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O direito internacional privado e o sequestro interjurisdicional de crianças

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Agenda 12/10/2013 às 07:07

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA

Outra circunstância de aplicação da lei e que pode fazer parte de uma estratégia jurídica nesses casos é a homologação de sentença estrangeira. Nesse caso, o direito é aplicado de acordo com um determinado país e, posteriormente aquela sentença é homologada em outro. Não tendo havido trânsito em julgado de decisão sobre o mesmo tema e partes no país, o pai de Sean poderia, por exemplo, ter obtido uma sentença judicial americana e depois tê-la homologado no Brasil. O Brasil, nesse caso, não faria nenhuma objeção ao que foi aplicado no processo americano, ressalvando-se apenas em princípios de comprovação do devido processo e da ordem pública. Por isso, a homologação de sentença estrangeira pode ser uma estratégia jurídica na solução de problemas de abdução de menores. É, todavia, caminho pouco elegido em patrocínios de causas concretas, pois a justificativa de alteração das circunstâncias é sempre usável nos casos envolvendo menores, justificando medidas de segurança e de urgências das mais diversas a embaralhar a validação do julgado internacional.

O respeito a decisões estrangeiras é, a exemplo da possibilidade de utilização da legislação expatriada, também um princípio do Direito internacional Privado.

A homologação, como dito, não tem lugar quando já houver, no Brasil, ação transitada em julgado com o mesmo objeto da sentença estrangeira. Não existe litispendência internacional no Brasil (artigo 90 do Código de Processo Civil)  mas, se já houver trânsito em julgado de decisão brasileira impossível é homologar sentença estrangeira, exceto se esta foi prolatada em vista de fatos e circunstâncias já alteradas, posteriormente aos fatos julgados na ação transitada em julgado no Brasil.

Se não houver trânsito em Julgado de decisão brasileira, prevalecerá o trânsito que ocorrer antes, já que não existe litispendência internacional e os dois processos ocorrerão simultaneamente.


A ORDEM PÚBLICA COMO CRITÉRIO

A ordem pública é um importante fator, no Brasil, para a aplicação da lei. No DIPr, o conceito de “ordem pública” é muito usado. A ordem pública é uma conceituação que denota o conjunto de princípios de Estado, que são protegidos como sendo de interesse público, questões de costumes e moral atinentes a uma determinada sociedade, não podendo ser ferida pela implementação do Direito Internacional. Podem ser enquadráveis como questões de ordem pública temas como proteção aos direitos humanos, a monogamia (e a conseqüente negação da aceitação da poligamia e dos direitos maritais dos países islâmicos) e outros assuntos que carreguem conteúdo com o mesmo peso.

 “Observamos que, mesmo estando de acordo com a decisão do STF, de homologar a sentença estrangeira, a consideração de um possível recurso à ordem pública na questão não seria abusiva e fantasiosa, como entendia o ilustre membro da Corte, eis que a proteção das crianças mediante a garantia de não serem retiradas da guarda da mãe, em cuja companhia se encontravam, em caráter permanente no Brasil, poderia perfeitamente ser considerada matéria de ordem pública, na medida em que a proteção de crianças tem geralmente esta conotação, e a nosso Judiciário cabe zelar pela manutenção daquelas que aqui vivem na companhia e sob a guarda de quem de direito. (DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: A criança no Direito Internacional.Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar: 2003, p. 226).”

Um dos critérios de ordem pública que podem vir a atrapalhar ou impedir uma validação de sentença estrangeira, aplicação de Convenção internacional ou lei alienígena é o princípio vigente no Brasil de não se separar irmãos, ou, ao menos, de se tentar evitar tal separação. O menino Sean tinha uma irmã no Brasil, filha de sua mãe com o padrasto que teve sua guarda. Como a caracterização do que fere a ordem pública é nebulosa, sendo muito judiciosa e subjetiva, variarão, com certeza, os entendimentos do que se enquadra ou não como ferindo a “ordem pública” brasileira.

 “Uma vez que a questão já foi julgada pela corte estrangeira competente, não consideraremos aqui um pedido de alteração. Isto seria contrário à prática das nações esclarecidas quanto ao respeito devido aos julgamentos das outras e, ademais, o tribunal que já considerou o caso esta mais capacitado do que qualquer outro para decidir se circunstâncias alteradas indicam a necessidade de modificar a decisão original.[14] (DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: A criança no Direito Internacional.Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar: 2003, p. 304).”

