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Fundamentos e finalidades da pena no ordenamento jurídico brasileiro

Agenda 17/11/2013 às 14:45

Quando se indaga qual o sentido de se aplicar uma pena, vemos que a resposta nem sempre sai de imediato, pois, ao longo da história, significado da punição mudou bastante.

Ao falar sobre tão importante tema é prioritário desde já informar que a pena a que fazemos referência é a Penal Penal, ou seja, aquela cominada à prática de um crime, com previsão no Código Penal ou em legislações especiais.

A Pena não-penal que possuímos em nosso ordenamento como sendo a prisão civil, prisão administrativa e prisão processual, não possui neste estudo referência, pois estas devem estar adstritas às suas finalidades, como, p.ex. a prisão processual, que tem a finalidade de ser declarada para assegurar a instrução criminal, ao revés da prisão penal, cuja finalidade maior é o de prevenir que outros crimes ocorram.

Superada esta primeira análise, passaremos a estudar os fundamentos e finalidades da pena, onde solicitamos que o leitor faça reflexão ao Código Penal, Código de Processo Penal, Legislações Penais Especiais e principalmente à Lei de Execução Penal, Lei 7.210 de 11 de julho de 1984.

Debruçar os estudos aos fundamentos e finalidades da pena é estudar a própria legitimação do Direito Penal principalmente em um Estado Democrático de Direito, pois a aplicação da sanção ao bem jurídico violado deve encontrar guarida e limite nos Princípios da Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana.

Quando se indaga qual o sentido de se aplicar uma pena? Ou por que se pune alguém? Vemos que a resposta nem sempre sai de imediato, pois ao longo da história da humanidade nem sempre o significado da punição teve o mesmo significado que tem atualmente.

Análise Histórica

No início das civilizações as penas tinham o caráter de vingança, as conhecidas vinganças privadas, onde o sentido da punição era empregar o mesmo mal ao opressor ou a toda sua família.

Mas com o passar do tempo, esta vingança privada foi sendo substituída por um poder central, o que obrigava os contendores a ingressar na justiça para se resolver o conflito.

Havia também uma forte influência da religião nestas antigas civilizações que passaram a serem regidas pelo chamado Estado Teleológico e as penas em via de regra encontravam suas justificativas em fundamentos religiosos e tinha por finalidade satisfazer a divindade ofendida pelo crime e não mais uma vingança privada, pois as penas eram reguladas pelos sacerdotes.

O crime era considerado um pecado e o criminoso respondia perante Deus e não mais a um poder terreno, vigorava o instituto das ordálias onde raramente o condenado era capaz de fugir da punição. Contudo, através da Inquisição esses dois poderes (rei e igreja) se uniram e mais fortemente reafirmando-se a doutrina política da aplicação da pena, pois a punição era uma delegação de Deus.

O que se via nesta época era uma desproporção entre a pena imposta e a conduta violada, mas era visível o esforço do legislador em transformar a vingança mais proporcional a ofensa, conforme se podia depreender dos dispositivos que tratavam do assunto na Lei das XII Tábuas.

Havia ainda uma preocupação entre a proporcionalidade da pena e a ofensa, mas muitos eram os autores que defendiam a pena capital, sendo destaque Santo Tomás de Aquino que defendia a pena capital para o indivíduo que se tornasse perigoso para a sociedade, contudo, era adepto desta proporcionalidade da pena.

Santo Agostinho era partidário do caráter retributivo da pena, afirmava que ao mal da ação o mal da pena, ou seja, não se preocupava a finalidade da pena, como uma questão social, na busca de uma prevenção e de uma ressocialização a quem fosse punido, ao revés, punia-se por punir, somente.

Thomas Hobbes criticava as vinganças particulares, pois entendia que estas não emanavam da autoridade pública, portanto, não tinham legitimidade e nesta ótica pregava a proporcionalidade da pena pelo Estado sob pena de se transformar também em uma espécie de vingança privada.

Hobbes, já naquela época em sua obra o Leviatã trouxe à mostra dos preceitos que se consagrariam a partir do século XVIII como princípios, ou seja, o Princípio da Legalidade e o da Inocência.

Thomas More com sua obra Utopia foi um grande inspirador da época, sendo o primeiro estudioso a conceber a pena como caráter reeducativo do infrator. Onde pregava que para se evitar que uma pessoa voltasse a delinqüir deveria ser atacado o cerne da questão, ou seja, as suas causas principais e não somente os seus efeitos.

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Neste sentido se indagava do porquê da pratica reiterada de tantos crimes de roubo, mesmo havendo a execução de tantos autores com a pena capital, sendo que respondia que não haveria castigo no mundo capaz de fazer com que as pessoas deixassem de roubar, quando a única forma de sobrevivência que teriam eram tal prática, e concluía dizendo que ao invés de se punir com a pena capital, inclusive, era preferível assegurar os meios de sobrevivência necessários.

