Resumo: O presente estudo debruça-se sobre a temática do assédio moral organizacional praticado pelas empresas, o qual reflete ato atentatório à dignidade do trabalhador, ao meio ambiente do trabalho, bem como aos valores morais da coletividade. Embora constitua fenômeno antigo, o assédio moral, sobretudo o organizacional, vem ganhando maior relevância na atualidade, tendo em vista as características da conjuntura econômica hodierna, que representa fator de estímulo para sua ocorrência. Destarte, a fim de respaldar os argumentos trazidos à baila sobre o tema, fez-se uso de jurisprudências, pesquisas doutrinárias, além de consulta a ações trabalhistas, a documentos eletrônicos e à legislação vigente. Desse modo, demonstra-se na presente exposição que o assédio moral organizacional é conduta que deve ser veementemente combatida, devendo os agentes de tal prática ser responsabilizados pelos danos ocasionados, inclusive em sua dimensão social e coletiva.
Palavras-chave: Assédio Moral Organizacional. Afronta à dignidade do trabalhador. Degradação do meio ambiente de trabalho. Dano Moral Coletivo.
1 NOTAS INTRODUTÓRIAS
Como se tomassem por fundamento a idéia de Maquiavel, resumida na frase de que “os fins justificam os meios”, algumas empresas acreditam que todas e quaisquer estratégias de trabalho são legítimas para o alcance do lucro, devendo ser aplicadas e prontamente seguidas pelos empregados.
Nesse sentido, são postos em prática sistemas e métodos operacionais de gerenciamento que, tendo em vista a impessoalidade e o caráter humilhante e hostil com que são efetivados, em face dos trabalhadores, caracterizam o assédio moral organizacional no âmbito da empresa. Isso porque, visando unicamente ao aumento das vendas, a empresa impõe ao trabalhador o alcance ou superação de metas de produção e vendas estabelecidas, além da obediência a padrões de condutas, sob pena de imposição de sanções e práticas ofensivas à dignidade do trabalhador e degradadoras do meio ambiente de trabalho.
Salienta-se que o cenário econômico mundial é fator determinante da adoção da prática do assédio moral organizacional nas empresas, haja vista a pressão imposta aos trabalhadores a produzirem além da sua capacidade laborativa e a baixo custo, prevalecendo a insensibilidade e impessoalidade dentro da empresa, que está muito mais preocupada com a superação de metas e resultados do que com o meio ambiente de trabalho e a dignidade humana do trabalhador.
É nessa linha que se pode afirmar que a integridade e saúde do empregado e o ambiente laboral encontram-se diretamente relacionados à forma como é exercido o poder diretivo e organizacional do empregador. Os novos métodos de estratégia empresarial, decorrentes de um modelo produtivo prestigiador da dominação e da competitividade desmedida, fazem emergir uma gestão pontada pelo estresse, na qual a empresa se vale da reserva cruel do desemprego como instrumento de pressão e de chantagem, fazendo com que o trabalhador suporte sem reação as humilhações e constrangimentos que lhes são impostos.
2 ASSÉDIO MORAL
O assédio moral não é um problema surgido nos dias atuais. Ao contrário, é reconhecido como conduta tão antiga quanto o próprio trabalho. Contudo, são recentes o seu estudo, bem como a reflexão sobre os aspectos que, no cenário sócio-econômico hodierno, fazem com que trabalhadores a ele se submetam, assim como, a conscientização de sua existência, de seus efeitos e da necessidade de que tal conduta reprovável seja banida das relações de trabalho.
Tendo em vista todo o seu contexto e o retrocesso que representa, o assédio moral conduz à crença de que se constitui em fenômeno típico de países em desenvolvimento, em que a consciência social seria, em tese, menos difundida. No entanto, tal fenômeno é uma realidade que se faz presente, também, nos países desenvolvidos, haja vista o cenário capitalista que perpetra na economia mundial.
Nesse desiderato, torna-se oportuno mencionar que tal fenômeno também é objeto de pesquisa em outros países e recebe diferentes denominações na doutrina estrangeira, sendo chamado de: moobing, na Itália, Alemanha e países escandinavos; bullying ou Moral Harassment, na Inglaterra e EUA; acoso psicológico ou acoso moral, nos países de língua espanhola; ijime, no Japão, consoante os apontamentos de Micheline de Souza, em seu artigo “Assédio Moral nas Relações de Trabalho”.
