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O regime de participação final nos aqüestos

O regime de participação final nos aqüestos é o novo regime de bens previsto no Código Civil vigente, que visa atender a situações especiais. Este artigo mostra o que a doutrina entende do assunto e traz breves considerações acerca do tema.

1 Introdução

Na parte que toca ao Direito de Família encontra-se previsão legal a respeito do regime de bens entre os cônjuges. Assim é que no vigente Código Civil - Lei nº 10.406/2002 - estão previstos quatro regimes de bens: o da comunhão universal, o da comunhão parcial, o da separação e o da participação final nos aqüestos.

Este último regime - o da participação final nos aqüestos - foi por esta lei introduzido. Cabe citar a este respeito a explicação do elaborador do Anteprojeto da parte de Direito de Família Clovis Couto e Silva:

Sob a denominação de “regime de participação final nos aqüestos”, para distingui-lo do regime de comunhão parcial, que implica aquela participação desde a celebração do casamento, prevê-se um novo regime de bens que poderá atender a situações especiais, tal como se verifica nas Nações que vão atingindo maior grau de desenvolvimento, sendo freqüente o caso de ambos os cônjuges exercerem atividades empresariais distintas (BRASIL, 2006).

De forma bem simplificada, consiste a participação final nos aqüestos em uma formação de massa patrimonial particular incomunicável durante o casamento, tornando-se comum no momento da dissolução e do vínculo da sociedade conjugal.  


2 O Regime da Participação final nos Aqüestos

Para entender sobre este regime é primordial saber inicialmente o que significa o vocábulo “aqüestos”. De uma adaptação do dicionário do Aurélio, pode-se dizer que bens aqüestos são aqueles adquiridos pelo esforço comum do casal e não de um só desses na vigência do matrimônio. Assim por aqüestos, entende-se o montante de patrimônio adquirido após o casamento.

A participação final nos aqüestos, como regime matrimonial de bens, repercute sobre as relações econômicas e patrimoniais do casal, notadamente sobre os modos de participação de cada um, comunicação ou não de bens entre ambos, administração e titularidade dos bens que sejam comuns e particulares e as conseqüências jurídicas dos atos dos consortes em relação a terceiros até a dissolução da sociedade conjugal.

Surgido com absoluta novidade, no Código Civil atual, gera polêmicas entre os doutrinadores. Para muitos se constitui de uma forma híbrida: um regime misto de separação de bens, durante o casamento, e de comunhão parcial ao dissolver-se a sociedade conjugal. Para outros, é um regime autônomo e independente no tocante aos regimes da comunhão parcial e o regime da separação de bens. Certo é que nesse regime, cada cônjuge possui patrimônio próprio ou patrimônio individual, pois segundo César Fiúza (2004, p. 912) este patrimônio individual é composto pelos bens que cada um possuía antes do casamento. Os bens móveis presumem-se adquiridos na constância do casamento. Presunção esta iuris tantun, admitindo prova em contrário.

Os cônjuges conservam a exclusiva propriedade dos bens que possuírem ao casar mais a daqueles bens que vierem a adquirir, a qualquer título, na constância da sociedade conjugal. Assim, forma-se o que a lei chama de “patrimônio próprio” de cada um dos cônjuges. Isto não quer dizer que também não possa haver um patrimônio comum, patrimônio este constituído pelos bens que o casal vier a adquirir, a título oneroso, na constância do casamento.

Este patrimônio adquirido pelo casal a título oneroso na constância do casamento é que será dividido entre os dois quando da dissolução da sociedade conjugal. Se houver a doação de bens por um dos cônjuges a terceiros sem a necessária autorização do outro (outorga uxória ou marital), será debitado o respectivo valor da doação na ocasião de se apurarem e dividirem os aqüestos, assim também ocorre com as dívidas de um dos cônjuges que tenham sido pagas pelo outro com bens do seu patrimônio.

Os débitos posteriores ao casamento obrigam apenas o consorte que contraiu a dívida salvo se houver prova em benefício do outro. As dívidas de um cônjuge, quando superiores à sua meação, não obrigam o outro ou a seus herdeiros (artigo 1.686 do Código Civil).

