3. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS.
Não pretendemos abastardar o novo perfil traçado pela Carta Cidadã para a instituição; contudo, estabelecer primazia entre o Ministério Público agente e o Ministério Público fiscal da lei não nos parece correto, máxime porque nem a lei nem a própria Constituição fazem essa distinção. Muito ao revés, é a própria Constituição, em seu art. 127, cabeça, que traz a defesa de interesses individuais indisponíveis como atribuição precípua do Parquet.
Distinguir o representante ministerial agente, do representante ministerial fiscal da lei, como bem ensina o douto Promotor de Justiça do Estado de Pernambuco, Eduardo Henrique Borba Lessa, “seria criar um odioso sistema de castas na instituição – que já tem que conviver com as diferenciações entre os membros que atuam no primeiro grau e os que atuam no segundo grau”[5], alimentando ainda mais disputas intestinas.
Seguramente, não pode haver função jurisdicional em matéria social ou indisponível sem que o Ministério Público esteja presente como órgão agente ou órgão interveniente. Assim, é a indisponibilidade e a essencialidade social do direito levado a juízo que legitima a instituição, e não a sua natureza de “público” ou “privado”, até porque existem situações envolvendo interesse público – como no caso da execução fiscal – em que a atuação do Ministério Público é dispensada, ao passo que existem processos que versam sobre interesses tidos como particulares – a exemplo da mudança de sexo (redesignação de gênero) – nos quais o Parquet deverá intervir.
Imperioso anotar que, conquanto as recomendações sejam destituídas de caráter cogente, elas têm grande força moral, e até mesmo implicações práticas. Embora não represente nenhuma mácula à autonomia funcional e administrativa do Parquet, em razão de, repise-se, ser desprovida de efeito vinculante, a Recomendação nº 16/2010 do CNMP, na prática, vem tomando outra proporção, à medida que se constata que até os magistrados vêm invocado-a, sem nenhum reproche, para indeferir pedidos de intimação do Parquet, impossibilitando que os representantes ministeriais, ao seu alvedrio, ponderem sobre a necessidade, ou não, de sua intervenção.
Demais disso, usar-se de discricionariedade, quando ainda se está subordinado à obrigatoriedade – recusando-a gratuitamente –, é ir de encontro ao princípio da legalidade, sustentáculo de todo o ordenamento jurídico, caminhando contra a lei, apagando as funções institucionais que foram cometidas ao Ministério Público, sem nenhuma incompatibilidade, pela Constituição Federal, de sorte a abdicar, inconstitucionalmente, de suas atribuições.
Não será mitigando o princípio da obrigatoriedade, e fazendo com que este seja sobrepujado pelo princípio da independência funcional, que teremos um Ministério Público com maior legitimidade social. A liberdade e a independência funcional, por certo, existem. O que não pode haver é liberdade ao arrepio da lei.
Dessa maneira, acatar o entendimento da Recomendação em comento significa negar vigência aos incisos II e III do art. 82, do CPC, e mais ainda, negar vigência aos dispositivos que reclamam a intervenção ministerial nos procedimentos referentes a registros públicos (Lei nº 6.015/73), ao mandado de segurança (Lei nº12.016/09) e outros.
REFERÊNCIAS
LESSA, E. H. B. O custos legis retórico: a desconstrução do fiscal da lei no processo civil brasileiro. 2011. 94 f. Dissertação (Mestrado em Direito)–Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Recife, 2011. Disponível em: <http://www.unicap.br/tede//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=660> Acesso em: 20 mar. 2013.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 16. ed. São Paulo; Saraiva, 2003.
MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
Notas
[1] TORNAGHI, Hélio Bastos. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, p. 278, Revista dos Tribunais, 1976.
[2] MAZZILLI, Hugo Nigro. Aspectos polêmicos da Ação civil pública. Artigo publicado em diversas revistas jurídicas, dez. 2005. Disponível em: <http://www.mazzilli.com.br>. Acesso em: 20 mar. 2013.
[3] MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público, Saraiva, 3ª edição, 1996, p. 72-73.
[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 422099-SP. Disponível em: <http//redir.stf.jus.br> Acesso em: 20 mar. 2013.
[5] LESSA, E.H.B. A Atuação do MP no Custos Legis. DFATO - Revista da Associação do Ministério Público de Pernambuco, Recife/PE, p. 29 - 30, 01 jul. 2011.