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A utilização do polígrafo e a sua excepcional admissibilidade no processo penal brasileiro e argentino

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Agenda 09/05/2013 às 16:46

4. A prova científica do polígrafo e a jurisprudência brasileira e argentina

Segundo Leandro Canestrelli, o detector de mentiras, também chamado polígrafo, é um dispositivo que permite o registro simultâneo de manifestações somáticas diversas - e, por sua natureza, incontroláveis pelo indivíduo - que acompanham atitudes emotivas que, sob certas condições, se produzem ao mesmo tempo que mentiras conscientes, das quais essas manifestações somáticas se tornam, portanto, indicações indiretas, fora de toda participação deliberada do indivíduo examinado (CANESTRELLI, 1958).

O polígrafo é bastante utilizado nos Estados Unidos, em acusações criminais, cíveis e trabalhistas, inclusive existindo uma Associação Americana do Polígrafo. Em alguns estados norte-americanos o examinador (perito) deve possuir formação profissional por uma escola credenciada de polígrafos, com estágio e ser conhecedor das leis e regulamentos necessários à realização do teste da verdade. Além disso, o examinador deve possuir bons equipamentos computadorizados e submetidos ao controle de qualidade. Também é desejável que o perito tenha sólida formação em interrogatório científico visando reduzir as margens de erro do teste.

O resultado do teste do polígrafo se materializa através de um laudo pericial que será juntado ao processo judicial. Tal laudo deve ser elaborado por perito devidamente capacitado para aplicar, interpretar e relatar o teste da verdade.

No Brasil e na Argentina, já existem empresas especializadas na realização de testes semelhantes ao aplicado nos Estados Unidos e as opiniões jurídicas começam a mudar em relação à utilização deste tipo de tecnologia para provar a inocência de acusados.

Todavia, a predominância ainda é pela não admissibilidade do polígrafo como meio de prova, conforme verificamos em alguns julgados descritos a seguir:

Jurisprudência Brasileira:

HABEAS CORPUS DECISÃO ILEGAL - UTILIZAÇÃO DE DETECTOR DE MENTIRAS - INDEFERIMENTO - FALTA DE AMPARO LEGAL - AUSÊNCIA DE CERTEZA NAS CONCLUSÕES - DECISAO CONFIRMADA - ORDEM DENEGADA. 1- A utilização do polígrafo (detector de mentiras) como meio de prova é questionável, pois além de não se obter certeza em suas conclusões, não há amparo legal para a sua utilização em nosso ordenamento processual penal. 2- Deve ser mantida a decisão do juízo das execuções penais que indeferiu o pedido de utilização do polígrafo como meio de prova a ser utilizado em uma eventual revisão criminal, já que o instrumento é imprestável para tanto. 3- Ordem denegada. (HC100040009167ES, Relator Manoel Alves Rabelo, data do julgamento: 29.09.2004, Segunda Câmara Criminal, data de publicação: 29.11.2044).

EXTORSÃO. DEFICIÊNCIA PROBATÓRIA. DÚVIDA SOBRE A EXISTÊNCIA DO FATO: PALAVRA INCONFIÁVEL DA SUPOSTA VÍTIMA; TESTEMUNHAS IMPEDIDAS E SUSPEITAS. DETECTOR DE MENTIRAS: MERO INSTRUMENTO DE AUXÍLIO À INVESTIGAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. Apelação provida. (Apelação Crime Nº 70020339693, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Bandeira Scapini, Julgado em 06/12/2007)

ESTUPRO e ATENTADO AO PUDOR, COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA. Nulidades. Prova. Pena 1. Submissão de réu e vítima a polígrafo (detector de mentiras). Além da não comprovação de eficácia do equipamento, o mesmo tem por finalidade espancar dúvidas. Mas se dúvida existe, impositiva a absolvição. 2. Extinção da punibilidade, pela decadência do direito de representação, relativamente a atentado violento ao pudor que teria sido praticado contra a segunda vítima referida na denúncia. 3. Equipamentos de uso pessoal e profissional do réu, retirados de sua residência mediante artifício, e entregues a Juízo, sem a certeza de que não tenham sido manipulados. Prova ilícita. Desentranhamento. Não contaminação da sentença, porquanto fundada a condenação, preponderantemente, em outras provas. (...). 8. Apenamento irretocável. Apelo defensivo parcialmente provido e recurso da Assistência à Acusação conhecido parcialmente, e improvido. (Apelação Crime Nº 70004770442, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tupinambá Pinto de Azevedo, Julgado em 26/03/2003)

HABEAS-CORPUS. HOMICÍDIO. PACIENTE ACUSADO DE TER SIDO O MANDANTE DO ATO PRATICADO POR TERCEIRO. PRISÃO PREVENTIVA DO MANDANTE. INDÍCIOS DE AUTORIA. EMBORA A RETRATAÇÃO, EM JUÍZO, DO AUTOR DIRETO DO HOMICÍDIO, PERMANECEM NOS AUTOS INDÍCIOS DA APONTADA AUTORIA INTELECTUAL DO PACIENTE - IMPOSSÍVEL, NO ÂMBITO ESTREITO DO HABEAS-CORPUS, ACURADO EXAME DA PROVA, COMO SE TEM PROCLAMADO. PRETENDIDA SUBMISSÃO DO PACIENTE A DETECTOR DE MENTIRAS. PROVA INDEFERIDA PELO JUIZ. Alegação de cerceamento de defesa. o juiz e o presidente do processo. não obstante o princípio da plenitude de defesa, ensejando realizar as provas, ao magistrado cumpre apreciar o requerimento. - em se tratando de prova não prevista em lei e cuja validade jurídica e, quando mais não seja, discutível, não se pode dizer esteja ocorrendo, no caso, cerceamento de defesa. - incabível, outrossim, o habeas-corpus como meio processual para interferência direta do segundo grau no andamento da instrução, com o determinar de realização de prova que o juiz haja indeferido. homicídio praticado em circunstâncias causadoras de excepcional repulsa e inquietação social. justificada a segregação cautelar para garantia da ordem pública. ordem denegada. (TJRS-015968)