 “A aplicação da lei estrangeira foi igualmente rejeitada com base no princípio da ordem pública, por não tomar em consideração o “bem-estar da criança”[15] (DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: A criança no Direito Internacional.Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar: 2003, p. 305).””

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Em um processo de abdução de menores, algumas outras questões costumam gerar interesse e merecem aqui comentos. Uma delas é a questão da vontade da criança. Muitos são os que defendem a possibilidade de ouvir-se o menor. No entanto, tal ouvida deve, se feita, precedida com muita cautela.

Uma das últimas tentativas da família brasileira de Sean para impedi-lo de voltar aos EUA foi um habeas corpus, com fundamentos na restrição indevida no direito de locomover-se (nesse caso pela obrigação da ida da criança aos EUA), baseando a ilegalidade da restrição exatamente no fato do juiz primevo ter-se negado a ouvir o infante.

Como se vê, e aqui o gancho, várias são as possibilidades jurídicas em tão ardilosa e interessante temática. Uma questão que se coloca é que, inevitavelmente, pelos inúmeros obstáculos de caráter processual que existem, o genitor seqüestrador acaba por ter certa “vantagem”. Vários pais, ao perceberem a enorme dificuldade jus-processual que o genitor que teve o filho abduzido terá, se vêem incentivados a realizar a abdução.

A convenção de Haia busca a celeridade, mas, infelizmente, nem sempre isso é possível. As cortes que decidem tais questões devem sempre tentar prestar o serviço jurisdicional com a maior presteza possível. A situação acaba por favorecer os pais seqüestradores, pois os mesmos contam com o tempo ao seu favor, para que a criança se adapte ao novo domicílio e sejam aplicadas as exceções legais da Convenção de Haia, por exemplo.

Na mesma esteira, esse fato acaba por incentivar os “contra-sequestros”.

“A guerra que se trava entre certos pais, em que seqüestros e contra sequestros se sucedem, levou autores ingleses a falar em “a series of kidnappings na re-kidnappings”[16] (DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: A criança no Direito Internacional.Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar: 2003, p. 261).””

Cabe dizer que não deve o pai que teve a criança seqüestrada demorar para pleitear o retorno, pois que esse fato tem levado a interpretações de desinteresse no retorno.

Portanto, como visto várias podem ser as estratégias para o pai ou mãe que vise o retorno da criança indevidamente retirada de seu convívio e país.

No caso de Sean e em vários outros, há o retorno. Sempre com cautela. Antes da decisão oriunda do STF, mediações de visitação e gradualismo na troca de custódia foram observados. Em outros tantos casos, na ocorrência verificável, seja de forma tendenciosa, flexível ou não das exceções que justifiquem a manutenção da criança no país, elas aqui permanecem. O caminho para a conclusão, todavia, é estreito e exige o maior zelo e dedicação do jurista.

Por certo, vê-se que na questão da abdução internacional de menores, o jurista, seja ele patrocinador, aplicador ou analista do Direito deve ter arisca atenção ao decompor tal assunto.  Deve atentar para a vigência da Convenção e, na análise das exceções lá previstas e, na possibilidade de utilização da lei interna, se ela nos manda usar a lei estrangeira de algum país ou se há prévia decisão estrangeira homologada no Brasil.

E com certeza, como no caso de Sean, sempre serão úteis na solução deste tipo de conflito a mediação e a criatividade e sensibilidade dos juízes, inclusive para preservar a dignidade e personalidade da criança, sempre a maior vítima dos desacordos dos pais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BATIFFOL, Henri. “La quatorzième session de la Confèrence de La Haye de droit international privè”. REVUE 1981.233.

BILAC, 2003, p.35-36

CARVALHO, 2003, p.26

DICEY e MORRIS, p. 838.

DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: A criança no Direito Internacional.Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar: 2003, p.179

Israel Law Review, 1975.137

SKOLER, Glen .“A Psychological Critique of International Child Custody and an Abduction Law”, Family Law Quarterly, 1998. Pp. 557-602.


Notas

[1] Através do decreto legislativo nº 79/00

[2] Como determina obrigação contida na referida Convenção Internacional

[3] Traga Sean de volta para casa

[4] Advocacia Geral da União

[5] Vide trecho das Leis de Maimônides no intróito ao presente capítulo.

