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PEC 37, um nada jurídico

Agenda 25/06/2013 às 09:00

A única utilidade da PEC-37 é alertar o Ministério Público para o fato de que ele não é órgão policial, mas que o fato de já existir outro dispositivo constitucional que limita ainda mais a atuação do Ministério Público na investigação criminal.

Vendo as manifestações populares dos últimos dias, resolvi hoje, 19.6.2013, elaborar um texto científico sobre o assunto. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 37, de 8.6.2011, proposta pelo Deputado Federal Lourival Mendes, do PTdoB/MA, não gera qualquer alteração significativa na Constituição Federal. Aliás, a única razão pela qual ela não merece ser rejeitada decorre do fato de ser despicienda. Ora, como a lei não deve conter palavras vãs, razão maior existirá para não inserir textos que nada acrescem na Constituição Federal.

Muitas pessoas tratam da PEC, fazem manifestações, sem sequer conhecer o seu texto. Então, passemos ao que interessa da mesma:

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N. 37, DE 2011

EMENTA: Acrescenta o § 10 ao art. 144 da Constituição Federal para definir a competência para a investigação criminal pelas polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal.

Art. 1º O art. 144 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte § 10:

Art.. 144 ..........................................................................................................................

.........................................................................................................................................

§ 10.A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente.

Lamentavelmente, a Constituição Federal instala uma ordem policialesca em que toda segurança pública fica reservada à polícia. Veja-se o que dispõe o atual art. 144 da Constituição Federal:

CAPÍTULO III

DA SEGURANÇA PÚBLICA

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

§ 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39.

A discussão me parece gratuita, porque o inciso IV do § 1º tem redação mais contundente do que o novo parágrafo que se pretende acrescer ao transcrito art. 144. Com efeito, o transcrito inc. IV emprega a palavra exclusivamente, enquanto o texto da PEC-37 emprega a palavra privativamente. Em termos constitucionais, aquilo que é exclusivo é indelegável, enquanto que o privativo pode ser delegado, mutatis mutandis, a atribuição exclusiva não pode ser realizada por outrem, mas a privativa sim.

Temos, na Constituição Federal, dois tipos de polícia, uma preventiva e outra repressiva. A primeira exercerá policiamento ostensivo, enquanto a segunda atuará preferencialmente de maneira velada, uma vez que exercerá a investigação criminal.

Já tive oportunidade de dizer que o jurista inventa excessivamente princípios,[1] havendo quem diga que há um denominado princípio da dispensabilidade do inquérito policial. Isso decorre do fato de dispor o Código de Processo Penal, quando trata da representação criminal, que o Ministério Público pode dispensar o inquérito policial (art. 39, § 5º).

É incontestável que o inquérito policial é prescindível e que qualquer do povo, desde que não pratique crime, pode investigar crimes. Porém, a Constituição Federal ao criar órgãos tem em vista a especialidade. Destarte, não pode o Ministério Público pretender ser polícia.

O Ministério Público é instituição destinada à preservação dos valores fundamentais do Estado enquanto comunidade. No processo penal, o Ministério Público funciona como parte na condição de acusador, deduzindo em juízo a pretensão. Todavia, como o ius puniendi é do Estado, o Ministério público atua em nome próprio, mas para exercício do ius puniendi estatal, sendo o titular exclusivo da ação penal pública (qui res in iudicium deducin).

Não deverá o MP promover a atividade acusatória a qualquer custo, por isso que, quando não conseguir reunir indícios suficientes para ofertar denúncia, deverá evitar propor uma ação, opinando pelo arquivamento do inquérito. Da mesma forma, se as provas demonstrarem a inocência do acusado, deverá propugnar pela absolvição, assumindo um comportamento processual de parte, mas com lealdade e boa-fé.

Além de promover a ação de iniciativa pública, o parquet atua como custos legis (fiscal da lei) nas ações de iniciativa privadas (CPP, 600, § 2º), e bem assim como interveniente adesivo obrigatório na ação de iniciativa privada subsidiária da pública.[2]

O inquérito policial, cuja natureza jurídica é de procedimento administrativo, é instrumento formal de que se vale o Estado, por meio da polícia judiciária, órgão integrante do Poder Executivo, para iniciar a persecução penal. Compreende o inquérito policial o conjunto de diligências, as mais das vezes sigilosas – o que é absurdo, visto que todo ato administrativo, salvo raras exceções, deve ser orientado pela publicidade (CF, art. 37, caput) –, que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, de molde a fundamentar uma decisão do Ministério Público sobre a acusação.

