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A OMC e a disciplina jurídica do comércio internacional

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Agenda 25/06/2013 às 09:25

4. Princípios informadores da OMC

A OMC está baseada em cinco princípios fundamentais, a saber: single undertaking; tratamento nacional; nação mais favorecida; transparência e cooperação internacional.

4.1 Princípio do single undertaking

O princípio do single undertaking é fundamental para entender-se a lógica do sistema da OMC. Está expresso nos incisos 2 e 3 do artigo 2º da Ata Final da Rodada Uruguai (Ato Constitutivo da OMC):

2.2 - Os acordos e os instrumentos legais conexos incluídos nos Anexos 1, 2 e 3 (denominados a seguir de Acordos Comerciais Multilaterais) formam parte integrante  do presente Acordo e obrigam a todos os Membros.

2.3 - Os acordos e os instrumentos legais conexos incluídos no Anexo 4 (denominados a seguir Acordos Comerciais Plurilaterais) também formam parte do presente Acordo para os Membros que os tenham aceito e são obrigatórios para estes. Os Acordos Comerciais Plurilaterais não criam obrigações nem direitos para os membros que não os tenham aceito.

Da leitura dos dispositivos referidos, pode-se concluir que não é possível aderir a apenas parte dos Acordos, sob pena de quebrar seu equilíbrio e lógica estrutural, exceção feita aos Acordos Comerciais Plurilaterais do Anexo 4.

O princípio ora estudado, é de extrema importância, pois, conforme bem assevera Maristela Basso, de sua aplicação decorre a unidade do sistema.[32]

4.2 Princípio do tratamento nacional

O princípio do tratamento nacional já estava presente no GATT-1947 (artigos I e III) e foi consagrado como norteador de todos os acordos constitutivos da OMC.[33]

Por esse princípio cada Estado-Parte deve conceder aos nacionais dos outros Países-Membros um tratamento não menos favorável que aquele concedido aos seus próprios nacionais, salvo nos casos expressamente previstos. 

O princípio do tratamento nacional está previsto de forma expressa nos três acordos que servem como viga mestre da OMC: GATT 1994 (artigo 1); GATS (artigo 2) e TRIPS (artigo 4).

Welber Barral explica que esse princípio impede que uma Parte Contratante discrimine ou crie barreiras à circulação de produtos importados com outras medidas além da aplicação da tarifa consolidada negociada, pois de nada adiantaria negociar baixas tarifas depois exigir impostos diferenciados ou licenças especiais que inviabilizassem a revenda do produto importado ao consumidor nacional.[34]

4.3 – Princípio da nação mais favorecida

O princípio da nação mais favorecida também já integrava o esquema estrutural do GATT-1947 (artigo I) e é considerado um dos pilares sobre o qual se apóia a OMC.[35]

Esse princípio, tal qual ocorre com o princípio do tratamento nacional, é encontrado de forma expressa nos três acordos que servem como viga mestre da OMC: GATT 1994 (artigo 3); GATS (artigo 17) e TRIPS (artigo 3).

Conforme explica Welber Barral “a cláusula da nação mais favorecida é a regra segundo a qual uma vantagem concedida a qualquer outro Estado se estende automaticamente ao parceiro comercial (que é, portanto, o mais favorecido)”.[36]

O campo de aplicação do princípio da nação mais favorecida, "é bastante amplo: todas as vantagens, favorecimentos, privilégios e imunidades que um Estado-Parte conceda aos nacionais de outro Estado-Parte serão automaticamente e incondicionalmente estendidas aos nacionais dos demais Estados-Partes".[37]

É importante ressaltar que esse princípio não é absoluto, e encontra algumas exceções relacionadas principalmente com os acordos de integração econômica e com as preferências tarifárias que podem ser concedidas pelos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento.

4.4 Princípio da transparência

O princípio da transparência é essencial na estrutura da OMC e tem por finalidade prevenir litígios entre os Estados-Partes, através de um sistema que permite o conhecimento por todos das práticas comerciais adotadas pelos países.

