INTRODUÇÃO
O presente trabalho de Hermenêutica Jurídica, consiste numa análise doutrinária e jurisprudencial acerca do artigo 192, parágrafo 3º da Constituição Federal de 1998. Apesar de exaustivas discussões acerca deste assunto, não se pode afirmar que a retomada de sua análise está esgotada. É um tema gasto e regasto no meio jurídico, todavia é ora reavivado nesta cadeira, oportunamente, em face aos reflexos jurídicos, econômicos e, principalmente, políticos que repercutem na atual conjuntura da sociedade brasileira.
Constata-se que a matéria em questão é polêmica, sendo que ao longo dos treze anos da promulgação de nossa atual Carta Magna, os posicionamentos majoritários dos Tribunais deste país eram favoráveis à não auto-aplicabilidade do artigo 192, § 3º da Constituição Federal, entretanto como poderemos verificar, mormente neste trabalho, há uma tendência, a partir de 1998 à aceitação do referido dispositivo através da manifestação de diversos tribunais deste país, através de seus julgados, como sendo auto-aplicável o referido dispositivo constitucional.
O objeto deste trabalho, é, através de uma sucinta pesquisa e análise, entretanto, de forma crítica, em buscar-se compreender este celeuma que nos trouxe o amplamente discutido artigo 192 atual Carta. Para tal feito, expõe-se sucintamente a polêmica na jurisprudência e na doutrina, da qual se discute o seguinte: O parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição Federal tem eficácia plena (auto-aplicabilidade), ou tem eficácia limitada (não auto-aplicabilidade), dependente da edição da lei complementar mencionada no caput do artigo 192 da CF?
Buscar-se-á ao longo deste, responder às perguntas anteriormente indagadas, pautadas num estudo de tais posicionamentos antagônicos. Para isso é mister a aplicação das regras de interpretação de acordo com os princípios da hermenêutica jurídica.
Acreditamos ser tema notável como enfoque à Hermenêutica Jurídica e, também, às demais matérias, pois nosso propósito é, desde logo, buscar o conhecimento, adquirido em bancos escolares, através de pesquisas, trabalhos, enfim, e em outros meios que nos são oferecidos, entretanto, acredita-se que se faz necessário ao acadêmico, que procure inteirar-se de assuntos jurídicos desta natureza, pela sua polêmica em razão de ser um assunto controvertido que circunda nosso ordenamento jurídico. É nossa pretensão, buscar compreender tais assuntos, de modo a obtermos a formação de uma concepção própria e conseqüente posicionamento acerca de tais assuntos.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
1.1 DO CONTEXTO HISTÓRICO QUE NORTEOU A ATUAL CARTA
Se fizermos um retrocesso no tempo para realizar uma análise dos fundamentos das normas jurídicas constitucionais e o contexto em que foram editadas poderemos, somente então, sentirmos o espírito da Lei e a vontade do legislador constitucional.
O Estado de Direito, hoje, no Brasil, existe na estreita dependência da vontade de um único Poder, o Poder Executivo. Isto leva a um profundo desequilíbrio dos princípios basilares tanto da República, quanto da Democracia. A equação fica: Legislativo e Executivo editam as normas "jurídicas", que somente após o exame e interpretação pelo STF, são consideradas "em vigor", não importando a clareza da legislação. Isto, vale dizer, que o nosso Estado de Direito reforça o Estado e enfraquece, ou anula, o Direito.
O ideário da Revolução Francesa, embasado no governo do povo para o povo, e na conseqüente e indispensável independência absoluta entre os Três Poderes, se estabeleceu quando a insuportável situação social exigia uma nova ordem não opressora que permitisse, aos homens e mulheres, o reconhecimento de sua cidadania.
O desenvolvido sentido de autoritarismo que deixou enormes cicatrizes em nossa história, durante o regime da ditadura militar que comandou os anos "dourados", idealizou o Decreto Lei que deu suporte ao absolutismo ditatorial que ainda hoje, embora de forma dissimulada, se faz presente travestido de diploma legal na figura lamentável da Medida Provisória.
No discurso de promulgação da atual Carta Magna, um certo brasileiro chamado Ulisses Guimarães, Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, chamou-a de "A Constituição Cidadã".
Cidadã, porque voltada para atender aos anseios de um povo que tinha visto subtraída a sua liberdade, por quase trinta anos, e que foi subjugado pelas forças do poder à cega obediência, ou à muda resistência.
Foi nesse contexto histórico, com este espírito de cidadania e liberdade, que os legisladores constituintes da época, plenos do espírito da reconquista do Estado de Direito em seu país, editaram a Lei Maior da Nação Brasileira, em 1988.
É na exata medida, a do respeito à esta norma mãe brasileira, que o cidadão vê respeitado e resguardado o seu próprio direito, sua dignidade e sua cidadania.
O conceito de justiça se baseia em uma única premissa: No equilíbrio das relações tuteladas pelo direito.
É com fundamento neste equilíbrio que é viabilizada a convivência harmônica entre os tutelados pelas normas de direito; portanto, tudo o que foge deste equilíbrio é tendencioso e mau. Mau, no sentido jurídico da palavra, naquele sentido que envolve a má-fé ou a boa-fé.
Nosso legislador constituinte deu preferência aos atos de boa-fé.
