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Análise doutrinária e jurisprudencial acerca do artigo 192, § 3º da Constituição Federal de 1988

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01/01/2002 às 01:00
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3.CONSIDERAÇÕES FINAIS

"Em síntese, a jurisprudência e a doutrina são tranqüilas e remansosas sobre a questão. Ademais, o Estado em sua função ético-social não pode e não deve sancionar a crematística através da "agiotagem" e, por isso mesmo, a Constituição vigente adota, como princípios constitucionais, dentre outros, o da "dignidade da pessoa humana" e dos "valores sociais do trabalho... "(art. 1º, incisos III e IV, primeira parte), dispondo, no seu artigo 192, parágrafo 3º:

"As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punidos, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar".

Sem embargo, da referida norma constitucional ser dirigida, em especial, às instituições financeiras, é certo, contudo, que o Decreto n. 22.626/33 está em perfeita sintonia com aquele preceito, pois só assim serão respeitados os princípios fundamentais insertos no art. 1º, incisos III e IV, da Carta Magna" (RSTJ 4/1.465-6).

Conclui-se que o entendimento acerca de sua auto-aplicabilidade é minoritário; mas se não se começar, quando menos, a plantar uma semente de esperança de uma mudança radical acerca do assunto, dificilmente alcançar-se-á, algum dia, um estado efetivamente de direito, onde a igualdade de todos perante a lei não continuará a ser uma mera questão de retórica.

Entretanto, não se pode aguardar, pacificamente a edição de uma lei complementar, que ao nosso ver, pela análise ora realizada, é totalmente desnecessária e que pode-se dizer que dificilmente será editada, pois já passarem-se mais de 13 anos. Pelo menos, não enquanto os nossos legisladores, ou pelo menos a maioria deles, emprestarem maior valor aos interesses puramente econômicos dos grandes organismos financeiros, relegando ao mais completo ostracismo os interesses do povo e das empresas pequenas e genuinamente nacionais.

Respeita-se os entendimentos contrários, pois o julgamento recursal é coletivo e não monocrático, mas não podemos nos curvar a um entendimento majoritário e prevalecente, apenas encampando-o.

Insista-se: assinalando a Lei Maior que os juros não podem extrapolar a taxa ânua de 12%, obviamente, seja indispensável ou não a edição de qualquer Lei Complementar, já lhes foi de antemão estabelecida uma limitação máxima: 12% ao ano.

Certas desmistificações impõem-se feitas: se vive-se num país sem inflação, ou com índices inflacionários baixíssimos, não se justificam, de modo algum, as taxas que estão sendo postas em prática pelas casas financeiras. Juros convencionais de 12%, nesse passo, até se revelam bastante altos em uma economia onde se não reconhece praticamente a existência de inflação e na qual se outorga, aos que auferem um minguado salário mínimo, aumento anual equivalente a pouco mais de 7% (sete por cento).

A mistificação tem que ser colocada em parâmetros reais. Ou existe inflação ou não existe.

Se existe, há que se considerá-la para todos.

Inexistente ela, elevadas taxas de juros nada mais significam que não um verdadeiro estelionato e, com o beneplácito do Judiciário, estelionato legalizado, equivalente a ganhos ilícitos, a enriquecimento ilegal; em síntese, à opressão do economicamente mais forte, em detrimento dos menos favorecidos.

Por essas razões, no tópico em alinhamento, provê-se, por maioria, a insurgência recursal da executada, limitando-se em 12% ao ano a taxa de juros a incidir no ajuste bancário sob execução.

"As normas constitucionais são, de regra, auto-aplicáveis, vale dizer, são de eficácia plena e de aplicabilidade imediata. Já foi o tempo em que predominava a doutrina no sentido de que seriam excepcionais as normas constitucionais que seriam, por si mesmas, executórias. Leciona José Afonso da Silva que, "hoje, prevalece entendimento diverso. A orientação doutrinária moderna é no sentido de reconhecer eficácia plena e aplicabilidade imediata à maioria das normas constitucionais, mesmo a grande parte daqueles sócio-ideológicas, as quais até bem recentemente não passavam de princípios programáticos. Torna-se mais concreta a outorga dos direitos e garantias sociais das constituições’ (José Afonso da Silva, ob. cit. pág. 76). Nem poderia ser de outra forma. É que o legislador constituinte não depende do legislador ordinário. Este é que depende daquele. Então, o que deve o intérprete fazer, diante de um texto constitucional de duvidosa auto-aplicabilidade, é verificar se lhe é possível, mediante os processos de integração, integrar a norma à ordem jurídica. Esses métodos ou processos de integração são conhecidos: a analogia, que consiste na aplicação a um caso não previsto por norma jurídica uma norma prevista para hipótese distinta, porém semelhante à hipótese não contemplada; o costume, os princípios gerais de direito e o juízo de eqüidade, que se distingue da jurisdição de eqüidade. De outro lado, pode ocorrer que uma norma constitucional se refira a conceito jurídico indeterminado. Isto tornaria inaplicável a norma constitucional? Não. É que a norma dependeria, apenas, de ‘interpretação capaz de precisar e concretizar o sentido de conceitos jurídicos indeterminados’, interpretação que daria à norma ‘sentido operante, atuante’, ensina o Professor e Desembargador José Carlos Barbosa Moreira, com sua peculiar acuidade jurídica (José Carlos Barbosa Moreira, ‘Mandado de Injunção’, in ‘Estudos Jurídicos’, Rio, 1991, pág. 41).

