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Controle jurisdicional de atos no processo administrativo disciplinar

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Agenda 05/06/2013 às 14:58

A comissão processante, no processo administrativo disciplinar, deve ser permanente e constituída previamente ao fato investigado, circunstância que evita um juízo ou tribunal de exceção, bem como violação ao princípio constitucional da impessoalidade.

Resumo: Este trabalho apresenta algumas circunstâncias que devem ser ressaltadas no processo administrativo disciplinar, pois sua inobservância pode ensejar de revisão judicial. Isso porque, o processo administrativo disciplinar se resume a uma sequência ordenada de atos administrativos. Além da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, o presidente da comissão processante e a autoridade competente devem observar a necessidade de prévia comissão processante, bem como, se a penalidade aplicável à infração é razoável e proporcional. Essas circunstâncias, com fases processuais, se resumem à observância do devido processo legal.

Palavras-chave: Atos Administrativos. Controle Jurisdicional. Processo Administrativo Disciplinar.

Sumário: 1 Introdução; 2 Caracterização conceitual de processo administrativo disciplinar; 3 Controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário; 4 Comissão processante prévia e permanente; 5. Razoabilidade e proporcionalidade na aplicação da pena; 6 Considerações finais; 7 Referência das fontes citadas.


1 Introdução

O desenvolvimento deste artigo surge a partir de experiência profissional na qual foi possível verificar a constante intervenção do Poder Judiciário no processo administrativo disciplinar, circunstância que decorre das frequentes violações de dispositivos legais e de garantias constitucionais pela Administração Pública, conduta incompatível com o Estado Constitucional de Direito Brasileiro.

A frequência e o motivo da intervenção do Poder Judiciário no processo administrativo disciplinar podem ser em virtude de interesse político do Governo que exerce o poder, por falta de conhecimento jurídico ou pela possibilidade de diversas interpretações jurídicas sobre idêntico assunto.

Ao sintetizar hipóteses comuns neste artigo e ao analisar como se dá o controle jurisdicional de atos administrativos do processo administrativo disciplinar, será possível à Administração Pública evitar a anulação de atos administrativos pelo Poder Judiciário, contemplando, dessa forma, os princípios constitucionais da legalidade e da eficiência.

Para alcançar esse objetivo e propiciar melhor compreensão do assunto, o desenvolvimento do artigo foi dividido em tópicos distintos, iniciando-se pela caracterização conceitual do processo administrativo disciplinar, em sequência o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, ao passo que a comissão processante prévia e permanente e a razoabilidade e proporcionalidade na aplicação da pena serão apresentados nos tópicos cinco e seis, para, ao final, apresentar as considerações finais.


2 Caracterização conceitual de processo administrativo disciplinar

Antes de discorrer sobre o conceito de processo administrativo disciplinar é necessário fazer breve digressão sobre o que é processo, para depois arrazoar por que é administrativo e disciplinar.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1] leciona que “o vocábulo processo, etimologicamente, tem o sentido de marcha para a frente, avanço, desenvolvimento; [...] O processo é sempre forma, instrumento, modo de proceder”.

Hely Lopes Meirelles[2], ao diferenciar processo de procedimento, afirma que “processo é o conjunto de atos coordenados para a obtenção de decisão sobre uma controvérsia no âmbito judicial ou administrativo; procedimento é o modo de realização do processo, ou seja, o rito processual”.

Feitos tais apontamentos acerca do que é processo e sua distinção de procedimento, diz-se que é administrativo porque é realizado pela Administração Pública no exercício das atividades administrativas, ou seja, exclui-se a atividade judiciária e legislativa do Estado.

Essa circunstância não exclui a possibilidade do Poder Judiciário atuar no processo administrativo disciplinar, cuja atividade precípua é julgar, bem como do Poder Legislativo, cuja atividade principal é legislar. De outro lado, convém anotar que a atuação do Poder Judiciário ou Legislativo no âmbito administrativo é considerada pela doutrina como atividade atípica. A título exemplificativo, pode-se mencionar que a promoção ou pedido de licença de um servidor em qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) se dá através de processo administrativo.

Por fim, o processo administrativo, como gênero, tem como espécie o disciplinar, o qual visa disciplinar (expressão utilizada no sentido de punir) servidor público que pratica ato tido como falta pelo estatuto dos servidores públicos ou em legislações esparsas.

Nesse viés, processo administrativo disciplinar é, conforme a lição de Hely Lopes Meirelles[3], “o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores público e demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administração”.