Naquele contexto histórico de ufanismo, de amor à pátria, de reconquista do Estado de Direito em que as normas constitucionais foram editadas, era absolutamente impossível cogitar-se qualquer possibilidade de manipulação futura, contra o real sentido das regras nascidas naquele contexto histórico e contidas na sagrada Carta Magna desta Nação.
Isto é verdadeiro, pois esta Constituição se inicia apontando como seus fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana, comprovando a sua razão de ser na garantia dos direitos e garantias individuais dos cidadãos.
1.2 DO SENTIDO DE PREVALÊNCIA DAS NORMAS MAIORES
"Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;"
A Lei Maior, em seu artigo 3º, dispõe:
Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
No Capítulo que contempla os Direitos e Garantias Individuais, no artigo 5º e seus incisos, temos:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Sabemos que, nenhuma norma legal pode ser interpretada isoladamente, fora do sistema jurídico e, muito menos, ser admitida quando estiver em conflito direto com as maiores normas jurídicas que regem as relações do país, expressadas na Carta Magna.
Assim, nesta esteira de raciocínio todos os atos que atentarem contra os direitos elencados na Constituição da República devem ser simplesmente repudiados não sendo acolhidos sob nenhum pretexto, pois há risco de que, tal prática se torne regra, ensejando violação da nobreza dos princípios da Lei maior deste país, arrastando, neste correnteza, o Estado de Direito tão duramente reconquistado pelo povo brasileiro.
A Carta Magna determina:
Art. 192 - O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:
...
§ 3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.
A manipulação jurídica da norma constitucional, que se apóia na tese de que os juros não foram regulamentados nos parece tendenciosa e inconsistente pois, a própria Carta define quais juros não poderão ser superiores a 12% ao ano, dizendo que as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão do crédito, como podemos verificar aí se incluem todas as remunerações capazes de se embutir como "juro".
A Carta, na proteção do desenvolvimento equilibrado do país, e do serviço aos interesses da coletividade, exige a obediência ao equilíbrio entre os valores tomados como empréstimo, acrescidos da compensação financeira paga pelo custo real do dinheiro, e aquele que será retornado ao credor, de forma diferente deste custo hoje cobrado, imperialmente imposto pelas próprias instituições financeiras e de, em seu próprio favor, que foge à similaridade com todas as outras remunerações compensatórias, pagas ao aplicador normal.
Tal argumentação, por si só, bastaria. No entanto ainda devemos obediência ao próprio "caput" do artigo 192, que limita a regulamentação do Sistema Financeiro Nacional à lei complementar e nenhum outro diploma, que não contenha a sua força e legitimidade.
A própria Lei de Introdução ao Código Civil, parte integrante do sistema jurídico nacional, estabelece que quando em determinado prazo, o legislador não regulamenta certo dispositivo legal, este estará em pleno vigor.
Perguntamos: Nossa Carta Magna estará no terreno das hipóteses há 13 anos? Sete, além dos costumeiros prazos decadenciais e prescricionais deste país?
Considerando os argumentos relatados, acredita-se na prevalência das normas constitucionais às interpretações contrárias ao melhor entendimento do direito e do bem estar dos cidadãos, sugerindo que não se acolha outras ponderações diversas das contidas no espírito da Carta Magna Brasileira, conforme veremos a seguir.
1.3. CONCEPÇÕES PRELIMINARES
Antes de discorrer sobre o assunto, é necessário verificarmos o conteúdo do art. 192 § 3º da CF para delimitarmos o cerne deste trabalho.:
Art. 192 da CF.: O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em Lei Complementar, que disporá sobre:
§ 3º As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos que a lei determinar.
A polêmica na jurisprudência e na doutrina é a seguinte.: O parágrafo acima descrito tem eficácia plena, ou tem eficácia limitada, dependente da edição da Lei Complementar mencionada no caput do art. 192 da CF?
Para tal é preciso saber que normas de eficácia plena são aquelas de aplicabilidade imediata, direta, integral, independendo de legislação posterior para sua inteira aplicação. Normas de eficácia limitada são aquelas normas que dependem de uma legislação posterior para adquirirem eficácia, dividindo-se em normas de principio institutivo ( art. 18 § 3º da CF ) e normas programáticas ( art. 205 da CF ).
Alguns adotam a primeira corrente, com o aval da maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual, o § 3º do art. 192 tem eficácia limitada, pois, depende da edição da mencionada Lei Complementar. Outros entendem que o mencionado parágrafo tem eficácia plena, ou seja, não depende da edição de qualquer legislação posterior, em razão de possuir contornos já bem definidos.
2.LIMITAÇÃO DE JUROS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. POSICIONAMENTOS JURISPRUDENCIAS
As normas constitucionais, mormente as de índole proibitiva, são dotadas de eficácia plena, ou seja, têm auto-aplicabilidade. Segundo a doutrina contemporânea, a grande maioria das disposições constitucionais é de incidência imediata, mesmo aquelas que até bem recentemente não passavam de princípios programáticos. Com isso, mais efetiva torna-se, induvidosamente, a outorga dos direitos e garantias sociais inscritos nas Constituições. Por isso mesmo, nada justifica que uma norma proibitória, como a que limita os juros reais à taxa máxima de 12% ao ano, não incida de imediato, ficando no aguardo indefinido de uma regulamentação que, na prática, terá que, obrigatoriamente, vergar-se ao percentual máximo já inscrito na Lei Maior.