Jurisprudência Argentina:

00002146 - Nulidad  absoluta. Violación de garantías constitucionales. Regla de exclusión.

Siendo el procedimiento inicial violatorio de garantías constitucionales,  tal  ilegalidad  se  proyecta a todos aquellos actos  que  son su consecuencia y que se ven alcanzados o teñidos por   la   misma   ilegalidad,   por  lo  que  no  sólo  resultan inadmisibles  en contra de los titulares de aquellas garantías de las  pruebas  directamente  obtenidas  del  procedimiento inicial sino  además  todas  aquellas otras evidencias que son "fruto" de la  ilegalidad  originaria. (Dres. Madueño, Rodríguez Basavilbaso y Fégoli).

Magistrados : Fégoli, Rodríguez Basavilbaso, Madueño.

Registro n° 16620.1. Eleias,  Pablo  Coman,  Carlos  Alberto;  Romero, Viviana Beatriz s/recurso de casación. 21/09/10

Causa n° : 12367. Cámara Nacional de Casación Penal. Sala : I.

000001578. Prueba. Prueba ilegítima. 

Conceder  valor a pruebas obtenidas por vías ilegítimas y apoyar en ellas un a sentencia judicial, no solo es contradictorio con el reproche formulado, sino que compromete la buena administración de justicia al pretender constituirla en beneficiaria del hecho ilícito por el que se adquieren tales evidencias.

David (en disidencia) Mitchell, Fégoli.543- Gavila, José Arturo s/recurso de casación. 8/09/95 - 441

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Faz-se necessário destacar a função do perito no processo, que é analisar a prova de maneira científica, portanto, no caso do teste do polígrafo, cabe ao técnico somente afirmar, embasado na análise dos dados, qual a veracidade e grau de certeza nas alegações do indiciado, e ao julgador caberá, além da verificação de licitude e legitimidade da prova, a sua aceitação ou não na formação no convencimento do mérito da ação, sendo sempre livre para não utilizar a prova científica.

Finalmente, cabe registrar que o laudo técnico do polígrafo como prova científica – definida por Carla Castro como critérios e métodos científicos na elaboração e na produção probatória (2007, p. 19) – subministra fundamentos para um conhecimento comum às partes e ao juiz, sobre questões que estão fora da órbita do saber ordinário (LOPES, 2009, p. 551).


5. Conclusões

Verificamos no presente texto que os meios de prova são de fundamental importância na busca da verdade em uma relação processual. Através deles é que as partes podem demonstrar ao juiz o que se está alegando, a veracidade e a existência da conduta praticada ou não pelo indivíduo.

Destaca-se que houve uma considerável evolução histórica, na medida em que as provas ilícitas, antes utilizadas independentemente do meio pelo qual foram obtidas, passaram a ser inadmissíveis no ordenamento jurídico brasileiro e argentino. Todavia, tal inadmissibilidade, apesar de positiva, não deve ser interpretada de modo absoluto e imutável em nenhum dos países.

Nesse sentido, percebe-se que a admissibilidade das provas ilícitas – estando aqui incluído o polígrafo – em caráter excepcional, vem ganhando força através dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, por meio dos quais, busca-se que haja um limite frente à proporção do caso concreto, devendo o juiz fazer uma análise criteriosa e com cautela, observando sempre os preceitos constitucionais colidentes postos em discussão, que terão que ser avaliados de acordo com o interesse de maior valor.

A inadmissibilidade de utilização do polígrafo e de todas as provas ilícitas deve ser avaliada com bastante cuidado, principalmente quando se tratar das provas a favor do réu. Em tais casos, embora a obtenção das provas seja ilícita, sopesados os princípios constitucionais colidentes e as peculiaridades de cada situação, poderão ser aceitas as provas quando não tiver nenhuma outra forma de comprovar determinada conduta.

Por fim, cabe ressaltar que a admissibilidade ou inadmissibilidade do polígrafo e, de modo geral, das provas ilícitas, representa um tema instigante e que continuará proporcionando importantes discussões doutrinárias e jurisprudências. Todavia, entendemos que o Poder Judiciário deve avaliar o caso concreto sob o amparo dos princípios constitucionais, notadamente proporcionalidade e razoabilidade, valorando os múltiplos interesses existentes no âmbito de uma relação, de modo a buscar a solução mais justa para o caso.


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Sobre o autor
Jadir Silva Rocha

Auditor Interno do Banco do Brasil S.A., Advogado, Pós-graduado em Direito Público e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino – UMSA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Jadir Silva. A utilização do polígrafo e a sua excepcional admissibilidade no processo penal brasileiro e argentino. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3599, 9 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24395. Acesso em: 23 dez. 2024.

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