O processo administrativo disciplinar, por se tratar de resultado da sequência ordenada de ato administrativo, é analisado pelo Poder Judiciário ato a ato, ou seja, o controle jurisdicional não incide sobre o processo administrativo disciplinar, mas sim sobre os atos administrativos que o formam.

Essa atividade do Poder Judiciário de analisar ato a ato do processo administrativo disciplinar, além de evidenciar a ilegalidade ou inconstitucionalidade do ato, automaticamente, o invalida pela inobservância do devido processo legal.


3 Controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário

O ato administrativo é classificado pela doutrina como decorrente do poder discricionário e do poder vinculado a qual se encontra a autoridade pública em relação à norma.

Leonardo José Carneiro da Cunha[4] afirma que:

[...] na hipótese de vinculação o administrador não dispõe de qualquer liberdade, devendo praticar o ato de acordo com o enunciado normativo, na discricionariedade possui certa margem de liberdade para escolher o conteúdo do ato, além da conveniência e oportunidade de sua manifestação.

Além disso, importante observação é feita pelo Leonardo José Carneiro da Cunha[5]:

Embora não sejam raras as alusões a atos discricionários, impende reportar-se ao entendimento de Vitor Nunes Leal para quem não existe ato discricionário; o que há é poder discricionário.

Segundo o eminente publicista, nenhum ato administrativo pode ser considerado discricionário, em sua integralidade. Todos os atos administrativos contêm parcela vinculada, notadamente no que respeita à competência, à finalidade e à forma. Tais elementos mantêm-se em todos os atos administrativos, mesmo quando há discricionariedade. O conteúdo discricionário do ato, na realidade, cinge-se a opções reservadas pela lei à Administração Pública quanto à conveniência, oportunidade e conteúdo do ato.

É com esse raciocínio que Fernando Henrique Mendes de Almeida[6] faz essas ponderações:

O máximo a conceder na discussão do assunto está em que, no exercício do poder discricionário, ao agente cabe escolher o ato que é uma das soluções constantes do texto legal. Mas, escolhido o ato, êste obedeceu à lei e, portanto, não veio “livre”.

Em síntese: liberdade limitada pelo Direito Positivo à escolha de uma solução constante dêste (Discrição) não é a mesma que liberdade decorrente de a lei despojar-se da sua missão reguladora em favor do fôro íntimo (autonomia privada).

O poder vinculante é de comando inabalável. Assim, a norma que o configura não pode admitir mais do que uma e única solução. Seu intérprete, aplicador e agente deve, para cumpri-la fielmente, realizar o ato a que a solução o conduz. Se outro vier a realizar estará preterindo a vinculação, mas não estará forçando a adoção de critério legal algum. Estará, em suma, no campo do arbitrário, que é ilegalidade.

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Logo, tanto o ato administrativo decorrente do poder discricionário quanto do poder vinculado é passível de controle jurisdicional.

No caso de processo administrativo disciplinar cuja decisão seja pela demissão, a análise do objeto desta ação pelo Poder Judiciário, no exercício do controle jurisdicional do ato demissório, se dá de forma ampla. Isso quer dizer que o Poder Judiciário pode analisar a regularidade no procedimento (se houve nulidade ou não) e o mérito da pretensão, com vistas à motivação da decisão e a adequação da motivação ao resultado final da decisão, já que demissão é penalidade extrema.

  No tocante ao controle jurisdicional de decisão administrativa que aplicou a penalidade de demissão de servidor público, colaciona-se intelecção do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR MILITAR ESTADUAL. LICENCIAMENTO A BEM DA DISCIPLINA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADES. NÃO CARACTERIZADAS. CONTROLE JURISDICIONAL. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. OFENSA A ESSES POSTULADOS. INEXISTENTE. SUPOSTA EXTORSÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. EXIGÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA NA AÇÃO MANDAMENTAL.

[...]

2. Para a hipótese de pena de demissão imposta a servidor público submetido a processo administrativo disciplinar, não há falar em juízo de conveniência e oportunidade da Administração, visando restringir a atuação do Poder Judiciário à análise dos aspectos formais do processo disciplinar, porquanto, em tais circunstâncias, o controle jurisdicional é amplo, no sentido de verificar se há motivação para o ato demissório.