Em verdade, o inquérito policial tem uma função garantidora e instrumental. A investigação tem o fim de evitar a dedução de uma pretensão punitiva infundada por parte do Ministério Público. Nesse diapasão, a investigação feita pela polícia deve se circunscrever dentro do devido processo legal, não prescindindo do devido respeito aos direitos e garantias individuais, mediante a colheita das informações necessárias e verdadeiras, sejam a favor ou não do indiciado.

O inquérito policial é dispensável à propositura da ação condenatória, podendo o Ministério Público ajuizar a ação com base em outros elementos que não dependem de qualquer procedimento investigatório oficial prévio, desde que tenha reunidos os elementos necessários para o oferecimento da denúncia (prova da materialidade e indícios suficientes de autoria). Assim, podemos afirmar que o inquérito tem valor apenas informativo.

Apesar de constituir um mero procedimento administrativo, o inquérito, enquanto sucessão ordenada de atos administrativos, pode ser anulado, assim como pode ter anulado qualquer dos atos que o compõem – como o auto de prisão em flagrante – o que não quer dizer que haverá contaminação do processo criminal em face de qualquer ilegalidade praticada no inquérito policial, isso em face de seu mero caráter informativo.

É evidente que os elementos colhidos mediante a prática de ilegalidades serão vistos com a maior reserva na fase judicial, como de resto ocorre com quaisquer elementos apurados na fase inquisitorial: é inadmissível a condenação do réu com base em informações colhidas durante o inquérito sem que elas sejam confirmadas no curso do processo penal, sob o crivo do contraditório.

A colheita de informações sobre o fato e suas circunstâncias deve ser feita de acordo com as normas constitucionais, sob pena de ser prova ilícita, que não poderá servir de suporte ao Ministério Público para a formalização da acusação.

Dessa forma, a autoridade policial encontra limites, na sua atuação, nos direitos e garantias individuais, conquanto possa se utilizar de toda sorte de meios de investigação, desde que legalmente previstos, como na novel hipótese dos agentes infiltrados, particularmente útil ao combate ao crime organizado e prevista na Lei no 11.343/2006.

Apesar de instaurado o inquérito policial, caso o órgão do Ministério Público verifique que o fato evidentemente não constitui crime, ou já está extinta a punibilidade, ou ainda que está ausente uma condição exigida por lei para o regular exercício do direito de agir, deverá pedir o arquivamento do inquérito policial, enviando-o ao Poder Judiciário, como aliás ocorre em relação ao arquivamento de procedimento de apuração de ato infracional praticado por criança ou adolescente (art. 181 do ECA). Ressalte-se, no entanto, que o Juiz não está obrigado a aceitar passivamente tal pedido de arquivamento.

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Embora os membros do MP defendam que há decisão de arquivamento pelo membro que oficiou no Inquérito Policial e que o Juiz se limitará a homologar ou não a decisão do parquet, a posição é equivocada.

O Juiz não recorrerá de decisão alguma, caso não concorde com o pedido de arquivamento do inquérito policial. Caso ele não venha a concordar com o pedido do MP, deverá enviar os autos ao Procurador-Geral, na forma do art. 28 do CPP, podendo tal autoridade designar outro membro do MP para oferta da denúncia. Caso esse outro membro decidir pelo arquivamento, e sendo reenviados os autos ao Procurador-Geral, restará a este somente oferta a denúncia, se não concordar ele próprio com o arquivamento, caso em que sua decisão será imutável pelo Poder Judiciário. Arquivado o inquérito, somente poderá ser desarquivado por decisão do membro do MP natural que oficie perante o Juiz da Vara responsável pela homologação do arquivamento, e mesmo assim somente se houver notícia de novas provas.

O exposto autoriza ver como coerente a jurisprudência do STF, consolidada no sentido de que, no caso de prerrogativa de foro perante aquele tribunal, não poderá o MP oferecer nova denúncia sem a existência de novas provas, ainda que haja mudança da ordem política nacional e outra pessoa seja nomeada para o cargo Procurador-Geral da República, tendo em vista que a independência funcional não pode romper a unidade do Ministério Público.

Dentre as várias funções institucionais atribuídas ao Ministério Público, encontradas no art. 129 da Constituição Federal; destaca-se o exercício do controle externo da atividade policial, na forma da lei (inc. VII). No âmbito infraconstitucional, a Lei Complementar no 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), em seus arts. 9° e 36, veio disciplinar a matéria em tela, lembrando-se sua incidência imediata ao Ministério Público, por força da aplicação subsidiária de suas normas, prevista no art. 80 da Lei no 8.625/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público).

A adoção do controle externo se insere no projeto constitucional de estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos entre as diversas instituições estatais e tem como fundamento a defesa da ordem jurídica e, principalmente, a defesa do regime democrático. Cabe registrar, aliás, que o próprio Ministério Público está sujeito a controle externo, não apenas pelo Senado Federal (art. 52, inc. XI, da CF), como também pelo Conselho Nacional do Ministério Público (art. 130-A, CF), "sem contar o controle anômalo de obediência ao princípio da obrigatoriedade nos processos penais, exercido pelo Judiciário".[3]

É inolvidável a importância da polícia, mercê do encargo estatal de cuidar da segurança pública, tanto no aspecto preventivo (polícia ostensiva) como no repressivo, na investigação dos fatos típicos (polícia judiciária). Todavia, por vícios adquiridos ao longo do tempo, e multiplicados permissivamente com os anos ditatoriais, a sociedade brasileira notou que os organismos policiais ou agiam em obediência às razões do Estado - e não em favor da sociedade - ou agiam por conta própria, julgando-se licenciados de cumprir a lei. Isso é característica da falta de controle, e tal situação favorece o desvio, a corrupção e as ingerências maléficas. Pior, aliando-se ao descontrole vem a impunidade, porque se não há quem controla, também não há quem tome providências para sanar os problemas e buscar a punição dos infratores. Nesse contexto, constitui-se de enorme importância ter o legislador constitucional entregado o controle externo da atividade policial ao Ministério Público, conferindo a tal instituição a capacidade de conter os arroubos autoritários verificados em face do Estado. Cabe ao parquet efetivamente fiscalizar a polícia a fim de que essa atue sempre pautada nos princípios constitucionais e legais, salvaguardando, dessa forma, a sociedade de quaisquer medidas que tendam à violação de direitos constitucionais sociais e individuais indisponíveis.

A palavra "controle", do francês contrôle, tem o sentido de ato de vigilância e verificação administrativa, ato de fiscalização, inspeção, supervisão, exame minucioso exercido sobre as atividades das pessoas, órgãos ou departamentos, ou as do próprio corpo de funcionários encarregados de velar pela observância das leis e regulamentos. Todavia, importa destacar de forma precisa os limites do controle externo da atividade policial; pois ele não pode, por um lado, restar manietado, e por outro, não pode se traduzir em arbítrio, comportando naturalmente limites.

A esse respeito, releva salientar que o controle externo deve ser exercido sobre as funções da polícia de atividade judiciária e da polícia preventiva, inclusive porque a atividade de polícia preventiva constitui serviço de relevância pública. Ainda, cabe o controle tanto sobre a polícia civil, estadual ou federal; quanto sobre a polícia militar, pois onde a Constituição Federal não distinguiu, não cabe ao intérprete fazê-lo. Em síntese, a atuação do Ministério Público no exercício do controle externo da atividade policial deve abranger todas as funções policiais que esbarram nos direitos do cidadão ou que caracterizam atos de persecução punitiva estatal.

Não se olvide, no entanto, que o Ministério Público tem natureza executiva, sendo equivocada a sua inserção no texto constitucional sem a vinculação a qualquer poder, quando é sabido que apenas três poderes integram a República Federativa do Brasil.[4]

O importante múnus atribuído ao Ministério Público exige a independência institucional, conforme prevista no art. 127, § 1º, da CF. Todavia, ele deve que ter em vista que a intromissão inoportuna nas atividades policiais pode constituir desvio ou abuso de poder, havendo mecanismos legais para o controle externo ser efetivo, sem que o Ministério Público venha a se transformar em autoridade policial.[5]

O Ministério Público deve evitar que exista um critério seletivo de apuração, comparando as notícias de delitos registradas pela polícia com os TRO 's (talões de registro de ocorrência) dos policiais militares que efetivaram as prisões, para inviabilizar o alijamento da persecução criminal de algumas infrações penais e/ou de algum indiciado, aos mais insólitos argumentos. Também deve garantir a qualidade da investigação, no que se refere à fidelidade e voluntariedade dos testemunhos, na valoração da qualidade da prova técnica, na análise, enfim, do inquérito, requisitando a realização de alguma diligência imprescindível ao oferecimento da denúncia.

Observe-se que um poder da República Federativa do Brasil pode requisitar providências de outros poderes, isso na forma da lei. A requisição, em face da legalidade, surge como obrigatória. Todavia, não é a autoridade policial subordinada ao Membro do Ministério público o que permite afastar a palavra determinação muito utilizada por membros do parquet quando se dirigem aos membros do Poder Executivo. Obviamente, o descumprimento de uma requisição que atenda à legalidade e às atribuições do Ministério Público poderá ensejar responsabilidade administrativa, civil ou criminal, a quem deixar de atendê-la, mas isso não pode ser confundido com hierarquia.

Calamandrei disse que via a atividade do Ministério Público como a mais difícil, entre todos envolvidos na atividade jurídica.[6] Realmente, o MP é parte e, contraditoriamente, deve ser imparcial, sendo complicado aceitar o envolvimento do MP na fase de investigação criminal e depois vê-lo exercendo a persecução criminal com a isenção que o múnus público lhe exige. Por isso, a investigação a ser feita pelo MP deve ser complementar, sem que se invertam os papéis e se viole a especialização desejada pela Constituição Federal.

A complementar apuração dos crimes e das infrações de improbidade administrativa praticados por policiais que não sejam apurados por seus órgãos internos, os casos esquecidos ou não investigados, a fiscalização dos prédios policiais e de carceragem, a cobrança do regular trâmite dos procedimentos investigatórios, o cumprimento das requisições ministeriais, a preservação das liberdades e garantias individuais, etc. são atribuições do Ministério Público. Isso não se confunde com a presidência direta do inquérito policial pelo Ministério Público.

O controle externo não implica, destarte, em ascendência hierárquica ou disciplinar dos membros do Ministério Público sobre as autoridades policiais e seus agentes. Em consequência, se o Ministério Público verificar a ocorrência de quaisquer faltas disciplinares, há de dirigir-se aos superiores hierárquicos do funcionário público faltoso (Delegado de Polícia, escrivão, investigador, carcereiro, etc.), indicando as falhas e as providências que entenda cabíveis, para que a autoridade administrativa competente possa agir, somente vindo a agir o próprio parquet em caso de comprovada inação ou cumplicidade tendente à proteção do infrator.

Cabe, inicialmente, esclarecer o que se deve entender por poder investigatório. Admitindo-se a investigação como o conjunto de atividades e diligências tomadas com o objetivo de esclarecer fatos ou situações de direito, segue-se que investigar, no âmbito criminal, significa colher provas que elucidem o fato criminoso, demonstrando a sua existência ou não (materialidade) e quem para ele concorreu (autoria e participação), bem como as demais circunstâncias relevantes.

A investigação criminal pode se dar por meio da oitiva de testemunhas, requisição de documentos, realização de perícias técnicas, interceptação de conversas telefônicas, entre outros meios. Importante é que a forma de colheita dessas provas precisa obedecer a regras específicas e respeitar os direitos e garantias fundamentais, como condição para sua admissibilidade.

Ressalte-se que não há um monopólio investigativo por parte da polícia, existindo hipóteses em que investigações criminais são levadas a efeito no âmbito dos Poderes Legislativo e Judiciário. A investigação criminal direta pelo Ministério Público não é, todavia, a regra, ocorrendo apenas em situações específicas, nas quais o parquet efetivamente realiza, ele próprio, uma investigação pré-processual como forma de embasar eventual denúncia criminal.

A primeira hipótese de investigação direta é aquela da investigação direta originária, que se dá quando o Ministério Público inicia uma apuração de um crime por conta própria, sem envolver a polícia, mesmo que, em etapa posterior, venha a requisitar o auxílio dessa. Munido de suas garantias constitucionais e independência funcional, o Ministério Público lança mão dessa modalidade de investigação quando, por exemplo, o autor do fato é alguém capaz de exercer pressões políticas contra a apuração policial, mercê de sua vinculação ao Poder Executivo. Essa hipótese é de discutível constitucionalidade, havendo quem diga que o MP, em tais casos, deve se valer dos mecanismos legais para adequado controle externo que propicie à polícia judiciária o cumprimento de suas atribuições.[7] Não se olvide no entanto, que o STF tem se posicionado no sentido de que a investigação criminal é atribuição da polícia e do Ministério Público.[8]

Ainda com relação à investigação direta originária, também há casos em que a notícia do crime chega diretamente ao Ministério Público por meio de uma testemunha temerosa do organismo policial, cujo auxílio depende do sigilo nas investigações. Acontece também de o crime ter sido praticado por alguém da polícia, mormente nas hipóteses de abuso de poder ou tortura, mas a polícia se recusar a investigar, por corporativismo ou motivos vários. Aqui devem ser feitas as mesmas observações do parágrafo anterior, tendo em vista que a Constituição Federal, ao criar poderes, órgãos e corporações, esclarece a especialidade de cada um, deixando expressas as exceções, o que não parece presente no caso de investigação policial pelo Ministério Público.

O MP deve fazer a investigação, na hipótese em que é vedado à polícia realizar investigação criminal, tendo em vista a prerrogativa de função do autor do crime, que já é conhecido e é magistrado (art. 33, inc. 11, e § único, LOMAN) ou membro do Ministério Público (art. 40, inc. III e 41, inc. 11, e parágrafo único, Lei no 8.625/1993 e art. 18, inc. II, alínea "f", e parágrafo único, LC no 75/93). Nesses casos, face ao sistema acusatório, cabe ao Ministério Público presidir as diligências. Não se olvide que não há óbice à investigação direta do MP em tais casos porque atende à legalidade escrita, uma vez que a hipótese está expressamente prevista em lei complementar.

Uma segunda hipótese de investigação direta é a derivada, que também é deflagrada por conta própria; entretanto, o Ministério Público toma conhecimento de uma determinada infração penal por meio de outro tipo de procedimento decorrente de sua atuação. Acontece, por exemplo, que, ao instaurar um inquérito civil para apuração de um superfaturamento de obra pública, o Ministério Público constata a ocorrência de um fato que configura ao mesmo tempo ato de improbidade (civil) e peculato, corrupção, concussão (crime). Com base nas mesmas provas, o Ministério Público ajuíza a ação civil pública e a correspondente ação criminal. Novamente não se pode ver obstáculo em tal prática, uma vez que o inquérito policial é prescindível. O que não se pode admitir é a pretensão de sujeitar a autoridade policial às ordens diretas do Ministério Público, este presidindo inquérito policial como se fosse uma superautoridade policial com amplos poderes e hierarquia sobre a autoridade policial.

Por último, a investigação direta revisora ocorre quando o Ministério Público procura confirmar os dados e as conclusões fornecidas pela polícia. Nessa hipótese, o inquérito policial é concluído e encaminhado ao Ministério Público. Como se sabe, neste ponto, o promotor tem três opções: oferecer denúncia, promover o arquivamento ou requisitar novas diligências. Entretanto, em determinados casos, resta uma pequena dúvida, facilmente esclarecida pela oitiva de uma testemunha, por exemplo. Em outros casos, o promotor desconfia de direcionamento das investigações ou de prevaricação por parte da polícia. Na investigação revisora, o Ministério Público vai requisitar documentos e informações, ouvir testemunhas e realizar diretamente todas as diligências que entender necessárias para formar sua opinio delicti. Tal procedimento é questionável do ponto de vista da constitucional atribuição do Ministério Público. Em tais casos, melhor será a requisição de providências para sanar os vícios, salvo nos casos em que a investigação é simples e o MP atua supletivamente, pois não se pode confundir o MP com a polícia judiciária.

Argumenta-se que, em decorrência dos poderes explicitados nos incs. I, VI, VIII e IX do art. 129 da CF, bem como daqueles que decorrem naturalmente de tais poderes, ainda que de forma implícita, o Ministério Público pode e deve promover investigações. Diz-se que se a Constituição de 1988 conferiu ao Ministério Público o poder de postular perante o Poder Judiciário a punição dos que cometem delitos, implicitamente outorgou-lhe todos os meios necessários à sua consecução, inclusive o de realizar prévia investigação, nomeadamente quando a autoridade policial não puder ou não quiser exercer esse mister que lhe incumbe ordinariamente.

O STJ não vê qualquer inconveniente na investigação criminal direta pelo MP. Também, o STF iniciou julgamento do Recurso Extraordinário n. 593727-MG, ação esta que visa a limitar essa atuação investigativa do MP. Porém, já se consolidou no Pleno do STF maioria que entende legal essa investigação direta.

Entendo que o poder investigatório do MP deve ser visto como subsidiário, ou seja, complementar. O Ministério Público é uma instituição estatal que se encontra inegavelmente comprometida com a implementação dos direitos fundamentais. Por isso, na busca da defesa dos interesses sociais, que nas sociedades capitalistas se chocam, frequentemente, com os interesses do poder político e do poder econômico, é que se deve garantir ao Ministério Público poderes de investigação, ainda que em hipóteses específicas; justamente para que essa Instituição, ao lado das forças democráticas da sociedade civil, possa sempre lutar pela efetivação do Estado Democrático de Direito.

Os contrários à PEC-37, membros servidores do MP, dentre outras pessoas, denominaram a PEC-37 de “PEC da impunidade”, quando a atuação redação da constituição não será limitada pela inserção do § 10 no art. 144 da Constituição Federal, o que evidencia o baixo nível de cultura jurídica em que nos encontramos no Brasil.

Concluo dizendo que a única utilidade da PEC-37 é alertar o Ministério Público para o fato de que ele não é órgão policial, mas que o fato de já existir outro dispositivo constitucional que limita ainda mais a atuação do Ministério Público na investigação criminal (CF, art. 144,  1º, inc. IV), a PEC em discussão é desnecessária e inoportuna.


Notas

[1] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 8.

[2] 1 Depois da Lei n. 11.719, de 20.6.2008, o CPP passou a dispor: “Art. 257. Ao Ministério Público cabe: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código; e II - fiscalizar a execução da lei”.

[3] LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 3. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 119.

[4] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 129-132.

[5] Idem. Comentários à lei antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007. p. 143-145.

[6] CALAMANDREI, Piero. Eles, os juizes, vistos por nós, os advogados. 7. ed. Lisboa: Clássica, [1970?]. p. 59.

[7] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Comentários à lei antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006. São Paulo: Atlas, 2007. p. 143-145.

[8] STF. 2ª Turma. HC 103725/DF. Relator Ayres Britto. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28investiga%E7%E3o+e+direta+e+minist%E9rio+e+p%FAblico%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/bgaow59>. Acesso em: 24.6.2013, às 16h16. Do aresto se extrai: “5. A investigação propriamente penal, tão própria da polícia quanto do Ministério Público...”. STF. Pleno. Inq. 2.245/MG. Relator Joaquim Barbosa. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28investiga%E7%E3o+e+direta+e+minist%E9rio+e+p%FAblico%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/bgaow59>. Acesso em: 24.6.2013, às 16h25. STF. Pleno. ADI 1570/DF. Relator Maurício Corrêa. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28investiga%E7%E3o+e+direta+e+minist%E9rio+e+p%FAblico%29&pagina=2&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/bgaow59>. Aces-so em: 24.6.2013, às 16h29. Do aresto se extrai: “3. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e § 2o; e 144, § 1o, I e IV, e § 4o). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia”.

Sobre o autor
Sidio Rosa de Mesquita Júnior

Procurador Federal e Professor Universitário. Graduado em Segurança Pública (1989) e em Direito (1994). Especialista Direito Penal e Criminologia (1996) e Metodologia do Ensino Superior (1999). Mestre em Direito (2002). Doutorando em Direito. Autor dos livros "Prescrição Penal"; "Execução Criminal: Teoria e Prática"; e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" (todos da Editora Atlas).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. PEC 37, um nada jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3646, 25 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24781. Acesso em: 21 nov. 2024.

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