II – EIRELI no Direito Empresarial Contemporâneo e os fundamentos de constitucionalidade
Durante muito tempo “já se prolongaram na doutrina e na jurisprudência empresariais brasileiras sobre o porquê de o ordenamento jurídico brasileiro não prever a figura do empresário individual de responsabilidade limitada.”[21]
A limitação da responsabilidade [...] faz com que o patrimônio pessoal dos sócios que compõem determinados tipos societários não seja atingido por dívidas da empresa. No entanto, ara que alguém conseguisse obter essa proteção patrimonial em nosso país, até julho de 2011, deveria constituir, de preferência, uma Sociedade Limitada, estando excluídos de tal prerrogativa os empresários individuais. Ora, sendo assim, obviamente que isso estimulou inúmeras criações de sociedades limitadas de “fachada” as quais se apresentam, em regra, da seguinte maneira: presença de dois sócios, sendo um com quase a totalidade do capital social e o outro com uma pequena parcela, não atuando em nenhum ato decisório, tampouco administrativo da sociedade, apenas emprestando seu nome ao outro sócio para que esse pudesse montar uma pessoa jurídica e conseguir a proteção patrimonial, exercendo, assim, a empresa com maiores garantias.[22]
Com o surgimento da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, em verdade, houve, deste então, uma tendência a reduzir o número de empresas de “fachada”, isto é, empresas simuladas.
A possibilidade de constituição da EIRELI, portanto, tende a reduzir o número de empresas com composição societária simulada e ainda incentivar o empreendedorismo pela possibilidade do empresário poder limitar seu risco, comprometendo apenas o capital destacado para a atividade. Porém, esse novo tipo empresarial traz características peculiares próprias não presentes em qualquer outro tipo, em especial com relação à exigência de capital mínimo e totalmente integralizado para a sua constituição.[23]
Com efeito, a supressão na maior parte dos casos da existência de empresas constituídas de maneira irregular tende a ocorrer a partir dos benefícios e incentivos notadamente oferecidos pela inserção da EIRELI no âmbito empresarial brasileiro.
Com o propósito de fomentar o desenvolvimento dos mais diversos setores não é incomum, v. g., a prática legislativa de facilitar a abertura de empresas tal qual a previsão de um amplo espectro de benefícios àquelas já existentes.[24]
As pulsões econômicas experimentadas a partir da segunda metade do século XX no Brasil, no que diz respeito à organização imposta por um mundo cada vez mais globalizado e interconectado, transformaram as necessidades mercantis substantivamente.[25]
A revolução tecnológica levada a efeito pelos meios digitais de acesso e difusão de informações operaram uma verdadeira evolução nos mercados, agora caracterizados por uma pluralidade cada vez mais acentuada no que tange à oferta de produtos e serviços nos mais diversos setores, desta maneira, incentivando a concorrência e a abertura dos investimentos a novos horizontes de dinamismo empresarial.[26]
O legislador brasileiro, a par dos acontecimentos, em meados da década de 70,[27] percebeu que, ante ao estado de coisas que se verificava, a situação do pequeno empresário, em contrapartida ao imenso poder dos grandes empresários, achava-se demasiadamente precária e, por conseguinte, indisposta para responder aos anseios do mercado e da própria necessidade da concorrência.
Isso, com efeito, adveio do pensamento que já tomava densidade, com a adoção da teoria da empresa pelo CC/02 e contrapartida à teoria dos atos de comércio do Código Comercial de 1850.
Rubens Requião, em análise conjuntural, vai comentar que:
Discute-se, atualmente, no Direito Comercial, a reforma da empresa comercial, como uma nova etapa da evolução de seu estado de direito. Sem dúvida a introdução do conceito de empresa no Direito moderno modificou profundamente a estrutura do sistema capitalista clássico. O poder absoluto que o comerciante ou chefe de indústria detinha foi sendo progressivamente podado, pelas novas concepções sociais, sob o impulso progressista da luta de classes. Transigiu o capitalismo, concedendo poderes à classe proletária, como o advento das ideias e da concepção ampla da empresa.[28]
Não há que se falar, portanto, em moléstia ao texto constitucional, porquanto ainda que se sopesasse uma ou outra circunstância desfavorável à inserção da EIRELI pairam, em maioria, aquelas indicadoras dos benefícios.
III - Conclusão
Não foram feridos os princípios da Carta Magna, tampouco os pertinentes às legislações infraconstitucionais, porquanto houve, a bem da verdade, a mais correta e adequada fruição dos mesmos, segundo um critério de proporcionalidade.