3. Para hipóteses desse jaez, não há falar em juízo de conveniência e oportunidade da Administração, argumentando-se que a intervenção do Poder Judiciário restringir-se-ia à análise dos aspectos formais do processo disciplinar, porquanto, em tais circunstâncias, o controle jurisdicional é amplo, no sentido de verificar se há motivação para o ato demissório, pois trata-se de providência necessária à correta observância dos aludidos postulados. (grifou-se)

[...]

(RMS 25152/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2011, DJe 01/09/2011)

Como se vê, o Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de analisar o tema e concluiu que a intervenção do Poder Judiciário em casos que envolvam demissão de funcionário deve ser ampla, de modo que tanto a regularidade procedimental quanto a motivação do ato decisório podem ser revistos, pois tais atos não estão sujeitos à conveniência e à oportunidade da Administração Pública.


4 Comissão processante prévia e permanente

O princípio do Juízo Natural surge da interpretação dos incisos LIII e XXXVII do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, segundo os quais “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” e “Não haverá juízo ou tribunal de exceção”. Trata-se de uma garantia de que ninguém será processado nem julgado por um órgão jurisdicional que não seja instituído de forma permanente e posterior ao fato tido com ilegal.

Juízo Natural é, portanto, aquele previamente constituído para julgar, uma garantia de que será observado o princípio da legalidade. Veda eventual parcialidade do julgador e possíveis arbitrariedades provocadas pelo Estado. Por isso é uma garantia constitucional.

Nelson Nery[7] discorre sobre o tema com estes argumentos:

O principio do juiz natural, enquanto postulado constitucional adotado pela maioria dos países cultos, tem grande importância na garantia do Estado de Direito, bem como na manutenção dos preceitos básicos de imparcialidade do juiz na aplicação da atividade jurisdicional, atributo esse que presta à defesa e proteção do interesse social e do interesse público geral.

Como visto, a imparcialidade do órgão julgador é preceito protegido pelo princípio do Juízo Natural. Tratando-se de julgamento no qual se aplica pena ao servidor público, o processo administrativo disciplinar também deve observar o princípio do Juízo Natural, já que também em tal âmbito deve haver garantia da imparcialidade do órgão julgador.

Para José Celso de Mello Filho[8], “somente os juízes, tribunais e órgãos jurisdicionais previstos na Constituição se identificam ao Juízo Natural, princípio que se estende ao poder de julgar também previsto em outros órgãos, como o Senado, nos casos de impedimento de agentes do Poder Executivo”.

Desse modo, a comissão processante deve ser permanente. Isso quer dizer que deve ser constituída antes de ocorrer o fato infracional, cuja autoria e materialidade se visam apurar.

Romeu Bacellar Filho[9] explica o tema quanto à aplicabilidade do princípio do Juízo Natural no âmbito da Administração Pública:

O plano de abrangência funcional importa a consideração que as diversas matizes do princípio do juiz natural alcançam os agentes responsáveis pelo processamento e decisão do processo administrativo disciplinar. Embora os diversos Estatutos dos Servidores Públicos disponham diferentemente quanto ao exercício da competência disciplinar, a regra tem aplicação geral. O princípio estende-se obrigatoriamente à autoridade que desempenha o ofício da acusação; à autoridade que conduz o processo, ou na acepção técnica, detém competência instrutória; à autoridade com competência decisória, a quem compete definir e aplicar a sanção.

Portanto, o princípio do Juízo Natural é perfeitamente aplicável ao caso de processo administrativo voltado à aplicação de pena a servidor público. A partir disso, anote-se que a comissão processante deve ser permanente e não criada para cada caso concreto.

 A necessidade de se observar tal preceito é explicada por Romeu Bacellar Filho[10]: “a comissão deve ser permanente, para evitar que o administrador, ao seu talante, selecione os membros integrantes com o intuito preconcebido de absolver ou punir”.

Nesse contexto, cite-se excerto da decisão monocrática proferida pelo Ministro Celso de Melo nos autos do Mandado de Segurança nº 28.712-MC do Supremo Tribunal de Federal, cujo teor trata do tema em comento:

[...] o postulado do juiz natural deriva de cláusula constitucional tipicamente bifronte, pois, dirigindo-se a dois destinatários distintos, ora representa um direito do réu ou do indiciado/sindicado (eficácia positiva da garantia constitucional), ora traduz uma imposição ao Estado (eficácia negativa dessa mesma garantia constitucional). O princípio da naturalidade do juízo, portanto, encerrando uma garantia constitucional, limita, de um lado, os poderes do Estado (impossibilitado, assim, de instituir juízos ad hoc ou de criar tribunais de exceção) e assegura, ao acusado (ou ao sindicado/indiciado), de outro, o direito ao processo (judicial ou administrativo) perante autoridade competente, abstratamente designada na forma de lei anterior (vedados, em consequência, os juízos ex post facto). [...] Vê-se [...] que a cláusula do juiz natural, projetando-se para além de sua dimensão estritamente judicial, também compõe a garantia do due process, no âmbito da administração pública, de tal modo que a observância do princípio da naturalidade do juízo representa, no plano da atividade disciplinar do Estado, condição inafastável para a legítima imposição, a qualquer agente público, notadamente aos magistrados, de sanções de caráter administrativo.

(MS 28.712-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 6-5-2010, DJE de 11-5-2010)

O Superior Tribunal de Justiça julgou caso análogo e decidiu que a violação do princípio do Juízo Natural no âmbito da Administração Pública torna o processo administrativo nulo. Tal conclusão pode ser observada no teor destas ementas:

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. POLÍCIA FEDERAL. ART. 53, § 1.º, LEI N.º 4.878/65. NORMA DE CARÁTER ESPECIAL. PROCESSAMENTO DO FEITO. COMISSÃO PERMANENTE DISCIPLINAR. NECESSIDADE. PROCESSAMENTO POR MEIO DE COMISSÃO TEMPORÁRIA. NULIDADE. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DO JUÍZO NATURAL.

1. É nulo o processo administrativo disciplinar no âmbito da Polícia Federal promovido por comissão processante provisória, por afronta aos princípios da legalidade e do juízo natural, em face da especialidade da regra contida no art. 53, § 1.º, da Lei n.º 4.878/65, que estabelece que o processo disciplinar será promovido por comissão permanente de disciplina. Precedentes deste Superior Tribunal de Justiça.

2. Segurança concedida.

(MS 14.287/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/06/2012, DJe 25/06/2012)

DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. AGENTE DA POLÍCIA FEDERAL. PROCESSO DISCIPLINAR. DESIGNAÇÃO DOS MEMBROS POR AUTORIDADE INCOMPETENTE. COMISSÃO AD DOC OU TEMPORÁRIA. NULIDADE RECONHECIDA. ART. 53, §§ 1º E 3º, DA LEI 4.878/65. PRECEDENTES DO STJ. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. Compete ao Diretor-Geral do Departamento de Polícia Federal, e não a Superintende Regional, a designação dos membros das comissões permanentes de disciplina, conforme art. 53, § 3º, da Lei 4.878/65.

2. "A designação de comissão temporária para promover processo administrativo disciplinar contra servidor policial federal viola os princípios do juiz natural e da legalidade, a teor do art. 53, § 1º, da Lei 4.878/65, lei especial que exige a condução do procedimento por Comissão Permanente de Disciplina" (MS 13.250/DF, Rel. Min. FELIX FISCHER, Terceira Seção)

3. Segurança concedida.

(MS 13821/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/12/2009, DJe 09/04/2010)

Embora nestes casos o Superior Tribunal de Justiça tenha julgado levando em consideração dispositivo legal (art. 53, § 3º, da Lei nº 4.878/65), a necessidade de comissão processante prévia e permanente decorre de garantia constitucional, ou seja, deve ser observada independentemente de previsão legal.


5 Razoabilidade e proporcionalidade na aplicação da pena

O princípio da proporcionalidade está afeto a conflitos de normas e de princípios constitucionais, ao passo que o princípio da razoabilidade está afeto à eficácia da aplicabilidade da norma no caso concreto.

Todavia, por não se tratar de objeto específico deste artigo, eventual digressão doutrinária sobre a diferença entre a razoabilidade e a proporcionalidade ou a equivalência entre eles não será aqui abordada.

Convém citar a explicação de Willis Santiago Guerra Filho[11] quanto à aplicabilidade do princípio da proporcionalidade, haja vista que se trata do precursor nos estudos desse tema no Brasil:

Para bem atinar no alcance do princípio da proporcionalidade faz-se necessário referir o seu conteúdo - e ele, à diferença dos princípios que se situam em seu mesmo nível, de mais alta abstração, não é tão-somente formal, revelando-se apenas no momento em que se há de decidir sobre a constitucionalidade de alguma situação jurídica ou coisas do gênero. Esse seu aspecto material, inclusive, já fez com que se referisse a ele como uma proposição jurídica à qual, como ocorre com normas que são regras, se pode subsumir fatos jurídicos diretamente.