   O autor desde já se colocava contra a aplicação da pena de morte como caráter de prevenção geral, pois a mesma não tinha se mostrado meio idôneo para diminuir os crimes de roubo. Pensamento bem atual o do referido autor, pois atualmente não faltam adeptos a diminuir a criminalidade com mecanismos preventivos ineficazes, como se a lei para tudo servisse.

É visto, portanto, que até o final da época moderna não se verificou uma evolução sistemática do sistema punitivo, houve uma centralização do jus puniendi, mas passou a ser uma espécie de vingança pública em substituição à vingança privada. A pena ainda está para o castigo assim como o crime está para o pecado, razão pela qual ousamos a afirmar que se está muito aquém de haver uma proporção entre ação e resultado.

Com o fim do absolutismo e a influência da Revolução Francesa, passou a ser o século XVIII o expoente de se procurar uma forma mais humana da sociedade castigar os seus criminosos o que ocasionou uma mitigação das penas, surgindo a Escola Clássica.

Escola Clássica

Nesse ambiente das luzes, dois foram os marcos na história da humanidade:

1764, O marquez Cesare Beccaria com seu livro Dos Delitos e das Penas e em 1789, A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Beccaria a exemplo de Thomas More era abolicionista da pena de morte, pois entendia que como prevenção geral era ineficaz e era muito cruel, uma vez que não havia proporcionalidade alguma com a ofensa. Assim também se opunha à pena de tortura, pois entendia que era um instrumento de pouco valia, uma vez que o inocente que não suportasse a dor confessaria o crime e o culpado que a suportasse seria inocentado.

Nesta época, previu-se na Declaração que as penas deveriam ser estritamente o necessário à ofensa, o que foi consagrado até os dias atuais como princípio constitucional, sendo como exemplo o Art. 59 do Código Penal Brasileiro, que trata do Sistema Trifásico de aplicação da pena, sendo nula a decisão condenatória, sem a observância de tal dispositivo, por infringência ao princípio da ampla defesa.

Emmanuel Kant é o grande expoente de tal teoria retributivista, e afirmava que: “O crime é a negação do direito e a pena era a negação do crime para se reafirmar o direito violado.”

Pregava-se que qualquer outro fundamento atribuído à pena era atentatório à dignidade da pessoa humana, no entanto entendia-se que pela via secundária a pena exercia o objetivo de prevenção geral.

Kant, no entanto, era partidário da pena de morte, pois entendia que não haveria punição mais adequada para a conduta que tira a vida de outrem.

Percebe-se que a Escola Clássica, mesmo com todos os avanços para a humanização das penas, proporcionalidade e o Princípio da Personalidade defendido por Uribe, não conseguiu afastar o caráter vingativo da pena como um tipo de castigo.

Escola Positiva

Surge no final do século XIX a Escola Positiva, cujo marco foi a obra de Cesare Lombroso “O homem delinqüente”, onde defendia que o delito é intrínseco ao homem e que é um retorno atávico as formas primitivas da humanidade.

O homem é fadado a cometer crimes, pois não consegue se manter dentro dos padrões de comportamento descrito em um Ordenamento Jurídico, o crime é para este homem um fator natural, assim como o nascimento, a fome, a morte entre outros.

A escola positiva ainda se alicerça nos pensamentos de Garofalo e Ferri, onde dizem que o criminoso não possui livre arbítrio e em razão disso está fadado a praticar crimes e a reincidir, portanto, não acreditam no caráter preventivo e ou retributivo da pena, acreditam sim numa prisão indeterminada com o seu fim condicionado à regeneração do condenado para voltar ao tecido social.

Teoria da Ressocialização

Para esta teoria a defesa da reintegração do condenado à sociedade fica condicionada ao alcance de um programa mínimo e máximo de ressocialização.

Mas sofre críticas e atualmente não é adotada, pois encontra dificuldades em se encontrar um método educativo mais eficaz  para a socialização do condenado, veja-se p.ex. que a LEI DE EXECUÇÃO PENAL brasileira refere-se exclusivamente à instrução escolar e à formação profissional, mas acaba por ser incompleta, pois mister se faz um trabalho psicológico capaz de conduzir o condenado a um processo de individualização.

Cezar Roberto Bitencourt, diz que um Estado Democrático de Direito não tem o condão de incutir o que sejam valores e padrões éticos- morais a ninguém, nem que este esteja cumprindo pena, neste caso, em o condenado aceitando, deve ser aplicado o programa mínimo que é apenas um prognóstico no sentido de que não irá voltar a delinqüir, em detrimento do programa máximo que é o de uma verdadeira transformação interna.

Teoria Absoluta da Aplicação da Pena

Também conhecida como teoria retributiva teve sua origem na Antigüidade e Idade Média, sendo que para os adeptos desta teoria a única finalidade que possui a pena é o critério de se fazer Justiça, não se leva em consideração mais nenhum outro sentido, é como se disséssemos puni-se por que se tem que punir o violador da norma.

