Ao contrair uma dívida, o devedor assume para si uma responsabilidade, devidamente respaldada pela potência patrimonial de seus bens móveis e imóveis.
Enquanto o universo patrimonial responder pelas obrigações assumidas, não há falar-se em insolvência civil.
Todavia, ressalte-se que referido patrimônio deve ser necessariamente, livre de qualquer constrição judicial e não afeto ao instituto da impenhorabilidade.
Nesse passo, relevante transcrever a boa lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR,(1) que assim trata do assunto: "Pouco importa, então, a existência de um patrimônio vultoso e até mesmo superior as dívidas, se os bens que os compõem são impenhoráveis pela sua própria condição jurídica (CPC, art. 649). Neste caso, a existência de bens impenhoráveis ou gravados coloca o devedor em estado de insolvabilidade, pois de nada adiantam ao credor quirografário".
A Lei instrumental civil, reconhece dois tipos de insolvência: a real e a presumida.
A insolvência real é prevista no artigo 748 do Código de Processo Civil, dispondo que "Dá-se a insolvência toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor."
No que respeita a insolvência presumida, expressamente prevista no artigo 750 do mesmo diploma legal, são previstos dois requisitos, a saber:
I. o devedor não possuir outros bens livres e desembaraçados para nomear à penhora;
II. forem arrestados bens do devedor, com fundamento no art. 813, I, II e III.
Em complemento, pertinente aduzir que o Código de Processo Civil, quer para a insolvência real (art. 748), quer para a presumida (art. 750), não cogita, muito menos exige, a prévia comprovação de existência de mais de um credor. O mesmo Humberto Theodoro Júnior (op. Cit. Pág. 133), assevera que a "insolvência civil, embora suponha, em regra, a existência de vários credores, tem, na verdade, como fundamento, o deficit patrimonial do devedor. Se se demonstra tal fato, não exige a lei que se prove, também, a efetiva pluralidade de credores interessados no mesmo patrimônio."
Ademais, estabelece o artigo 753, I do C.P.C., que a declaração de insolvência pode ser requerida por qualquer credor quirografário.
O Juiz, ao apreciar o pedido de insolvência civil, deve observar 4 (quatro) sistemas legislativos básicos, a saber:
- sistema do efetivo estado patrimonial deficitário;
- sistema de cessação de pagamentos;
- sistema de impontualidade;
- sistema de presunção em face de atos enumerados na lei.
Assim sendo, o julgador, ao receber a inicial, deve observar apenas se o credor cumpriu as exigências do artigo 754 do C.P.C., ou seja, se o pedido foi instruído com título executivo judicial ou extrajudicial (art. 586 C.P.C).
Exigir do credor a comprovação do estado de insolvência do devedor só é pertinente quando o pedido for fundamentado na insolvência real.
Se se tratar da insolvência presumida, é inexigível tal comprovação. Com propriedade, o já citado professor Humberto Theodoro Júnior (op. Cit., pág. 46), assevera: "Exigir do credor a prova de que o devedor não possui outros bens além dos penhorados, ou mesmo de que não possui bens suficientes para cobrir todos os seus compromissos, na verdade, equivale a impor-lhe o ônus da prova negativa, sacrifício que tem sido exprobrado desde o antigo direito romano".
Ademais, incumbe ao devedor, em seus embargos, a prova de existirem bens suficientes para cobrir a dívida cobrada. É o que se chama de superavit patrimonial.
Em reforço, o RSTJ 75/195, define que "AO DEVEDOR INCUMBE A PROVA DE SUA SOLVÊNCIA".
Outro ponto que merece ser abordado, espancando reiterados enganos por parte dos profissionais do Direito, é quanto a desnecessidade da preexistência de execução singular para o manejo da insolvência civil.
Em nome do princípio da economia processual, o credor, já ciente da ruína patrimonial do devedor, pode, ao seu alvedrio, ajuizar de pronto a específica ação de execução por quantia certa contra devedor insolvente.
Se considerado procedente o pedido, a declaração de insolvência produzirá o vencimento antecipado das dívidas do devedor, a arrecadação de todos os seus bens suscetíveis de penhora, atuais ou futuros, adquiridos no curso do processo e, por fim, a execução por concurso universal dos seus credores.
NOTAS
1.A insolvência civil: execução por quantia certa contra devedor insolvente - 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, pág. 47.