O princípio da proporcionalidade, entendido como um mandamento de otimização do respeito máximo a todo direito fundamental, em situação de conflito com outro(s), na medida do jurídico e faticamente possível, tem um conteúdo que se reparte em três “princípios parciais” (Teilgrundsätze): “princípio da proporcionalidade em sentido estrito” ou “máxima do sopesamento” (Abwägungsgebot), “princípio da adequação” e “princípio da exigibilidade” ou “máxima do meio mais suave” (Gebot des mildesten Mittels).

O “princípio da proporcionalidade em sentido estrito” determina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, que seja juridicamente a melhor possível. Isso significa, acima de tudo, que não se fira o “conteúdo essencial” (Wesensgehalt) de direito fundamental, com o desrespeito intolerável da dignidade humana, bem como que, mesmo em havendo desvantagens para, digamos, o interesse de pessoas, individual ou coletivamente consideradas, acarretadas pela disposição normativa em apreço, as vantagens que traz para interesses de outra ordem superam aquelas desvantagens.

Os subprincípios da adequação e da exigibilidade ou indispensabilidade (Erforderlichkeit), por seu turno, determinam que, dentro do faticamente possível, o meio escolhido se preste para atingir o fim estabelecido, mostrando-se, assim, “adequado”. Além disso, esse meio deve se mostrar “exigível”, o que significa não haver outro, igualmente eficaz, e menos danoso a direitos fundamentais.

Para Luís Roberto Barroso[12], há violação do princípio da razoabilidade quando:

a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado (adequação); b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo menos gravoso para chegar ao mesmo resultado (necessidade/vedação do excesso); c) os custos superem os benefícios, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha (proporcionalidade em sentido estrito). O princípio pode operar, também, no sentido de permitir que o juiz gradue o peso da norma, em determinada incidência, de modo a não permitir que ela produza um resultado indesejado pelo sistema, fazendo assim a justiça do caso concreto.

O Ministro Carlos Velloso[13], quando do julgamento da ADI nº 1.511 MC, explicou que a razoabilidade é decorrência do desdobramento do princípio do devido processo legal e aplica-se o conteúdo substantivo deste principio, conforme se observa no teor desta ementa:

Abrindo o debate, deixo expresso que a Constituição de 1988 consagra o devido processo legal nos seus dois aspectos, substantivo e processual, nos incisos LIV e LV do art. 5º, respectivamente. [...] Due process of law, com conteúdo substantivo – substantive due process – constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir. Paralelamente, due process of law, com caráter processual – procedural due process – garante às pessoas um procedimento judicial justo, com direito de defesa.

A análise da razoabilidade e da proporcionalidade em casos cuja pena aplicada é a demissão é frequente no Superior Tribunal de Justiça. No julgamento do Mandado de Segurança nº 13678, a Ministra Maria Thereza de Assis Moura explicou que “para a aplicação da pena máxima faz-se necessária a existência de provas suficientes da prática da infração prevista na lei, bem como se impõe a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade da pena”, como se observa no teor desta ementa:

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. VÍCIOS. INEXISTÊNCIA. TIPIFICAÇÃO INADEQUADA DA CONDUTA DO IMPETRANTE. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INOBSERVÂNCIA. ORDEM CONCEDIDA.

1. As supostas irregularidades da portaria inaugural, assim como as que teriam ocorrido no processo administrativo não ensejam a sua anulação, notadamente porque não causaram prejuízo ao impetrante.

2. Para a aplicação da pena máxima faz-se necessária a existência de provas suficientes da prática da infração prevista na lei, bem como impõe-se a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade da pena, o que não ocorreu no caso, uma vez que não se levou em conta o disposto no art. 128 da Lei nº 8.112/90.

3. Ordem concedida.

(MS 13678/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/06/2011, DJe 01/08/2011)

Veja que no caso citado, a Ministra concluiu que a decisão que aplicou a pena de demissão não observou o disposto no art. 128 da Lei nº 8.112/90, cujo teor dispõe que “na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais”.

