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A tutela antecipada às voltas com a sentença

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Agenda 24/06/2013 às 16:01

A concessão da tutela antecipada na sentença processual funciona como um mecanismo de autorização para o cumprimento provisório da obrigação reconhecida, na medida em que atribui eficácia imediata à decisão, retirando o efeito suspensivo do recurso de apelação.

INTRODUÇÃO

Uma das questões mais tormentosas que se verifica no âmbito do Direito Processual Civil é a concessão da tutela antecipada às voltas com a sentença, seja antes, durante ou após a prolação desta.

Por isso, procura-se, neste estudo, apontar caminhos para a resolução de algumas questões que repousam sobre o tema, procurando sempre realizar uma interpretação que concretize os princípios processuais civis previstos na Constituição Federal.


1 MOMENTO PARA REQUERER E PARA CONCEDER A TUTELA ANTECIPADA

Não há previsão legal estabelecendo qual seja o momento adequado para a concessão da tutela antecipada. Por isso, entende-se que tal medida pode ser concedida pelo juiz em qualquer fase do processo, do momento que vai da propositura da ação até o instante exatamente anterior ao trânsito em julgado.

No entanto, é logo na petição inicial que, na maioria dos casos, se faz presente o pedido de deferimento da medida, podendo, inclusive, o juiz concedê-la antes da citação do réu, em caso de vislumbrar a existência de fundado receio de dano ou manifesto propósito protelatório do réu.[1] A concessão baseada no abuso do direito de defesa ou no pedido em parte incontroverso só poderá ser efetivada no curso da marcha processual, após a citação do réu, a depender do comportamento que vier a adotar frente ao pedido do autor.

Sobre a formulação de pedido de tutela antecipada logo no nascedouro do processo, pode, à primeira vista, parecer incompatível com o pressuposto previsto no art. 273, II, do CPC, porém, importa notar que, excepcionalmente, o manifesto propósito protelatório do réu pode ocorrer em momento anterior à propositura da ação judicial, como na hipótese em que o autor tenha várias vezes notificado o réu para cumprir determinada obrigação, apresentando evasivas e pedidos de prazo para o adimplemento.[2]

O art. 273 do CPC criou uma previsão genérica apta a permitir o deferimento desse tipo de tutela in limine litis, fazendo com que isso deixasse de ser apenas um apanágio de alguns procedimentos especiais para realizar-se em qualquer processo de conhecimento (ordinário, sumário ou especial), quando atendidos os pressupostos legais.[3] E essa liminar (como todas as demais), ao antecipar algum efeito da sentença, comporta duas espécies de eficácia: a declaratória e alguma outra que seja executiva ou mandamental.[4]

De acordo com Nelson Nery Júnior, o pedido de tutela antecipada deve ser concedido antes mesmo da citação do réu, quando a citação deste

[...] puder tornar ineficaz a medida, ou, também, quando a urgência indicar a necessidade de concessão imediata da tutela, o juiz poderá fazê-lo ‘inaudita altera pars’, que não constitui ofensa, mas sim limitação imanente do contraditório, que fica diferido para momento posterior do procedimento.[5]

Entretanto, nada impede que o pedido de tutela antecipada seja formulado em qualquer outro momento do processo. “O que realmente quis o art. 273 do CPC foi deixar a matéria sob um regime procedimental mais livre e flexível, de sorte que não há um momento certo e preclusivo para a postulação e deferimento da antecipação de tutela”,[6] podendo, assim, ser requerida e concedida na fase inicial do processo, após o término da instrução, na sentença e em grau de recurso, ou em qualquer outra oportunidade, desde que presentes os requisitos que lhes são autorizadores.

Para Cândido Rangel Dinamarco, em privilégio ao princípio constitucional do acesso à justiça, “a resposta deve ser pela mais ampla abertura para a concessão incidental da medida ‘a qualquer tempo’, a partir de quando o processo se instaura pela propositura da demanda em juízo e enquanto a sentença ou acórdão proferido não estiver sob o manto da coisa julgada”.[7]

Feitas essas breves considerações, passa-se, a seguir, a enfrentar as relações entre a tutela antecipada e a sentença.


