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Racha: dolo eventual ou culpa consciente

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9 ANÁLISE PELOS TRIBUNAIS

Sobre o crime de “racha ou pega”, apesar de raramente comprovado a prática deste crime, o Supremo Tribunal Federal demonstra a existência do dolo eventual, assim se posicionando:

A conduta social desajustada daquele que, agindo com intensa reprovabilidade ético-jurídica, participa, com seu veiculo automotor, de inaceitável disputa automobilística realizada em plena via pública, nesta desenvolvendo velocidade exagerada – além de ensejar a possibilidade de reconhecimento do dolo eventual inerente a esse comportamento do agente -, justifica a especial exasperação da pena, motivada pela necessidade de o Estado responder, grave e energicamente, à atitude de quem, em assim agindo, comete delitos de homicídio doloso e de lesões corporais. (RT 733/478). No mesmo sentido, TJPR: RT 722/508.

Entendimento do STF a respeito do HC 91159:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. "RACHA" AUTOMOBILÍSTICO. HOMICÍDIO DOLOSO. DOLO EVENTUAL.NOVA VALORAÇÃO DE ELEMENTOS FÁTICO-JURÍDICOS, E NÃO REAPRECIAÇÃO DE MATERIAL PROBATÓRIO. DENEGAÇÃO. 1. A questão de direito, objeto de controvérsia neste writ, consiste na eventual análise de material fático-probatório pelo Superior Tribunal de Justiça, o que eventualmente repercutirá na configuração do dolo eventual ou da culpa consciente relacionada à conduta do paciente no evento fatal relacionado à infração de trânsito que gerou a morte dos cinco ocupantes do veículo atingido. 2. O Superior Tribunal de Justiça, ao dar provimento ao recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, atribuiu nova valoração dos elementos fático-jurídicos existentes nos autos, qualificando-os como homicídio doloso, razão pela qual não procedeu ao revolvimento de material probatório para divergir da conclusão alcançada pelo Tribunal de Justiça. 3. O dolo eventual compreende a hipótese em que o sujeito não quer diretamente a realização do tipo penal, mas a aceita como possível ou provável (assume o risco da produção do resultado, na redação do art. 18, I, in fine, do CP). 4. Das várias teorias que buscam justificar o dolo eventual, sobressai a teoria do consentimento (ou da assunção), consoante a qual o dolo exige que o agente consinta em causar o resultado, além de considerá-lo como possível. 5. A questão central diz respeito à distinção entre dolo eventual e culpa consciente que, como se sabe, apresentam aspecto comum: a previsão do resultado ilícito. No caso concreto, a narração contida na denúncia dá conta de que o paciente e o co-réu conduziam seus respectivos veículos, realizando aquilo que coloquialmente se denominou "pega" ou "racha", em alta velocidade, em plena rodovia, atingindo um terceiro veículo (onde estavam as vítimas). 6. Para configuração do dolo eventual não é necessário o consentimento explícito do agente, nem sua consciência reflexiva em relação às circunstâncias do evento. Faz-se imprescindível que o dolo eventual se extraia das circunstâncias do evento, e não da mente do autor, eis que não se exige uma declaração expressa do agente. 7. O dolo eventual não poderia ser descartado ou julgado inadmissível na fase do iudicium accusationis. Não houve julgamento contrário à orientação contida na Súmula 07, do STJ, eis que apenas se procedeu à revaloração dos elementos admitidos pelo acórdão da Corte local, tratando-se de quaestio juris, e não de quaestio facti. 8. Habeas corpus denegado.

No que tangue a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal citada anteriormente, não deve ser ignorada em determinados casos e nem buscada na mente do autor, mas sim, da circunstância que levaram ao resultado fatal daquele determinado evento, pois se sabe que o autor do homicídio, nesses casos, não irá confessar que assumiu o risco de produzir o evento fatal. 

O STF manteve seu entendimento no HC 82219 que dispõe:

EMENTA: HABEAS CORPUS. (1) Dolo eventual e culpa consciente. Dissídio pretoriano configurado. Pressupostos de recorribilidade atendidos pelo Superior Tribunal de Justiça. (2) Questão de fato e questão de direito. Nova valoração de elementos fático-jurídicos não se confunde com reapreciação de matéria probatória. (3) Habeas corpus indeferido.

Destarte, o Superior Tribunal de Justiça assim entende:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIOS. "RACHA". PRONÚNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PRETENDIDA.