Neste regime há uma espécie de acertos de contas, na ocasião da dissolução da sociedade conjugal. Nesse sentido, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2006, p. 10) expõe que:

O regime da participação final nos aqüestos guarda semelhanças e adquire características próprias a dois outros regimes, na medida em que se regulamenta, em seu nascedouro e sua constância por regras semelhantes às desenhadas pelo legislador para o regime da separação de bens, em que cada cônjuge administra livremente os bens que tenha trazido para a sociedade conjugal, assim como aqueles que adquirir, por si e exclusivamente, durante o desenrolar do matrimônio. Por outro lado, assume de empréstimo regras muito parecidas àquelas dispensadas ao regime da comunhão parcial, quando da dissolução da sociedade conjugal por separação, divórcio ou morte de um dos cônjuges.

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O que ocorre é a formação de massas de bens particulares incomunicáveis durante o casamento, mas que se tornam comuns no momento da dissolução do matrimônio. Existe uma condição suspensiva para a meação, que se dá com o fim do casamento. Há expectativa de que cada um será credor da metade do que o outro adquiriu a título oneroso durante o matrimônio (artigo 1672 do Código Civil).

A administração do patrimônio é exclusiva de cada cônjuge, assim como a dos bens adquiridos por doação e herança e os obtidos onerosamente durante o casamento. A alienação dos bens móveis é livre; já a dos bens imóveis dependerá de anuência, salvo se houver o pacto antenupcial neste sentido.

Para adotar este regime há necessidade do pacto antenupcial, os cônjuges devem fazer este pacto antenupcial por escritura pública. Para que o pacto tenha validade perante terceiros, os noivos devem registrá-lo no Cartório de Registro de Imóveis, em livro especial.


3 Vantagens do regime de participação final nos aqüestos

A autora Alessandra Abate (2006, p. 01) apresenta algumas vantagens do analisado regime de bens, apontando que elas se dão, a princípio, para aqueles cônjuges que atuam em profissões diversas em economia desenvolvida e já possuem certo patrimônio ao casar-se, bem como potencialidade profissional de fazê-lo posteriormente. Pode-se elencá-las da seguinte forma:

a) No caso de dívidas adquiridas posteriormente ao casamento por um dos cônjuges, o outro não responderá, salvo prova de terem revertido parcial ou totalmente em benefício do outro.

b) A ausência de discussão patrimonial durante o casamento, uma vez que há autonomia patrimonial dos cônjuges.

c) A liberdade tanto do marido como da esposa de livremente praticar todos os atos de disposição e de administração ao desempenho de sua profissão, comprar, ainda que a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica e obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição de tais coisas exigirem.

Segundo Washigton de Barros Monteiro (2004, p. 58), a vantagem da participação final nos aqüestos está em se evitar o condomínio (bens adquiridos pelo trabalho conjunto ou com recurso dos cônjuges) em bens de ex-cônjuges, fonte de inúmeros litígios e, por vezes, de perdas recíprocas em ações dissolutórias da co-propriedade, neste caso haverá a avaliação dos bens, para a reposição em dinheiro do cônjuge não proprietário.


4 Críticas à participação final nos aqüestos

Um dos doutrinadores não adeptos a este regime de bens, Rodrigo Murad do Prado (2006, p. 01), justifica que:

É um regime de difícil compreensão e assimilação pelos nubentes que certamente hão de preferir qualquer um dos outros três, não só pela simplicidade que eles apresentam, mas também porque satisfazem plenamente as mais variadas exigências.

E ainda conclui:

Concluindo esta breve reflexão sobre o “novo” regime, chegamos ao entendimento de que: - Como regime substitutivo do antiquado e pouco utilizado Regime Dotal, presente no Código Civil de 1916, o Regime da Participação final nos aqüestos não é de extrema valia, eis que, provavelmente, será de pouquíssima utilização pelos comunheiros diante da salutar presença do Princípio da liberdade na escolha dos regimes pelos cônjuges através de Pacto Ante-nupcial.

Também o consagrado jurista Silvio de Salvo Venosa (2003, p. 191) comenta que “é muito provável que esse regime não se adapte ao gosto de nossa sociedade. Por si só verifica-se que se trata de estrutura complexa, disciplinada por nada menos do que 15 artigos, com inúmeras particularidades. Não se destina, evidentemente, à grande maioria da população brasileira, de baixa renda e de pouca cultura. Não bastasse isso, embora não seja dado ao jurista raciocinar sobre fraudes, esse regime fica sujeito a vicissitudes e abrirá campo vasto ao cônjuge de má fé”.