No acórdão, o tópico "Juros Constitucionais" colaciona doutrina e jurisprudência de diversos tribunais do País, inclusive outros julgados mais antigos do próprio TJSC:
Acerca do tema em destaque, assinala a recorrente que imperiosa faz-se, diante da estabilização econômica existente no País, a incidência da norma embutida no art. 192, § 3º da Lex Fundamentalis, norma essa que impõe a limitação, em 12% anuais, da taxa de juros máxima, insurgindo-se, então, contra a cobrança, pelo apelado, de juros anuais excedentes à previsão constitucional.
Nos moldes do entendimento perfilhado pelo douto sentenciante monocrático, entretanto, o preceito constitucional em referência não é dotada de auto-aplicabilidade, tornando-se indispensável a sua regulamentação via lei complementar.
Conquanto respeitemos o entendimento do douto sentenciante, que, aliás, é majoritário nos Tribunais pátrios e, inclusive, nesta Casa, dele divergimos!
Dispõe referido preceito constitucional:
"Art. 192: O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a propiciar o desenvolvimento equilibrado do País e a servir os interesses da coletividade, será regulado em lei complementar que disporá, inclusive, sobre:
§ 3º - as taxas de juros, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas às concessões de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano;... ".
O questionamento, acentue-se, perpassa pela auto-incidência ou não do refalado art. 192, § 3º.
Entende, a propósito, o respeitado José Afonso da Silva:
"Está previsto no § 3º do art. 192 que as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão do crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.
Este dispositivo causou muita celeuma e muita controvérsia quanto à sua aplicabilidade.
Pronunciamo-nos, pela imprensa, a favor de sua aplicabilidade imediata, porque se trata de uma norma autônoma, não subordinada à lei prevista no caput do artigo. Todo parágrafo, quando tecnicamente bem situado (e este não está, porque contém autonomia de artigo), liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa. Veja-se, p. ex., o § 1º do mesmo art. 192. Ele disciplina assunto que consta dos incs. I e II do artigo, mas suas determinações, por si, são autônomas, pois uma vez outorgada qualquer autorização, imediatamente ela fica sujeita às limitações impostas no citado parágrafo.
Se o texto, em causa, fosse um inciso do artigo, embora com normatividade formal autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar. Mas, tendo sido organizado num parágrafo, com normatividade autônoma, sem referir-se a qualquer previsão legal ulterior, detém eficácia plena e aplicabilidade imediata. O dispositivo, aliás, tem autonomia de artigo, mas a preocupação, muitas e muitas vezes, revelada ao longo da elaboração constitucional, no sentido de que a Carta Magna de 1988 não aparecesse com demasiado número de artigos, levou a Relatoria do texto a reduzir artigos a parágrafos e uns e outros, não raro, a incisos. Isso, no caso em exame, não prejudica a eficácia do texto.
‘Juros reais’ os economistas e financistas sabem que são aqueles que constituem valores efetivos, e se constituem sobre toda desvalorização da moeda. Revela ganho efetivo e não simples modo de corrigir a desvalorização monetária.
As cláusulas contratuais que estipularem juros superiores são nulas. A cobrança acima dos limites estabelecidos, diz o texto, será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei dispuser. Nesse particular, parece-nos que a velha lei de usura (Dec. 22.626/33) ainda está em vigor" (Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., 1994, Malheiros Editores, págs. 703-704).
Comungando com esse entendimento, observa o douto Arnaldo Rizzardo:
"Estabelece-se que o art. 192, em seus incisos, é uma regra de eficácia contida, por necessitar, em inúmeras situações, de outras regulamentações. E assim também é possível considerar o § 3º. Ele contém todos os elementos necessários à operatividade imediata, embora, na legislação infraconstitucional, talvez venha a se submeter a eventuais restrições, decorrentes da presença de termos indeterminados, como ‘juros reais’, ‘remunerações’ e ‘comissões’.
É possível que surjam proposições definitórias.
Mas, não quanto ao que está no âmago do dispositivo, naquilo que é fundamental e imperativo, ou seja, a taxa de 12% ao ano" (grifamos, Contratos de Crédito Bancário, 2ª ed., RT, pág. 270).
De inestimável valia é transcrever-se, aqui, o que disse o insigne Juiz Costa de Oliveira, quando do julgamento, pelo 1º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, da apelação cível n. 413.456-5, julgada em 22.11.89.
Frisou o ilustre julgador:
"Já houve muitos estudos a respeito. Há de prevalecer a tese do Congresso dos Tribunais de Alçada do Rio Grande do Sul (1988): é ‘auto-aplicável’, isto é, bastante em si, a regra jurídica do art. 192, § 3º, da CF. Esta regra contém duas partes. A primeira termina com a expressão ‘doze por cento ao ano’. Esta expressão vem seguida de ponto e vírgula. É pontuação importante. Ela separa as idéias: a que vem depois em relação à antecedente. Assim, a expressão final ‘nos termos da lei’, diz respeito apenas à segunda idéia. A segunda idéia é a conceituação da nova modalidade de crime de usura, que apanha qualquer ente social. Aí, sim, é necessária a lei, a preencher o vazio da regra constitucional: haverá esse novo crime para todos, com penas regradas na lei comum, depois de entrar em vigor a dita lei.