2.1 Assédio Moral Individual versus Assédio Moral Organizacional
2.1.1 Conceitos e diferenças
Conforme dantes mencionado, o assédio moral configura-se como fenômeno social que, embora somente venha ganhando destaque no meio acadêmico em tempos recentes, já que o contexto sócio-econômico atual facilita e contribui para sua incidência, é acontecimento contemporâneo ao surgimento do sistema de trabalho assalariado.
Os juristas e estudiosos sobre o tema, ao buscar o real significado do assédio moral propriamente dito, recorrem à psicologia para delimitar o seu conceito. Assim, faz-se mister elucidar a definição da estudiosa Marie France Hirigoyen acerca do assédio moral, in verbis:
Por assédio moral em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo, por comportamento, palavras, gestos, escritos, que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho. (2005,p.65)
No mesmo sentido, a juíza do trabalho Martha Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt ressalta que o assédio moral:
Juridicamente, pode ser considerado como um abuso emocional no local de trabalho, de forma maliciosa, não-sexual e não-racial, com o fim de afastar o empregado das relações profissionais, através de boatos, intimidações, humilhações, descrédito e isolamento. [...] o assédio pode ser visto também pelo ângulo do abuso de direito do empregador de exercer seu poder diretivo ou disciplinar. (2001, p. 142).
Desse modo, salutar esclarecer que os conceitos supra expostos referem-se, apenas, ao assédio moral individual, ou seja, aquele mais conhecido e fácil de ser visualizado, exercido por um superior hierárquico, ou mesmo por um colega ou por grupos de colegas sobre um determinado empregado, visando humilhá-lo, menosprezá-lo ou ridicularizá-lo perante os demais trabalhadores, sendo o primeiro conhecido como assédio moral vertical, e o segundo como assédio moral horizontal. Há, ainda, uma terceira caracterização do assédio moral, que é aquele exercido pelos subordinados contra o superior hierárquico, que, apesar de não muito corriqueiro, pode ser verificado na hipótese da vítima, muitas vezes novata no ambiente de trabalho, ter uma forma de administrar não aceita pelo grupo (assedio moral ascendente).
A conduta do assédio moral, que representa uma verdadeira violação à dignidade do trabalhador, ocorre pelos mais diversos e banais motivos; seja porque a vítima destaca-se na empresa quanto às suas habilidades, sobressaindo-se, muitas vezes, mais do que o próprio superior (o que causa neste inveja e raiva, incutindo-lhe o sentimento de vingança), seja porque ela comporta alguma característica que desperta a reação de companheiros de trabalho, tais como: a opção sexual, a religião, a idade e o estado civil.
Impende atentar para o fato de que o assédio moral individual caracteriza-se especialmente pela freqüência e intencionalidade da conduta, não podendo ser confundido com uma desavença isolada ou esporádica no ambiente de trabalho.
Urge salientar que o contexto sócio-econômico mundial vem desenvolvendo um outro tipo de assédio moral que, diferentemente do assédio moral individual, tem como vítima não apenas um empregado em particular. A vítima, nessa nova feição do assédio moral, é o meio ambiente de trabalho e toda a massa de trabalhadores da empresa, a qual desenvolve um padrão de gerenciamento, ou seja, adota métodos operacionais de produção que denigrem e agridem a moral daqueles empregados que estão a eles submetidos e inseridos, tudo isso objetivando o lucro e a eficiência na produção da empresa.
A essa outra face do assédio moral que, embora pouco divulgada e ainda não muito estudada, mas que se constitui num fenômeno social preocupante e crescente, dá-se o nome de “assédio moral organizacional”, “assédio moral coletivo” ou, ainda, “assédio moral institucional”.
3 ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL
3.1 Aspectos Gerais
O assédio moral organizacional decorre do conjunto de métodos e condutas adotadas por uma empresa que, visando ao direcionamento de todos os trabalhadores à obtenção do lucro e maiores níveis de desempenho, os impõem metas de venda inatingíveis e os submetem a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes que agridem não só a dignidade destes, mas também, todo o ambiente de trabalho em que estão inseridos.
Faz-se imprescindível, nesse diapasão, invocar as pertinentes lições da Procuradora do Trabalho, Adriane Reis de Araújo, que caracteriza o assédio moral organizacional como sendo o:
Conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulta no vexame, humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio da ofensa a seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e psíquicos. (2006, p. 107). (grifos acrescidos).
Destarte, o assédio moral, na seara organizacional, é decorrente do modus operandi da empresa, a qual determina condutas e métodos de trabalho que são exigidos e monitorados de forma abusiva, mediante palavras, ações, gestos ou comportamentos que, por sua repetição ou sistematização, violam a dignidade e a integridade dos trabalhadores, findando por ameaçar e degradar o ambiente de trabalho.
