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Apoderamento ilícito de aeronaves e terrorismo

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Agenda 10/05/2013 às 09:42

4. A RESPONSABILIDADE PENAL NO APODERAMENTO ILÍCITO DE AERONAVES

Embora encontre raízes na Revolução Francesa e no Terror jacobino, o terrorismo, como o conhecemos, pode ser considerado um fenômeno moderno, característico do século XX, onde a aviação civil iniciou seu desenvolvimento como meio de transporte internacional. Foi no século XXI, porém, que o mundo testemunhou o mais letal ataque terrorista de todos os tempos, a destruição das torres do World Trade Center, nos Estados Unidos, consumada no fatídico dia 11 de setembro de 2001.

Os atentados ao Wold Trade Center em Nova Iorque e ao prédio do Pentágono em Washington tornaram-se ícones na história da aviação civil. Jamais houve atentados tão grandiosos, em destruição, violência e ousadia. A impressão que daí sobreveio, foi a de que, mesmo a maior potência bélica e econômica do mundo, com seus mais sofisticados instrumentos de segurança, controle e vigilância, não puderam impedir a ocorrência de ataques dessa natureza[21]. Com isso, a política criminal antiterrorista ganhou um marco negativo na História da Humanidade ? a ponto de se difundir, desde então, o emprego da expressão "pós-Onze de Setembro" para designar fenômenos muito recentes da pós-modernidade[22].

Vemos aqui então, um panorama onde se misturam dois crimes, o apoderamento ilícito de aeronave e o terrorismo, sendo o objetivo de nosso estudo analisar o crime de apoderamento ilícito de aeronaves, fazendo alusão ao crime de terrorismo pelo fato dos dois crimes estarem interligados pela política criminal  internacional.

O terrorismo como infração penal no Brasil em virtude do preceito constitucional brasileiro que o enuncia como crime, não teve adequação à ordem jurídica do país, não havendo um aparato normativo infraconstitucional sobre o terror, o mesmo ocorrendo com o apoderamento ilícito de aeronaves. Acerca do tema, tem-se apenas a Lei de Segurança Nacional, onde se punem em seus artigos 19 e 20 as práticas de "apoderamento ilícito de aeronaves" e “atos de terrorismo”, não sendo definido o que constitui tais atos.

Quando se fala em crime contra a Segurança Nacional, pretende-se punir as ações que se dirigem contra os interesses do Estado. Por este motivo, uma lei de segurança nacional visa proteger a segurança do Estado. No caso da Lei nº 7.170/83, seu art. 1º arrola os bens jurídicos a que visa proteger: I – a integridade territorial e a soberania nacional; II – o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; III – a pessoa dos chefes dos Poderes da União, surgindo em um momento de crise institucional, como expressão de um suposto direito penal revolucionário, inspirada por militares, que pretenderam incorporar na lei uma doutrina profundamente antidemocrática e totalitária [23]. Para o saudoso Jurista e Professor Heleno Fragoso, há quase trinta anos já existia uma consciência nacional da necessidade urgente de reelaborar a lei de segurança nacional, porque ela aparece como “uma excrescência, um corpo morto e fétido no ambiente democrático que o Brasil respira, devendo ser submetida às exigências fundamentais da defesa do Estado num regime de liberdade”.


5. A LEI DE SEGURANÇA NACIONAL

Enquanto uma nova legislação para os crimes de apoderamento ilícito de aeronaves e terrorismo não é elaborada, é a lei nº 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional) quem define tais crimes no Brasil. Tais condutas são elencadas nos artigos 19 e 20, utilizando a expressão "apoderar-se" e "atos de terrorismo", sendo os únicos dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro que tratam diretamente do assunto:

Art. 19. Apoderar-se ou exercer o controle de aeronave, embarcação ou veículo de transporte coletivo, com emprego de violência ou grave ameaça à tripulação ou a passageiros.

Pena: reclusão, de 2 a 10 anos.

Art. 20. Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.