Entretanto, não se precisa de lei para a limitação dos juros a 12% ao ano (com inclusão das taxas). Logo, se a parte discutir os juros (como no caso se precedeu), é de mister a aplicação da Constituição Federal de 1988. Nos juros serão incluídas quaisquer taxas de serviços, sem inadimplemento do mutuário, é pago pelos juros estabelecidos na Constituição Federal de 1988 (a multa por inadimplemento já é outra coisa, com outra causa).
Outro ponto é relativo ao caráter bastante em si (‘auto-aplicável’) ou não da regra posta no § 3º di duti art. 192. Nesse particular, configura-se de extrema artificialidade o argumento de ser regra ainda dependente de lei - não seria regra jurídica constitucional bastante em si. Tem sido escrito (em pareceres encomendados por associações bancárias) que o caput do art. 192 fala do sistema financeiro nacional a ser regulado em lei complementar de tal jeito que, quando no § 3º se escreveu que a taxa de juros reais não poderão ser superiores a 12% ao ano, terá ficado claro que também essa primeira parte do § 3º depende de lei complementar. Puro artifício verbal - que o papel aceita sempre. Num mesmo artigo de lei, ou da Constituição, podemos ter várias regras, independentes uma das outras. O que o parágrafo tem de comum com o caput é que, por força de alguma lógica formal de organização extrínseca dos assuntos, os tópicos do caput (matéria geral nele tratada) é também matéria dos artigos. Isso nem sempre, aliás, acontece. Depende de maior ou menor organização mental do redator, ou redatores. Muito contingentemente: no momento da redação.
Vamos a um exemplo: na CF/88 o art. 212, caput, trata de percentuais da receita dos impostos para aplicação no ensino; entretanto, o § 4º muda de assunto - fala de programas suplementares de alimentação e assistência à saúde, previstos no art. 208, VII, com recursos de financiamento proveniente de outros recursos".
Mas, mesmo que a lógica do redator, ou redatores, seja mais perfeita, nada impede que a regra do parágrafo seja impeditiva do que consta no caput. Vejamos dois exemplos da Constituição anterior (CF/67, Emenda 1/69): a) no art. 16 dizia-se que os controles externos sobre o Município dependiam de lei; no § 3º fixaram-se limites populacionais e financeiros para a instituição de tribunal de contas no Município. Ora, ninguém terá tido a ousadia de pensar que a limitação constitucional posta no § 3º dependia de lei prevista no caput; b) no caput do art. 17 foi dito que a organização administrativa do decreto federal dependia de lei. No § 2º estabeleceu-se que o governador seria nomeado pelo Presidente da República. Não houve quem se arriscasse esta esdrúxula hermenêutica a respeito da regra: que a nomeação do governador (chefe do executivo) também dependesse da lei referida no caput do art. 17".
E prossegue o emérito julgador:
"Outros, interessados em manter livres os juros cobrados pelos bancos - e na ciranda financeira - afirmam ser de mister antes a definição do que sejam ‘juros reais’. Ora, a questão é simples. "Reais" aí não tem a ver com a terminologia do direito das coisas. Não real é o que só vem por conta de correção monetária. Esta é correção de distorção; o resultado de atualização monetária não é acréscimo; não é ganho, não dispõe de alcance utilitário novo e efetivo. ‘Real’ é o ganho - o que vem a mais - ao passo que a correção monetária não acrescenta nada ao importe efetivo passado. Apenas recupera a expressão do fundo econômico perdido pela expressão nominal, que a inflação envelhece como expressão de valor efetivo, da capacidade aquisitiva da moeda. Claro portanto que ‘juros reais’ são os interesses econômicos de importe superior à mera atualização monetária (mais o IOF). Resumindo: ‘juros reais’ são os permitidos para além da simples correção monetária e do IOF.
Costuma-se lançar outro argumento, este ad terrorem e extrajurídico - que impressiona a muitos juízes, sem razão. A interpretação da regra constitucional do art. 192, § 3º, da CF/88, tal como está, introduziria o caos no sistema financeiro do País, desorganizaria toda a economia nacional e criaria enorme problema social. Muito se poderia dizer a respeito desta tese equivocada. Duas seriam, sobretudo, importantes para uma discussão ampla do assunto:
1. A regra constitucional, enquanto vigente, tem de ser cumprida; a economia há de afeiçoar-se a ela, e não "e converso";
2. O Judiciário há de aplicar a regra jurídica, corretamente interpretada; não responde pelos azares do Executivo nem pelos temores de uma sociedade viciada na ciranda financeira.
Pode-se ir, porém, passar à frente, e negar a consistência dessa falsa tese. A correta aplicação da regra constitucional vai é produzir resultados de reequilibração econômico-financeira do País. Ajudará a combater a inflação e a agiotagem oficial".
Para o brilhante magistrado, em sendo assim, o referido § 3º é dotado de auto-aplicabilidade, constituindo-se, mesmo, em norma completamente autônoma, divorciada, pois, da exigência da edição da lei complementar a que alude o caput do art. 192.