Outrossim, imperioso atentar para o fato de que, no assédio moral coletivo, qualquer trabalhador, indistintamente, está submetido a este tipo de “tratamento” ou “punição” adotado pela empresa, já que é uma prática operacional desenvolvida em seu âmago. Ou seja, diferentemente do assédio moral individual, o assédio moral organizacional não tem como vítima apenas uma única pessoa determinada; todos os empregados estão sujeitos à pressão demasiada de trabalho com conseqüente penalidade vexatória ou desrespeitante caso não obtenham o desempenho desejado.
O Ministério Público do Trabalho do Estado do Rio Grande do Norte, enfrentando a matéria na Ação Civil Pública n.º 00804-2008-005-21-00-1, proposta contra as Lojas Insinuante[1], ressalta que as vítimas do assédio moral coletivo, ante ao tratamento agressivo que recebem, e ao ambiente de trabalho de extrema tensão a que ficam submetidas, passam a comportar os sentimentos de menos valia, de inferioridade, e até de descartabilidade. Segundo o referido órgão:
O empregador, diretamente ou mediante prepostos, prima por incutir nos subordinados o pensamento de que tudo têm que suportar para atingir os objetivos buscados, e que os gestos, palavras ou ações que tendam a desqualificá-los e humilhá-los são normais e aceitáveis em um mercado de trabalho tão competitivo como o que se apresenta atualmente.
Observa-se, portanto, que, em regra, os empregados vivenciam calados as pressões e humilhações sofridas, tudo isso a fim de evitar retaliações e até a demissão pela empresa, já que a todo tempo são alertados e lembrados da grande quantidade de pessoas que gostariam de ocupar a sua vaga de trabalho.
É nesse esteio que o assédio moral coletivo vem se constituindo uma prática cada vez mais comum no âmbito das empresas, refletindo-se em “conseqüências” negativas para os trabalhadores caso eles não sigam o padrão de conduta determinado ou não atinjam as metas de vendas fixadas. Essas “conseqüências” desenvolvem-se das mais diversas formas e, na maioria das vezes, são tratadas como corriqueiro método operacional ou como mera “brincadeira” adotada para mais um momento de descontração ou entretenimento.
Assim, caso os trabalhadores não se portem da maneira exigida ou não alcancem ou superem as metas determinadas, são obrigados a se submeter as mais variadas e criativas situações, tais como: usar perucas coloridas durante o expediente ou, até mesmo, pagar prendas diante dos outros empregados, como por exemplo, dançar músicas de cunho erótico, fazer flexões, usar camisetas com apelidos esdrúxulos ou, ainda, ter a foto afixada em murais da empresa para tornar público seu mau desempenho.
A situação analisada reflete-se, inclusive, na recente condenação da empresa AMBEV pelo Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região. Neste sentido, faz-se mister transcrever trecho de um dos depoimentos reproduzido na decisão[2], in verbis:
Que era vendedor; [...] que tinham metas diárias; que não atingidas as metas, nas reuniões matinais se falava e então eram estabelecidas algum tipo de castigo, como por exemplo, dançar a música na boquinha da garrafa ou fazer flexões de braço, ou ainda assistir reuniões em pé [...] que na camisa que usava além da marca da empresa era colocado um apelido, sendo que o dele depoente era `boca de cavalo; que este apelido lhe foi dado pelo gerente de vendas [...]; que inclusive dois colegas negros foram apelidados, um de caixa preta e outro de Saci, sendo que esse segundo se constrangeu bastante com a situação; que obrigatoriamente nas quartas e nos sábados tinham que utilizar a camiseta; que também lhes eram dirigidas nas reuniões palavras de baixo calão, tais como: porra, incompetente, imprestável [...] que inclusive um colega, [...], que havia sido selecionado desistiu de trabalhar porque não queria laborar com apelido.[3](grifos acrescidos).