Ora, a incidência do princípio fundamental da proporcionalidade encontrou aqui o seu mais alto lócus, que é justamente a correção histórica de uma desigualdade, vivida por diversas pessoas empresas que não detinham a equânime possibilidade de adentrarem no contexto das contratações públicas, antes dominado por setores fechados, seja na prestação de serviços, seja no fornecimento de bens.
Desta maneira, justifica-se o tratamento inovador que facilita o acesso das pessoas físicas, e jurídicas onde couber, a formação de empresa cujo fito seja realizar a separação patrimonial ligada à atividade e à particularidade do sujeito.
Diz-se, enfim, pela justa interpretação da Lei nº 12.441 de 11 de julho de 2011 para a ampliação substantiva da livre iniciativa e concorrência, mandamentos principiológicos que promovem a inserção adequada e deveras necessária das empresas cuja formação e consolidação encontram-se em franco desenvolvimento e à espera de melhores oportunidades.
Notas
[1] Cf. ADI 4637.
[2] Grifo nosso.
[3] Cf. Resposta da AGU na ADI 4637.
[4] (RE 565.714, Rel. Min. Carmen Lucia, julgamento em 30.4.2008, Plenário, DE de 8.8.2008, com repercussão geral.)
[5] No mesmo sentido: ADPF 151.MC, Rel. p/ o ac. Min Gilmar Mendes, julgamento em 2.2.2011, Plenario, DJE de 6.5.2011; AI 714.188.AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 2.12.2010, Primeira Turma, DJE de 1o.2.2011; RE 558.549.AgR, Rel. Min. Marco Aurelio, julgamento em 6.4.2010, Primeira Turma, DJE de 1o.7.2010; AI 704.107.AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 8.9.2009, Segunda Turma, DJE de 16.10.2009; AI 395.455.AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 23.6.2009, Segunda Turma, DJE de 7.8.2009; AI 344.269.AgR.AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23.6.2009, Segunda Turma, DJE de 7.8.2009; RE 557.727.AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 19.8.2008, Segunda Turma, DJE de 12.9.2008. Em sentido contrario: RE 452.205, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 11.10.2005, Segunda Turma, DJ de 4.11.2005.
[6] Cf. Resposta do AGU, op. cit., p. 6.
[7] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 259.
[8] REALE, Miguel. Inconstitucionalidade de congelamentos. Folha de São Paulo, 19 out., 1988, p. A-3.
[9] PETTER, Lafayete Josué. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.186.
[10]GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.15.
[11] PETTER, op. cit., p.166.
[12] (AC 1.657?MC, voto do Rel. p/ o ac. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27?6?2007, Plenário, DJ de 31?8?2007.)
[13] Cf. ZAGO, Felipe do Canto. A exploração da atividade econômica pelo Estado. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2877, 18 maio 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19138>. Acesso em: 6 nov. 2012, passim.
[14] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 986-987.
[15] Cf. BRANCO, Luiz Carlos. Equidade, Proporcionalidade e Razoabilidade. São Paulo: RCS, 2006, passim.
[16] Cf. QUARESMA, Regina; OLIVEIRA, Maria Lúcia de Paula; OLIVEIRA, Farlei Martins Riccio de (Coords.). Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro: Forense, 2009, passim.
[17] .(ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3.11.2005, Plenario, DJ de 2.6.2006.)
[18] SARHAN JÚNIOR, Suhel. Direito Empresarial à luz do Código Civil e da Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 18.
[19] Idem, ibidem, p. 18-19.
[20] ANTONIAZI, Elcio Augusto. A empresa individual de responsabilidade limitada. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3032, 20 out. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20226>. Acesso em: 21 mar. 2013, p. 2, grifos do autor.
[21] SARHAN JÚNIOR, Suhel, op. cit., p. 16.
[22] Idem, ibidem, p. 16-17.
[23] ANTONIAZI, Elcio Augusto, op. cit., p. 3.
[24] É o caso, por exemplo, da Lei Complementar n. 123/2006 que prevê tratamento diferenciado às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Cf. NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresarial – Teoria geral da empresa e direito societário. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 71 e ss.
[25] Cf. PINHO, Diva Benevides; VASCONCELLOS, Marco Antonio S. (Orgs.). Manual de Economia. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 101-109.
[26] Cf. GIDDENS, Anthony. O mundo na era da globalização. Trad. Saul Barata. 5ª ed. Lisboa: Presença, 2005; SCHUMPETER, Joseph Alois. Fundamentos do pensamento econômico. Rio de Janeiro: ZAHAR, 1968.
[27] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 30ª ed. Vol. 1. Rev. Atual. Saraiva: São Paulo, 2011, p.88.
[28] REQUIÃO, Rubens, op. cit., p. 23.