Desse posicionamento não diverge Luiz Roberto Barroso, Professor de Direito Constitucional da UERJ, Procurador do Estado do Rio de Janeiro e "Master of Laws" pela "Yale Law School", quando, com clarividência impar, anota:
"No dia seguinte à promulgação da nova Constituição, a Consultoria Geral da República divulgou parecer sobre a inteligência a ser dada ao art. 192 e seu § 3º, assim ementado:
‘Em um único artigo a Constituição, promulgada ontem, manda reformar o Sistema Financeiro Nacional, estabelecendo exigências e diretrizes que deverão ser observadas pelo legislador ordinário em lei complementar. Impossibilidade de vigência imediata de uma única diretriz destacada do conjunto. O tabelamento dos juros, previsto em parágrafo, sujeita-se à regra principal do artigo e não pode dela apartar-se para aplicação imediata no sistema ainda não submetido à reforma determinada pelo constituinte. Interpretação gramatical e sistemática. Preceito constitucional de integração e a interpretação da ‘interpositio legislatoris’.
Com a vênia devida, o parecer, empenhado em negar a auto-aplicabilidade da regra, é trabalho de advogado, comprometido com um interesse e com uma tese. Na pressa envolveu-se o nome do Professor Vicente Ráo, por duas vezes, em póstumo constrangimento (nota de rodapé: "A certa altura atribui-se ao falecido professor duas passagens copiadas, quase literalmente, do prefácio ‘Contribuição à Crítica da Economia Política’, de Karl Marx. No livro de Ráo, todavia, felizmente o crédito é dado ao filósofo alemão (V. ‘O Direito e a Vida dos Direitos’, 1952, p. 155). Pouco antes, o parecer atribuíra ao mesmo professor o seguinte equívoco: ‘As declarações programáticas que só enunciam princípios gerais e são mais particularmente usadas nas constituições e leis políticas, não contêm, em si, a força de sua obrigatoriedade: obrigatórias só se tornam quando uma disposição concreta de lei as aplica... ’. Havendo escrito em 1952, sob influência e concepções à época aceitas, a impropriedade da análise das normas programáticas não seria grave. Sucede, no entanto, que visto no contexto, Vicente Ráo refere-se a declarações programáticas que antecedem os textos legislativos, hipótese inteiramente diversa daquela para a qual se procurou invocar sua autoridade’). O argumento não procede. José Carlos Barbosa Moreira, em lição límpida a seguir reproduzida, cuida de desfazer o equívoco.
O art. 193 da mesma Constituição alude, em seu caput, que ‘lei complementar, de iniciativa do STF, disporá sobre o Estatuto da Magistratura’. Em seguida arrolam-se em onze incisos, os princípios a serem observados em sua elaboração. Independentemente da promulgação da lei complementar referida, todos aqueles incisos que consubstanciem normas completas são desde logo aplicáveis. Exemplifica-se. O inciso IX do art. 93 determina que ‘todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade’. Pois bem: desde a entrada em vigor do mesmo Texto, estão revogadas todas as disposições inscritas em quaisquer diplomas normativos, inclusive os regimentos internos dos Tribunais, que permitiam a realização de julgamentos em segredo, ou a emissão de decisões sem a devida fundamentação.
O mesmo raciocínio se aplica à análise do artigo 192. Onde há regra completa, seja em inciso ou em parágrafo, é ela eficaz e auto-aplicável. Vale dizer: a teor do inciso I, está desde logo assegurado ‘às instituições bancárias oficiais e privadas’, por exemplo, ‘acesso a todos os instrumentos do mercado financeiro bancário’. Também o § 2º do art. 192 contém norma autônoma, dotada de eficácia plena, ao dispor que ‘os recursos financeiros relativos a programas e projetos de caráter regional, de responsabilidade da União, serão depositados em suas instituições regionais de crédito por ela aplicados’. Conclui, assim, o ilustre professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro:
‘Isto demonstra a inconsistência do raciocínio baseado na colocação: se a regra de um dos parágrafos independe, à evidência, da lei complementar, conclui-se que a mera circunstância de estar inserta em parágrafo, por si só, nada diz sobre a dependência ou a independência da regra em face daquela lei. A verdade é que ambos os parágrafos (o 2º e o 3º), contém normas autônomas e bastantes em si mesmas; do ponto de vista técnico, seria preferível que formassem artigos distintos, sem que do senão - corriqueiro, segundo facilmente se demonstraria com exemplos copiosos - se torne lícito extrair qualquer ilação relevante’.
O segundo fundamento invocado no parecer da Consultoria Geral da República, a justificar a inaplicabilidade automática do § 3º do art. 192, é a insuficiência dos ‘elementos normativos que compõem a regra em questão’. Alega-se que a caracterização do que sejam juros reais não decorre do texto constitucional, onde não há delineamento de elementos aptos a embasar aquela noção conceitual. Esposando o mesmo entendimento, Caio Mário da Silva Pereira formula a crítica de que a disposição constitucional ‘resultou simplista demais’.
É de se assinalar que, na interpretação da Constituição, documento jurídico fruto da vontade soberana do poder constituinte, já não cabe oporem-se argumentos de conveniência e oportunidade, fundados em apreciações políticas ou técnico-econômicas. Existe norma, e ao intérprete e aplicador cabe fazê-la atuar... ).