Ademais, em notícia retirada do sítio do Tribunal Superior do Trabalho, postada dia 1º de fevereiro de 2007, sob o título: “Matéria especial: assédio moral na Justiça do Trabalho”, encontram-se relatos demonstrando como são corriqueiras e constantes as práticas de assédio moral coletivo em empresas do país:
Nas Lojas Colombo S/A, de utilidades domésticas, no Rio Grande do Sul, realizavam-se reuniões em que os vendedores “eram chamados de ignorantes, burros, parasitas”, e o gerente os ameaçava de perda de emprego caso não cumprissem suas cotas. Outra prática, alvo de várias reclamações trabalhistas, é o pagamento de “prendas”. Na empresa Irmãos Farid Ltda., revendedora de bebidas e refrigerantes de Conselheiro Lafaiete (MG), os vendedores que não atingiam suas metas eram obrigados a pagar flexões, correr em volta de uma praça pública e usar um certo “capacete de morcego”, diante dos colegas e das pessoas que estivessem na praça no momento. Em Belo Horizonte, a Companhia Brasileira de Bebidas aplicava castigos vexatórios semelhantes, submetendo seus empregados a constrangimentos como desfilar de saia rodada, perucas e batom diante dos colegas e mesmo de visitantes.
Destarte, frise-se que com a adoção das práticas alhures descritas, a empresa acaba por gerar em seus empregados o sentimento de medo e angústia e um ambiente tenso de trabalho, já que estão sempre conscientes e temerosos de que podem ser os próximos a sofrerem esse tipo de agressão e constrangimento. Em outras palavras, com esse método de trabalho, a empresa termina por “alertar” cada empregado de que, caso ele não obtenha ou supere o resultado imposto, ele sofrerá as mesmas conseqüências que o seu colega sofrera.
Assim sendo, oportuno mencionar os seguintes julgados acerca da temática em comento:
DANO MORAL - VENDEDOR QUE NÃO ATINGE METAS - SUBMISSÃO A SITUAÇÃO VEXATÓRIA NO AMBIENTE DE TRABALHO. Demonstrando a prova testemunhal que o empregado - vendedor - quando não atingia as impostas metas de venda, era obrigado a usar um chapéu cônico, contendo a expressão "burro", durante reuniões, na frente de todos - vendedores, gerente, supervisores - oportunidade em que era alvo de risadas e chacotas, indubitáveis o vexame e a humilhação, com conotação punitiva [...]. Tal procedimento afronta diretamente a honra e a dignidade da pessoa, bens resguardados pela Carta Maior. Iniciativas absurdas e inexplicáveis como esta têm que ser combatidas com veemência, condenando o empregador ao pagamento de indenização por dano moral[4]. (grifos acrescidos).
ELEIÇÃO DO EMPREGADO TARTARUGA. ATO PATRONAL CONSTRANGEDOR E OFENSIVO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - EXPOSIÇÃO DO EMPREGADO A RIDÍCULO E A VEXAME. REPARAÇÃO POR DANO MORAL. VIABILIDADE. Afronta a dignidade da pessoa humana a instituição, pela empresa, de eleição mensal de empregado tartaruga, para assim designar pejorativamente aquele trabalhador que cometeu atrasos no horário de entrada nos serviços, expondo o empregado eleito ao ridículo, além de colocá-lo em situação vexatória perante os demais colegas de trabalho.[5] (grifos acrescidos).
Diante de tais fatos, é, sem dúvida, difícil acreditar que empresas, muitas vezes de grande porte, com maquinários modernizados e nacional ou internacionalmente conhecidas, são capazes de adotar métodos operacionais tão indignos para dirigir seus empregados. O mais impressionante é que tais métodos tornam-se viciosos e corriqueiros, sendo muitas vezes aplicados em todas as lojas e filiais da empresa, identificando-se, portanto, um stantard comportamental utilizado para gerenciamento, com estratégia agressiva, intimidativa e apelativas, unicamente com o objetivo de incrementar as suas vendas.
3.2 Dinâmicas Grupais
Noutro passo, a fim de evitar equívocos acerca da compreensão do assédio moral organizacional, faz-se mister ressaltar que muitas empresas costumam adotar dinâmicas grupais, as quais consistem em atividades realizadas com o intuito de testar a capacidade psicológica e física do trabalhador e a compreensão das normas utilizadas pela empresa, além de buscar a interação e descontração dos empregados. Através das dinâmicas, eles passam a compreender melhor os objetivos da empresa, a importância de se desempenhar um trabalho em equipe, além de se sentirem mais à vontade no ambiente de trabalho.
Essa atitude não pode ser confundida com o assédio moral no âmbito coletivo. Isso porque, esta prática gera humilhação para os trabalhadores e se desenvolve justamente com o intuito de pressionar o empregado a produzir, incutindo-lhe o sentimento de tensão ao executar sua tarefa, o que não ocorre nas dinâmicas grupais, que primam pela socialização no âmbito das relações trabalhistas.