2 REFLEXÕES SOBRE A TUTELA ANTECIPADA E A SENTENÇA

É controvertida a questão que versa sobre a convivência entre a tutela antecipada e a sentença. Porém, as dúvidas podem ser diluídas ou minimizadas se for levado em conta algo muito simples: a prolação da sentença não representa necessariamente tutela jurisdicional.

De acordo com abalizada lição de Cassio Scarpinella Bueno,

Tutela jurisdicional é o efeito concreto, real, palpável, sensível daquilo que se foi buscar perante o Estado-juiz e que vem definido na sentença. O instituto da tutela antecipada conduz, justamente, a emprestar efeitos àquilo que (ainda) não tem; somente se esses efeitos já puderem ser sentidos é que não haverá espaço para cogitar da tutela antecipada. Só há corpo (sentença), não há vida (efeitos da sentença). Daí a necessidade de a tutela antecipada para dar vida ao corpo, unindo-os, como ‘deve-ser’.[8]

Nesses termos, não é porque o juiz “cumpriu o seu dever” ao prolatar a sentença de mérito, que a tutela antecipada deixa de ser algo fundamental para a efetividade da tutela jurisdicional. A razão disso é que o recurso de apelação que visa atacar essa mesma sentença é recebido, geralmente, tanto no efeito devolutivo quanto no efeito suspensivo, o que vem a impedir que os efeitos típicos da sentença sejam sentidos de imediato. Assim, diante do comportamento empreendido pelo réu, a mera prolação da sentença pode representar algo completamente ineficaz. Tê-la ou não tê-la, nesse sentido, do ponto de vista do jurisdicionado, é totalmente indiferente, pois nada se modifica no plano fático. Por isso, nesse “vácuo de eficácia” tem cabimento o instituto da tutela antecipada.[9]

Segundo Luiz Guilherme Marinoni, o melhor seria estabelecer, no art. 520 do CPC, que “a sentença pode ser executada na pendência da apelação quando conceder a tutela, pouco importando se esta ‘foi ou não foi concedida antecipadamente, e, assim, se a sentença está ou não confirmando-a’”.[10]

Teori Albino Zavascki corrobora este entendimento, ao aludir que o art. 520 do CPC “contém, por força do sistema, um inciso implícito, que bem poderia ter a seguinte redação: ‘...será [...] recebida só no efeito devolutivo (a apelação) quando interposta de sentença que:...VI – julgar procedente o pedido de tutela já antecipada no processo’”.[11]

Parece imperioso averiguar que,

como o intérprete deve ler a norma processual à luz das garantias de justiça contidas na Constituição Federal, buscando extrair do sistema o razoável, não há como se concluir que a tutela do direito é possível antes de finalizado o contraditório em primeiro grau de jurisdição, mas não perante este mesmo grau de jurisdição após as partes já terem exercido de forma plena o direito às alegações e provas.[12]

Se a tutela antecipada pode ser concedida diante de uma cognição incompleta, por que não pode ser igualmente concedida ao término da instrução plena, quando da prolação da sentença? Seria uma irracionalidade do sistema a recusa de o juiz poder conceder tutela antecipada ao final do procedimento, tendo em vista que isso tudo “tem por fim definir somente o instrumento técnico que deve servir para a concessão da tutela”.[13]

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2.1 TUTELA ANTECIPADA ANTES DA SENTENÇA

O inciso VII do art. 520 do CPC, reformado pela Lei nº 10.352/2001, teve o propósito de adequar a apelação ao sistema processual, uma vez que não podia mais se admitir que uma decisão interlocutória que concedesse pedido de tutela antecipada, com base em cognição sumária, superficial e baseada em juízos de probabilidade e verossimilhança,[14] viesse a ser substituída por uma decisão fundada em uma cognição plena e exauriente, que a fizesse perder, somente pela racionalidade do sistema, toda a sua carga de efetividade, quando da interposição de recurso.

Apesar de a tutela antecipada repercutir de imediato os seus efeitos no plano material, tal não acontecia antes de alegada reforma processual. O art. 520, caput, do CPC, atribuía, como regra, efeito suspensivo às apelações interpostas. Assim, a sentença não produzia efeitos aptos à prestação da tutela jurisdicional, ante a assertiva de que tal ato judicial era passível de apelação.