[6] No direito internacional sempre há essa multiplicidade de enfoques: uma mesma questão é potencialmente solucionável por diferentes perspectivas jurídicas, daí a importância da efetividade das decisões e da necessidade de se procurar implicar nas questões o ordenamento jurídico de onde deve ocorrer a execução de uma decisão. O princípio da Soberania, lá do Direito Internacional Público, evidentemente impede que decisões de um país sejam automaticamente executáveis em outros, o que não significa que não possam ser, o que geralmente decorre de um processo de internalização de decisões estrangeiras. Escolher o melhor caminho, em Direito Internacional Privado, pode ser tortuoso, mas fundamental no êxito, ou não, de uma estratégia legal.

[7] Vide HENRI BATIFFOL “La quatorzième session de la Confèrence de La Haye de droit international privè”, REVUE 1981.233.

[8] Quando a mãe que leva a criança para outro país, as conseqüências da devolução da criança estão muito ligadas ao regresso da mãe, pois se ela não pode ou não quer retornar – seja porque saiu do país devido aos sofrimentos pelos quais lá passava, seja porque teme as conseqüências que lhe poderão advir do seqüestro que praticou, separar a criança da mãe, que sempre dela cuidou representa um problema de considerável gravidade. E mesmo que a mãe regresse, o sofrimento a que poderá ser submetida terá seus reflexos sobre a criança. Por outro lado, deixar que estes aspectos levem a não determinar a volta da criança, significaria premiar quem agiu ilicitamente. Vide REVUE 1995.96.Voltaremos a este aspecto da questão.

[9] A primeira das hipóteses suscitadas pelo artigo 13 – que a pessoa ou instituição que devia cuidar da criança não estava efetivamente exercendo a sua guarda – foi comparada por Battifol, op., loc. Cit, à noção de posse como entendida no direito das coisas, ou seja só se restitui na posse quem estava efetivamente exercendo-a de forma pacífica, pública e contínua. A segunda hipótese – dano para a criança na devolução – será discutida adiante, conforme nota anterior. Quanto à terceira hipótese, a decisão sobre a maturidade da criança, fica ela inteiramente entregue ao juiz, caso por caso. Assim, uma corte da Califórnia, no caso de Navarro v. Bullock, determinou o retorno de uma menina de 11 anos de idade e de seu irmão de 9 anos, apesar de suas objeções. Por outro lado de uma corte inglesa, no caso Re S., aceitou a objeção de uma menina de 9 anos que tinha a idade mental de 12.

[10] GLEN SKOLER “A Psychological Critique of International Child Custody and an Abduction Law”, Family Law Quarterly, 1998. Pp. 557-602.

[11] Conferências Interamericanas de Direito Internacional Privado

[12] Não reformada pelo Novo Código Civil, data ainda à época de Vargas, sem maiores suscitações ou problemas. É o decreto-lei 4657/42.

[13] Seu acrônimo é LICC.

[14] Israel Law Review 1975.137

[15] ID., p. 149. À p. 143 o autor conceitua o “welfare of the child”- bem-estar da criança da seguinte maneira: ‘It may encompass a myriad of different – sometimes contending – considerations, such as the natural competence of a mother to care For the child, this significant, impacto f the father-figure on the personality development of a growing boy, the instinctive preference for the natural parents as custodians, the inclinations not to separate among siblings, the tendency to sanction parental agreements on child custody, the importance of stabilizing the child´s home-base and avoiding disruptions an upheavals in the child´s life, the benefit and risk involved in a potencial change of residence, economic conditions, social backgrounds, educational and cultural environment,religious affiliations and the professed preferences of mature children. Of special significance in child placement deliberations is the psychological dimension of the child´s welfare…”O autor alude a uma decisão da Corte Suprema de Israel que não admitiu aplicar alei estrangeira, determinante da entrega da criança ao genitor inocente, isto é, àquele que não causou a falência do casamento, porque este critério não harmoniza com o princípio do “walfare of the child”. Vê-se que o bem-estar da criança evoluiu para ficar sob a proteção do princípio da ordem pública que poderá, em determinadas circunstâncias, superar a indicação de uma lei estrangeira pelas regras de conexão do d.i.p.

[16] DICEY e MORRIS, p. 838. Vide adiante caso da jurisprudência argentina.

Sobre o autor
Sergio Pereira Diniz Botinha

Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Pós-graduado em Mudanças Climáticas pela Universidade Federal do Paraná - PR, Advogado Sócio do escritório Botinha & Cabral Advocacia Internacional, escritório com atuação específica, desde 1999, em Direito Internacional Privado e Investimentos Estrangeiros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOTINHA, Sergio Pereira Diniz. O direito internacional privado e o sequestro interjurisdicional de crianças. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3755, 12 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25488. Acesso em: 22 nov. 2024.

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