Contudo, quando tais dinâmicas passam a ser aplicadas de maneira inconseqüente, ocasionando efeitos danosos ao equilíbrio emocional dos empregados, devem ser repelidas do ambiente de trabalho e combatidas de maneira eficaz, sob pena de incorrerem na prática ilícita do assédio moral organizacional.
3.3 Agressão ao meio ambiente de trabalho
A Constituição Federal de 1988 (CF) atribuiu ao meio ambiente de trabalho relevância inconteste, tanto que o referenciou em diversos preceitos, dentre eles, o artigo 7º, inciso XXII; artigo 39, §3º; artigo 200, inciso VIII; artigo 170, inciso VI, além do artigo 225, caput. Este último dispõe que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Desse modo, por ter a Carta Magna brasileira consagrado o trabalho como direito social fundamental do cidadão, revelando-o como sendo verdadeira fonte de dignidade e importante meio de promoção da justiça social e do bem-estar, pode-se afirmar que o meio ambiente no qual o trabalho é desempenhado também deve gozar de total proteção.
Entrementes, não obstante a tutela legal e constitucional conferida ao meio ambiente laboral, resta notória, diante do contexto econômico vivenciado no mundo moderno, a dificuldade das empresas em equilibrar a busca da obtenção do lucro e a manutenção de um ambiente de trabalho sadio.
Atualmente, sobreleva a dificuldade desta tarefa, haja vista a crise vivenciada pelo mercado de trabalho, originada do culto ao individualismo, da busca desenfreada pelo lucro, da intensa competitividade, e da procura incessante pela máxima produtividade com o mínimo de dispêndio possível, predominando a razão econômica em detrimento de valores como a dignidade do trabalhador.
A aliança de tais fatores contribui para a elevação de um grau de impessoalidade e distanciamento entre as pessoas no ambiente da empresa, favorecendo a prática de atitudes hostis pelo empregador, que passa a enxergar e tratar o trabalhador como um objeto descartável na estrutura empresarial.
É nessa trilha que a incidência do assédio moral organizacional acaba por “contagiar” todo o ambiente em que é desempenhado o trabalho. Isso ocorre pois, diante da sistemática operacional adotada, o trabalhador executa sua atividade sob extrema tensão, já que o grupo de empregados passa a sofrer ameaças diárias acerca das possíveis conseqüências negativas que poderão vir a sofrer caso não seja seguido o padrão de conduta delimitado ou não atingidas as metas de vendas e produção estipuladas. Essa tensão e estresse tornam-se ainda mais incidentes quando um empregado observa seu colega de trabalho sofrer as punições antes anunciadas, sendo vítima de chacota pelos dirigentes e até pelos próprios trabalhadores.
Observa-se, portanto, que o ambiente onde é desempenhado o trabalho encontra-se diretamente relacionado e suscetível à forma como é exercido o poder diretivo do empregador, apresentando vulnerabilidade às práticas abusivas e ilícitas adotadas.
3.4 Afronta à dignidade humana e conseqüências do assédio moral organizacional
A dignidade humana constitui o valor fundamental do ordenamento jurídico e consagra-se como verdade fundante do Direito e princípio basilar de um Estado democrático. Em virtude da evolução social, este princípio foi ganhando relevância de tal modo que hoje figura como cânone maior e centro axiológico do sistema jurídico.
A atual Carta Magna consagra a dignidade humana em seu artigo 1º, inciso III, devendo ser respeitada e prontamente observada, portanto, em todas as relações que envolvam o indivíduo, sejam elas pessoais, sociais ou profissionais.
A prática do assédio moral na empresa representa, pois, uma verdadeira ofensa ao ordenamento jurídico, posto que viola valores e regras de proteção aos trabalhadores e, em especial, a dignidade inerente a eles. Isso porque, a pressão diária a que estão submetidos, aliada ao temor de sofrer as conseqüentes humilhações impostas aos que não se enquadram à conduta exigida ou o receio de serem demitidos diante de uma falha, faz com que o trabalho seja desempenhado sob verdadeiro terror psicológico.
Com efeito, a sistemática operacional utilizada, com métodos impessoais de produção e padrões de gerenciamento intoleráveis, faz com que o empregado seja visto como uma máquina que tem que produzir a todo custo e a toda hora. Uma máquina que deve seguir as regras estabelecidas, sem ser levado em consideração que quem desempenha aquele trabalho é um ser humano merecedor de respeito e dotado de falhas e problemas pessoais.
Desta feita, a dignidade do trabalhador é diretamente afetada diante do assédio moral, haja vista que o que ocorre, na realidade, é uma verdadeira “coisificação” do empregado, o qual passa a comportar os sentimentos de inutilidade, imprestabilidade e até de descartabilidade, consoante aponta a advogada Regina Célia Pezzuto Rufino (2006), em comentários sobre o tema.
Tal fato contribui, diretamente, para o surgimento de sérias doenças, tanto de cunho físico quanto psicológico, desencadeadas pelo estresse profissional sofrido diante das pressões humilhantes e constantes, tais como: depressão, insônia, perda da auto-estima, etc. Afora isso, acaba ocorrendo o esfriamento das relações entre os empregados, falta de entusiasmo para o trabalho, desgaste físico e emocional, acentuação do individualismo, além de outras conseqüências.
Ressalte-se, outrossim, que o trabalhador vítima do assédio moral apresenta um estresse emocional que se reflete, muitas vezes, no convívio familiar e na forma de realizar o seu trabalho. Diante das insuportáveis pressões exercidas, torna-se nervoso, inseguro e temeroso no desempenho de suas atribuições, o que facilita o cometimento de erros e dificulta o alcance das metas estipuladas. Ademais, são pertinentes as lições da doutrinadora Alice Monteiro de Barros (2004), ao aduzir que o assédio moral afeta também os custos operacionais da empresa, com a baixa produtividade daí advinda, o absenteísmo, a falta de motivação e de concentração que aumentam os erros no serviço, além da alta rotatividade de mão-de-obra, gerando despesas com rescisão contratual, seleção e treinamento de pessoal.
3.5 Legislação sobre o assédio moral organizacional e legitimados a combatê-lo
No Brasil, o assédio moral organizacional não possui previsão expressa na legislação, dispondo acerca de sua configuração e penalidades. O que se encontra, propriamente em âmbito municipal e regional, são leis que descrevem e vedam a prática do assédio moral individual, não havendo, no entanto, lei federal que trate sobre o tema[6].
Todavia, não é pela falta de legislação específica que o empregador ficará impune quando incorrer na prática de tal ilícito. Isso porque, o assédio moral organizacional representa verdadeiro ato atentatório à ordem social, aos direitos fundamentais previstos constitucionalmente, bem como aos valores morais e principiólicos resguardados na Lex legum.
Ressalte-se que, dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, consoante dantes comentado, está a dignidade da pessoa humana, sendo um dos objetivos constitucionais a “vedação de toda e qualquer forma de discriminação” (art. 3º, inciso IV, CF). O inciso III do art. 5º da Carta Magna assegura, ainda, que ninguém será submetido à tortura nem a “tratamento desumano ou degradante”. Além disso, o inciso X do referido dispositivo determina que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Destarte, a prática do assédio moral é, indubitavelmente, ato que atenta contra a ordem constitucional e legal, além de violar princípios basilares do ordenamento jurídico e direitos trabalhistas oriundos de uma histórica luta social para sua consagração. Não é possível admitir-se que o respeito ao trabalhador, sujeito dotado de direitos juridicamente consagrados, seja suplantado pelo poder diretivo da empresa.
Com efeito, torna-se imprescindível a imediata reação e resposta eficaz do sistema jurídico frente à prática do assédio moral organizacional, que deve ser coibido pelos órgãos competentes, responsáveis pela defesa dos interesses dos trabalhadores.
É nessa linha que se destaca o Ministério Público do Trabalho (MPT), instituição incumbida, pela Carta Magna e leis infraconstitucionais, da defesa dos interesses difusos e coletivos (art. 129, III, CF), bem como da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, segundo dispõe o artigo 127 da Lei Maior. Ademais, a Lei Complementar n.º 75/1993, em seu art. 83, inciso III, atribui ao MPT a promoção da ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos.
Afora isso, registre-se que, além do Ministério Público do Trabalho, os Sindicatos e as Associações constituídas há pelo menos 01 (hum) ano também possuem legitimidade para ajuizar ação civil pública em caso de assédio moral coletivo praticado no âmbito das relações de trabalho.
Malgrado o exposto, ressalte-se que, diante do assédio moral, qualquer cidadão deve realizar a denúncia de tal prática aos órgãos competentes, os quais possuem a incumbência de investigar a veracidade dos fatos denunciados e, por conseguinte, buscar as medidas legais e judiciais cabíveis. O que não se pode é permanecer inerte frente às abusividades das empresas, salientando-se que o denunciante possui todas as garantias de anonimato, bem como de sigilo quanto às informações fornecidas.