A incoerência do sistema era patente: “uma decisão mais ‘fraca’ do ponto de vista da cognição jurisdicional e de sua estabilidade era mais ‘forte’ do ponto de vista da eficácia, justamente o ponto mais sensível da tutela jurisdicional”.[15]

Com a entrada em vigor do inciso VII do art. 520, a apelação interposta de sentença que veio a confirmar a tutela antecipada já concedida, passa a ser recebida apenas no efeito devolutivo, de modo a fazer com que, independentemente das regras referentes a tal espécie recursal, possa a decisão interlocutória em destaque continuar a estender os efeitos que já eram sentidos desde o momento em que foi concedida, sem interrupções.

Situações presentes na prática forense, todavia, exigem uma análise mais detalhada da matéria, pelo fato de que a regra legal prevista no art. 520, VII, do CPC, não se apresenta suficientemente útil para resolver tudo o que deveria tratar.

Parece claro que nas hipóteses em que a tutela antecipada foi parcialmente concedida antes da prolação de sentença de total procedência, apenas a parte que não foi anteriormente concedida é que receberá a incidência do efeito suspensivo oriundo do recurso de apelação. Nesse caso, não há como negar que os pressupostos do art. 273 do CPC continuam presentes sobre parte do pedido outrora concedido, mesmo tendo o juiz prolatado uma sentença de total procedência.

Na hipótese desta situação se inverter, ou seja, acatamento total do pedido de tutela antecipada e sentença de procedência somente parcial, o quadro pode ser apresentado da seguinte maneira: se ao fim e ao cabo da instrução processual o juiz se convenceu de que se encontrava parcialmente equivocado em relação à decisão que concedeu integralmente o pedido de tutela antecipada, somente a parcela da tutela antecipada que coincide com o que foi julgado procedente em sentença é que será passível de confirmação. Tendo tais atos processuais o mesmo conteúdo, aplica-se a regra do art. 520, VII, do CPC.

No tocante à parte da sentença que houve por bem rejeitar o pedido formulado pelo autor, a questão não é resolvida de forma tão simples. É certo que, aqui, dá-se azo ao art. 520, caput, do CPC, que prevê a regra de que a apelação deverá ser recebida no efeito suspensivo. No entanto, a parte da tutela antecipada não confirmada pela sentença não deixa de produzir seus efeitos no plano da realidade fática, justamente em razão da incidência do efeito suspensivo sobre o recurso de apelação interposto pela parte interessada. Pode parecer algo paradoxal, mas quando o juiz profere uma sentença parcialmente procedente, cassando parcela do pedido de tutela antecipada já concedida, não faz com que os efeitos de sua decisão sejam sentidos de imediato, porque o efeito suspensivo da apelação assim não permite.

Conforme pronunciamento de Cassio Scarpinella Bueno,

Não é que a sentença, fundada em cognição exauriente, não tenha aptidão de ‘revogar’ [...] a decisão que antecipou a tutela, fundada em cognição sumária. Não há dúvida de que há tal revogação. O problema, no entanto, não é esse; o problema, bem diferente, é saber a partir de que momento a revogação é ‘eficaz’, a partir de quando ela pode produzir seus regulares efeitos. E, se não há efeito suspensivo da apelação, os efeitos da sentença não são imediatos, inclusive o relativo à revogação da tutela antecipada pelo seu proferimento.[16]

Da mesma forma, se a tutela antecipada conceder plenamente o que foi pedido pelo autor e a sentença for julgada totalmente improcedente (o que significa generalizar o que ocorreu na hipótese anterior), os efeitos decorrentes do provimento antecipatório continuam a valer, pelo fato de que o recurso de apelação interposto pelo autor impede que a sentença produza, de imediato, os efeitos que lhes são próprios. Deve-se aplicar o caput do art. 520 do CPC, que prevê, como regra, a atribuição do efeito suspensivo à apelação.

Não se quer dizer que a decisão interlocutória baseada em juízo de verossimilhança deve sobrepor-se à convicção de “certeza” encontrada pelo juiz quando da prolação da sentença de total improcedência. Ocorre que o efeito suspensivo que recai sobre a apelação impede que a sentença de total improcedência venha a repercutir imediatamente.