No mesmo sentido o juiz Pablo Stolze Gagliano (2004), em aula ministrada no Supremo Tribunal Federal (STF), revela ser este regime naturalmente confuso e restrito a parcelas da sociedade que tem patrimônio e se preocupa com isso. Coloca que a falha neste regime se dá pela insegurança, pois poderá haver a simulação para retirar os bens, para dilapidar o patrimônio para que este não possa ir para a meação. Explica que a medida judicial cabível para segurar o bem é o arrolamento de bens, ação cautelar.

Segue dizendo que uma das polêmicas deste regime é o receio sobre os bens imóveis, pois quem não registra não é dono. Assim, por questões de justiça, defende que o artigo 1681 e seu parágrafo único devem ser entendidos como permissivos da possibilidade de impugnar essa titularidade.

A opinião da autora Silmara Juney Chinelato (2006, p. 1), em entrevista concedida sobre o regime, é mais radical:

Este novo regime, de grande complexidade, tem, os inconvenientes da comunhão parcial e os da separação, tendo-se revelado um pouco prático,nos países onde vigora. na França, apenas 2% usaram-no e é pejorativamente chamado "um regime contábil". Dediquei alguns meses ao estudo deste complexo regime de bens para entendê-lo. Não o aconselho a ninguém e fico perplexa ao pensar que o legislador tinha a intenção de elegê-lo como o regime legal de bens. Dificilmente seria entendido pela grande maioria da população. No meu modo de ver, o regime da separação legal de bens atende perfeitamente a intenção fundamental deste regime que diferencia comunhão e participação e fomentará uma grande polêmica entre os cônjuges, para que se chegar a partilha de bens, em momentos cruciais: na separação, no divórcio, na morte.

Silvio Rodrigues (2004, p. 177) diz que certamente será este o regime de bens mais raramente usado no Brasil, tanto por ser novidade, ainda recheado de incertezas, como também pela sua difícil efetivação. Passados vários meses desde a entrada em vigor do Código Civil e da publicação de sua obra, o referido autor só teve notícia de apenas um casamento realizado pelo regime na capital paulista. E, conclui, que esse regime terá o mesmo destino do regime dotal, não alcançando, entre a população brasileira núbil a menor difusão. Mas concorda com a teoria do regime:

Na teoria a proposta é boa, pois conserva a independência patrimonial de cada um, inclusive quanto ao incremento ocorrido durante o casamento, ao mesmo tempo em que, se e quando da ruptura, há proteção econômica daquele que, direta, indiretamente, ou pela só qualidade de parceiro, acompanhou a evolução patrimonial do outro sem ter bens em seu nome.    


5 Considerações finais

Em relação aos outros três regimes codificados pela legislação brasileira, o regime em tela trata-se de um regime econômico da sociedade conjugal, pois esta sociedade é formada pelos bens obtidos de forma particular por cada cônjuge, passando assim a formar uma massa patrimonial comum quando da ocorrência da dissolução do vínculo conjugal.

Comparando este regime com os demais, a sutil diferença consiste no fato de que por este regime em mote, a participação incide sobre os acréscimos patrimoniais e pela compensação de bens, sendo que o cônjuge em desvantagem terá um crédito na diferença apurada e não na parcela sobre o bem divisível.

Pode-se dizer que ele é mais justo no tocante a divisão dos bens, pois, cabe a cada cônjuge receber o correspondente à sua contribuição na massa comunicável, além de cada um administrar o seu próprio patrimônio.

Outra vantagem presente é que ele se distingue dos outros ao elidir a formação de condomínio em bens de ex-cônjuges, o que poderia ensejar inúmeros litígios e até mesmo em perdas recíprocas. Assim sendo, os bens serão avaliados, e sendo detectada, haverá a conseqüente reposição em dinheiro.

Aqüestos são os bens adquiridos na constância da convivência conjugal. Neste moderno regime, disciplinado no artigo 1.672 e seguintes do Código Civil Brasileiro, cada cônjuge possui patrimônio próprio, cabendo-lhe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos, a título oneroso, na sua constância. Por este regime, o casal vive sob verdadeira separação de bens, caso em que cada um administra o seu próprio patrimônio enquanto perdurar a sociedade conjugal.