Nesse Contexto o Órgão de Revisão de Política Comercial exerce a importante função de examinar periodicamente as políticas de cada membro da OMC. Tem como objetivo confrontar a legislação e a prática comercial dos membros da OMC com as regras estabelecidas nos acordos, além de oferecer aos demais membros uma visão global da política seguida por cada país, dentro do princípio da transparência.

Além disso, ressalte-se a importância da publicidade como ferramenta imprescindível para assegurar a fiel observância do princípio da transparência.

Assim, para que a OMC consiga atingir o seu objetivo declarado de redução de distorções e obstáculos ao comércio internacional, as regras e práticas comerciais devem ser conhecidas por todos, através de um sistema transparente de controle de práticas comerciais.

4.5 Princípio da cooperação internacional

A cooperação internacional é fundamental para a OMC e está presente em todos os tratados que constituem essa instituição. Em matéria de propriedade intelectual, por exemplo, o preâmbulo do Acordo TRIPS expressa o desejo de "estabelecer relações de cooperação mútua entre a OMC e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, bem como com outras organizações internacionais relevantes".  Além disso, a parte final do artigo 68 do Acordo estabelece que no desempenho de suas funções, o Conselho para TRIPS poderá consultar e buscar informações de qualquer fonte que considerar adequada.

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A finalidade principal do princípio da cooperação internacional é a promoção do interesse comum através de normas de cooperação mútua.[38]

Maristela Basso ensina que a cooperação pode ser interna ou externa. A cooperação interna se realiza no âmbito dos países integrantes da OMC, isto é entre seus membros. Já a cooperação internacional ou externa é a que se estabelece entre a OMC e outras organizações internacionais.[39]

Cabe observar, no entanto, que em matéria de cooperação interna a o apoio técnico dos países desenvolvidos para os demais Países-Membros da OMC é ainda muito tímido. Há na realidade uma grande distância entre as intenções declaradas no Acordo e a prática.

Nesse sentido, a organização não governamental Oxfam International, em estudo sobre as assimetrias da OMC, relata que ao final da Rodada Uruguai os países industrializados prometeram auxílio técnico para que os países de menor desenvolvimento pudessem participar da OMC, no entanto, para muitos países o custo de implementação dos acordos pactuados na Rodada Uruguai são proibitivos. O referido estudo informa que, apesar dos altos custos envolvidos, ao final da década de 90, o orçamento em ajuda técnica da OMC foi de apenas 500 mil dólares anuais, valor suficiente apenas para cobrir menos de um quinto do valor estimado como necessário.[40]


5. O sistema normativo da OMC

A OMC foi constituída através de três pilares fundamentais, consubstanciados em três anexos constantes do Acordo Constitutivo da OMC: Anexo 1A – Acordos Multilaterais sobre o Comércio de Bens; Anexo 1B – Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS); Anexo 1C – Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS).

O comércio de bens já era objeto de regularização pelo antigo sistema organizado em torno do GATT.

Após a Rodada Uruguai, o termo GATT 94 passou a ser definido para designar todo o conjunto de medidas que inclui os dispositivos do antigo GATT, agora denominado GATT 47, acrescido das modificações introduzidas pelos termos dos instrumentos legais que entraram em vigor até a data de início da OMC.

Os principais acordos e entendimentos relacionados ao comércio de bens, previstos no GATT 94, referem-se à adoção dos princípios da nação mais favorecida e tratamento nacional, bem como a implantação de um sistema de consolidação tarifária, que impede o aumento unilateral de tarifas por parte dos integrantes da OMC. Ressalte-se, também, a obrigação de eliminar todas as barreiras comerciais não tarifárias, tais como o estabelecimento de cotas e a proibição de importar.[41]

Ainda dentro da área do comércio de bens, em complemento ao GATT 94, inclui-se uma série de acordos multilaterais, entre os quais se destaca o Acordo sobre Medidas de Investimento Ligadas ao Comércio (TRIMS).

O comércio de serviços está regularizado através do Anexo 1B do Acordo Constitutivo da OMC – Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS).  