Como consequência disso, se ainda estiverem presentes os pressupostos ensejadores da concessão do pedido de tutela antecipada, mormente o referente ao perigo de dano irreversível e de difícil reparação, o que há de prevalecer é a eficácia do provimento emanado de uma decisão interlocutória sobre o conteúdo decisório constante em uma sentença que julgou totalmente improcedente o quanto foi pedido pelo autor.

É o que ocorre, semelhantemente, com a eficácia irradiada de uma medida cautelar ainda na pendência do processo principal, conforme estabelece o art. 807, primeira parte, do CPC, ou, com o que se passa com a determinação de que os alimentos provisórios serão devidos até decisão transitada em julgado, prevista no art. 13, § 3º, da Lei nº 5.474/68, ou, ainda, com a possibilidade de a sentença advinda do julgamento de um mandado de segurança ser executada provisoriamente, nos termos do art. 14, § 3º, da Lei nº 12.016/2009.

Outra questão polêmica que envolve a matéria, diz respeito à possibilidade de a sentença que apreciar o mérito repercutir na seara do agravo de instrumento interposto da decisão que apreciou pedido de tutela antecipada, ou ainda, como ocorreu nos Embargos de Declaração (com efeitos infringentes) opostos no Recurso Especial nº 644.845-RS, em que se buscou, sem sucesso, a desconstituição do acórdão embargado sob o argumento de que os efeitos decorrentes da tutela antecipada restaram confirmados em recurso especial, que encontraria prejudicado pela prolação do julgamento do mérito.

A pergunta que se faz é: deve-se, nesses casos, cogitar da perda de objeto do recurso interposto da decisão que apreciou o pedido de tutela antecipada, ou, ao contrário, este deve subsistir?

O posicionamento aqui adotado é o de que o agravo não perde seu objeto, mesmo diante da prolação de sentença meritória, porque, como bem asseverado pelo Ministro Ari Pargendler, no Recurso Especial nº 112.111/PR,

Não há relação de continência entre a tutela antecipada e a sentença de mérito. A aludida tutela antecipada não antecipa simplesmente a sentença de mérito; antecipa, sim, a própria execução dessa sentença, que, por si só, não produziria os efeitos que irradiam da tutela antecipada. É preciso que isso fique claro, os efeitos que o recurso especial quer evitar resultam da tutela antecipada, e não da sentença – pouco importando que ela tenha confirmado a tutela antecipada; a decisão a esse respeito foi tomada antes e não fica prejudicada pela reiteração constante da sentença. De outro modo, a parte não teria recurso relativamente à tutela antecipada.

Por derradeiro, traz-se à discussão o caso de a tutela antecipada não ser confirmada em sentença, ante o esquecimento do juiz ou o entendimento de que tal confirmação seria desnecessária. É claro que a questão pode ser enfrentada por meio da oposição de embargos de declaração, com fundamento no art. 533, II, do CPC, no entanto, caso não se prefira adotar tal medida, deve-se entender que, se o juiz silenciou-se na sentença a respeito da tutela antecipada já concedida, pretendeu ele mantê-la irretocável. O silêncio do juiz representa uma manifestação de vontade que há de se quedar em favor da confirmação implícita da tutela antecipada.

Se a tutela antecipada foi concedida por meio de decisão interlocutória proferida antes da prolação da sentença, o recurso cabível é o de agravo retido, salvo quando a questão for suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação (art. 522, caput, do CPC), hipótese em que caberá agravo de instrumento.

2.2 TUTELA ANTECIPADA NA SENTENÇA

É possível a concessão da tutela antecipada no corpo da sentença de mérito, tratando-a, especificamente, em um de seus capítulos.[17] Ao julgador não cabe aqui desdobrar a prestação jurisdicional em duas peças processuais diferentes (decisão interlocutória e sentença), em que pese ser este o entendimento sustentado por parte de prestigiosa doutrina.[18]

Conforme lição de Cândido Rangel Dinamarco, pode-se dizer que “na unidade formal de um só ato processual reúnem-se, então, o julgamento do ‘meritum causae’ e o da pretensão a antecipar, mas o que autoriza a pronta efetivação do direito é este, não aquele”.[19]