Nesta teoria tem-se que a pena é a resultante de diversas experiências psicológicas e passa a ser uma vontade universal e um sentimento geral da sociedade que o criminoso deve ser punido em razão do crime que cometeu.

Teoria Preventiva da Aplicação da Pena

Contrapondo-se aos adeptos das teorias retributivas da pena, que acreditam que a única forma de se fazer justiça é atribuir ao mal do crime o mal da pena, surge os autores adeptos das teorias preventivas, pois a experiência tem demonstrado que a solução para o problema criminal não esta na edição de normas penais severas e nem nestas como um castigo. Mas sim numa política criminal preventiva, raciocínio desde muito defendido por Beccaria, pois é mais fácil prevenir o crime que ter de puni-lo, assim como não importa o quantum da pena e sim a certeza da punição.

Para o autor João Marcelo, esta certeza de punição exerce com muito mais eficácia o caráter de prevenção geral que a própria espécie de pena prevista, p.ex., para o indivíduo que se aventura a delinqüir tanto faz a pena ser de um mês, dez meses, 20 anos ou pena de morte; pois se acreditar nas suas razões e culturalmente acreditar que não será punido cometerá o injusto de qualquer jeito.

As teorias preventivas dividem-se por sua vez em:

Teorias Preventivas Geral e Especiais, que podem ainda ser positivas ou negativas, vejamos cada uma em separado.

Teoria Preventiva Geral: Quando se destina a toda a sociedade, sendo que quando impõe um caráter intimidatório é negativa e quando impõe um caráter de valoração da norma é positiva.

Teoria Preventiva Especial: Diz respeito não à coletividade toda e sim ao indivíduo em particular, quando tem o caráter de segregação é negativa e quando tem o caráter ressocializador é chamada de positiva.

Pelos estudos da concepção da pena ao longo da história da humanidade, percebe-se que tanto a Teoria Retribucionista quanto a teoria preventiva recebem críticas de renomados autores, daí talvez, consolidou-se nos últimos tempos a Teoria da Prevenção Geral Positiva, que se destina não só a aqueles que decidiram livremente infringir o Ordenamento Jurídico, mas também a todos os cidadãos, pois pretende reafirmar a consciência social da norma e confirmar sua vigência por meio de sanções penais.

Neste diapasão tem-se que a Teoria da Prevenção Geral Positiva pode ser:

Fundamentadora: tal teoria tem como partidário Günther Jakobs, onde diz que a pena não tem o poder de reparar o dano, apenas de confirmar a vigência da norma, pois a pena é aplicada depois que o dano ocorreu e este dano é um risco em uma sociedade de riscos.

Limitadora: tal teoria tem como partidário Claus Roxin, sendo que mantém os efeitos da teoria fundamentadora, mas limita as intervenções do Estado na aplicação da pena, pois a teoria anterior afasta o Direito Penal mínimo.

Conclusão

Muito é óbvio que se havia para dissertar a respeito de tão importante tema, mas o que podemos observar que mesmo atravessando séculos e séculos e vivendo-se sobre a égide de um Estado Democrático de Direito, seria hipócrita em não dizer que ainda pensa-se na pena como um castigo e que a mesma possui um caráter retributivo, mas este não pode ser isolado deve-se ser revestido de um caráter preventivo geral positivo, frisando-se sempre que a finalidade da pena e seus fundamentos devem seguir os Princípios da Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana.

Sobre o autor
Temístocles Telmo Ferreira Araújo

Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Comandante do Policiamento de Área Metropolitana U - Área Central de São Paulo. Doutor, Mestre e Bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública junto ao Centro de Altos Estudos de Segurança na Polícia Militar do Estado de São Paulo. Pós graduado lato senso em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público, São Paulo. Professor de Direito Processual Penal, Direito Penal e Prática Jurídica do Centro Universitário Assunção. Professor Conteudista do Portal Atualidades do Direito. Foi Professor de Procedimentos Operacionais e Legislação Especial da Academia de Polícia Militar do Barro Branco nos de 2008, 2009 e 2013. Professor de Direito Penal e Processo penal - no Curso Êxito Proordem Cursos Jurídicos (de 2004 a 2009). Professor Tutor da Pós-graduação de Direito Militar e Ciências Penais na rede de ensino Luiz Flávio Gomes - LFG (De 2007 a 2010). Professor Tutor de Prática Penal na Universidade Cruzeiro do Sul em 2009. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processo Penal, Direito Penal Militar e Processo Penal Militar, Direito Administrativo Militar e Legislação Penal Especial. Foi membro nato do Conselho Comunitário de Segurança Santo André Centro de 2007 a 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Temístocles Telmo Ferreira. Fundamentos e finalidades da pena no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3791, 17 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25861. Acesso em: 22 dez. 2024.

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