I – É de ser reconhecido o pré questionamento quando a questão, objeto da irresignação rara, foi debatida no acórdão recorrido.

II – Se plausível, portanto, a ocorrência do dolo eventual, o evento lesivo – no caso, duas mortes - deve ser submetido ao Tribunal do Júri. Inocorrência de negativa de vigência aos arts. 308 do CTB e 2º parágrafo único do C. Penal.

III – Não se pode generalizar a exclusão do dolo eventual em delitos praticados no trânsito. Na hipótese de "racha", em se tratando de pronúncia, a desclassificação da modalidade dolosa de homicídio para a culposa deve ser calcada em prova por demais sólida. No iudicium accusationis, inclusive, a eventual dúvida não favorece os acusados, incidindo, , a regra exposta na velha parêmia in dubio pro societate.

IV – O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor, mas, isto sim, das circunstâncias. Nele, não se exige que resultado seja aceito como tal, o que seria adequado ao dolo direto, mas isto sim, que a aceitação se mostre no plano do possível, provável.

V – O tráfego é atividade própria de risco permitido. O "racha", no entanto, é – em princípio – anomalia extrema que escapa dos limites próprios da atividade regulamentada. Recurso não conhecido.

 Também, não se pode deixar de cogitar o dolo eventual nos crimes de homicídios praticados por condutore que imprimem excesso de velocidade em seu veículo, assumindo assim, o risco de causar um acidente que poderá gerar uma lesão ou até mesmo a morte de outrem.

Neste sentido o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no acórdão Nº 70010717833, que dispõe:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – DELITO NO TRÂNSITO - DOLO EVENTUAL - CULPA CONSCIENTE – RACHAS - MANOBRAS PERIGOSAS - CAVALO DE PAU – PREVISIBILIDADE DO RESULTADO - DEPOIMENTOS - INDÍCIOS PARA ACOLHER A CLASSIFICAÇÃO PENAL.

Na culpa consciente o agente tem previsibilidade do resultado, porém não o deseja e confia que não ocorrerá. No dolo eventual, o agente tem previsibilidade do resultado, não quer que aconteça, porém prossegue na ação admitindo e aquiescendo com o evento letal. 

2- Não há como penetrar no subjetivo do agente/condutor para saber se presente o dolo É a conduta de quem, voluntariamente, põe em risco a segurança na circulação de veículos no trânsito, que poderá levar a presumir-se pela existência do dolo eventual, seja exemplificativamente, por dirigir em velocidade irrazoável, excessiva, sob efeito de bebida alcoólica ou entorpecente, realizando “rachas” em via pública, interceptando a circulação normal andando em zigue-zague, realizando manobras perigosas como “cavalo de pau” ou ainda, transportando, displicentemente, cargas perigosas e circulando com veículo sem as mínimas condições.

3-Havendo indícios, mesmo que contestados por outras informações de que o agente causou a colisão com a moto quando fazia um “cavalo de pau”, admite-se a pronúncia, juízo, meramente provisório para submeter o processo ao julgamento dos jurados.

NEGADO PROVIMENTO.

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No caso acima o réu irresignado requer a desclassificação do delito de homicídio doloso, para culposo, sustentando não ter agido dolosamente para o evento morte. Analisada somente a prova testemunhal arrolada pelo Ministério Público, é unânime no sentido de que o réu ao fazer a curva teria dado causa ao acidente, o que sem sombra de dúvidas, caracteriza um dos elementos do crime culposo, a saber: inobservância do cuidado objetivo manifestado através da imprudência, negligência ou imperícia. Ainda, através da prova colhida que o motoqueiro vinha em alta velocidade, contribuindo, assim para o acidente.

Na Apelação crime nº 631.596-6, de Maringá, 1ª Vara Criminal.

JÚRI – HOMICÍDIO – “RACHA” DE VEÍCULOS EM VIA URBANA MOVIMENTADA.

I – TESES DE INEXISTÊNCIA DE DOLO EVENTUAL E DESCLASSIFICAÇÃO AFASTADAS – VEREDICTO DO CONSELHO DE SENTENÇA AMPARADO NA PROVA DOS AUTOS – RECURSOS DOS RÉUS DESPROVIDOS.

II - PENA – DOSIMETRIA: (a) PENA-BASE – REDUÇÃO  DECORRENTE DO RECONHECIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO DA VÍTIMA PARA O DELITO – INADMISSIBILIDADE – PRECEDENTE DA CÂMARA; (b) ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA – NÃO CONFIGURAÇÃO – MAJORAÇÃO DAS RESPOSTAS

PENAIS – RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDO.