Segundo o eminente processualista paulista,

Em casos assim, não se trata de uma sentença de mérito e de uma decisão interlocutória acoplada a ela, como já se chegou a pensar. O ato proferido pelo juiz é um só, é a ‘sentença’; esse é o ato com que o procedimento em primeiro grau tem fim, pouco importando o conteúdo. Ainda aqui manifesta-se a importância do conceito de ‘capítulos de sentença’, os quais foram objeto de uma precisa exposição em importantíssimo ensaio de Liebman, mas que ainda não penetraram na cultura do processualista brasileiro. Nem sempre uma sentença decide sobre uma só pretensão, podendo ela desdobrar-se em dois ou mais dispositivos, como o que concede a reintegração de posse e o que condena a ressarcir os prejuízos. Tem-se nesses casos, na unidade formal de uma sentença só, uma pluralidade de ‘capítulos’ que a compõem, cada um portador de um preceito independente ou conjugado a outro. Por isso, e considerando ainda que o conceito de sentença não é associado pelo direito positivo ao conteúdo substancial desse ato – podendo ele conter ou não o julgamento do ‘meritum causae’ (CPC, art. 162, § 1º) – não é sistematicamente correto desdobrar o ato judicial com que o juiz decide a causa e ao mesmo tempo concede uma antecipação de tutela, como se ali houvesse dois atos, uma sentença e uma decisão interlocutória.[20]

Recusar a possibilidade de o juiz conceder pedido de tutela antecipada na sentença seria desprezar o acesso à ordem jurídica justa, à efetividade, à duração razoável do processo e ao devido processo legal, não levando em conta a existência de um “modelo constitucional de Direito Processual Civil”.[21]

Como bem lembrado por Teori Albino Zavascki, a concessão da tutela antecipada nesta fase processual funciona como um mecanismo de autorização para o cumprimento provisório da obrigação reconhecida na sentença, na medida em que atribui eficácia imediata à sentença, retirando o efeito suspensivo do recurso de apelação.[22]

Sendo a tutela antecipada concedida no corpo da sentença, em um de seus capítulos, a questão, apesar de controvertida, deve ser desafiada por intermédio do recurso de apelação, por força do princípio da singularidade recursal, não devendo dar guarida à tese de que o recurso cabível, nesse caso, seria o de agravo, sob o argumento de que a concessão da tutela antecipada na sentença possui natureza de decisão interlocutória.

Não pode admitir-se a existência de dois recursos distintos (agravo e apelação), ambos voltados para questões tratadas em um único ato processual (sentença). Deve, aqui, optar-se pelo recurso mais amplo (apelação), que, inegavelmente, absorverá o mais restrito (agravo), na esteira do que já restou decidido pela 4ª Turma do STJ, no julgamento dos Embargos Declaratórios opostos ao Recurso Especial nº 336.356-PE, em especial pelo que ficou consignado no voto do Ministro Relator Barros Monteiro.

Este também foi o entendimento sufragado no Agravo Regimental interposto em face da decisão proferida no Recurso Especial nº 533.273-BA:

Processo CIVIL. CONCESSÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA NA SENTENÇA. RECURSO CABÍVEL. APELAÇÃO. AGRAVO INTERNO. DECISÃO QUE DEVE SER MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. ARTIGO 557 DO CPC. APLICABILIDADE. MATÉRIA PACÍFICA. SÚMULA Nº 83/STJ. 1. Não há como abrigar agravo regimental que não logra desconstituir os fundamentos da decisão recorrida. 2. Nos termos do artigo 557, caput, do Código de Processo Civil, ‘o relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior’, sendo prescindível que o tema reste apreciado pela Corte Especial 3. A apelação é o recurso cabível contra sentença em que foi concedida a antecipação de tutela. 4. Com a adoção pelo sistema recursal brasileiro do princípio da singularidade dos recursos, mesmo que várias tenham sido as questões decididas em seu bojo, a sentença é uma, devendo, portanto, ser enfrentada pelo recurso cabível previsto no artigo 513, CPC, que é apelação. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.[23]

Defende-se, com efeito, a tese de que o recurso adequado para desafiar tutela antecipada concedida em sede de sentença é o de apelação, em respeito ao princípio da singularidade (ou unirrecorribildiade) recursal.