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É o caso da ‘taxa de juros reais’ inscrita no § 3º do art. 192 da Constituição, que tem conceito jurídico indeterminado, e que, por isso mesmo, deve o juiz concretizar-lhe o conceito, que isto constitui característica da função constitucional. Buscando, novamente, a lição de J. C. Barbosa Moreira ao dizer que ‘todo conceito jurídico indeterminado é passível de concretização pelo juiz, como é o conceito de bons costumes, como é o conceito de ordem pública e tantos outros com os quais estamos habituados a lidar em nossa tarefa cotidiana’ (J. C. Barbosa Moreira, ob. e loc. cits.).


CONCLUSÃO

O trabalho ora apresentado é fruto de pesquisas de várias fontes bibliográficas, tais como, consultas a artigos em revistas jurídicas e artigos publicados na internet, podendo-se concluir quanto a auto-aplicabilidade ou não do parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição Federal, que apesar do posicionamento majoritário dos Tribunais ao longo dos treze anos após a promulgação da nossa atual Constituição, há uma tendência de diversos tribunais do país, através de suas decisões em acatar a aplicação imediata do aludido parágrafo, contrariando o Supremo Tribunal Federal, o qual adotou tese oposta, qual seja, a da não auto-aplicabilidade da vedação constitucional.

Nas conclusões finais deste trabalho, reascende-se as indagações tão amplamente discutidas país afora no meio jurídico, com reflexo no meio econômico e respondendo-se o seguinte: Na esteira de raciocínio de que todos os atos que atentarem contra os direitos elencados na Constituição da República devem ser simplesmente repudiados não sendo acolhidos sob nenhum pretexto, deve-se acatar, à minha modesta conclusão à auto-aplicabilidade do aludido parágrafo 3º do artigo 192 da nossa atual Carta, pois há risco de que, tal prática se torne regra, ensejando violação da nobreza dos princípios da Lei maior deste país, arrastando, neste correnteza, o Estado de Direito tão duramente reconquistado pelo povo brasileiro.

A Carta, na proteção do desenvolvimento equilibrado do país, e do serviço aos interesses da coletividade, exige a obediência ao equilíbrio entre os valores tomados como empréstimo, acrescidos da compensação financeira paga pelo custo real do dinheiro, e aquele que será retornado ao credor, de forma diferente deste custo hoje cobrado, imperialmente imposto pelas próprias instituições financeiras e de, em seu próprio favor, que foge à similaridade com todas as outras remunerações compensatórias, pagas ao aplicador normal.

Conclui-se, em absoluto, que o entendimento acerca de sua auto-aplicabilidade é minoritário, todavia não pode-se conceber que a inércia paire sobre nós, se não houver uma ampla luta incansável por cada um que se sentir lesado num direito que, pode-se dizer que é basilar de nosso ordenamento jurídico, pois provêm da Lei Maior, então nosso ordenamento jurídico decairá, sobretudo há que se a plantar uma semente de esperança de uma mudança radical acerca do assunto. Acreditamos ser difícil atingirmos, algum dia, um estado efetivamente de direito, onde a igualdade de todos perante a lei não continuará a ser um mero discurso.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed 19. São Paulo: Malheiros, 2000.

2. CARDOSO, Elza Alinde Miranda. Das dificuldades da aplicação do direito perante o poder dos bancos no atual governo brasileiro: antagonismo institucionalizado. In: Jus Navigandi, n. 46. [Internet] https://jus.com.br/artigos/721 [ Capturado 07.Nov.2001 ]

3. LIMA, Márcio Vinicius Jaworski de. Limitação constitucional dos juros: por que a polêmica do art. 192, § 3º, da CF?. Jus Navigandi [On-line]. Available: https://jus.com.br/artigos/726 [Capturado 06.Nov. 2001 ]

4. OLIVEIRA, Celso; diretor da CMO Consultores associados, membro do Instituto Brasileiro de Direito Bancário. Limitação constitucional dos juros e a visão do Supremo Tribunal Federal. Jus Navigandi [On-line]. Available: https://jus.com.br/artigos/725 [Capturado 06.Nov. 2001]

5. RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de Crédito Bancário, 2ª ed. pág. 270. Revista dos Tribunais.

6. BARROSO, Luiz Roberto. Seu posicionamento na condição de Professor de Direito Constitucional da UERJ, Procurador do Estado do Rio de Janeiro e "Máster o Laws" pela "Yale Law School".

7. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normais, Renovar, 2ª ed., págs. 220 a 225.

8.Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. (RTJ 147/830).

9.Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. (RTJ 147/816/817).

10.Revista dos Tribunais, Editora Revista dos Tribunais (RT 653/192).

11.Revista dos Tribunais, Editora Revista dos Tribunais (RT 667/152).

12.Revista dos Tribunais, Editora Revista dos Tribunais (RT 675/188).

13.Revista dos Tribunais, Editora Revista dos Tribunais (RT 683/157).

14.Revista dos Tribunais, Editora Revista dos Tribunais (RT 734/488).

15.Julgados do TARGS 81/207.

16.Julgados do TARGS 76/298.

17. Revista do Superior Tribunal de Justiça (RSTJ 4/1.465-6).

18. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Mandado de Injunção, in Estudos Jurídicos, Rio, 1991, pág. 41.

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Sobre o autor
Vanilo Vignola

acadêmico de Direito na Universidade do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI), sargento da Polícia Militar em Rio do Sul (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIGNOLA, Vanilo. Análise doutrinária e jurisprudencial acerca do artigo 192, § 3º da Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2570. Acesso em: 16 abr. 2024.

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