Ao falar sobre tão importante tema é prioritário desde já informar que a pena a que fazemos referência é a Penal Penal, ou seja, aquela cominada à prática de um crime, com previsão no Código Penal ou em legislações especiais.
A Pena não-penal que possuímos em nosso ordenamento como sendo a prisão civil, prisão administrativa e prisão processual, não possui neste estudo referência, pois estas devem estar adstritas às suas finalidades, como, p.ex. a prisão processual, que tem a finalidade de ser declarada para assegurar a instrução criminal, ao revés da prisão penal, cuja finalidade maior é o de prevenir que outros crimes ocorram.
Superada esta primeira análise, passaremos a estudar os fundamentos e finalidades da pena, onde solicitamos que o leitor faça reflexão ao Código Penal, Código de Processo Penal, Legislações Penais Especiais e principalmente à Lei de Execução Penal, Lei 7.210 de 11 de julho de 1984.
Debruçar os estudos aos fundamentos e finalidades da pena é estudar a própria legitimação do Direito Penal principalmente em um Estado Democrático de Direito, pois a aplicação da sanção ao bem jurídico violado deve encontrar guarida e limite nos Princípios da Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana.
Quando se indaga qual o sentido de se aplicar uma pena? Ou por que se pune alguém? Vemos que a resposta nem sempre sai de imediato, pois ao longo da história da humanidade nem sempre o significado da punição teve o mesmo significado que tem atualmente.
Análise Histórica
No início das civilizações as penas tinham o caráter de vingança, as conhecidas vinganças privadas, onde o sentido da punição era empregar o mesmo mal ao opressor ou a toda sua família.
Mas com o passar do tempo, esta vingança privada foi sendo substituída por um poder central, o que obrigava os contendores a ingressar na justiça para se resolver o conflito.
Havia também uma forte influência da religião nestas antigas civilizações que passaram a serem regidas pelo chamado Estado Teleológico e as penas em via de regra encontravam suas justificativas em fundamentos religiosos e tinha por finalidade satisfazer a divindade ofendida pelo crime e não mais uma vingança privada, pois as penas eram reguladas pelos sacerdotes.
O crime era considerado um pecado e o criminoso respondia perante Deus e não mais a um poder terreno, vigorava o instituto das ordálias onde raramente o condenado era capaz de fugir da punição. Contudo, através da Inquisição esses dois poderes (rei e igreja) se uniram e mais fortemente reafirmando-se a doutrina política da aplicação da pena, pois a punição era uma delegação de Deus.
O que se via nesta época era uma desproporção entre a pena imposta e a conduta violada, mas era visível o esforço do legislador em transformar a vingança mais proporcional a ofensa, conforme se podia depreender dos dispositivos que tratavam do assunto na Lei das XII Tábuas.
Havia ainda uma preocupação entre a proporcionalidade da pena e a ofensa, mas muitos eram os autores que defendiam a pena capital, sendo destaque Santo Tomás de Aquino que defendia a pena capital para o indivíduo que se tornasse perigoso para a sociedade, contudo, era adepto desta proporcionalidade da pena.
Santo Agostinho era partidário do caráter retributivo da pena, afirmava que ao mal da ação o mal da pena, ou seja, não se preocupava a finalidade da pena, como uma questão social, na busca de uma prevenção e de uma ressocialização a quem fosse punido, ao revés, punia-se por punir, somente.
Thomas Hobbes criticava as vinganças particulares, pois entendia que estas não emanavam da autoridade pública, portanto, não tinham legitimidade e nesta ótica pregava a proporcionalidade da pena pelo Estado sob pena de se transformar também em uma espécie de vingança privada.
Hobbes, já naquela época em sua obra o Leviatã trouxe à mostra dos preceitos que se consagrariam a partir do século XVIII como princípios, ou seja, o Princípio da Legalidade e o da Inocência.
Thomas More com sua obra Utopia foi um grande inspirador da época, sendo o primeiro estudioso a conceber a pena como caráter reeducativo do infrator. Onde pregava que para se evitar que uma pessoa voltasse a delinqüir deveria ser atacado o cerne da questão, ou seja, as suas causas principais e não somente os seus efeitos.