Alberto Franco (1994) já defendia a inconstitucionalidade desse dispositivo, no que tange ao terrorismo, argumentando que o tipo penal, ao referir-se, de forma genérica, a “atos de terrorismo”, sem defini-los e sem apresentar seu significado, fere o princípio constitucional da reserva legal (CP, art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina; não há pena sem prévia cominação legal), já que não há delimitação de sua incidência. Diz o autor:

Embora a figura criminosa em questão corresponda a um tipo misto alternativo, ao encerrar a descrição de várias condutas que equivalem à concretização de um mesmo delito, força é convir que a prática de atos de terrorismo não se traduz numa norma de encerramento idônea a resumir as condutas anteriormente especificadas[24].

Mesmo tendo sido mencionado expressamente e com destaque na Constituição Federal, até mesmo em meio às cláusulas pétreas, o terrorismo em si nunca ostentou tipo penal próprio na legislação penal brasileira. Assim ocorreu nas Ordenações Filipinas, no Código Criminal do Império e nos Códigos Penais da República. Dessa forma, passou-se a indagar se já existia delito de terrorismo definido na legislação em vigor, ou se havia necessidade da aprovação de lei que o definisse, pois é mencionado na Lei dos Crimes Hediondos e previsto na Lei de Segurança Nacional.

O Promotor de Justiça e Professor Vitor Eduardo Rio Gonçalves (2002) se posiciona pela constitucionalidade do artigo 20 da Lei de Segurança Nacional. O mesmo assevera que tal artigo contém um tipo misto alternativo, em que as várias condutas típicas se equivalem pela mesma finalidade, ou seja, o inconformismo político ou a obtenção de fundos para manter organização política clandestina ou subversiva. O autor diz ainda que todas as condutas do art. 20, pressupondo emprego de violência, constituem atitudes terroristas, não se devendo exigir que a lei defina expressamente a palavra terrorismo[25].

No âmbito internacional, pode-se observar as implicações do direito penal do inimigo através da figura do terrorista, que se encontra difundida no cenário global.

Segundo o Mestre Heleno Fragoso;

O termo terrorismo possui conotação pejorativa, sugerindo temor e hostilidade, sendo um dos fenômenos mais inquietantes do nosso tempo, gerando um estado permanente de alarma através meios capazes de produzir um perigo geral. O termo terrorismo é de difícil definição, não sendo abrangido pelo Tribunal Penal Internacional, em razão da pressão exercida pelos países hostis a sua criação[26].

Jimenez de Asúa (1950) ensinava que "o terrorismo é um crime, ou uma série de crimes que se tipificam pelo alarma produzido, ordinariamente motivado pelos meios de estrago que o terrorista costuma usar[27]

No Brasil, a lei 7.170/83 tentou vislumbrar o enquadramento do terrorismo no ordenamento jurídico penal, referindo-se aos crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Na doutrina nacional, há quem entenda que o artigo 20 da LSN faz menção a "comportamentos" que podem vir a ser enquadrados como terrorismo, ou seja, o inconformismo político e a obtenção de fundos destinados a manutenção de organizações clandestinas subversivas[28]. Tal tipo penal, contudo verifica-se impreciso, pois falta clareza, é vago, inexistindo o nomem júris terrorismo[29].

Para o Ministro do STF Celso de Mello;

Valores consagrados na Constituição permitem qualificar o terrorismo como crime inafiançável e insuscetível de clemência, não é crime político, tipo de delito que afasta a obrigação do país de extraditar acusados, conforme o artigo 5º, inciso LII da Constituição. O repúdio ao crime está entre os princípios essenciais que devem reger as relações internacionais do Estado brasileiro, de acordo com o artigo 4º, inciso VIII, da Constituição. Essas diretrizes constitucionais — que põem em evidência a posição explícita do Estado brasileiro, de frontal repúdio ao terrorismo — têm o condão de desautorizar qualquer inferência que busque atribuir, às práticas terroristas, um tratamento benigno de que resulte o estabelecimento, em torno do terrorista, de um inadmissível círculo de proteção que o torne imune ao poder extradicional do Estado brasileiro[30].

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A falta de uma definição clara quanto ao tipo penal não é um problema brasileiro, lembra Celso de Mello. “Foram elaborados, no âmbito da Organização das Nações Unidas, pelo menos 13 instrumentos internacionais sobre a matéria, sem que se chegasse, contudo, a um consenso universal sobre quais elementos essenciais deveriam compor a definição típica do crime de terrorismo.” A Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, assinada pelo Brasil em 2002, limitou-se a caracterizar a prática como “uma grave ameaça para os valores democráticos e para a paz e a segurança internacionais”, o que afasta a cláusula de proteção a criminosos políticos refugiados no Brasil

Quanto ao artigo 19 da Lei de Segurança Nacional, o mesmo define como tipo penal a ação do agente em "apoderar-se" ou "exercer controle" por meio de violência ou grave ameaça a aeronave, embarcação ou veículo de transporte coletivo, ou seja, que transporte em seu interior vidas humanas, sendo portanto crime contra a pessoa. O referido dispositivo tem o objetivo de cumprir o que estabelece as Convenções de Haia[31] (1970) e de Montreal[32] (1971), ou seja, atos de interferência ilícita contra a aviação civil.

Vale salientar a nível de política criminal internacional, que em junho de 2002 foi promulgada a Convenção Interamericana contra o terrorismo, assinada em Barbados no Caribe, Considerando que o terrorismo constitui uma grave ameaça para os valores democráticos, para a paz e a segurança internacionais e é causa de profunda preocupação para todos os Estados membros da OEA.

A Convenção Interamericana salienta:

O terrorismo em todas as suas formas e manifestações, qualquer que seja sua origem ou motivação, não tem justificação alguma, afeta o pleno gozo e exercício dos direitos humanos e constitui uma grave ameaça à paz e à segurança internacionais, às instituições e aos valores democráticos consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), na Carta Democrática Interamericana[33].

Tal Convenção entrou em vigor internacional em 10 de julho de 2003 e no Brasil em 26 de dezembro de 2005 através do Decreto 5.639. A referida Convenção reafirma a necessidade de adotar no Sistema Jurídico Interamericano medidas eficazes para prevenir, punir e eliminar o terrorismo mediante a mais ampla cooperação, reconhecendo que os graves danos econômicos aos Estados que podem resultar de atos terroristas, são fatores que reforçam a necessidade da cooperação internacional.

De acordo com o artigo segundo da referida Convenção, entende-se por "delito" aqueles estabelecidos nos instrumentos internacionais a seguir indicados:

a. Convenção para a Repressão do Apoderamento Ilícito de Aeronaves, assinada na Haia em 16 de dezembro de 1970.

 b. Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil, assinada em Montreal em 23 de dezembro de 1971.

c. Convenção sobre a Prevenção e Punição de Crimes contra Pessoas que Gozam de Proteção Internacional, Inclusive Agentes Diplomáticos, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 14 de dezembro de 1973.

 d. Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 17 de dezembro de 1979.

 e. Convenção sobre a Proteção Física dos Materiais Nucleares, assinada em Viena em 3 de dezembro de 1980.

 f. Protocolo para a Repressão de Atos Ilícitos de Violência nos Aeroportos que Prestem Serviços à Aviação Civil Internacional, complementar à Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil, assinado em Montreal em 24 de dezembro de 1988.

 g. Convenção para a Supressão de Atos Ilegais contra a Segurança da Navegação Marítima, feita em Roma em 10 de dezembro de 1988.

h. Protocolo para a Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança das Plataformas Fixas Situadas na Plataforma Continental, feito em Roma em 10 de dezembro de 1988.

 i. Convenção Internacional para a Supressão de Atentados Terroristas a Bomba, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 15 de dezembro de 1997.

j. Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento do Terrorismo, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 9 de dezembro de 1999. 2. Ao depositar seu instrumento de ratificação desta Convenção, o Estado que não for parte de um ou mais dos instrumentos internacionais enumerados no parágrafo 1 deste artigo poderá declarar que, na aplicação desta Convenção a esse Estado Parte, aquele instrumento não se considerará incluído no referido parágrafo. A declaração cessará em seus efeitos quando aquele instrumento entrar em vigor para o Estado Parte, o qual notificará o depositário desse fato[34].