Nesta área os países aceitaram fazer ofertas voluntárias de liberação de determinados setores, de forma a permitir o acesso de empresas estrangeiras a atividades específicas antes reservadas às empresas nacionais.[42]

Observa-se também o compromisso dos membros da OMC de assegurar a conformidade de suas leis, regulamentos e procedimentos administrativos com os dispositivos contidos na ordem jurídica da OMC, destacando-se as obrigações de: aplicação transparente e publicação das leis e normas administrativas; imediata revisão das decisões administrativas por um órgão público em prosseguimento a uma demanda de outro membro; harmonização das condições e procedimentos em matéria de qualificação, normas técnicas e condições em matéria de licenças; prevenção de abusos e práticas restritivas da concorrência; eliminação das restrições aos pagamentos e transferências internacionais realizadas no âmbito de transações correntes e, revisão da questão dos subsídios.[43]

Em relação ao terceiro pilar do sistema da OMC, o Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), é um tratado que estabelece um padrão mínimo de proteção à propriedade intelectual, ou seja, "as disposições do TRIPS constituem padrões mínimos de proteção que devem ser adotados pelos Estados-Partes, em suas legislações nacionais".[44]

Além disso, o Acordo prevê que os Membros deverão possuir procedimentos e vias de recurso para garantir a aplicação efetiva e não discriminatória dos direitos de propriedade intelectual.[45]

A esfera de abrangência do Acordo TRIPS alcança as seguintes modalidades de propriedade intelectual: autoria de obras (incluindos softwares, filmes, gravações sonorar e televisivas); marcas comerciais de produtos e serviços; indicações geográficas de origem; desenhos industriais e patentes (inclusive farmacêuticas). Além disso, o Acordo prevê que cada Membro deverá possuir procedimentos e vias de recurso para garantir a aplicação efetiva e não discriminatória dos direitos de propriedade intelectual.[46]

Por fim, é importante destacar que o sistema normativo da OMC estabelece os limites dentro dos quais os Estados podem agir. Não constitui, portanto, direito supranacional, isto é, não impõe um direito uniforme aos seus Membros, não obriga nem favorece partes privadas, vincula apenas os Estados-membros que devem legislar para incorporar aos seus sistemas jurídicos as regras e princípios estabelecidos.

Nesse contexto, a Carta da OMC estabelece que todo Membro deverá assegurar a conformidade de suas leis, regulamentos e procedimentos administrativos com as obrigações constantes dos acordos estabelecidos.[47]

Assim sendo, conforme bem assevera a professora Ana Cristina Paulo Pereira, a finalidade “do arcabouço normativo da OMC não é de uniformizar os diferentes direitos, mas de estabelecer padrões de comportamento, tornando, em última análise, mais previsível a política de comércio exterior de seus Membros”.[48]

O fim das negociações da Rodada do Uruguai, seguido da criação da Organização Mundial do Comércio, resultou em uma profunda mudança na estrutura institucional das relações econômicas internacionais.


6. Conclusões

O fortalecimento do sistema multilateral de comércio pode funcionar como uma importante ferramenta para assegurar a prevalência da igualdade jurídica dos diversos atores internacionais.

Mas se por um lado, a difusão do sistema multilateral de comércio em tese assegura a igualdade jurídica dos diversos atores internacionais, por outro lado, a adoção de um regime jurídico único por países em estágios diferentes de desenvolvimento pode perpetuar as desigualdades materiais existentes no mundo.

É importante ressaltar, no entanto, que embora a redução de tarifas e a eliminação de barreiras mercantis seja a idéia mais visível no sistema multilateral de comércio incorporado pela OMC, a liberalização do comércio internacional não é o fim principal a ser atingido.

 Na verdade, o principal objetivo almejado com a criação da OMC é o desenvolvimento econômico e social dos seus membros, conforme expressamente declarado em seu Acordo Constitutivo.

A adesão ao regime jurídico do sistema multilateral de comércio limita a soberania de seus Estados membros, todavia é preciso atentar para o fato de que se trata de uma limitação voluntária.