No julgamento do Mandado de Segurança nº 13791, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho chamou o princípio da proporcionalidade de regra de ouro e explicou que a Administração Pública não está isenta de demonstração da proporcionalidade da sanção aplicada. No mesmo acórdão, o Ministro também utilizou como fundamento a não observância do disposto no art. 128 da Lei nº 8.112/90, como se observa no teor desta ementa:

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. REVELIA. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR FORMALMENTE REGULAR. APLICAÇÃO DA SANÇÃO DEMISSÓRIA À SERVIDORA PÚBLICA COM MAIS DE 30 ANOS DE SERVIÇO, SOB O FUNDAMENTO DE ABANDONO DE CARGO. ART. 132, II DA LEI 8.112/90. INOBSERVÂNCIA DA REGRA DE OURO DA PROPORCIONALIDADE. ANTECEDENTES FUNCIONAIS FAVORÁVEIS. ART. 128 DA LEI 8.112/90. ORDEM CONCEDIDA EM CONFORMIDADE COM O PARECER MINISTERIAL.

[...]

5. Embora as sanções administrativas disciplinares aplicáveis ao Servidor Público sejam legalmente fixadas em razão da própria infração - e não entre um mínimo e máximo de pena, como ocorre na seara criminal - não está a Administração isenta da demonstração da proporcionalidade da medida (adequação entre a infração e a sanção), eis que deverá observar os parâmetros do art. 128 da Lei 8.112/90 (natureza e gravidade da infração, danos dela decorrentes e suportados pelo Serviço Público, circunstâncias agravantes e atenuantes e ainda os antecedentes funcionais).

6. Assim, incide em ilegalidade o ato demissório do Servidor Público que ostenta mais de 30 anos ininterruptos de serviço sem qualquer punição administrativa, dando-se à sua ausência ao trabalho por 42 dias (de 23.7.2007 a 3.9.2007) o valor de abandono de cargo, punível com a demissão (art. 132, II da Lei 8.112/90); as sanções disciplinares não se aplicam de forma discricionária ou automática, senão vinculadas às normas e sobretudo aos princípios que regem e norteiam a atividade punitiva no âmbito do Direito Administrativo Disciplinar ou Sancionador.

7. No exercício da atividade punitiva a Administração pratica atos materialmente jurisdicionais, por isso que se submete à observância obrigatória de todas as garantias subjetivas consagradas no Processo Penal contemporâneo, onde não encontram abrigo as posturas autoritárias, arbitrárias ou desvinculadas dos valores da cultura.

8. Ordem concedida para reintegrar a Servidora no cargo de Agente Administrativo do Quadro de Pessoal do Ministério da Saúde/GO, com o ressarcimento de todos os seus direitos, inclusive vencimentos e cômputo do tempo de serviço, desde a data da edição do ato demissório (Portaria 776/GM, de 24.4.2008, publicada no DOU 79, de 25.4.2008), sem prejuízo da aplicação de outra sanção administrativa, observado o devido processo legal.

(MS 13791/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/04/2011, DJe 25/04/2011)

A observância da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação da penalidade, além de necessária, caminha para um julgamento justo.

Julgamento justo, sem digressão prolongada sobre o tema e para fins deste artigo, deve ser entendido como aquele que se efetiva mediante a defesa do acusado por advogado, o qual tem capacidade para identificar eventual violação às garantias processuais e aos direitos fundamentais.

Primeiro, porque o advogado é indispensável à administração da justiça (art. 133 da CRFB). Somente o advogado é capaz de verificar se houve o devido processo legal, se foi observado o procedimento, se não houve prejuízo ao acusado no interrogatório. Essas são somente algumas hipóteses que revelam a necessidade do advogado no processo administrativo disciplinar.

 Segundo, porque a Súmula com efeito vinculante nº 5, do Supremo Tribunal Federal[14], somente afirma que “A falta de defesa técnica no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”, ou seja, não afirma que é dispensável a intervenção de advogado no processo administrativo disciplinar.

Logo, entendo que a presença do advogado no processo administrativo disciplinar, além de evitar inúmeros vícios, contribui para um julgamento justo.

Sobre o autor
Sivonei Simas

Advogado. Procurador-Geral do Município de Tijucas. Membro da Comissão de Licitação e Contratos da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Santa Catarina. Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Especialista em Direito Público: Constitucional e Administrativo, pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Especialista em Direito Público pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina - CESUSC. Especialista MBA em Gestão e Políticas Públicas Municipais pela UNIASSELVI - Centro Universitário Leonardo da Vinci. E-mail: sivonei@univali.br.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIMAS, Sivonei. Controle jurisdicional de atos no processo administrativo disciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3626, 5 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24639. Acesso em: 23 dez. 2024.

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