Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

José Dirceu, José Genoino e Antonio Palocci no Monte Sacro

Ou como a evolução legislativa de Roma ajuda-nos a compreender o Brasil atual.

Agenda 23/11/2013 às 12:06

Dos três petistas que ganharam imenso destaque durante o governo Lula, apenas dois foram presos. Um deles, aquele que comprovadamente enriqueceu exageradamente, está livre e não corre o risco de ser preso.

Ao narrar o episódio da retirada da plebe para o Monte Sacro, Tito Lívio (Ab Urbe Condita Libri) afirma que Roma ficou dominada pelo terror e enviou Menênio Agripa, “...varão eloqüente e estimado pelo povo por suas origens...” para tentar convencer a plebe a retornar a Roma. O historiador romano friza que "...diz-se que ele se limitou a narrar na linguagem rude da época o seguinte apólogo...” acerca da revolta dos membros contra o estomago, fazendo-os compreender que patrícios e plebeus dependiam uns dos outros.

É óbvio que Tito Lívio atenuou a solução dada àquele conflito político e social, que ele se recusou a narrar em detalhes quais teriam sido as concessões feitas aos revoltosos. Tanto isto é verdade que nem mesmo ele parece considerar verdadeira a versão de que a plebe cedeu em razão do apólogo, que “diz-se” ter sido narrado. Assim, tudo indica que foi o Senado que cedeu algo desejado pela plebe, algo que os patrícios não estavam em condições de recusar diante da determinação dos revoltosos.

No capítulo seguinte, Tito Lívio relata a criação do tribunato da plebe que teria ocorrido depois que Menênio Agripa fez os revoltosos mudarem de opinião. Afirma o historiador que tratou-se “...dos meios de reconciliação com a plebe e através de concessões decidiu-se...” Tal como foi narrada, fica parecendo que a criação do tribunato foi uma liberalidade do Senado após a plebe retornar a Roma e não fruto das negociações ocorridas no Monte Sacro durante a revolta.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A cuidadosa narrativa deste episódio dá a entender que Tito Lívio optou por não transformá-lo num exemplo para os leitores, principalmente se eles fossem plebeus. A dinâmica da aparência/essência, que sempre dominou a cena política de uma Roma dividida entre patrícios e plebeus, acabou sendo transportada para a narrativa histórica.

Nunca saberemos exatamente o que ocorreu no Monte Sacro. Contudo, a criação do tribunato da plebe é um dos momentos mais importantes da história da república romana. A magistratura inviolável, que somente podia ser ocupada por plebeus e tinha caráter sacrossanto, conferia ao tribuno o poder de interceder contra os cônsules e todos os outros magistrados, com exceção do ditador eventualmente nomeado. O tribunato da plebe ajudaria a equilibrar as disputas políticas entre patrícios e plebeus.

A absorção da divisão social no interior da própria administração da cidade criou um sistema de freios e contrapesos que certamente interessava aos patrícios. Afinal, seus privilégios correriam menos riscos quanto mais os interesses dos plebeus estivessem aparentemente satisfeitos.

Na prática, entretanto, o próprio tribunato da plebe acabou se transformando num elemento a mais no jogo político de aparência/essência, pois não poucos foram os tribunos cooptados pelos patrícios. Foi o que ocorreu, por exemplo quando da aliança entre os veienses e estrucos. Na oportunidade, empregando “...os antigos cônsules de sua influência pessoal conseguiram, uns por reconhecimento, outros pela consideração de que gozavam junto a eles, que os tribunos pusessem sua autoridade a serviço da república.” Entretanto, os patrícios nem sempre foram tão benevolentes, pois os tribunos menos maleáveis à persuasão foram simplesmente executados. Foi o que ocorreu no caso de Cneu Genúcio, eliminado por estimular os plebeus a exigirem uma reforma agrária.

Um pouco mais adiante, o historiador romano retoma a rebelião da plebe quando critica um cônsul cuja fraqueza teria acarretado a aprovação de “...leis mais perigosas do que as outrora aceitas no monte Sacro.” Este fragmento confirma a suspeita anteriormente levantada de que a narrativa que Menênio Agripa teria feita no Monte Sacro é inteiramente fantasiosa.

Este episódio é importante, pois nos ajuda a compreender o que ocorreu no Brasil recentemente. Antonio Palocci Filho, José Dirceu e José Genoino, todos filiados ao PT e que ocuparam postos chaves no governo Lula, por motivos distintos foram acusados de serem corruptos. O primeiro está em liberdade e teve arquivados todos os inquéritos que apuravam seu suposto enriquecimento ilícito; os dois outros acabaram sendo presos mesmo sem terem enriquecido ilicitamente. Palocci foi cortejado financeiramente pela elite brasileira a quem serviu bem quando foi Ministro. José Dirceu e José Genoino tiveram mesmo destino que Cneu Genúcio porque não eram tão tolerantes e fizeram aprovar "leis mais perigosas do que as que outrora aceitas" pela elite brasileira?

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!