Neste sentido se indagava do porquê da pratica reiterada de tantos crimes de roubo, mesmo havendo a execução de tantos autores com a pena capital, sendo que respondia que não haveria castigo no mundo capaz de fazer com que as pessoas deixassem de roubar, quando a única forma de sobrevivência que teriam eram tal prática, e concluía dizendo que ao invés de se punir com a pena capital, inclusive, era preferível assegurar os meios de sobrevivência necessários.
O autor desde já se colocava contra a aplicação da pena de morte como caráter de prevenção geral, pois a mesma não tinha se mostrado meio idôneo para diminuir os crimes de roubo. Pensamento bem atual o do referido autor, pois atualmente não faltam adeptos a diminuir a criminalidade com mecanismos preventivos ineficazes, como se a lei para tudo servisse.
É visto, portanto, que até o final da época moderna não se verificou uma evolução sistemática do sistema punitivo, houve uma centralização do jus puniendi, mas passou a ser uma espécie de vingança pública em substituição à vingança privada. A pena ainda está para o castigo assim como o crime está para o pecado, razão pela qual ousamos a afirmar que se está muito aquém de haver uma proporção entre ação e resultado.
Com o fim do absolutismo e a influência da Revolução Francesa, passou a ser o século XVIII o expoente de se procurar uma forma mais humana da sociedade castigar os seus criminosos o que ocasionou uma mitigação das penas, surgindo a Escola Clássica.
Escola Clássica
Nesse ambiente das luzes, dois foram os marcos na história da humanidade:
1764, O marquez Cesare Beccaria com seu livro Dos Delitos e das Penas e em 1789, A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Beccaria a exemplo de Thomas More era abolicionista da pena de morte, pois entendia que como prevenção geral era ineficaz e era muito cruel, uma vez que não havia proporcionalidade alguma com a ofensa. Assim também se opunha à pena de tortura, pois entendia que era um instrumento de pouco valia, uma vez que o inocente que não suportasse a dor confessaria o crime e o culpado que a suportasse seria inocentado.
Nesta época, previu-se na Declaração que as penas deveriam ser estritamente o necessário à ofensa, o que foi consagrado até os dias atuais como princípio constitucional, sendo como exemplo o Art. 59 do Código Penal Brasileiro, que trata do Sistema Trifásico de aplicação da pena, sendo nula a decisão condenatória, sem a observância de tal dispositivo, por infringência ao princípio da ampla defesa.
Emmanuel Kant é o grande expoente de tal teoria retributivista, e afirmava que: “O crime é a negação do direito e a pena era a negação do crime para se reafirmar o direito violado.”
Pregava-se que qualquer outro fundamento atribuído à pena era atentatório à dignidade da pessoa humana, no entanto entendia-se que pela via secundária a pena exercia o objetivo de prevenção geral.
Kant, no entanto, era partidário da pena de morte, pois entendia que não haveria punição mais adequada para a conduta que tira a vida de outrem.
Percebe-se que a Escola Clássica, mesmo com todos os avanços para a humanização das penas, proporcionalidade e o Princípio da Personalidade defendido por Uribe, não conseguiu afastar o caráter vingativo da pena como um tipo de castigo.
Escola Positiva
Surge no final do século XIX a Escola Positiva, cujo marco foi a obra de Cesare Lombroso “O homem delinqüente”, onde defendia que o delito é intrínseco ao homem e que é um retorno atávico as formas primitivas da humanidade.
O homem é fadado a cometer crimes, pois não consegue se manter dentro dos padrões de comportamento descrito em um Ordenamento Jurídico, o crime é para este homem um fator natural, assim como o nascimento, a fome, a morte entre outros.
A escola positiva ainda se alicerça nos pensamentos de Garofalo e Ferri, onde dizem que o criminoso não possui livre arbítrio e em razão disso está fadado a praticar crimes e a reincidir, portanto, não acreditam no caráter preventivo e ou retributivo da pena, acreditam sim numa prisão indeterminada com o seu fim condicionado à regeneração do condenado para voltar ao tecido social.
Teoria da Ressocialização
Para esta teoria a defesa da reintegração do condenado à sociedade fica condicionada ao alcance de um programa mínimo e máximo de ressocialização.
Mas sofre críticas e atualmente não é adotada, pois encontra dificuldades em se encontrar um método educativo mais eficaz para a socialização do condenado, veja-se p.ex. que a LEI DE EXECUÇÃO PENAL brasileira refere-se exclusivamente à instrução escolar e à formação profissional, mas acaba por ser incompleta, pois mister se faz um trabalho psicológico capaz de conduzir o condenado a um processo de individualização.