Podemos observar em nosso estudo que após o ano de 2002 os crimes de terrorismo e apoderamento ilícito de aeronaves aparecem interligados em um só delito.


6.  CONCLUSÃO

No âmbito do direito internacional podemos observar as implicações do direito penal do inimigo na figura do terrorista que se encontra difundida em todo cenário mundial. O termo terrorismo é de difícil definição, não sendo abrangido pelo Tribunal Penal Internacional, em razão da pressão exercida pelos países hostis a sua Criação. A Lei de Segurança Nacional tentou vislumbrar o terrorismo no ordenamento jurídico penal como uma resposta às Convenções de que o Brasil é signatário, mas devido à época em que foi criada, se falava em crime contra a Segurança Nacional, pretendendo-se punir as ações que se dirigiam contra os interesses do Estado. Como se observa, o próprio legislador considera tal definição de difícil delimitação conceitual, uma vez que “segurança nacional” ou “ordem e paz social” são bens jurídicos que em nada delimitam a intervenção estatal, perdendo o bem jurídico sua principal razão de ser. Nesse sentido é que surge o art. 1º da Lei, trazendo aquilo que deve ser considerado – mais delimitadamente – como objeto jurídico de proteção da Lei 7.170/83. Além disso, e desde as antigas exigências do princípio da legalidade (lex scripta, lex stricta, lex certa, lex praevia) e do bem jurídico-penal como limitador da intervenção do Estado, não se poderia admitir uma interpretação tão ampla e indeterminada do tipo verificando-se impreciso, inexistindo o nomem juris terrorismo no artigo 20 da referida Lei, sendo perceptível a falta de clareza e objetividade. Isto atenta ferozmente contra o princípio da legalidade e contra o garantismo penal. Aliás, não é de forma alguma desprezível explicar que o sistema garantista quer exprimir a mesma idéia.

Podemos citar como exemplo as leis infladas pelo espírito da guerra na Alemanha Nazista, que falavam em "rompimento da força defensiva do Estado, ou ainda, "o comportamento danoso ao povo", para estar consoantes ao regime totalitário. Tal legislação de conteúdo indeterminado serviu como uma luva nas mãos do governo nazista, uma vez que se podia dar legitimidade à sua arbitrariedade. A atual Constituição da República Federativa da Alemanha, em seu artigo 103, expressamente  proibiu o legislador penal de estabelecer leis penais imprecisas, cuja descrição típica seja de tal forma indeterminada, que possa dar lugar a dúvidas intoleráveis sobre o que seja ou não permitido ou proibido.

Já vemos alguns países em que a legislação penal vem consagrando um conceito mais amplo de terrorismo, sem expressão política, desvencilhando o tipo penal do fim de agir político. A exemplo, temos o Código Penal da Espanha de 1995, que dedica seu capítulo VII aos crimes praticados por organizações e grupos terroristas, tipificando dos artigos 571 a 578 os delitos de terrorismo. Neste mesmo sentido seguem-se o Código Penal Alemão, Francês, Norte Americano e Argentino.

Ao Estado cabe demonstrar a execução da conduta típica no Direito Penal e as circunstâncias que demonstram o fato e no caso do terrorismo as normas devem reger a presunção de perigo, mesmo que seja abstrato. Ocorre que nos tipos de perigo abstrato, não é permitida a prova de inocência do réu, sendo defendida sua inconstitucionalidade por algumas correntes doutrinárias. Dessa forma, o tipo penal não pode ser elástico ou flexível, a ponto de ser impossível se saber os limites entre o permitido e o proibido. Se assim o for, qualquer pessoa pode utilizar a lei e o tipo da forma que melhor lhe aprouver, indo de encontro aos princípios do Estado Democrático de Direito.

Tal situação já não é observada no crime de apoderamento ilícito de aeronaves, previsto no artigo 19 da referida lei, pois o tipo penal "apoderar-se" utilizando-se de "violência ou grave ameaça" tem sua conduta bem definida, faltando, no entanto estabelecer em que nível tal conduta poderia ser caracterizada como terrorismo.

Essa mesma situação se verifica no artigo 616 do Código Penal Espanhol, onde o crime de apoderamento ilícito de aeronaves é tipificado como delito de pirataria, pelo seu menor potencial ofensivo.  

Por certo a idéia de globalização traduz uma internacionalização das relações entre os povos e os Estados Nacionais de modo a identificarmos, ao lado destas micro realidades, uma só região, um só mundo, se refletindo na economia, na política e também no direito. É evidente que o direito como um fenômeno histórico-cultural, não poderia passar longe deste fenômeno mundial. Com efeito, as transformações provocadas pela globalização também atingiram o Direito Penal na sua totalidade, forçando inclusive o surgimento de legislações específicas de combate ao crime transnacional. Com a Globalização o poder punitivo do Estado precisou assumir novas formas, mudando totalmente sua fisionomia, exemplo disso é a preocupação mundial como o terrorismo internacional atualmente ligado aos delitos de lavagem de dinheiro e tráfico de entorpecentes. 

O Brasil ao sediar os jogos da copa do mundo e das olimpíadas deve encarar com muita seriedade o projeto de reformulação do Código Penal, incluindo em seu texto os crimes previstos nos artigos 19 e 20 da Lei de Segurança Nacional, pois de nada adianta ter uma legislação que assegure conduta criminosa e penas severas, sem a existência de um tipo penal específico que defina o limite entre o permitido e o proibido, pois isso se traduz em insegurança jurídica.

Em matéria de normas de tratados e convenções internacionais, apesar da promulgação por Decreto Presidencial ser suficiente para torná-los normas de direito interno, no caso de crimes não se admite a aplicação direta de seus enunciados em face do princípio constitucional da legalidade estrita, assim sendo os crimes necessitam de tipificação com todas as suas circunstancias através de lei interna promulgada de acordo com o processo legislativo. Assim sendo, além dos delitos de genocídio, tortura e racismo, não há previsão legal para a tipificação do terrorismo. 

Com um fato típico tão aberto, a criminalização do terrorismo no Brasil dá margem para acaloradas discussões entre os pesquisadores do tema, onde muitos o consideram inconstitucional, e até mesmo não recepcionado pela CF/88, por afrontar o princípio da reserva legal, já que a Lei de Segurança Nacional é de 1983.

O Brasil tem trabalhado muito no sentido de se estabelecer medidas preventivas de combate a interferência ilícita na aviação civil e conseqüentemente evitar atos de natureza terrorista, porém deve igualmente trabalhar com o mesmo empenho e seriedade no sentido de desenvolver mecanismos jurídicos adequados a este tipo de conduta criminosa.

O projeto de lei 6.764 proposto pelo Poder Executivo no ano de 2002 define os crimes contra o Estado Democrático de Direito, prevendo no capítulo 3 artigos 371 e 372 as figuras típicas do crime de terrorismo e apoderamento ilícito de aeronaves descrevendo sua conduta e as penalidades da seguinte forma:

Terrorismo

Art. 371.  Praticar, por motivo de facciosismo político ou religioso, com o fim de infundir terror, ato de:

I - devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou dano a pessoas ou bens; ou

II - apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, de meios de comunicação ao público ou de transporte, portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis ou alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da população:

Pena – reclusão, de dois a dez anos.

 § 1º  Na mesma pena incorre quem pratica as condutas previstas neste artigo, mediante acréscimo, supressão ou modificação de dados, ou por qualquer outro meio interfere em sistemas de informação ou programas de informática.

§ 2º  Se resulta lesão corporal grave:

Pena – reclusão de quatro a doze anos.

§ 3º  Se resulta morte:

Pena – reclusão, de oito a quatorze anos.

§ 4º  Aumenta-se a pena de um terço, se o agente é funcionário público ou, de qualquer forma, exerce funções de autoridade pública.