Os reflexos ao se optar pelo regime em trato, só surgem com a efetiva dissolução do vínculo conjugal. Até que tal ocorra, vale dizer mais uma vez, o que prevalece é a separação dos bens. Durante esta pacífica convivência, os bens adquiridos, a título oneroso, por qualquer um dos cônjuges, integrará a massa patrimonial de cada um.

Vale lembrar que somente aqueles adquiridos a título oneroso comporão a massa a ser dividida, não abrangendo aqueles obtidos a título gratuito, como a doação feita pelo pai a um dos cônjuges ou mesmo em decorrência de sucessão.

A opção do casamento pelo Regime de Participação nos Aquestos permite que a administração desses bens seja exclusiva de cada cônjuge, sendo que em se tratando de móveis, estes poderão ser alienados livremente. Em relação aos imóveis, é necessária a assinatura de ambos os cônjuges, sob pena de nulidade, salvo se estipulado no pacto antenupcial, condição obrigatória, com a devida lavratura em Cartório competente.

Apesar de ser um regime presente no ordenamento civil brasileiro, ainda é pouco compreendido pela sociedade brasileira, não tendo uma notável adesão prática.

O regime em tela tem sido alvo de muitas críticas, tendo em vista a possibilidade de fraudes por um dos cônjuges, sendo que sua maior falha e a insegurança oriunda da facilidade de lapidação do patrimônio, por um dos cônjuges, antes da efetiva separação. Porém, deve-se observar a legislação vigorante, vez que esta oferece importante proteção ao cônjuge enganado ou prejudicado, conferindo-lhe um extremo aparato legal a fim de reverter a situação criada com a fraude.

Por ser uma novidade pouco utilizada, ainda não se pode avaliar se é um instrumento realmente eficaz ou se veio somente pra contribuir com a inflação legislativa no ordenamento jurídico, por ser de difícil ocorrência prática.

Certamente, a deficiência do tema em questão é a carência de informação social sobre os efeitos e benefícios na prática desse regime de bens.


6 Referências Bibliográficas

ABATE, Alessandra. Regime de bens. Disponível em: <www.correiadasilva.com.br/pdf/informativo55a.pdf >. Acesso em 08/08/2006.

BRASIL. Código Civil. 57 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

CHINELATO, Silmara Juney. Comentários ao Código Civil v. 18. Disponível em: <www.saraivajur.com.br/index.cfm >. Acesso em 07/08/2006.

FIÚZA, César. Novo Direito Civil: Direito Completo. 5 ed., Rev. atual., ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Direito de Família - Regime de bens.  Aula ministrada no Supremo Tribunal Federal e transmitida pela TV Justiça em setembro de 2004.

HIRONAKA, Giselda Mº Fernandes Novaes. As modalidades de regime de bens do casamento adotadas pelo novo Código Civil. Disponível em: <www.mp.sp.gov.br/pls/portal/docs/page/cao_civel/%c3%81reas%20de%20atua%c3%87%c3%83o/fam%c3%8dlia/diversos/doutrina%20-%20casamento%20regime%20de%20bens.doc>. Acesso em 10/09/2006. 

MONTEIRO, Washigton de Barros. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 37 ed., ver.,atual., por Regina Beatriz Tavares da Silva.v.2. São Paulo: Saraiva, 2004.

PRADO, Rodrigo Murad do. Regime da participação final nos aqüestos questões relevantes. Disponivel em <www.forense.com.br/Artigos/Autor/porautor>. Acesso em 15/08/2006.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de Família. Vol. 6. São Paulo: Saraiva, 2004.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Direito de Família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

Sobre as autoras
Patrícia Fortes Lopes Donzele Cielo

Professora universitária. Mestra em Direito pela UFG. Professora no curso de Direito do CESUC.

Cybelle Cardoso Alves

Advogada, Pós-Graduada em Direito Previdenciário pela Uniderp/LFG e em Função Social e Prática do Direito pela Unisul /LFG, Conciliadora arbitral do Tribunal de Justiça Arbitral e Mediação dos Estados Brasileiros – TJAEM – desde 07/2009.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo originalmente publicado na Revista CEPPG (Catalão), v. ano IX, p. 9-17, 2007.

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