Portanto, que os Acusados, mesmo não pretendendo diretamente causar a morte da vítima, assumiram o risco deste resultado, que era perfeitamente previsível, possível e provável, quando decidiram promover, ao cair da tarde, “racha” automobilístico em movimentada avenida de Maringá.

Por outra, arriscaram-se conscientemente a um acontecimento danoso. A maneira como agiram, exteriorizada por seus atos, projetam o elemento moral do fato típico, evidenciando o dolo eventual. E restou clara a assunção do risco, na medida em que, sabedor do perigo da disputa de velocidade em plena via pública, preferiram assim conduzir seus veículos, conformando-se com a eventual ocorrência de sinistro, ao invés de renunciarem à prática da ação.


10 CONCLUSÃO

Após concluirmos o presente trabalho, podemos verificar que é tênue a classificação do dolo eventual nos crimes de homicídio no trânsito, bem como diferenciá-lo da culpa consciente.

Sabendo que o dolo direto baseia-se na vontade do agente em cometer o delito, o dolo eventual, como uma das modalidades do dolo, é quando o agente assume o risco de produzir o resultado devido à continuação da sua ação. Por outro lado, na culpa consciente, o condutor também é ciente do resultado que poderá causar com sua ação, mas acredita fielmente que conseguirá evitá-la.

Em se tratando de crimes de trânsito, o dolo eventual vem gerando uma grande discussão doutrinária e jurisprudencial sobre essa classificação, pois em regra, o artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro determina que os crimes de homicídio no trânsito sejam culposos.

Porém, as jurisprudências e as doutrinas, vêm reconhecendo o dolo eventual nos crimes de homicídio no trânsito, por entenderem que o condutor que dirige seu veículo sob efeito de álcool ou de substâncias entorpecentes, praticando a disputa denominada “racha” e que imprime velocidade incompatível com a segurança do trânsito, esta assumindo totalmente o risco de produzir um resultado lesivo ao bem jurídico tutelado agindo nessas situações.

De tal forma, o que se busca com essa classificação, é maior severidade nas penas para a prática de homicídio no trânsito, principalmente nas hipóteses já mencionadas, pois o que se pretende resguardar é o direito a vida e a segurança que a própria constituição nos garante.

Por fim, entende-se que apesar da regra do artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro determinar que o crime de homicídio no trânsito seja culposo, tanto a doutrina como a jurisprudência demonstram que há sim a possibilidade dos crimes de homicídio no trânsito ser de dolo eventual, principalmente nos crimes já mencionados durante o trabalho, levando o condutor a julgamento pelo Tribunal do Júri, afastando assim a regra do artigo 302 devido à gravidade do resultado.


REFERÊNCIAS

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006.

JESUS, Damásio de. Crimes de Trânsito: Anotações à Parte Criminal do Código de Trânsito (Lei n. 9.53, de 23 de setembro de 1997). 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002.

BRASIL. DECRETO-LEI N. 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Código Penal.

LEI Nº 9.503, DE 23 DE SETEMBRO DE 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro.

JESUS, Damásio de. Direito Penal. Volume 1: 28 Ed, ver. Atual. – São Paulo: editora Saraiva, 2005.


Abstract: This paper aims at analyzing the Possible fraud and conscious guilt pointing their differences in the contexto of homicide by motor vehicles in competitions “slit”. The firtst point detached specifically refers to fraud, conceptualizing, defining and describing his theories. In the second phase wil analyze the fault of the institute, as explanatory of the intent, studying their characteristics, methods and species. And finally addressing the possible differences between intentional and conscious guilt in homicides due to “slit” car, a study in theory as in the case Law. After studying the institutes of fraud and guilt, we conclude that what determines whether the homicide caused by “splitting” is intentional or negligent is the subjective sphere of the agent. Since discovery is only from the material elements provided in each particular case.

Keyword: subjective element, whether intentional, conscious guilt, slit, crime.

Sobre os autores
Juliani Gemim Baransk

Bacharel em Direito pelo CESCAGE - Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais.

Edson Lucio do Amaral

Técnico em Hardware. Bacharel em Direito pelo CESCAGE - Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARANSK, Juliani Gemim; AMARAL, Edson Lucio. Racha: dolo eventual ou culpa consciente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3717, 4 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25220. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

Orientador: Mario Elias Soltoski Junior – Professor da disciplina Direito Penal do Curso de Direito do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais – CESCAGE

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