Apoderamento ilícito de meios de transporte

Art. 372.  Apoderar-se ou exercer o controle, ilicitamente, de aeronave, embarcação ou outros meios de transporte coletivo, por motivo de facciosismo político, religioso ou com o objetivo de coagir autoridade:

Pena – reclusão, de dois a dez anos.

§ 1º  Se resulta lesão corporal grave:

Pena – reclusão de quatro a doze anos.

§ 2º  Se resulta morte:

Pena – reclusão, de oito a quatorze anos.

Como podemos observar o Projeto de Lei objetiva Acrescentar o Título XII, que trata dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, à Parte Especial do Código Penal que é de 1940, onde o elemento subjetivo do tipo é o dolo e os crimes se consumam com a realização de qualquer dos núcleos previstos no tipo penal.

Os artigos 371 e 372 do Projeto de Lei referenciado poderiam, no entanto adequar-se a Convenção de Barbados, incluindo os casos em que o apoderamento ilícito de aeronaves ou de transporte coletivo fosse classificado como terrorismo, figurando na seguinte proposta:

Atos de Terrorismo:

Art. 371.  Praticar, com o objetivo de infundir terror, atos de:

I - devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou dano a pessoas ou bens; ou

II - apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, de meios de comunicação ao público, de aeronaves ou de transporte coletivo, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis ou alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da população:

Pena – reclusão, de cinco a quinze anos.

§ 1º  Na mesma pena incorre quem pratica as condutas previstas neste artigo, mediante acréscimo, supressão ou modificação de dados, ou por qualquer outro meio interfere em sistemas de informação ou programas de informática relacionados à manutenção da ordem pública e da paz social.

§ 2º  Se resulta lesão corporal grave:

Pena – reclusão de dois a dez anos.

§ 3º  Se resulta morte:

Pena – reclusão, de cinco a quinze anos.

§ 4º  Aumenta-se a pena de um terço, se o agente é funcionário público ou, de qualquer forma, exerce funções de autoridade pública.   

Nesta proposta, o crime de apoderamento ilícito de aeronaves é classificado como terrorismo quando praticado com objetivo de "infundir o terror", contra o Estado Democrático de Direito e seus cidadãos, deixando a conduta menos violenta com menor potencial ofensivo tipificada no artigo 372 da seguinte forma:

Apoderamento ilícito de meios de transporte:

Art. 372.  Apoderar-se ou exercer o controle, ilicitamente, de aeronave, embarcação ou outros meios de transporte coletivo, por motivos pessoais, de facciosismo político, religioso ou com o objetivo de coagir autoridades:

Pena – reclusão, de três a sete anos.

§ 1º Se resulta lesão corporal grave:

Pena – reclusão de quatro a dez anos.

§ 2º Se resulta morte:

Pena – reclusão, de seis a doze anos.  

Importante salientar, que o referido projeto foi rejeitado em análise de mérito no ano de 2009 sendo considerado um atentado aos direitos das pessoas. Infelizmente no Brasil nos acostumamos a efetuar debates e se debruçar sobre questões controvertidas na área penal somente após a ocorrência de tragédias que expõe publicamente a fragilidade de nosso sistema. A proposta deste estudo foi uma tentativa de se trazer o tema para a discussão acadêmica buscando um discernimento legal para a imputação penal objetiva nos crimes de apoderamento ilícito de aeronaves e terrorismo, para tanto, efetuamos uma breve comparação entre a legislação em vigor no Brasil e a de outros países diante dos avanços da política criminal internacional estabelecida nos Tratados e Convenções sobre o tema, pois se trata de uma parte de nossa história que ainda não conhecemos.  

Sobre o autor
Sidney Bueno Silva

Funcionário Público Federal - Área de Segurança Pública do Ministério da Justiça Licenciado em História com Especialização em Civilização Ocidental pela Universidade Estadual de Paranaguá.PR. Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior do Paraná - Cespar com Especialização em Ciências Penais pela Universidade Estadual de Maringá.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Sidney Bueno. Apoderamento ilícito de aeronaves e terrorismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3600, 10 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24401. Acesso em: 19 dez. 2024.

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