Até o advento da Constituição de 1988, a questão da taxa de juros sujeitava-se a regime dúplice. Era vedado a todas as pessoas a estipulação em contrato de juros superiores a 12% (doze por cento), por força do Decreto 22.626/33, que, todavia, não se aplicava às instituições do Sistema Financeiro. Agora, sob a nova ordem constitucional, cuida-se tão somente de fazer aplicar a todos, inclusive aos bancos e instituições afins, as regras que já vigoravam há muitas décadas para quase todos. Juridicamente não há qualquer dificuldade nisto, muito embora, deve-se reconhecer, não tenham faltado pareceristas procurando criá-las.
O Supremo Tribunal Federal, todavia, adotou tese oposta, qual seja, a da não auto-aplicabilidade da vedação constitucional. Ainda uma vez, inevitável reavivar, a este propósito, o comentário de José Carlos Barbosa Moreira, que após notar que a todo momento, em literatura especializada e leiga, se emprega o conceito de juros reais, assinalou: ‘Só na hora de interpretar a Constituição é que não se sabe o que é; não se sabe porque não se quer saber. É claro que a taxa de juros reais é tudo aquilo que se cobra, menos a correção monetária. Se sabemos o que é boa fé, conceito muito mais vago; se sabemos o que são bons costumes, o que é vaguíssimo, se sabemos o que é mulher honesta, para aplicarmos o dispositivo legal que define o crime de estupro, por que é que não podemos saber o que são taxas de juros reais? Isso faz parte da tarefa cotidiana do juiz: interpretar textos legais e definir conceitos jurídicos indeterminados; e este aqui não é tão indeterminado. Acho que é bastante determinado’.
Pelos fundamentos deduzidos, afirma-se, aqui, a posição de que o § 3º do artigo 192 da Constituição de 1988 não é norma programática, nem tem sua eficácia condicionada por norma infraconstitucional. Ele define uma situação jurídica prontamente efetível e permite que as pessoas invoquem a tutela jurisdicional para ver declarada a invalidade de qualquer obrigação que não reverencie o postulado constitucional" (O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, Renovar, 2ª ed., págs. 220 a 225).
Após um período de hesitação, posto que existente, inclusive, posicionamento pretoriano superior em contrário, igualmente passei a fazer coro com os que entendem ser auto-aplicável o texto constitucional sob comento, sendo absoluta a desnecessidade de aguardar-se o disciplinamento formal do que já está definido com suficiência.
Impondo o próprio preceito constitucional um limite máximo que não poderá ser esbordado para a taxa real de juros, esse limite máximo é auto-aplicável. É questão de lógica, parece-nos, uma vez que a lei complementar que vier a ser editada, para a normatização do sistema financeiro nacional, jamais poderá ultrapassar esse limite de 12% ao ano. Poderá delimitar essa taxa em percentual inferior a 12% anuais. Porém, não poderá, insistimos, suplantá-lo, já que essa suplantação implicaria em evidente inconstitucionalidade e em, esdruxulamente, se vislumbrar a possibilidade de o legislador ordinário adotar posicionamento díspar daquele definido pelo legislador constituinte.
Com a autoridade jurídica que lhe é inerente, disse o eminente Min. Paulo Brossard, no voto que proferiu ao ensejo do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº. 004-DF:
"Tenho para mim que o § 3º do art. 192 tem em si mesmo elementos bastantes para imperar desde logo e independentemente de lei complementar, até porque esta, querendo ou não o legislador, não poderá ter como juro máximo 12% ao ano, incluídas nessa taxa que, aliás, não é nova entre nós, toda e qualquer comissão ou tipo de remuneração direta ou indiretamente referida à concessão do crédito. Isto porque, como é sabido, como a chamada lei de usura prescrevesse como limite máximo a taxa de juros de 12%, instituições financeiras, sob a pressão do fenômeno inflacionário, passaram a cobrar outras taxas sob rótulos distintos.
Querendo ou não querendo o legislador, ele não poderá autorizar a cobrança de qualquer remuneração seja a que título for, direta ou indiretamente ligada à concessão de crédito, além do juro, juro este que será de até 12% e em caso algum superior a essa taxa" (RTJ 147/830).
Em outra oportunidade, enfatizou o preclaro Ministro:
"Por mais respeito que deva ter ao acórdão proferido na ADIn 4-7/600, a ele não posso prestar homenagem. Entre ele e o Brasil, fico com este, enquanto a usura, condenada pela Constituição no mais explícito e terminante de seus preceitos, e contudo, pimpante, gordacha, próspera e luzidia não destruí-lo. Em outros tempos se dizia que ou o Brasil destruía a saúva ou a saúva destruiria o Brasil. O mesmo se pode dizer da usura, ou o Brasil a destrói, ou por ela será destruído" (JSTF 209/212).
Ainda ao ensejo do julgamento da antes mencionada ADIn, o preclaro Min. Carlos Velloso professou:
"O § 3º do art. 192 da Constituição, Senhor Presidente, contém, sem dúvida, uma vedação. E contém, de outro lado, um direito, ou, noutras palavras, ele confere, também, um direito, um direito aos que operam no mercado financeiro. Em trabalho doutrinário que escreveu sobre a taxa de juros do § 3º do art. 192 da Constituição Federal, lecionou o Desembargador Régis Fernandes de Oliveira:
Percebe-se claramente que a norma constitucional gerou um direito exercitável no círculo do sistema financeiro, criador de uma limitação. Está ela plenamente delimitada no corpo da norma constitucional, independentemente de qualquer lei ou norma jurídica posterior. Bem se vê que ‘as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano... ". Segue a redação após o ponto em vírgula estabelecendo que o descumprimento do preceito será estabelecido em lei (ordinária, porque definidora de infração penal).
