a realização de concurso público, o ordenamento jurídico prevê meios de responsabilização da autoridade responsável, mas o serviço prestado, de natureza pública, não deixa de existir; o desencadeamento coletivo daquele serviço não some em razão da irregularidade no firmamento da relação.

Nessa esteira, resta esclarecida qualquer questão em relação a servidores públicos, até em relação aqueles contratados temporariamente, nulos ou não, pois independe da maneira de sua contratação, a verdade é que qualquer que seja a contratação pelo Poder Público, sua relação será jurídico-administrativa e nunca contratual regida pela CLT, portanto a Justiça do Trabalho não detém competência para julgar tais feitos[8].

Como forma de rematar o raciocínio sobre este ponto, lapidar esclarecimento feito pela Ministra Carmem Lúcia quando de seu voto-vista na Reclamação por descumprimento de decisão vinculante pela Justiça do Trabalho de nº 4.489-AgR/PA, voto este adotado para efeito de regência da Ementa na referida decisão:

É inquestionável que somente a Justiça do Trabalho tem competência para reconhecer a existência de vínculo empregatício cuja relação jurídica seja regida pela legislação trabalhista.

No entanto, da mesma maneira que a Justiça Comum não pode dizer da existência ou da descaracterização de uma relação trabalhista, também não pode a Justiça do Trabalho o fazer relativamente às relações jurídico-administrativas.

Se, apesar de o pedido ser relativo a direitos trabalhistas, os autores da ação suscitam a descaracterização da contratação temporária ou do provimento comissionado, antes de se tratar um problema de direito trabalhista a questão deve ser resolvida no âmbito do direito administrativo, uma vez que para o reconhecimento da relação trabalhista terá o juiz que decidir se há vício na relação administrativa que o descaracterize.

Sob a alegação de se preservar a competência da Justiça do Trabalho para o exame da caracterização de eventual relação regida pelo direito do trabalho o Supremo Tribunal estaria delegando àquela justiça especializada a possibilidade de desconsiderar a relação jurídico-administrativa originalmente formada entre as partes por força da lei e do contrato. Isso, data vênia, fere a decisão liminar proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.395, simplesmente porque não é possível reconhecer-se a existência de vínculo de natureza trabalhista entre servidor com contrato temporário ou provimento comissionado e a Administração Pública sem antes analisar a correção da relação administrativa originalmente estabelecida[9]. (destacamos)

Percebe-se que o posicionamento, com relação ao objeto do presente estudo, do Supremo Tribunal Federal, como unidade da Corte Máxima Brasileira, incialmente utilizou-se de um alcance imediato para, depois de acurados os pensamentos sobre o tema, utilizar um alcance mediato no que pertine a delimitação material da liminar proferida na ADI n° 3.395.

Existindo, inclusive, efeito vinculante a prevalecer que a competência da Justiça do Trabalho estaria afastada sempre que houvesse a relação entre Estado e servidor. O fato de a continuidade ser irregular não transmuda a relação. O contrato deve ser anulado e a relação encerrada, mas não há transformação desta em um regime celetista[10].

No entanto, como é de fácil percepção através das partes integrantes nas Reclamações Constitucionais colacionadas no decorrer deste artigo, a Justiça do Trabalho rejeitou, ou até mesmo, desconhecia o real alcance material da mencionada liminar adotado pelo STF fazendo com que várias decisões trabalhistas afrontassem diretamente os mandamentos da Suprema Corte.

Até o Tribunal Superior do Trabalho relutou demasiadamente em “reconhecer” o atual posicionamento do Supremo. Dessa forma, relevante tecer alguma explanação a respeito do posicionamento da Justiça Laboral no que diz respeito ao presente tema, ato que passo a realizar no capítulo a seguir.

III.II - O POSICIONAMENTO DA JUSTIÇA DO TRABALHO

É perceptível que motes que envolvem delimitação de competência, da amplitude da ora debatida, são delicadas e sempre se deparam com a resistência de determinada esfera judiciária em reconhecer a sua incompetência para apreciar e julgar determinado tipos de causas. Na situação objeto do presente estudo não haveria de ser diferente.

A Justiça do Trabalho, desde os juízos de 1º grau até a mais alta Corte Trabalhista, ignoraram a incidência da liminar proferida na ADI 3.395 com relação ao que chamo de efeitos mediatos pertinente ao seu alcance material.

Diversos Juízos de 1ª Instância, bem como Tribunais Regionais do Trabalho ainda se julgam competentes para apreciar causas onde há a alegação de desvirtuamento do contrato temporário de trabalho de servidor para com o Poder Público, exemplifica-se:

CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO DESVIRTUADO COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.

Comprovado faticamente a não existência de situação emergencial ou calamidade pública que justifique a contratação da reclamante por contrato temporário e estando atividade desenvolvida pelo obreiro inserida no âmbito das atividades permanentes da administração pública, competente é a Justiça do Trabalho para processar e julgar o feito[11]. (destacamos)

JUSTIÇA DO TRABALHO. CONTRATO TEMPORÁRIO. DESVIRTUAMENTO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. PRECEDENTES DO TST.

A Justiça do Trabalho é competente nas hipóteses de contratos temporários estabelecidos com a Administração, mesmo existente lei específica e teste seletivo, quando estes contratos encontram-se desvirtuados dos parâmetros previstos na contratação temporária. Ausente a submissão a concurso público previsto no art. 37, II da CF/88 e por força do princípio da primazia da realidade, incide a regra geral do liame contratual, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, atraindo, assim, a competência da Justiça do Trabalho. (...) [12]. (destacamos)

   A argumentação se lastreia, como alhures já indicado, na interpretação de que o desrespeito aos requisitos necessários à celebração, pelo Poder Público, de contratação temporária, modificaria a natureza dessa contratação.