Para que a OMC alcance seus objetivos declarados de contribuir para o desenvolvimento econômico e social, os países envolvidos devem buscar um equilíbrio de soma não zero em suas relações comerciais de forma a que o interesse de todos esteja contemplado.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] PEREIRA, Ana Cristina Paulo. Organização Mundial do Comércio: uma ameaça à soberania estatal? In: MELLO, Celso de Albuquerque (Org.). Anuário Direito e Globalização: a soberania. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 99.teste

[2] REGO, Elba Cristina Lima. Do GATT à OMC: o que mudou, como funciona e para onde caminha o sistema multilateral de comércio. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, nº 6, dez. de 2001, p. 4. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/conhecimento/revista/gatt.pdf>. Acesso em 19 mar. 2003.

[3] Costa, Darc. Estratégia nacional: a cooperação sul-americana como caminho para a inserção internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Aristeu Souza, 2003. p. 48.

[4]THORSTENSEN, Vera. OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. 2. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2001. p. 29.

[5] Ibid., p. 29.

[6] Ibid., p. 29.

[7] FIORATI, Jete Jane. As telecomunicações nos direitos interno e internacional: o direito brasileiro e as regras da OMC. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 2.

[8] THORSTENSEN. Op. cit., p. 30.

[9]  Ibid., p. 30.

[10] Ibid., p. 30.

[11] Ibid., p. 30.

[12] PEREIRA, Ana Cristina Paulo. Op. cit., p. 100.

[13] Ibid., p. 100.

[14] NASSER, Rabih Ali. A OMC e os países em desenvolvimento.  São Paulo: Aduaneiras, 2003. p. 38.

[15] Ibid., p. 38.

[16] REGO. Op. cit., p. 5.

[17] NASSER. Op. cit., p. 41.

[18] NAZO, Georgete Nacarato. A propriedade intelectual e os TRIPs. In: CASELLA, Paulo Borba (Org.). Guerra comercial ou integração mundial pelo comércio? A OMC e o Brasil.  São Paulo: LTR, 1998, p. 650.

[19] WORLD TRADE ORGANIZATION. Trading into the future: WTO – The World Trade Organization.  2nd ed. Geneva,  2001. p. 10.

[20] THORSTENSEN. Op. cit., p. 30.

[21] NASSER. Op. cit., p. 42.

[22] Ibid., p. 42.

[23] REGO. Op. cit.,  p. 6.

[24] Ibid., p.7.

[25] THORSTENSEN. Op. cit., p. 39.

[26] Artigo IV. 1 do Acordo Constitutivo da OMC.

[27] Anexo III do Acordo Constitutivo da OMC.

[28] Artigo IV, Incisos 5 e 6 do Acordo Constitutivo da OMC.

[29] Artigo VI do Acordo Constitutivo da OMC.

[30] Artigo IV, Incisos 2 a 4 do Acordo Constitutivo da OMC.

[31] Anexo II do Acordo Constitutivo da OMC.

[32] BASSO. Op. cit., p. 179.

[33] Ibid., p. 179.

[34] BARRAL, Welber. O comércio internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 31.

[35] BASSO. Op. cit., p. 180.

[36] BARRAL, Welber. Op. cit., p. 30.

[37] BASSO. Op. cit., p. 181.

[38] Ibid., p.184.

[39] Ibid., p.185.

[40] OXFAM INTERNATIONAL.  Eight broken promises: why the WTO isn't working for the world's poor. Oxfam Briefing Paper 9. Washington DC: Oxfam International, 2001. Disponível em: <http://www.oxfam.org.uk/what_we_do/issues/trade/downloads/bp09_8broken.rtf>.Acesso em: 19 mar. 2003.

[41] PEREIRA, Ana Cristina Paulo. Op. cit., pág. 104.

[42] Ibid., p.104.

[43] Ibid.,  p. 104-105.

[44] BASSO. Op. cit., p. 176.

[45] Artigos 42 a 50 do Acordo TRIPS.

[46] Artigo 1.2 do Acordo TRIPS.

[47] Artigo XV.4 do Acordo Constitutivo da OMC.

[48] PEREIRA. Op. cit., p. 106-107.

Sobre o autor
Renato Valladares Domingues

Advogado da União. Doutor e Mestre em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Diplomado no Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia da Escola Superior de Guerra (ESG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOMINGUES, Renato Valladares. A OMC e a disciplina jurídica do comércio internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3646, 25 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24777. Acesso em: 22 nov. 2024.

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