O desfrute de tal limitação constitucional àqueles que lidam no mercado financeiro (qualquer do povo) é imediato, a limitação aos que operam no sistema, emprestando dinheiro, é imediata. Do direito de um nasce a obrigação do outro. A relação jurídica intersubjetiva que se instaura gera a perspectiva do imediato desfrute da limitação imposta’. (Regis Fernandes de Oliveira, ‘Taxa de Juros’, ).
Contém, já falamos, o citado § 3º, do art. 192 da Constituição, uma vedação: ‘as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano’. Porque ela é uma norma proibitória ou vedatória, ela é de eficácia plena e de aplicabilidade imediata, ou é ela uma norma auto-aplicável. E porque confere ela, também um direito aos que operam no mercado imobiliário, também por isso a citada norma é de eficácia plena. Não me refiro, evidentemente, à segunda parte do § 3º do art. 192, que sujeita a cobrança acima do limite a sanções penais, porque esse dispositivo não precisa ser trazido ao debate".
Não seria procedente, portanto, o segundo argumento dos que entendem que o § 3º do artigo 192 não é auto-aplicável: a locução ‘taxa de juros reais’ não teria sido definida juridicamente, o que impediria a imediata aplicação da norma limitadora dos juros" (RTJ 147/816-817).
Na mesma esteira, empreste-se realce ainda os acórdãos assim ementados:
"A norma do § 3º do art. 192 da CF é de eficácia plena, por isso que contém, em seu enunciado, todos os elementos necessários à sua aplicação. Logo, é auto-executável, de incidência imediata" (RT 653/192).
"Juros. Fixada a taxa de juros no limite máximo de 12% em texto expresso da Constituição Federal, a redução a esse limite dos juros cobrados em operação de crédito é imposição constitucional que dispensa regulamentação para sua imediata aplicação" (RT 667/152).
"O art. 192, § 3º, da Carta da República é norma suficiente por si, auto-aplicável, não estando na dependência de regulamentação por lei ordinária. A expressão ‘nos termos que a lei determinar’ transfere à legislação infraconstitucional exclusivamente a definição da ilicitude penal (crime de usura), naturalmente em respeito ao princípio da reserva legal" (RT 675/188).
"O § 3º do art. 192 da Constituição, contém norma proibitiva e auto-aplicável, sem necessitar de qualquer complemento legislativo que, se editado, deverá moldar-se à vedação constitucional, e não o contrário" (RT 683/157).
"O limite constitucional dos juros, sendo auto-aplicável a norma do art. 192, § 3º da CF, alcança todas as transações de crédito bancário. (...)" (RT 734/488).
E do egrégio Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul:
"JUROS REAIS. Artigo 192. § 3º.
Dispositivo não sujeito a regulamentação. Aplicabilidade imediata. A remuneração do capital e a remuneração de serviço referido à concessão do crédito constituem juros reais e não podem superar a 12% ao ano. Apelação desprovida" (Julgados do TARGS 76/298).
" (...) Os juros devidos, desde a vigência da CF, são de 12% ao ano, de vez que auto-aplicável a norma do art. 192, § 3º.
Ao Judiciário não pode servir de óbice à sua aplicação imediata, o fato de o legislador ordinário, que nada pode acrescer à norma, demorar na sua regulamentação pela legislação ordinária" (Julgados do TARGS 81/207).
"JUROS - VALIDADE DO LIMITE DE 12% A.A. - APLICABILIDADE DA LEI DE USURA.
Com o advento da Constituição Federal de 1.988, por força do art. 25 do ADCT, revogadas ficaram todas as instituições sermativas e, de resto, o próprio poder normativo, em poder de competência legislativa do Congresso Nacional. Por conseguinte, o poder normativo a respeito de juros bancários que a lei 4.595/94 concedia ao Conselho Monetário Nacional restou revogado. A única lei federal limitativa de juros é a lei de Usura que hoje regra os contratos de toda a sociedade, inclusive, os bancários" (Ap. Cív. n. 196.004.204, de Porto Alegre, rel. Des. Márcio Puggina).
Também acentuou o colendo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
"JUROS - LIMITE CONSTITUCIONAL - ART. 192, PARAG. 3º, DA CF - NORMA QUE DISPENSA REGULAMENTAÇÃO PARA SUA IMEDIATA APLICAÇÃO.
Fixada a taxa de juros no limite máximo de 12% em texto expresso da Constituição Federal, a redução a esse limite dos juros cobrados em operações de crédito é imposição constitucional que dispensa regulamentação para sua imediata aplicação" (Ap. Cív. n. 5.560/89, j. em 21.08.90, rel. Des. Renato Mareschy).
Outrossim, proclamou o colendo Tribunal de Alçada de Minas Gerais:
"JUROS - CF/88 - AUTO-APLICABILIDADE.