Outro argumento exaustivamente utilizado é de que tal previsão está sumulada pelo TST através da Súmula n° 363[13], que unifica os efeitos gerados quando da contratação nula, fato que tornaria imperiosa o seguimento pelos juízos “a quo”.

Entrementes, não é observado que a edição e reedições das referida Súmula ocorreram na época em que era permitida a existência do duplo regime, e antes do posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. Olvida-se, também, que o citado posicionamento possui efeito vinculante em relação a todos os tribunais e juízos do País, exceto a própria Magna Corte, situação que vincula inclusive o TST quanto ao seu poder de sumular.

Esclareça-se, contudo, que a mencionada súmula é plenamente aplicável, só que em situações extremamente específicas, o que legitima a permanência da mesma sem qualquer alegação de inconstitucionalidade ou afronta a decisões da Suprema Corte. Exemplo claro da aplicabilidade da referida súmula ocorre quando um determinado ente federado optou – no período que era permitido mais de um regime jurídico – pela existência do regime celetista na relação com os seus servidores, e determinado servidor fora contratado temporariamente guiado pelo regime jurídico adotado por aquele ente.

Assim, em razão da opção pelo regime celetista, a discussão a respeito da nulidade do contrato e seus efeitos, serão apreciados pela Justiça do Trabalho podendo ser aplicada a supracitada súmula.

Mais um suporte indutor da interpretação equivocada realizada pela justiça especializada, em seus 1º e 2º graus, é a OJ – SDI1 205[14] do Colendo Tribunal Superior do Trabalho. Ocorre que, como demonstrado na nota de rodapé abaixo, a referida OJ fora cancelada em abril de 2009, por meio de resolução do TST que deliberou e passou a “acatar” o posicionamento da Suprema Corte, conforme se observa do julgado abaixo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO.

Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, ante a constatação de violação, em tese, do art. 114, I, da CF. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CAUSAS ENVOLVENDO DESCARACTERIZAÇÃO DE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA OU DE PROVIMENTO COMISSIONADO PELO PODER PÚBLICO. INTERPRETAÇÃO VINCULANTE CONFERIDA PELO STF. CANCELAMENTO DA OJ 205 DA SBDI-1/TST. EFEITOS PROCESSUAIS. O Pleno do STF referendou liminar concedida pelo Ministro Nelson Jobim no julgamento da Medida Cautelar na ADI 3.395-6/DF, no sentido de que, mesmo após a EC nº 45/2004, a Justiça do Trabalho não tem competência para processar e julgar causas instauradas entre o Poder Público e o servidor que a ele seja vinculado por relação jurídico-administrativa. No mesmo sentido, diversos precedentes da Suprema Corte, que têm enfatizado a incompetência desta Justiça Especializada mesmo com respeito a contratações irregulares, sem concurso público, ou com alegado suporte no art. 37, IX, da Constituição. Em face da jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal, este Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Resolução nº 156, de 23 de abril de 2009, cancelou a OJ 205/SBDI-1/TST. Nesse contexto, e estando devidamente prequestionada a matéria (OJ 62 da SBDI-1/TST), impõe-se reconhecer que decisão em sentido contrário viola o art. 114, I, da CF. Recurso de revista conhecido e provido[15]. (destacamos)

Reconhecimento anterior já existia por parte da doutrina trabalhista que, em que pese discordar do posicionamento adotado pelo STF, demonstra a necessidade de cumprimento. Renato Saraiva evidencia exemplarmente o sentimento dessa corrente:

(...)

Inexistindo a necessidade temporária de excepcional interesse público, os falsos trabalhadores temporários não podem ser considerados servidores regidos por regime de caráter jurídico-administrativo. Assim, havendo desvirtuamento da contratação temporário, pela ausência dos pressupostos de validade previstos na Constituição Federal (art. 37, IX), a competência para apreciar referido desvirtuamento é da Justiça do Trabalho, porque – repita-se – excluída a caracterização do liame estatutário.

(...)

Todavia, lamentavelmente, o STF vem decidindo, reiteradamente, pela incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ação envolvendo trabalhador contratado temporariamente nos moldes do art. 37, IX, da CF/88, mesmo que haja desvirtuamento da regra constitucional do concurso público, (...) [16].

Vê-se que, mesmo com muita relutância, a Justiça do Trabalho começa a cumprir a decisão emanada pela Corte Máxima deste País, demonstrando evidente posicionamento de discordância interpretativa, porém sujeitando-se ao próprio ordenamento jurídico brasileiro que assim impõe.

Aos que elevam o Princípio do Livre Convencimento do Magistrado a patamar superior ao ditame constitucional de necessidade de respeito e cumprimento das decisões do STF quando encargadas de efeito vinculante resta, pela parte lesada, a provocação direta à Suprema Corte via Reclamação Constitucional.

Sobre o autor
Yuri de Pontes Cezario

Advogado, Ex-Procurador-Geral do Município de Junqueiro-AL(2009/2010), Ex-Procurador-Geral do Município de Penedo-AL (2011/2012), Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp, Membro da Comissão de Prerrogativas da Seccional OAB/AL (2013/2015)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CEZARIO, Yuri Pontes. EC 45/04 X ADI 3.395: A incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar causas entre o Poder Público e seus servidores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3698, 16 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24118. Acesso em: 22 dez. 2024.

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