2.3 TUTELA ANTECIPADA APÓS A SENTENÇA

Mesmo após a prolação da sentença, o juiz de primeiro grau permanece competente para apreciar pedidos de tutela antecipada, se os autos do processo ainda estiverem em seu poder, ou seja, se os autos ainda não tiverem sido remetidos ao juízo ad quem. Não há nenhuma ofensa à regra do exaurimento da competência, prevista no art. 463 do CPC,[24] pois se trata de uma questão que decorre da garantia ao acesso à justiça. Se assim não fosse, tal garantia constitucional seria frontalmente desrespeitada, ficando as medidas urgentes desprovidas de uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva.

Não se pode olvidar que o próprio Código de Processo Civil excepciona o art. 463, ao prever, no art. 461, caput, que o juiz tem a possibilidade de alterar o dispositivo da sentença a fim de impor medidas de eficácia equivalente à do adimplemento. Há que se observar, por essas bandas, que o juiz pode, independentemente de ter sido provocado pela parte interessada, modificar inclusive o valor ou a periodicidade da multa, caso venha a verificar que ela tenha se tornado insuficiente ou excessiva, de acordo com o art. 461, § 6º.

Admite-se, também, a tutela antecipada como medida adequada para retirar o efeito suspensivo do recurso de apelação já recebido pelo juiz, de modo a impedir o início da fase de cumprimento provisório da sentença. Se o juiz silenciou-se a respeito da tutela antecipada no momento em que prolatou a sentença, talvez por inexistir pedido do autor neste sentido, terá que adotar uma postura diferente se, após o recebimento da apelação com fundamento no art. 520, caput, do CPC, for obrigado a se manifestar sobre um pedido de tutela antecipada formulado pelo autor (apelado), que vise atribuir eficácia imediata à sua sentença, ao retirar da apelação o efeito suspensivo que sobre ela incide.[25]

Uma vez apresentadas as contra-razões de apelação, pode o juiz reexaminar os pressupostos de admissibilidade do recurso, dentre os quais se incluem os efeitos com que a apelação foi recebida, conforme prevê o art. 518, caput, do CPC – que deve ser conjugado com os artigos 273 e 520: “Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder”.

Poder-se-ia contra-argumentar que o rol do art. 520 do CPC é taxativo e que somente autoriza o recebimento da apelação no efeito devolutivo naquelas hipóteses expressamente mencionadas. No entanto, Cassio Scarpinella Bueno, com a clareza de linguagem que lhe é peculiar, assevera que o formalismo exacerbado que encerra o dispositivo deve ser posto de lado, ante o fato de a tutela antecipada consistir em um

[...] mecanismo para retirar o efeito suspensivo da apelação ‘fora daqueles casos’ em que o próprio legislador, genérica e abstratamente, já assumiu, expressamente, o risco processual dessa iniciativa. No caso do art. 273, essa é a única diferença, o legislador quis compartilhar o risco com o juiz, que deverá, ‘caso a caso’, verificar quando o autor, que tem seu direito devidamente reconhecido na sentença, poderá levá-lo para casa e ser feliz desde logo.[26]

Nessa ordem de ideais, “é o juiz quem, em última análise, decide quais casos reclamam uma execução (ou efetivação) provisória (imediata) da sentença e quais casos isso não é possível ou, quando menos, não é desejável”, ou seja, “o efeito suspensivo ‘ope legis’, que decorre exclusivamente da ‘vontade da lei’, cede espaço, hoje, ao efeito suspensivo ‘ope judicis’ a ser retirado ou atribuído [...] pelo juiz, consoante as ‘necessidades’ do caso concreto”.[27]

Sobre o autor
Gustavo Henrique Schneider Nunes

Mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM. Coordenador do Curso de Direito do IMESB. Professor de Direito Processual Civil do IMESB e da Faculdade São Luís de Jaboticabal. Professor Convidado da FAAP-Ribeirão Preto. Advogado. Autor do livro Tempo do Processo Civil e Direitos Fundamentais, publicado pela editora Letras Jurídicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Gustavo Henrique Schneider. A tutela antecipada às voltas com a sentença. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3645, 24 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24768. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

Artigo publicado na Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, nº 82 - Mar-Abr/2013.

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