É auto-aplicável o § 3º do art. 192 da CF, que proíbe a cobrança de juros acima de 12% do valor atualizado do débito, pelo que exerce agiotagem quem infringe a norma" (TAMG, ADCOAS 137/492, rel. Juiz Ximenes Carneiro).
Em acórdão precursor, da lavra do eminente Des. Carlos Prudêncio, assim já decidiu esta Câmara:
"AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. JUROS — LIMITE CONSTITUCIONAL — ART. 192. § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL — AUTO-APLICABILIDADE — NORMA QUE DISPENSA REGULAMENTAÇÃO, SENDO DE EFICÁCIA PLENA COM INCIDÊNCIA IMEDIATA.
O § 3º do art. 193 da CF é norma auto-aplicável e de incidência imediata, não dependendo de regulamentação por lei complementar, Trata-se de norma autônoma, não condicionada à lei prevista no caput do artigo.
Estabelecida a regra da taxa de juros reais de 12% ao ano, com ou sem lei complementar, os juros não poderão ser superiores a esse limite. A lei a ser elaborada é que estará subordinada ao § 3º do art. 192, e não este subordinado àquela; tudo que prescreverá a lei complementar deverá estar de acordo com a norma constitucional, ou então será inconstitucional.
O limite de juros de 12% ao ano, previsto na Constituição chega a ser elevado diante do atual quadro econômico do país. Não se pode permitir a cobrança de juros excessivos e de forma em que todos são obrigados a aceitar. Fica muito difícil suportar as taxas de juros da maneira em que são praticadas, não podendo o Judiciário ficar omisso, devendo intervir ainda que se trate de contrato firmado "livremente" entre as partes" (Ap. Cív. n. 96.006262-9, da Capital).
Em ementa aditiva ao acórdão prolatado na Apelação Cível n. 96.000871-3, da comarca de Canoinhas, este relator sustentou:
"EMENTA ADITIVA - VOTO VENCIDO - ART. 192, § 3º, DA CF. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - AUTO-APLICABILIDADE.
À toda evidência, não há razão plausível a impedir que os Tribunais pátrios não adiantem os regramentos de um sistema financeiro que, ainda que possa estar órfão de regulamentação própria, já contém, quanto aos juros, a espinha dorsal que o norteia.
Assinalando a Lei Maior que os juros reais não podem exceder à taxa ânua de 12% (doze por cento), obviamente, haja regulamentação ou não, os juros já contam com uma limitação máxima, que jamais poderá ser ignorada pelo legislador ordinário".
Em outro precedente, enfatizamos:
"ART. 192, § 3º, DA MAGNA CARTA - AUTO-APLICABILIDADE.
Nenhuma razão de ordem legal está a inibir a aplicação, de pronto, da norma contida no art. 192, § 3º da Lei Fundamental, que, por ser de índole limitadora, criou, de imediato, um direito plenamente exercitável no âmbito do sistema financeiro pátrio. A taxa ali prevista encontra-se perfeitamente delimitada no seu alcance máximo, entendendo-se inconcebível que o legislador ordinário possa, em virtual inconstitucionalidade, antepor-se à égide da Lei Maior. Não poderá ele, de forma alguma, furtar-se à uma obediência cega e irrestrita ao máximo já previsto no Texto Básico em vigor" (Ap. Cív. n. 97.009233-4, de Chapecó).
E gizamos na ementa do acórdão referente à apelação cível n. 97.010947-4, da comarca de Maravilha:
"ART. 192, § 3º, DA MAGNA CARTA - AUTO-INCIDÊNCIA.
Por esculpir uma norma essencialmente restritiva, o art. 192, § 3º da Lei Maior erigiu um direito auto-exercitável no âmbito do sistema financeiro pátrio, já que delimitou, com plenitude, a taxa máxima de juros reais a ser praticada no território nacional. A não ser por puro protecionismo aos economicamente mais fortes, verdadeiramente detentores do monopólio financeiro, é que poder-se-á admitir possa o legislador ordinário contrapor-se, em norma regulamentadora, à realidade implantada constitucionalmente, instituindo, então, uma taxa superior a 12% anuais".
Oportuno é trazer-se à colação o que disse o Exmo. Sr. Juiz de Alçada Paulo Heerdt, quando do julgamento, pela 2ª Câmara do colendo Tribunal de Alçada Civil do Estado do Rio Grande do Sul, da Apelação Cível n. 192188076, da comarca de Porto Alegre:
" (...) sequer era necessária a discussão da sentença a respeito da incidência imediata ou não da norma constitucional limitadora, inserta no art. 192, parág. 3º, da Carta Vigente.
Contudo, também quanto a isso, essa Corte e especialmente este órgão colegiado vem se orientando no sentido de sua auto-aplicabilidade, pois que se trata de norma proibitiva e, por isso, na opinião dos constitucionalistas, inspirados no constitucionalismo americano, é de incidência imediata. Por certo nenhuma lei complementar ou ordinária poderia permitir cobrança de taxa superior a 12% ao ano.
De outra parte, nenhuma dificuldade em compreender-se o conceito de juros reais, pois que sendo conceito econômico, não poderia a lei adulterar-lhe o sentido. Ademais, sabido que juros reais constituem a remuneração do capital e serviços, enquanto os nominais incluem o índice de atualização da moeda".