Cezar Roberto Bitencourt, diz que um Estado Democrático de Direito não tem o condão de incutir o que sejam valores e padrões éticos- morais a ninguém, nem que este esteja cumprindo pena, neste caso, em o condenado aceitando, deve ser aplicado o programa mínimo que é apenas um prognóstico no sentido de que não irá voltar a delinqüir, em detrimento do programa máximo que é o de uma verdadeira transformação interna.
Teoria Absoluta da Aplicação da Pena
Também conhecida como teoria retributiva teve sua origem na Antigüidade e Idade Média, sendo que para os adeptos desta teoria a única finalidade que possui a pena é o critério de se fazer Justiça, não se leva em consideração mais nenhum outro sentido, é como se disséssemos puni-se por que se tem que punir o violador da norma.
Nesta teoria tem-se que a pena é a resultante de diversas experiências psicológicas e passa a ser uma vontade universal e um sentimento geral da sociedade que o criminoso deve ser punido em razão do crime que cometeu.
Teoria Preventiva da Aplicação da Pena
Contrapondo-se aos adeptos das teorias retributivas da pena, que acreditam que a única forma de se fazer justiça é atribuir ao mal do crime o mal da pena, surge os autores adeptos das teorias preventivas, pois a experiência tem demonstrado que a solução para o problema criminal não esta na edição de normas penais severas e nem nestas como um castigo. Mas sim numa política criminal preventiva, raciocínio desde muito defendido por Beccaria, pois é mais fácil prevenir o crime que ter de puni-lo, assim como não importa o quantum da pena e sim a certeza da punição.
Para o autor João Marcelo, esta certeza de punição exerce com muito mais eficácia o caráter de prevenção geral que a própria espécie de pena prevista, p.ex., para o indivíduo que se aventura a delinqüir tanto faz a pena ser de um mês, dez meses, 20 anos ou pena de morte; pois se acreditar nas suas razões e culturalmente acreditar que não será punido cometerá o injusto de qualquer jeito.
As teorias preventivas dividem-se por sua vez em:
Teorias Preventivas Geral e Especiais, que podem ainda ser positivas ou negativas, vejamos cada uma em separado.
Teoria Preventiva Geral: Quando se destina a toda a sociedade, sendo que quando impõe um caráter intimidatório é negativa e quando impõe um caráter de valoração da norma é positiva.
Teoria Preventiva Especial: Diz respeito não à coletividade toda e sim ao indivíduo em particular, quando tem o caráter de segregação é negativa e quando tem o caráter ressocializador é chamada de positiva.
Pelos estudos da concepção da pena ao longo da história da humanidade, percebe-se que tanto a Teoria Retribucionista quanto a teoria preventiva recebem críticas de renomados autores, daí talvez, consolidou-se nos últimos tempos a Teoria da Prevenção Geral Positiva, que se destina não só a aqueles que decidiram livremente infringir o Ordenamento Jurídico, mas também a todos os cidadãos, pois pretende reafirmar a consciência social da norma e confirmar sua vigência por meio de sanções penais.
Neste diapasão tem-se que a Teoria da Prevenção Geral Positiva pode ser:
Fundamentadora: tal teoria tem como partidário Günther Jakobs, onde diz que a pena não tem o poder de reparar o dano, apenas de confirmar a vigência da norma, pois a pena é aplicada depois que o dano ocorreu e este dano é um risco em uma sociedade de riscos.
Limitadora: tal teoria tem como partidário Claus Roxin, sendo que mantém os efeitos da teoria fundamentadora, mas limita as intervenções do Estado na aplicação da pena, pois a teoria anterior afasta o Direito Penal mínimo.
Conclusão
Muito é óbvio que se havia para dissertar a respeito de tão importante tema, mas o que podemos observar que mesmo atravessando séculos e séculos e vivendo-se sobre a égide de um Estado Democrático de Direito, seria hipócrita em não dizer que ainda pensa-se na pena como um castigo e que a mesma possui um caráter retributivo, mas este não pode ser isolado deve-se ser revestido de um caráter preventivo geral positivo, frisando-se sempre que a finalidade da pena e seus fundamentos devem seguir os Princípios da Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana.